Por isso mesmo, bem antes das eleições, já em agosto de 2002, eu "mandava" uma carta ao futuro presidente, fazendo as minhas sugestões de políticas públicas.
Acho que nenhuma delas foi implementada.
Que tal tentar outra vez?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/10/2017
Carta Aberta ao Próximo Presidente
(qualquer que seja ele)
Paulo
Roberto de Almeida
Washington, agosto de 2002
Escrevo estas recomendações genéricas no final do mês de agosto de 2002,
quando a campanha eleitoral ainda está longe de revelar o perfil definitivo do
possível vencedor do pleito presidencial do primeiro ou, mais provável, do
segundo turno do próximo mês de outubro, muito embora seja quase certo que a
disputa se passe entre os três principais contendores já objeto das pesquisas
de opinião, à exclusão de qualquer outro concorrente. Salvo acidente de
percurso, um dos três pretendentes que estão à frente das simulações até aqui
realizadas receberá a faixa presidencial de seu atual detentor, no início de
janeiro de 2003, confirmando assim a evolução do sistema político brasileiro na
direção de um regime democrático maduro, por certo ainda fragilizado por várias
imperfeições institucionais e, sobretudo, por graves mazelas sociais, mas já
confirmado em sua estabilidade transicional.
De resto, pouco importa o nome do vencedor final, na medida em que meu
texto tem apenas o objetivo de chamar a atenção para algumas regras de conduta
válidas para qualquer um deles, sendo apresentadas sob a forma aparentemente
objetiva (quero crer, pelo menos) de recomendações “técnicas”, desprovidas de
cunho ideológico ou de orientação econômico-social, ainda que não isentas de
algumas preferências pessoais. Para ser totalmente honesto, esclareço de
imediato que minhas opções vão obviamente no sentido da mudança – que todos os
candidatos, com maior ou menor sinceridade, dizem encarnar –, em especial no
sentido de, por uma vez, privilegiar os mais pobres e os excluídos – categorias
que também parecem merecer a atenção de todos eles –, eternos objetos das
preocupações eleitorais mas raramente dos programas efetivos de governo.
Vejamos, portanto, algumas ideias simples que já devem ter passado pela
cabeça dos próprios candidatos – homens treinados há longo tempo no jogo da
alta política – e que podem também ter sido relembradas por alguns dos
“conselheiros do príncipe” candidatos a assessores presidenciais. Estas
recomendações são publicadas preventivamente, elas não estão dirigidas contra
ou a favor de qualquer um dos candidatos e não pretendem dar base a nenhuma
política governamental específica: elas se situam na tradição do método
socrático de questionamento direto. A ordem dos fatores, como se diz, não
altera o produto.
Senhor próximo Presidente da República:
1) Não tente inovar apenas para se diferenciar de seu
predecessor.
Candidatos costumam exagerar nas diferenças, o que é normal. Condenam
tudo o que vem sendo feito pelo ocupante do cargo e prometem grandes mudanças
desde o primeiro dia, o que deve ser aceito como parte do jogo eleitoral. O
complicado, porém, seria o recém empossado acreditar que tal receita deve ser
seguida à risca e começar por introduzir medidas de efeito contrário, apenas
pelo desejo de demonstrar distanciamento em relação a “tudo isso que está aí”,
provocando descontinuidades administrativas (e portanto custos reais de funcionamento
e paralisia temporária da máquina) apenas para satisfazer o ego mudancista de
quem pregou tal tipo de atitude política ao assumir. Isto se aplica, por
exemplo, à promessa de vários candidatos de trazer mais agressividade à
política comercial brasileira e de expandir enormemente as exportações mediante
a criação de um ministério, de uma secretaria ou de um instituto de
comércio exterior: não se vê bem em quê
uma nova burocracia estatal venha a mudar terrivelmente os dados (estruturais)
do problema.
Fazer política com sinal trocado apenas para se demarcar ou se
diferenciar do seu adversário ou antecessor costuma ser sinal de infantilidade
política, não de maturidade.
2) Cuidado com as más companhias.
