Crônica
final de um limbo imaginário?
Paulo Roberto de Almeida
O que é o limbo? Limbo, segundo os dicionários, representa,
na teologia cristã, uma região entre a terra e o inferno, um refúgio para as
almas dos homens bons, que viveram antes da chegada de Cristo, ao qual também
estavam destinadas as almas das crianças não batizadas.
Num sentido civil, pode aproximar-se de uma espécie de
prisão, ou confinamento. No sentido mais comum do termo, seria um lugar ou a
condição de negligência, ou de esquecimento, aos quais seriam relegadas coisas
ou pessoas não desejadas.
Enfim, estas são as definições que retirei do Webster's New Universal Unabridged
Dictionary (2nd edition; New York: Simon and Schuster, 1979): podem
conferir na p. 1.049.
Entretanto, parece que a própria teologia cristã abandonou
esse conceito, que deve ter sido inventado em algum momento especialmente
inovador do cristianismo primitivo, para dar conta daquelas situações ambíguas,
nas quais o sujeito, ou a criança, nem merecia o fogo do inferno, nem estava
habilitada a gozar das delícias do paraíso. Não sei sob qual papa foi adotada
essa supressão totalmente inconveniente, pois eu teria vontade de protestar,
mesmo a posteriori. Não se faz isso com cidadãos desajustados, filósofos
heterodoxos, almas inquietas, contestadores profissionais, como podem ser os
anarco-libertários como eu.
Mas, se os teólogos acabaram com o limbo, para onde irão as
almas nem tão penadas assim, nem tampouco virtuosas, que ficam sem escolha (ou
sem destino) entre o inferno e o paraíso? Situação complicada para seres
controversos, como este que aqui escreve, nem tão corporativo para merecer a
confiança de colegas de guilda, nem tão contestador para merecer degredo ou
banimento. Não se pode planar eternamente na estratosfera, inclusive porque ela
é rarefeita (e não tem canal de notícias nem internet, para nada dizer de uma grande
biblioteca e de uma boa ducha, sem esquecer café expresso).
Pois bem. Creio que estou chegando ao final de meu limbo
institucional, ou seja, uma longa travessia do deserto no qual estive, não
necessariamente em prisão fechada, mas numa espécie de confinamento, do mesmo
tipo daquele que se reserva a pessoas que atuam, pensam ou reagem de maneira
diferente, razão pela qual elas devem ser encaminhadas ao deserto (mas também pode
ser uma espécie de cerrado, mato agreste, ou qualquer outra situação denotando
uma condição áspera, difícil, de isolamento ou de dificuldade, enfim, ostracismo
total). Não foi de todo mau: pelo menos não me colocaram tornozeleira
eletrônica, o que por sinal me habilitou a andar por aí, leve, livre e solto
(mas com mesada reduzida), podendo falar o que queria, sans Dieu, ni Maître...
Não me decidi ainda, sobre o que vou fazer agora que estou
fora do limbo (que confesso nem sei onde ficava, mas ele era uma condição de
espírito, não uma situação geográfica), mas, de todo modo e desde já, vou tratar
de adotar uma atitude de cautela, pela qual todas as minhas ações serão
cientificamente calculadas, e depois registradas, para ver se não volto a
cometer alguma bobagem que me habilite a enfrentar um novo limbo, numa nova fase,
tanto profissional, quanto acadêmica ou pessoal. Uma coisa é certa, não vou
deixar de escrever, ainda que com tinta invisível, como convém em certas
situações...
Sempre acreditei que as pessoas são responsáveis, em grande
medida (senão totalmente), pelo seu próprio destino, na medida em que fazem
escolhas, adotam posturas, assumem atitudes que as colocam em maior ou menor
conformidade com o seu meio social, com o seu ambiente profissional, com o seu
universo de relacionamentos e de interações. Elas são (eu sou) o resultado de suas
(minhas) próprias escolhas, ainda que outras pessoas possam ter contribuído,
direta ou indiretamente, para a sua (minha) própria condição.
Não cabem remorsos, ou lamentações, ainda que exercícios de
reflexão e revisões críticas de trajetórias passadas (e presentes) sejam sempre
desejáveis, na perspectiva de corrigir o que estava (ou ainda está) errado e
impulsionar caminhos mais atrativos, ou interessantes. Cabe, talvez,
estabelecer algum plano de trabalho para enfrentar os desafios futuros, não
mais os anos de travessia de algum deserto particular, mas as novas planícies e
planaltos que convidam a uma serena caminhada. Com GPS é mais fácil chegar, mas
vou continuar lendo enquanto caminho.
Terminando, e resumindo, confesso que a palavra limbo
talvez não seja adequada, uma vez que nunca deixei de trabalhar, e de
socializar meus pensamentos, reflexões, escritos e outras formas de verbalização
do que penso (sobretudo numa era na qual os meios de comunicação são tão
fartos, tão fáceis, tão baratos). A palavra representa, em todo caso, um
conceito útil para definir o fim de uma etapa e o início de outra, esperando
que eu não retorne a essas paragens tão desconhecidas quanto imaginárias, em
busca de algum destino mais apropriado.
Vale!
Brasília, 1 de julho de 2016.
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