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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Jose Serra sobre o governo e a politica externa - entrevistra a Eliane Cantanhede (OESP)

‘Governo não tem a opção de fracassar’, diz José Serra

O Estado de S.Paulo,

Com promessa de ‘turbinar’ o Itamaraty, Serra prepara viagem à Argentina para começar ‘atualização’ do Mercosul

BRASÍLIA - O novo chanceler, José Serra, enumera os erros da política externa dos 13 anos de governo do PT, anuncia que vai discutir uma “atualização” do Mercosul em sua primeira viagem internacional, hoje, à Argentina, e assume um compromisso com a opinião pública e os diplomatas: “Vamos turbinar o Itamaraty”.

Serra disse estar acertando com o ministro do Planejamento, Romero Jucá, como cobrir a carência de R$ 800 milhões do Itamaraty, que tem até atrasado salários e aluguéis e imóveis no exterior. Fora isso, há dívidas de R$ 6,7 bilhões do Brasil a organismos e bancos internacionais, tema também em discussão.
Ele também prometeu abrir o País ao mundo e uma relação melhor com os Estados Unidos. “Nossa relação comercial com os EUA deve com certeza se tornar mais próxima e o grande investimento aí é a remoção de barreiras não tarifárias”, disse na noite de sexta-feira, em entrevista ao Estado na qual resumiu os desafios do governo Michel Temer: “Não temos a opção de fracassar. Tem que dar certo”.