Em geral, desconfie – se puder afaste-se – de capitalistas nacionais, de
investidores estrangeiros, de banqueiros bonzinhos, de sindicalistas ativos, de
universitários cheios de ideias, enfim, de membros da “elite pensante” de modo
geral, incluindo aí os “acadêmicos progressistas”, que lhe trazem uma nova “ideia
genial” para resolver tal ou qual problema nacional ou alguma angústia social.
Esses agentes de “políticas estratégicas” são especialistas em apresentar
demandas setoriais ou necessidades particulares travestidas como se fossem
grandes programas nacionais, que geralmente vão custar uma boa fatia de
orçamento (ou alguma isenção fiscal ou vinculação tributária) para serem
implementados.
Se não puder dispor de uma boa equipe de tecnocratas com quem discutir e
se aconselhar, promova reuniões abertas e seminários de trabalho nos quais
todos os grupos de interesse poderão apresentar claramente suas propostas de
“prioridades nacionais”. Depois faça a burocracia do planejamento estatal medir
os custos e avaliar as condições de implementação, inclusive os resultados
esperados. Em geral, vai-se descobrir que todos esses programas já foram
pensados antes e deixados de lado por falta de dinheiro ou desvio de objetivo
prioritário.
Claro, não deixe de receber representantes dessas digníssimas categorias
que encarnam o “interesse nacional”, mas esteja prevenido. Cada vez que algum
deles vier lhe pedir algum dinheiro para um “programa especial”, pergunte
apenas o valor desejado, anote o montante num papel à parte, diga que o
“programa será pensado” e não faça nada do que foi pedido. Ou melhor, “desvie”
o exato montante do dinheiro pedido para algo ainda mais necessário, geralmente
saúde e educação dos mais pobres, que geralmente têm poucos representantes para
enviar ao presidente da República.
Uma última palavra em relação à tecnocracia, geralmente vilipendiada nos
meios políticos e aos olhos da opinião pública: ela é melhor do que se pensa e
do que a caricatura dos políticos tende a fazer acreditar. Geralmente se trata
de técnicos bem formados, alguns com experiência prática no setor privado,
vários praticando atividades acadêmicas em complementação ao salário e dotados
de experiência da máquina pública, com um certo sentido do que é possível
realizar, e dos limites orçamentários também. Quanto aos “intelectuais públicos”,
desconfie absolutamente deles: eles raramente têm “controle de qualidade” e se
permitem opinar sobre tudo como se conhecessem tudo.
3) Não atenda a grupos especiais de interesse em troca de
apoio político
Trata-se de um desdobramento da regra anterior, mas aqui com um sentido
prático de formulação de políticas e alocação de recursos orçamentários. O
candidato passou a campanha recebendo ou sendo recebido por associações
nacionais de produtores, sindicatos de trabalhadores, agrupamentos de patrões, órgãos
de classe e de ramos industriais e agrícolas, para não falar dos poderosos
banqueiros e representantes de Wall Street. A todos eles prometeu desenvolver
uma política de favorecimento e de estímulo, se dispondo de imediato a
constituir câmaras setoriais, grupos de trabalho, comitês de acompanhamento e
tudo o que mais servir para ganhar votos adicionais naquela área ou setor. Como
se sabe, isso também faz parte do jogo eleitoral.
Eleito, esqueça tudo isto, passe uma borracha no seu caderninho de
endereços de associações de classe, pois a pior coisa que poderia ocorrer ao
Presidente no cargo seria ficar prisioneiro de políticas setoriais, tentando
agradar a todo mundo ou confirmando que aquele “setor estratégico” merece, sim,
tratamento especial e diferenciado. Esses programas geralmente implicam em
subsídios ou renúncia fiscal, o que é a melhor forma de deixar quem já é rico,
mais rico ainda. Dê um “bye-bye” discreto à burguesia nacional e vá tratar de
quem realmente merece tratamento de favor: os mais pobres e desvalidos, que não
dispõem de associações de classe para reivindicar melhores escolas, melhores
hospitais e maternidades, melhores condições de segurança em seus bairros,
enfim, todos aqueles que não reivindicam nenhuma política setorial, mas tão simplesmente
políticas universais de equalização de chances para quem não tem chance na
vida.
