O "arte" da negociação do presidente Donald Trump consiste em fazer chantagens. Primeiro, ele coloca um bode na sala, depois cobra um preço alto para tirá-lo do lá. É o que o americano está fazendo mais uma vez ao anunciar que vai elevar as tarifas de importação de produtos mexicanos, até que o país vizinho adote alguma medida para impedir o fluxo de emigrantes para os Estados Unidos.
Trump anunciou pelo Twitter, nesta quinta-feira, 30, que vai impor uma tarifa de 5% sobre todos os produtos importados do México a partir de 10 de junho. No dia 1º de julho, a taxa de importação vai subir para 10%. A partir de então, será elevada em 5% a cada mês, até atingir 25%.
Muito já se falou sobre o impacto que essa medida vai causar não só na economia mexicana, mas também na americana. O México é o maior parceiro comercial dos Estados Unidos e o setor automobilístico americano tem um relação de absoluta interdependência com o país latino.
Mas há outro aspecto relevante nessa história: ela revela que Trump não compreende o dever de responsabilidade que um governo democrático tem por seus cidadãos. A não ser em casos de pessoas suspeitas de terem cometido crimes ou que devem pensão alimentícia, países democráticos jamais proíbem seus cidadãos de emigrar. Isso não é apenas moralmente inaceitável. É um contra-senso.
Nas democracias, os cidadãos elegem os governantes para que esses defendam seus direitos, inclusive, se preciso for, diante de pressões externas. O governo mexicano não pode sobrepor os interesses americanos aos interesses do povo mexicano, e isso inclui a liberdade de cruzar a fronteira para os Estados Unidos. Os guardas mexicanos não podem impedir seus conterrâneos de tentar a travessia. Cabe às autoridades americanas impedi-los de entrar, se não tiverem visto.
Trump quer que o governo mexicano faça algo que apenas ditaduras como as de Cuba e da Coreia do Norte fazem: aprisionar suas populações dentro de suas fronteiras. Não é à toa que Cuba é chamada de ilha-prisão.
Curiosamente, a incapacidade de Trump de entender esse aspecto dos governos democráticos é compartilhada pela família Bolsonaro. O deputado federal Eduardo Bolsonaro — o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara que tem atuado como um chanceler paralelo do governo de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro — chegou a afirmar em março, durante uma viagem aos Estados Unidos, que os brasileiros que vivem ilegalmente no país são "uma vergonha". Ora, um princípio básico da diplomacia é que a política externa serve para proteger o interesse nacional de um país. Isso inclui defender os direitos de seus cidadãos fora de suas fronteiras, inclusive o direito de livre circulação.
Do ponto de vista da diplomacia brasileira, não existe brasileiro "ilegal". O que existe são brasileiros que estão vivendo no exterior sem permissão das autoridades locais e que, assim mesmo, têm direito a todo o apoio consular que o Estado brasileiro é capaz de lhe prestar. Aos olhos de seu governo, esses brasileiros não podem ser considerados infratores.
Mas voltando ao caso mexicano. O que o México pode fazer — e já vem tentando — é restringir o fluxo de emigrantes vindos de outros países da América Central e do Sul que usam o território mexicano como corredor para chegar à fronteira americana. Em 2017, do total de imigrantes detidos pelas autoridades americanas tentando entrar nos Estados Unidos ilegalmente, 130.000 eram mexicanos e 180.000 vinham de outros países. Desde o ano passado, as forças mexicanas instalaram checkpoints ao longo de todas as estradas que levam para o norte. Os imigrantes sem visto vindos de outros países são detidos e enviados de volta.
Os Estados Unidos podem até querer que o México faça mais para barrar os imigrantes originários de terceiros países — ainda que isso imponha aos mexicanos a tarefa de fazer o serviço sujo, e altamente questionável, que os americanos não conseguem cumprir. Mas o governo mexicano não pode impedir seu próprio povo, que representa quase metade do fluxo migratório, de cruzar a fronteira, sob pena de se transformar em uma Cuba.
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