José Serra durante posse como Ministro das Relações Exteriores no Itamaraty, em Brasília.
José Serra durante posse como Ministro das Relações Exteriores no Itamaraty, em Brasília.
O que é uma política externa “regida pelos valores do Estado e da Nação”?
A política externa lida com os interesses nacionais num contexto mundial e vamos ter uma política de Estado, numa nova modalidade de política externa independente. Além de não se alinhar às potências, será independente de partidos e de aliados desses partidos no exterior, diferentemente do que havia nos governos do PT.
O sr. não vê diferenças entre a política externa de Lula e a de Dilma? O sr. chegou a ficar bem próximo do chanceler de Lula, Celso Amorim, quando o sr. era ministro da Saúde e ele embaixador em Genebra e atuaram juntos para a quebra de patentes de medicamentos contra a Aids.
Trabalhamos muito bem e de forma produtiva. Aliás, o Celso deixou de fumar cachimbo por minha causa. Eu disse que ele não podia fumar cachimbo e ir a reuniões antitabagismo e ele jurou que tinha deixado de fumar. Minha relação com o Celso foi muito boa. Depois, no Itamaraty, prefiro não analisar.
Uma crítica a Amorim era que ele era antiamericanista, mas o sr., pelo passado de UNE e de esquerda, também é visto assim.
Não é bem assim, mas, de todo modo, não tenho condições agora de revisar a minha biografia e o que eu pensava a respeito. Só que tive uma experiência pessoal que foi muito importante, quando passei parte do meu exílio nos Estados Unidos, nas Universidades de Princeton e Cornell, e comecei a conhecer a sociedade e a democracia americanas muito de perto. Daria uma outra entrevista eu contar o impacto que eu tive ao viver o cotidiano e junto à base da sociedade a democracia americana.
O sr. assume num momento em que o Brasil precisa revigorar as relações com Washington, depois que elas ficaram esgarçadas pela contaminação ideológica no Brasil e pela espionagem da NSA até da presidente...
NSA, o que é isso? Os EUA são uma peça essencial do mundo contemporâneo, embora já não tão dominante como no passado, pois você tem novos centros de poder e de economia, caso típico da China. Nossa relação com os EUA é secular e fundamental e deve com certeza se tornar mais próxima no comércio. O grande investimento aí é a remoção de barreiras não tarifárias. Eles têm uma rede de proteção não tarifária, na área fitossanitária, por exemplo, que exige negociação. Vamos trabalhar incessantemente nessa direção.
Uma eventual eleição do republicano Donald Trump pode atrapalhar esse processo?
Prefiro não acreditar nisso...
No seu discurso de posse o sr. defendeu a reaproximação com parceiros tradicionais, como EUA, Europa e Japão. É o fim da política Sul-Sul?
Veja, se o Brasil é um país continental, tem de ter relações com o mundo inteiro. Nós vamos levar adiante nossa relação com a África, mas não com base em culpas do passado ou em compaixão, mas sabendo como podemos cooperar também beneficiando o Brasil. Aliás, minha ideia é fazer um grande congresso no ano que vem entre Brasil e África, para discutir comércio, cooperação e trocas, inclusive na área cultural, onde temos grande afinidade.
Quando fala em compaixão, o sr. quer dizer que o Brasil não vai mais perdoar dívidas de países africanos, como fez Lula?
Pedi um levantamento para definir o que será feito daqui em diante. O Brasil não é um país que tem dinheiro sobrando, não somos um país desenvolvido. Não implica estabelecer relações predatórias com nenhuma parte do mundo, mas temos que gerar empregos e combate à pobreza aqui dentro também.
Dilma disse em entrevista ser ignorância uma política externa sem os vizinhos e sem os Brics.
A impressão que eu tenho é de que ela não sabe o que está dizendo. Entendo as dificuldades e até esse certo desnorteamento e me sinto constrangido e pouco à vontade para debater com ela nessas condições.
Muitos elogiaram, mas muitos consideraram acima do tom diplomático suas notas contra o diretor da Unasul e os países “bolivarianos” que criticaram o processo político brasileiro. Foram acima do tom?
Foi um tom abaixo das agressões feitas. Na minha primeira reunião no ministério eu disse que não iríamos nem calar nem escalar. Essa é a linha. O que fizemos foi apontar o que não era verdadeiro. Dizer que a democracia está atropelada no Brasil? Que não há garantias democráticas? Basta qualquer um de fora passar uns dias aqui para ver que a democracia está funcionando normalmente. Foi um processo traumático? Foi. Mas todo dentro da democracia e do previsto pela Constituição.
Como fica a relação com Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e El Salvador, que se manifestaram sobre o Brasil? E com o diretor da Unasul?
A tendência é ir tendo relativizações. Aliás, eu sou amigo do Ernesto Samper (da Unasul). Depois da nota, nós já nos falamos.
Por que a primeira viagem é para a Argentina?
A Argentina é considerada por nós para lá de prioritária. Entre os propósitos da viagem está o debate sobre a atualização do Mercosul, criação do mecanismo de ação conjunta Brasil-Argentina e acertar uma conferência regional sobre ilícitos nas fronteiras, uma questão vital para o Brasil e para a Argentina.
Quando se fala nisso, pensa-se no Paraguai, que, aliás, atuou para evitar notas oficiais contra o Brasil.
Uma ação dessa natureza é inviável sem a colaboração dos países, porque não se resolve na linha das fronteiras, mas no interior dos países. Estou convencido de que teremos a cooperação da Argentina, do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia... O Paraguai é um país que está se modernizando e o chanceler deve vir aqui em breve.
O sr. falou em atualização do Mercosul. O que significa isso, já que o sr. é considerado inimigo do Mercosul?
Não, não sou, mas o Mercosul é uma união alfandegária que terminou sendo um obstáculo a acordos bilaterais de comércio. Houve uns 500 acordos bilaterais nos últimos anos, mas o Brasil só fez três: com Israel, Palestina e Egito. É preciso aprofundar as condições da zona de livre comércio, porque ainda há barreiras, e encontrar formas de flexibilizar as regras para permitir acordos bilaterais mundo afora.
Uma das críticas à política externa do PT é que foi toda centrada no multilateralismo na OMC, que não deu certo, vetando o bilateralismo, que todos os demais fizeram. Isso vai mudar?
O multilateralismo poderia ter sido bom para o Brasil, mas, na medida em que Doha, da OMC, não avançou, ficou preso nisso, sem multilateralismo e sem acordos bilaterais. Mas, veja, não estou dizendo que vamos abandonar a OMC, apenas que vamos ter os pés no chão.
O Brasil vai reforçar relações com a Aliança para o Pacífico?
É uma grande prioridade. Relação Brasil-Chile sempre foi próxima e temos boa relação com Colômbia e Peru. Queremos estreitar relações com o México, que é da Aliança para o Pacífico e, assim como a Argentina, é prioridade número 1.
Aproximar dos pragmáticos e neutralizar os bolivarianos?
Posso ser sincero? Não tem nada a ver com conjunturas políticas. Tem a ver com estratégias mais permanentes.
Na era Lula-Amorim, o Brasil participava de negociações para a crise do Irã, para a crise do Oriente Médio... O sr. vai priorizar o comércio em detrimento da diplomacia, ou isso vai voltar?
Sem megalomania. Vamos participar pela paz, pelo entendimento, usando as vantagens comparativas que o Brasil possa ter, mas, repito, sem megalomania.
Com suas críticas à política externa do PT, vem aí uma dança de cadeiras em cargos-chave da chancelaria e das embaixadas?
Vamos manter uma política gradualista de preenchimento de cargo e o mais importante é que nós vamos turbinar o Itamaraty. Nesses anos todos, seja pelo jeito de fazer política externa, seja pelas dificuldades orçamentárias mais recentes, houve certo desânimo e ceticismo que comprometeram a autoestima do Itamaraty. Mas isso, eu prometo, será revertido.
Como, se o governo prevê um rombo de R$ 170,5 bilhões?
A carência imprescindível do Itamaraty é da ordem de R$ 800 milhões e não precisa ser tudo de uma vez. Então, o peso do Itamaraty nas finanças públicas é insignificante e eu não posso atribuir senão ao descaso tudo isso que vinha acontecendo.
E as dívidas com organismos e bancos internacionais?
Quem paga é o Planejamento e hoje (sexta-feira) passei um bom tempo com o ministro Romero Jucá discutindo isso. Ao todo, são R$ 3 bilhões de dívida com os organismos, mais R$ 3,7 bilhões para os bancos (BID, Bird, FMI...)
Vai ter corte de embaixadas e consulados?
Eles criaram uns 60 postos e agora são 227. Será que tudo isso é necessário? Estamos vendo custo-benefício.
A concessão de passaporte diplomático para o tal bispo evangélico foi uma derrapada?
Eu não assino passaportes, seria exótico se assinasse. O problema é que a Igreja Católica sempre teve dois passaportes diplomáticos, as evangélicas reivindicaram a mesma coisa, e algum governo, acho que do Lula, concedeu. Não cabe ao governo definir que uma igreja é mais ou menos importante que a outra.
O Itamaraty é um trampolim para sua candidatura em 2018?
Claro que não, não tem trampolim nenhum. Tudo o que eu quero é fazer uma boa administração aqui. Pode parecer uma declaração de político tradicional, mas é verdadeira.
Seus filhos acreditam nisso?
Meus dois filhos, sim, principalmente o homem. As mulheres são mais desconfiadas.
E se o governo Michel Temer naufragar?
Os desafios são imensos, mas não temos a opção de dar certo ou fracassar. Tem de dar certo, pelo País. O impeachment é doloroso e traumático, mas é uma questão de salvação do Brasil.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