Quanto aos ricos e famosos, seja claro e transparente com eles:
políticas horizontais, regras amplas, transparentes e claras são melhores do
que políticas setoriais, pois assim ninguém poderá ser acusado de discriminação
contrária. Se der para um, será difícil negar ao outro, por isso a fórmula
ideal seria tratar todos da mesma forma. Como regra de princípio, os setores
mais dinâmicos da economia são geralmente aqueles que, justamente, por não
dispor de nenhum tratamento de favor, são obrigados a competir no mercado, e
por isso mesmo se tornam fortes e competitivos. Os que vivem de prebendas
fiscais geralmente se acostumam na facilidade e são tremendamente chorões na hora
de desmamar. Para não assistir a estas cenas de indizível sofrimento, comece
não distribuindo doces.
4) Não confie na onipotência do Governo.
O governo é forte, mas não é Deus. Ele geralmente tem alguma sapiência,
mas muito pouca onisciência, uma vez que depende de burocratas e de assessores
novatos, e está sempre cercado de aduladores da corte, de aproveitadores e
oportunistas de todo tipo, como sempre acontece com qualquer governo. Sua
onipotência também se limita às páginas do Diário Oficial, nomeando e
movendo pessoas de um lado para outro, mas seu impacto na economia real é menor
do que aparenta, sobretudo quando dispõe de um orçamento todo amarrado em
obrigações constitucionais e transferências obrigatórias.
Por isso, não tente regular a economia como se o Executivo fosse mais
eficiente ou mais esperto do que o mercado. Controles de preços, administração
“temporária” de setores e outras formas de procedimentos regulatórios muito
intrusivos geralmente acabam causando mais dificuldades administrativas do que
resolvendo os “problemas do mercado”, como era a intenção inicial. Mesmo os
programas de “correção de injustiças sociais” e de “desigualdades estruturais”
acabam sendo geridos de maneira ineficiente pela burocracia estatal, quando não
terminam sendo objeto de corrupção por parte de políticos oportunistas. Por
isso, tente adotar soluções que estimulem a criatividade do próprio tecido
social e cujos mecanismos redistributivos sejam o mais possível
“market-friendly”. Apesar de que seus assessores “intelectuais” vão lhe dizer
que o mercado nunca resolveu o problema da desigualdade social, o que é em
parte verdade, não pense que programas estatais vão corrigir todas as mazelas
sociais que o País apresenta, historicamente.
Programas de capacitação educacional são a melhor forma de criar emprego
e distribuir renda, ainda que indiretamente e de forma gradual. Quando digo
capacitação educacional, estou referindo-me, básica e essencialmente, à nossa
velha conhecida escola primária, pública, gratuita e universal, não ao ciclo
superior, que costuma concentrar, como se sabe, a maior parte dos recursos
devotados à educação no País. Trata-se de restabelecer condições de igualdade:
a escola primária costuma ter poucos defensores nos altos escalões do governo,
ao passo que a universidade os tem demais. Por uma vez, precisaríamos ter um
presidente que se colocasse do lado dos mais fracos e que dissesse aos
universitários: “Sinto muito rapazes, vou agora cuidar das crianças; vocês
estão bem crescidinhos para poder cuidar de si mesmos”.
5) Não cometa os pecados do vizinho: protecionismo sempre
afeta os mais pobres.
Alguns assessores vão inapelavelmente lhe dizer que os países ricos
pregam o liberalismo, mas praticam o protecionismo, razão pela qual seu governo
deveria adotar, igualmente, políticas industriais ativas, políticas comerciais
defensivas, substituição de importações, tarifas altas nos “setores
estratégicos”, abertura seletiva, discriminação em favor dos fornecedores
nacionais, enfim, as velhas receitas da industrialização à la List.
