Vou retomar o mesmo hábito em direção das eleições de 2018.
Paulo Roberto de Almeida
O PROJETO EXTERNO COMO
PROJETO NACIONAL
A política externa na campanha presidencial de 2002
31 de março de 2002
O Brasil prepara-se para atravessar, desde a
redemocratização de 1985, o seu quarto escrutínio eleitoral geral envolvendo
uma campanha presidencial. Na campanha de 2002 os temas de política externa
estarão bem mais presentes do que em 1989, em 1994 ou em 1994.
Nas primeiras eleições livres
para presidente, desde a de 1960, o debate eleitoral esteve dominado e dividido
entre as promessas miríficas de um demagogo, Collor, e a utopia socialista de
um candidato operário, Lula. Em 1989 defrontaram-se duas concepções do mundo: a
modernização capitalista proposta por uma cidadão de baixa estatura moral e o
distributivismo fácil de um despreparado bem intencionado. Ganhou a promessa de
reformas capitalistas, mas o presidente revelou-se a maior fraude política já
conhecida na história do Brasil.
Em 1994, quem ganhou não foi
um candidato, mas uma promessa de estabilidade econômica. Levou fácil, no
primeiro turno, contra a mesmice de todos os demais candidatos, inclusive o
símbolo da classe operária, que continuava a apostar na redenção salvacionista
do Estado distributivista. Em 1998, repetiu-se o mesmo cenário: o povo
continuou a votar pela estabilidade econômica, contra todas as outras promessas
mais ou menos demagógicas das quais ele aprendeu a desconfiar.
Em 2002, o cenário é um pouco
diferente. A população continua a preferir a estabilidade econômica (contra as
promessas salvacionistas e distributivistas do eterno candidato operário, que
aliás está bem mais “neoliberal” desta vez), mas ela também quer dois produtos
supervalorizados na atual campanha: emprego (ou pelo menos a perspectiva de) e
segurança pessoal, contra a violência urbana e a deliquência. Os estrategistas
de campanha terão portanto de conciliar as exigências da clientela eleitoral em
matéria de emprego e de segurança com as parcas possibilidades de um orçamento
engessado, comprometido em alto grau com o pagamento de juros por causa da
dívida pública. Que tenham sorte nessa tarefa de Sísifo!
Um tema, porém, deve
distinguir-se dos demais na campanha de 2002: o da política externa, pouco
presente nos escrutínios anteriores. Por causa do desastre argentino, da crise
do Mercosul, dos dilemas da Alca e das demais negociações em curso (com a União
Européia e no âmbito da OMC), e agora com a falência da “democracia
bolivariana” do caudilho Chavez da Venezuela, a política internacional do
Brasil assumirá um papel jamais visto nas campanhas presidenciais brasileiras.
Qual deveria ser a postura dos candidatos nesse terreno?
O candidato do PT, como em
todos os escrutinios anteriores, saiu na frente de todos os demais. Muito
embora ela ainda não tenha um programa oficial, já se sabe o que ele pensa em
política externa: ele favorece uma política agrícola subvencionista e
protecionista (como a PAC da UE), ele se posicionou a favor da aliança
privilegiada do Brasil com outros grandes países da “periferia” (China, Índia,
Rússia) e ele ja se declarou contrário à Alca e a favor de um acordo do
Mercosul com a UE.
Não é preciso comentar as
ilusões e equívocos de Lula em termos de política econômica internacional
(revelada, entre outros, pela sua aversão infantil ao FMI e à globalização),
mas uma coisa precisa ficar clara: se ele for eleito, a diplomacia brasileira
se retirará das negociações da Alca, deixando vaga a cadeira da co-presidência
do processo negociador que o Brasil assumirá com os Estados Unidos a partir de
novembro. Ou seja, o Brasil abandona um importante foro negociador da
liberalização comercial apenas porque a militância petista tem aversão à Alca
(mas favorece um acordo de livre comércio com a UE, sem que se saiba a
diferença exata entre um e outro) e acha que esse projeto hemisférico é mais de
“anexação” do que de integração. Santa ingenuidade!