O papel do Brasil no cenario Internacional e as perspectivas do comercio exterior - Paulo Roberto de Almeida (Millenium hangout)

No início de 2016, fui contatado pelo Instituto Millenium para conceder uma entrevista sobre temas de comércio internacional e o Brasil, o que foi feito no dia 17 de fevereiro pela manhã.
Como geralmente sempre faço quando dou palestras ou entrevistas, elaboro notas mais ou menos completas, que me servem apenas para organizar as ideias, sem nunca ler ou seguir visualmente minhas notas. 
Elas permitem, depois, postar o que penso sobre as questões, de uma forma geralmente melhor organizada do que uma resposta feito de improviso, em linguagem coloquial, com algumas improvisações no meio, e deixando alguns aspectos de lado.
Foi o que ocorreu com essa entrevista, que nem sabia que já tinha sido postada online, o que só descobri agora, acessando uma outra gravação minha, sobre meus livros, que também foi ao ar, posteriormente.
A entrevista, "O papel do Brasil no cenario Internacional e as perspectivas do comercio exterior", conduzida por uma estudante do movimento Estudantes Pela Liberdade, figura neste link:
https://www.youtube.com/watch?v=kHTPV9qUY7s
Publicado em 17 de fev de 2016
Paulo Roberto de Almeida e Débora Góis conversam sobre o papel do Brasil no cenário Internacional e as perspectivas do comercio exterior.