Não acredite nisso. A integração à economia mundial ainda é a melhor
forma de criar empregos, trazer prosperidade e avanços tecnológicos, além, é
claro, de introduzir mais concorrência no mercado doméstico, o que, em última
instância, beneficia o consumidor mais pobre. A chamada “abertura unilateral”
da economia brasileira dos anos 90 – que não foi de verdade abertura, uma vez
que a tarifa média ainda é relativamente elevada, e teve muito pouco de
unilateral, já que coincidente com o processo de implantação do Mercosul – fez
muito mais para modernizar o sistema produtivo do que as décadas anteriores de
proteção comercial e investimentos estatais. Por isso, continue num processo
gradual de abertura da economia e não caia na tentação protecionista
generalizada apenas porque um determinado país tenta proteger algum setor
decadente (geralmente em prejuízo dos seus próprios consumidores e da
competitividade de sua indústria).
Da mesma forma, descarte totalmente a solução protecionista e subvencionista
para a agricultura, apenas porque os hipócritas dos europeus inventaram um nome
bonito – a tal de “multifuncionalidade” – para justificar o injustificável:
subsídios pornográficos para os seus ricos agricultores, que arruínam os
produtores de países mais pobres e os condenam a ainda mais miséria e falta de
oportunidades para suas economias dependentes de alguns poucos produtos
primários de exportação. Tampouco acredite, apesar das aparências, em conceitos
tranquilizadores como “segurança alimentar”: nem o Brasil, nem o Mercosul e
ainda menos o mundo padecem de qualquer tipo de insegurança alimentar. Há
alimentos para todos e não se prevê nenhuma grande ruptura “produtiva” que
provoque fomes ou outras tragédias alimentares. Uma agricultura funcionando em
condições de mercado é a que melhor convém aos interesses do Brasil, e por isso
gaste sua energia diplomática no combate ao protecionismo dos países ricos, não
concebendo programas “multifuncionais” ou de “segurança alimentar” para países
pobres.
6) Políticas sociais por via burocrática têm um alto custo de
administração.
Quantos programas ditos “sociais”, por indução estatal, já foram
implementados no Brasil? Muitos, não é verdade? Leite, habitação, emprego,
“vale” isso, “vale” aquilo…Tem notícia de que eles equacionaram os problemas
que se propunham resolver?
Em geral, programas de apoio a qualquer coisa que não passam pelos
preços de mercado acabam tendo um alto custo de administração estatal, pois
será preciso criar mecanismos de levantamento das necessidades, transferência
de recursos (geralmente em três níveis, o que envolve convênios, burocracia,
etc.), disponibilização de bens e serviços, sua distribuição efetiva, controle
de atendimento ao público-alvo, vigilância quanto ao bom uso dos recursos
públicos, prestação de contas, enfim, toda a parafernália conhecida (e provada)
da dilapidação gradual dos recursos nos vários escalões da burocracia estatal.
A perda é geralmente muito grande, indo de 10% à metade dos montantes para
atividades-fim.
Por isso, tente criar o mínimo possível de (ou simplesmente não criar)
programas sociais pela via tradicional da burocracia estatal. Renda e emprego
geralmente são bons canais para a compra de serviços e bens necessários, o que
é melhor resolvido pela boa gestão da economia como um todo, não pela indução
estatal de um ou outro setor.
Aliás, nenhum novo programa poderá ser criado sem a descontinuidade de
outros em curso, ou sem uma reorientação dos gastos públicos. A esta altura da
campanha, todos os candidatos já devem estar cansados de saber que a
Previdência Social, por exemplo, produz um déficit anual superior a 150 bilhões
de reais. Alguma ideia de como corrigir esse imenso “programa de alocações
sociais”? Favor encaminhar as sugestões ao Palácio do Planalto, à atenção do
gabinete do (próximo) Presidente.
7) Salário mínimo obrigatório diminui a empregabilidade e
prejudica os mais pobres.
A determinação oficial de um salário “mínimo” resulta na produção
informal de um desemprego “máximo”. Qualquer economista de bom senso diria que
salário mínimo fixado por decreto, em qualquer nível, dificulta a incorporação
ao mercado de trabalho dos menos favorecidos, que normalmente não possuem
qualquer qualificação profissional. Para empregar todos os (ou a maioria dos)
demandantes, o mercado deveria pagar o que ele mesmo estabelece como salário de
equilíbrio, não o que é decretado por alguma autoridade.
