segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A Estranha Metamorfose de EA, 3 (uma novela distópica, capítulo 3)

 A Estranha Metamorfose de EA, 3

(uma novela distópica, capítulo 3)

Foi com uma nova disposição para o trabalho, energia renovada, que EA sentou-se à frente do computador para dar enfim início a uma nova etapa, em sua vida. A conversa da manhã, depois de uma noite de angústia kirkegaardiana e recalques freudianos, tinha sido uma espécie de fim da história de falsidades, sob o manto do pensamento único: estava pronto para se iniciar na metapolítica, mas não tinha ainda um programa de trabalho pronto e acabado; precisava pensar cuidadosamente sobre como processar todo aquele fluxos de novas e velhas ideias e colocá-las em ordem para servir adequadamente aos novos paladinos da liberdade e da justiça, sob a proteção de Deus, da Virgem Maria e de todos os santos.

Para isso, decidiu afastar temporariamente qualquer posicionamento imediato sobre os altos e baixos da política nacional corrente, sob risco de desagradar o velho profeta da doutrina libertadora ou o novo representante da nova política: afinal, não se sabia bem o que pensavam um e outro sobre o caráter errático das promessas de campanha. Ficava bem posar de liberal e proclamar uma luta sem tréguas contra a corrupção, mas nessa tribo de liberais tinha até marxistas reciclados, e nessa coisa de corrupção seria melhor não remexer muito; vai que...

Por isso, remeteu a um arquivo de pendentes suas poucas ideias sobre o momento presente, e decidiu cavoucar no passado da civilização judaico-cristã, indo até um pouco mais longe, penetrando a fundo nas nossas origens gregas e romanas, chegando inclusive até a batalha de Salamina.

E foi assim que, juntando um pouco de grego aqui, um latim acolá, alguma filosofia dionisíaca em alemão mais adiante, que conseguiu salpicar de erudição um texto rebarbativo, que também tinha a Virgem Maria e templários salvadores da civilização ocidental, infelizmente perdida no vazio cultural da Europa, mas que ainda tinha uma réstia de esperança num gajo inculto do marketing televisivo, que prometia finalmente combater os novos inimigos da Cristandade, o novo perigo amarelo.

EA estava pronto para fazer o seu magnum opus, que desabaria como granito na cabeça de colegas e defensores do pensamento único, que sequer tinham prestado atenção nos seus escritos anteriores, dois romances distópicos que ninguém parecia ter lido, sequer sabido da existência. Foi com um enorme sentimento de raiva e desejo de vingança — como talvez aquele medíocre pintor austríaco se sentiu ao serem desprezadas as suas obras na Kunst Akademie — que EA decidiu-se a começar seu trabalho filosófico-político mais importante, a sua luta contra os que de certa forma tinham apunhalado nas costas o Brasil conservador, obrigando o seu povo a ser o que não era: um povo profundamente religioso, dominado durante mais de uma década por uma tribo de ateus. 

EA estava no limiar de dar o passo mais ousado de sua vida, arriscando inclusive a carreira e uma situação até confortável, por ter se aproximado dos donos do poder, que no fundo da alma ele desprezava.

Foi juntando todas aquelas citações, todos aqueles nomes pouco conhecidos por aqui, que EA pôs-se a escrever...

(Continua...)


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