A entrevista sobre os meus livros, por sua vez, está aqui: 
https://www.youtube.com/watch?v=qh4ULayECgQ

O texto que eu fiz na ocasião, preparando-me para a entrevista, foi este aqui:
“A posição bizarra do Brasil no na economia mundial”, Brasília, 17 fevereiro 2016, 6 p. Ensaio sobre a desestruturação econômica externa do Brasil, a partir de notas para hangout do Instituto Millenium sobre temas de comércio internacional e o Brasil, no dia 17 de fevereiro (feito virtualmente pela manhã); revisão em 2/03/2016. 
Publicado no boletim Mundorama (9/03/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/03/09/a-posicao-bizarra-do-brasil-na-economia-mundial-por-paulo-roberto-de-almeida/); reproduzido no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/03/a-posicao-bizarra-do-brasil-na-economia.html).

Ainda estou devendo um resumo de uma página e meia para o Instituto Millenium. Prometi fazer, mas ainda não tive tempo, por uma razão muito simples: a coisa mais difícil para mim, não é exatamente escrever sobre um tema qualquer no qual eu possua um certo domínio, de conhecimento, de leituras, de experiência. Meu problema é escrever pouco.
Isso é um problema enorme, pois jornais e revistas sempre exigem trabalhos sintéticos, e eu tendo a ser prolixo, escrever demais, indo desde Adão e Eva até o futuro longínquo. Vou ter de aprender a escrever pouco...
Paulo Roberto de Almeida  

domingo, 1 de maio de 2016

O estranho caso da suspensao do Paraguai do Mercosul em 2012 - Paulo Roberto de Almeida, Ricardo Seitenfus


Como o Paraguai foi suspenso do Mercosul em 2012

Paulo Roberto de Almeida
 [Uma nota sobre um episódio diplomático ainda obscuro]

A suspensão do Paraguai do Mercosul, em junho de 2012, obtida por pressão conjunta da Argentina e do Brasil sobre o presidente José Mujica, do Uruguai (que relutava em aceitar uma decisão já tomada pelas duas presidentes), e na ausência de autoridades do Paraguai, constitui um dos episódios mais bizarros da diplomacia partidária dos companheiros no poder, que ainda cabe esclarecer, se isso for possível (pois aparentemente não existem documentos explicitando a exata sucessão de fatos).
O processo paraguaio, obviamente, está bem documentado, pois existem atas do Senado do Paraguai que registram como se deu o impeachment de Fernando Lugo, segundo disposições da Constituição do país guarani, ainda que num ritmo acelerado (mas não havia uma previsão quanto aos ritos e etapas, e o presidente teve seu direito de defesa assegurada).
Menos conhecida é como se obteve, na cúpula do Mercosul de Mendoza, em junho de 2012, essa suspensão, supostamente ao abrigo do Protocolo de Ushuaia sobre a cláusula democrática, mas de fato em total desrespeito a ela, que previa consulta com todas os Estados partes ao Tratado de Assunção. A delegação do Paraguai, seja em nível técnico, preparatório, seja em nível ministerial, seja ainda pela presença do próprio chefe de Estado, foi impedida de comparecer à reunião de cúpula, o que representa uma grave violação dos acordos existentes e uma descortesia diplomática jamais vista no bloco.
Na verdade, a decisão já estava tomada, desde antes da cúpula, como revelado pelas memórias, relativamente sinceras, do presidente do Uruguai José Mujica, publicadas depois que ele deixou o poder.
Transcrevo aqui as palavras de meu amigo Ricardo Seitenfus, historiador, que retoma trechos das “memórias autorizadas” do ex-presidente uruguaio, tal como constantes do livro publicado no ano passado:
Andrés Danza y  Ernesto Tulbovitz:
Una oveja negra al poder: confesiones e intimidades de Pepe Mujica
(Montevideo: Editora Sudamericana, 2015)