Alguma referência pode existir, para fins de decisões judiciais ou
previdência social (que aliás estremece a cada novo aumento do mínimo, o que ipso
facto aumenta o déficit e redunda em expansão da dívida pública), mas não
para fins do mercado laboral. A briga aqui será contra os sindicatos
profissionais e centrais sindicais de trabalhadores, mas estes, como deve ser
do conhecimento de todos, não defendem a causa dos mais pobres e sim a dos já
incluídos, quando não a da aristocracia operária. Quanto mais ampla for a
liberdade contratual no país, maior a taxa de ocupação dos mais pobres,
aqueles, justamente, para os quais programas complexos de assistência social
têm de ser desenhados na ausência total de outras fontes de renda. A capacidade
potencial de trabalho existe, são os regulamentos que impedem a demanda de
encontrar a sua oferta, ao fixar níveis artificiais de remuneração.
Aos que recusam essa realidade, uma única pergunta: não estaria disposto
a ter mais ajuda em serviços pessoais se dispusesse de maior flexibilidade nas
regras de contratação?
8) Esqueça o conceito “fixação da taxa de juros”; diminua a despoupança
estatal.
Trata-se de uma obsessão dos políticos: determinar um teto ou bandas
máximas para a taxa de juros, o que aliás já foi tentado constitucionalmente
(com os resultados que todos conhecemos). Não seria melhor o Presidente deixar
de se envolver com esse tipo de questão? Por que, por exemplo, não estabelecer
um Conselho de Política Monetária autônomo, com representantes de diversos setores
da sociedade, que se reúna em caráter confidencial para estabelecer os
patamares do redesconto oficial, e deixar o resto ao sabor da oferta e demanda
de meio circulante?
A obsessão com a diminuição da taxa de juros deveria enfocar, na
verdade, o esforço em diminuir a despoupança estatal, o principal fator que
afeta o nível dos juros no País. Uma vez diminuída a demanda governamental por
dinheiro em poder do público, os “banqueiros gananciosos” seriam obrigados a
voltar-se para aquilo que eles são supostos fazer em qualquer economia normal:
lutar no mercado para obterem clientes para sua mais importante mercadoria, o
crédito. Para que isso possa ocorrer, é claro que a necessidade de
financiamento do setor público deve cair para patamares mínimos. Um Presidente
inovador e realmente revolucionário deveria esforçar-se para atingir tal
resultado. E se estiver mesmo querendo vingar-se dos “banqueiros gananciosos”,
deixe-os ao relento, não emitindo mais títulos da dívida pública, por exemplo.
Esqueça também a pretensão de ter controle de preços, de qualquer tipo.
Aumentos abusivos e comportamentos anti-concorrenciais – como formação de
carteis e coalizões contra o interesse do consumidor – devem ser combatidos
pela aplicação rigorosa das leis de defesa econômica, não mediante preços
administrados.
9) Liberte-se da praga das concessões de rádio e TV; esqueça a
publicidade oficial.
Espetáculo lamentável esse, que deve envergonhar mais de um político e
as próprias autoridades: ser “obrigado” a implorar uma concessão de rádio ou
TV, um serviço público que pode e deve ser regulado por uma comissão
independente, estabelecida pelo Congresso com base em procedimentos e regras
transparentes, para ser “explorado” (no bom sentido da palavra) pela iniciativa
privada (ao lado de canais educacionais de interesse público relevante).
Termine de uma vez com essa deplorável barganha, que só serve para consolidar
feudos políticos viciados pela relação de poder econômico e corrupção
política.
Da mesma forma, liquide com essa figura abominável da “comunicação
social” do governo, que se presta por vezes a inconfessáveis manipulações.
Quando tiver anúncios de interesse público para fazer – campanhas de vacinação,
por exemplo – há maneira de requisitar, via legislação, o tempo adequado nos
canais privados. Quanto às realizações governamentais, disponibilize
simplesmente as informações e os meios de comunicação as divulgarão na medida
exata do interesse público.