O candidato do PPS, Ciro
Gomes, foi ainda mais rápido do que Lula e já liberou uma primeira versão do
seu programa de campanha, na qual recomenda que o Brasil entre nas negociações
da Alca “sem pressa e sem medo”, esquecendo (ou ignorando) que as negociações
já começaram e não se sabe de nenhum temor paralizando a diplomacia brasileira
(sabe-se de dúvidas e incertezas, mas não se detectou ainda esse medo
apregoado). Ciro acredita ainda que o Brasil deve fortalecer seu poder de
barganha nesse processo negociando simultaneamente com a UE, a China e a Índia,
sem que se saiba como, exatamente, a multiplicação de foros de liberalização
comercial com esse parceiros (admitindo-se que seja possível, além da UE, onde
o processo envolve o Mercosul) possa alterar significativamente o curso do
processo hemisférico.
“Never mind”, diria seu
mentor intelectual de Harvard, Mangabeira Unger, pois o Brasil “rejeita a idéia
de inevitabilidade da Alca” e acha que a “formação de um espaço das Américas
transcende os interesses apenas comerciais”. Conforme essa idéia brilhante, a
diplomacia brasileira “insistirá em condicionar a integração comercial a
políticas igualizadoras seguindo nisso o modelo da UE e não o do Nafta”. Ele
quer ainda livre direito de imigração como parte do acordo, assumindo aqui a
causa de milhões de latino-americanos que lutam para entrar nos EUA e realizar
seu “sonho americano”, ignorando que os uruguaios também podem temer afluxo
similar de milhares de brasileiros. Santa ingenuidade!
O candidato do PSDB, Serra,
não disse ainda a que veio, mas parece endossar a maior parte das posições de
política econômica e de política externa do atual governo: globalização sim,
desde que compatível com nossos interesses e possibilidades, Mercosul também,
porque afinal é o que temos como bloco comercial, Alca talvez, desde que
satisfeitas determinadas exigências em termos de abertura do mercado americano
a nossos produtos competitivos. Ou seja, more
of the same, com algumas tinturas desenvolvimentistas e dirigistas, com
convém a um antigo expoente do pensamento cepalino.
Mas, precisaremos esperar
pela divulgação do programa do candidato do PSDB, provavel vencedor nas
eleições de outubro, para analisar com mais cuidado suas propostas de política
externa. Pelo que se conhece, ele fará diplomacia como Monsieur Jourdain fazia
prosa: de forma involuntária, no caso mediante políticas comercial, industrial
e tributária, o que pode não ser de todo mau. Como os diplomatas dependem mesmo
das tarifas, dos incentivos fiscais e das regras tributárias para saber até
onde podem avançar nas negociações comerciais, Serra pode acabar definindo com
clareza os limites e possibilidades de nossa política externa nos próximos
anos.
A campanha presidencial de 2002
promete ser movimentada e inovadora, e nela os temas de política externa, a
começar pela Alca, assumirão uma importância jamais vista em eleições
anteriores. Bom sinal, uma vez que demonstra que o Brasil já está plenamente
inserido nos “ares do tempo”, a despeito do que pensam os anti-globalizadores
de todos as vertentes. Tanto Ciro Gomes como Serra, dois dos principais
candidatos, parecem deixar em aberto as possibilidades do Brasil no processo da
Alca, cujo destino será mais determinado pela atitude do Congresso americano do
que pelo que digam ou façam os diplomatas.
Só o candidato do PT, Lula,
tem uma posição fechada sobre a Alca: ele é contra e no máximo admite um
plebiscito nacional, a ser organizado pela CUT, pelo MST e pela CNBB, com
resultados mais do que previsíveis. Com esse tipo de atitude principista não é
preciso ter política externa: basta providenciar meia duzia de porta-vozes e
proclamar os velhos preconceitos de sempre contra o “imperialismo americano” e
tudo estará resolvido. Pena que o mundo não é tão simples como apregoa a
filosofia do PT. A inconsistência desse tipo de posicionamento em política
externa também estará em julgamento nas eleições de outubro.
31/03/2002
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