Paulo Roberto de Almeida:
“Mudanças de regime econômico na história do Brasil:
transformações estruturais, evolução institucional”,
Revista de Economia Política e História Econômica
(ano 10, n. 34,
agosto de 2015, p. 169-225; ISSN: 1807-2674;
Relação de Originais n. 2701; Publicdos n. 1189.
Excerto:
1. Mudanças
políticas e alterações de regimes econômicos: o panorama geral
As sociedades modernas avançam normalmente por
meio de uma combinação de transformações estruturais com algum aperfeiçoamento institucional,
ou, numa linguagem marxista, com alterações na estrutura econômica e mudanças
na sua superestrutura política. Mas não se trata, obviamente, da luta de
classes como motor da história, e sim do lento acumular de progressos na base
material com a construção de instituições que acomodam, facilitam e
potencializam esses progressos, por meio da incorporação – se possível de forma
consensual – de novas normas e regras que reforçam a adesão de todos a um
conjunto de situações e relações recíprocas que apontem para maior bem estar e
prosperidade.
Obviamente, nem todas as sociedades
avançam, e algumas até recuam na escala civilizatória, mas, com exceção de
períodos de decadência institucional ou de retrocessos materiais (que podem ser
de maior ou menor duração), a constatação que pode ser feita nos últimos três
séculos de história da humanidade – grosso modo desde a Revolução Industrial –
é que existe uma evolução constante, ainda que irregular, em direção a maiores
patamares de riqueza e de segurança para a maioria dos povos. A partir da
criação dos Estados nacionais – um processo que teve início muitos séculos
atrás na civilização chinesa, mas que só tomou as formas conhecidas na era
moderna na Europa pós-Renascimento – a maioria das nações se organizou em
territórios bem definidos, com jurisdições mais ou menos respeitadas pelos
demais Estados soberanos, e daí se passou a construir o moderno sistema
internacional, uma construção ainda imperfeita, mas que hoje se identifica com
as organizações multilaterais da família da ONU e outras acessórias, algumas
até relevantes, como as de Bretton Woods e a OMC.
O crescimento econômico contemporâneo é o
resultado de um lento processo de transformações estruturais na base econômica
das sociedades – grosso modo, as revoluções industriais ocorridas a partir do
final do século 18 – e da maturação das políticas públicas em um seleto grupo
de países, justamente aqueles reunidos na OCDE. A entidade com sede em Paris,
surgida em 1948, existente na presente forma desde 1960, é normalmente
identificada como um “clube de países ricos”, um número mais ou menos estável
desde várias décadas, mas incorporando progressivamente certo número de
emergentes (Japão, Coreia, México, Chile, etc.).
Evidências empíricas coletadas ao longo
de décadas, inclusive pela própria OCDE, em diversos países, já demonstraram
que, independentemente do nível de desenvolvimento econômico, cargas fiscais
mais elevadas se traduzem quase naturalmente em níveis mais modestos de
crescimento econômico.
Ou seja, a partir de certo patamar de tributação, o volume de recursos da
sociedade apropriado pelo Estado deixa de ser um fator de estímulo ao
crescimento – como poderia ser a concentração de riqueza destinada não ao
consumo, mas ao investimento – para se tornar um fator redutor do crescimento
da renda e da riqueza social; isso acontece se o Estado destinar maior volume
de recursos ao consumo, ou à distribuição desvinculada da produtividade, ou às
suas próprias despesas, isto é, à máquina pública e aos que a servem.
Já existem evidências estatísticas
suficientes para demonstrar que o Brasil alcançou tal situação, uma vez que as
séries históricas mais recentes indicam forte tendência ao baixo crescimento
econômico, associada a gastos públicos crescentes. Ou seja, já ocorreu uma
mudança de regime econômico, e ele parece implicar baixo dinamismo e reduzida
inclinação para taxas mais consistentes de criação de riqueza e de prosperidade
para os brasileiros. Se os dados apresentados são consistentes com os argumentos
acima desenvolvidos – e eles o são, contra quaisquer outras evidências em
contrário – resta, portanto, discutir possíveis políticas públicas que
redundariam numa inversão de tendência, ou seja, medidas favoráveis à retomada
de taxas mais sustentadas de crescimento, com moderação nos níveis de carga
fiscal, nem sempre consistentes com a melhor distribuição de renda na
sociedade.
Grandes mudanças de regime
econômico costumam corresponder a mudanças sensíveis no ordenamento
político-constitucional, como foi o caso no Brasil desde os anos 1930, no
decorrer dos anos 1960, e também na segunda metade dos anos 1980, o que cabe
examinar com atenção nas seções seguintes deste ensaio. Não se pode dizer,
aliás, que as mudanças tenham terminado com a Constituição em vigor (de 1988),
uma vez que ela já acumula várias dezenas de emendas, muitas delas voltadas
para direitos coletivos ou individuais, sempre em constante ampliação.
Alterações também vêm ocorrendo de forma constante, com grande ênfase,
justamente, nos ordenamentos econômicos setoriais; aqui se destacam as reformas
no sistema tributário, não no sentido de reduzi-lo, ou simplificá-lo, mas para
regular a distribuição dos recursos públicos, com um comprometimento cada vez
maior das receitas de impostos com gastos pré-determinados (processo
vulgarmente chamado de engessamento orçamentário). O Brasil é um caso único
entre os países emergentes com um carga fiscal equivalente ou superior à de
vários países avançados, com renda per capita superior à de seus cidadãos na
escala de cinco a seis vezes. Existe aí uma clara distorção de seu regime
econômico,....
(...)
Continuar a leitura no link da revista: https://drive.google.com/file/d/0B2cUT02EXXyLVHRrSDNldTJHTzg/view
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