10) Não acredite quando disserem que “direitos adquiridos” são
imutáveis.
Os juristas, frequentemente associados àqueles que deles se beneficiam,
lhe dirão que não é possível escapar à ditadura dos “direitos adquiridos”, hoje
concentrados nos regimes previdenciários especiais. Não acredite: não há, e não
pode haver, direito adquirido contra os interesses maiores da sociedade,
bastando que uma simples norma constitucional disponha a respeito. Não é
preciso atingir os benefícios dos atuais contemplados – uma cláusula de
transição pode regular os direitos “semi-adquiridos” dos entrantes –, mas é
possível, sim, terminar com privilégios abusivos de toda uma categoria de
espertos que construíram mecanismos de transferência de renda do conjunto da
sociedade para a sua casta particular de beneficiados com regimes especiais, em
detrimento dos mais pobres.
Seja revolucionário: dê um basta na iniquidade social que é representada
pelo regime desigual de repartição do sistema previdenciário e caminhe para um
sistema justo e igualitário, baseado nas contribuições efetivas. Programas de
capitalização podem ser regulados como complementares aos sistema público, não
como seu substituto absoluto.
11) Tente acabar com o feudalismo
laboral e o regime de guildas profissionais.
Sempre existe alguém disposto a disciplinar o acesso ao mercado de
trabalho num sentido restritivo. Resista a essas manobras que não atendem ao
interesse público. Se possível, reduza ao mínimo essas guildas medievais e os
regimes fechados representados pelas corporações de ofícios, qual um regime de
castas impenetráveis. Com exceção daquelas profissões regulamentadas que
apresentam problemas de segurança pública e que podem colocar a vida humana em
risco, a maior parte das ocupações humanas pode ser exercida por pessoas
devidamente qualificadas e formadas, o que será regulamentado no próprio
contrato de trabalho, não por uma norma pública de “reserva de mercado”. Existe
alguma razão razoável para impedir um economista de trabalhar como jornalista?
Um professor de história precisa ter um registro profissional concedido pela
própria guilda? Exames de seleção abertos são os que mais servem à sociedade e
aos requisitos de uma economia dinâmica e flexível.
12) Uma última ideia maluca: tente inovar do ponto de vista tributário.
O mais difícil problema de sua presidência, aquele do qual depende em
grande medida o dinamismo da economia e a competitividade externa dos produtos
de exportação, refere-se à estrutura tributária. Ademais, como financiar todas
aquelas promessas de campanha, atender de modo equânime a gregos e goianos?
Dificilmente se alcançará um acordo em torno do regime ideal e da justa
repartição das receitas e das obrigações e encargos. A pressão tributária
chegou ao ponto da exação fiscal e não há maneira de aumentar dramaticamente o
nível de arrecadação e a qualidade dos mecanismos de controle por via do atual
sistema.
Nessas condições, por que não tentar a revolução do imposto único, a
contribuição universal sobre as transações financeiras? Sua incidência
cumulativa – e portanto prejudicial do ponto de vista produtivo – poderia ser
corrigida por algum tipo de compensação a ser determinada por estudos
econométricos baseados na cadeia de insumo-produto.
Mande fazer simulações quanto ao nível de arrecadação e desenvolva
modelos quanto ao regime de transição ideal, com alguma sobrecarga temporária
para financiar a passagem de um sistema a outro. As vantagens podem ser
superiores ao simples aspecto tributário: a governança no Brasil poderia estar
se libertando de uma das maiores fontes – ativas e passivas – de corrupção no
sistema público que se conhece desde os tempos da nefanda derrama colonial.
Pode ser uma ideia maluca: mas não custa nada mandar estudar seriamente, com
toda a isenção que requer um princípio revolucionário. Recicle depois os
fiscais tributários como professores de administração. Será melhor para eles e
para o País.
Assinado, seu (eventual) eleitor: Paulo Roberto de
Almeida
Washington, 31 de agosto de 2002 [937]
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