“Nas páginas 225-227, o ex-Presidente uruguaio relata de maneira surpreendentemente franca, como foi construído, sob a liderança de Dilma Rousseff, o ‘indispensável consenso’.
Sentindo-se herdeiro dos responsáveis pela destruição de uma das principais economias latino-americanas quando da Guerra da Tríplice Aliança no século XIX, Mujica se opunha à adoção de sanções que suspendessem o Paraguai do Mercosul. O episódio narrado a seguir o fará mudar de ideia. Deixemos a palavra com Pepe Mujica.
[tradução livre de Ricardo Seitefus]:

“Uma das pessoas de maior confiança de Mujica recebeu um telefonema de Marco Aurélio Garcia, braço direito de Dilma, que informa:
- Dilma quer transmitir uma mensagem muito importante ao Presidente Mujica, disse o funcionário brasileiro.
- Não há problema. Os colocamos em comunicação, respondeu o uruguaio.
- Não, não pode haver comunicação nem por telefone nem por mail, argumentou Garcia.
Um encontro tão fugaz e repentino entre Presidentes seria suspeito. Assim, o Governo brasileiro resolveu enviar um avião a Montevideo para conduzir o emissário de Mujica à residência de Dilma, em Brasília.
Na reunião o funcionário uruguaio apanhou uma caderneta para fazer anotações e Dilma o obrigou a rasgar os papéis.
- Sem anotações. Esta reunião nunca aconteceu, disse ela.
Durante a conversa, Dilma mostrou fotos, gravações e relatórios dos Serviços de Inteligência brasileiro, venezuelano (sic) e cubano (sic) que registravam como foi articulado um “golpe de Estado” contra Lugo por um grupo de “mafiosos” que a partir da queda do Presidente assumiriam o poder.
- O Brasil necessita que o Paraguai fique fora do Mercosul para que logo sejam organizadas eleições, concluiu Dilma”.
Para Pepe Mujica a lição do episódio é clara: “prevaleceram as relações pessoais. Às vezes é mais importante uma boa sintonia entre um grupo de Presidentes do que os mecanismos jurídicos que foram construídos durante anos. Isso foi o que aconteceu no Mercosul”.

Retomo (PRA):
Mujica ainda relutou, em Mendoza, na aplicação da sanção ao Paraguai, aconselhado por seu ministro das relações exteriores, quanto ao não seguimento do ritual previsto no Protocolo de Ushuaia. Cristina Kirchner e Dilma Rousseff obtiveram de Mujica que todos os chanceleres fossem afastados da reunião, e sozinhas, as duas presidentes conseguiram dobrar Mujica até que ele concordasse com a suspensão.
Este episódio precisa ser esclarecido totalmente, pois constitui uma das muitas zonas de sombras da diplomacia partidária conduzida, ao arrepio do Itamaraty, nos últimos treze anos, quando muitas iniciativas e episódios se fizeram à margem e no desconhecimento da diplomacia profissional.
Um episódio mais recente, que também pede esclarecimento, é o do levantamento da questão de eventual consideração da suspensão do próprio Brasil, ao abrigo das chamadas “cláusulas democráticas” da Unasul e do Mercosul, quando o assessor presidencial para assuntos internacionais, um apparatchik da PR (aliás o mesmo que atuou no caso do Paraguai e em diversos outros casos obscuros também), tentou fazer com que esses órgãos abordassem o caso do pedido de impeachment no Brasil. Não se sabe quais ordens foram dadas pela presidência à chancelaria brasileira, e a seu assessor presidencial, para que tal iniciativa fosse tomada.
A história da diplomacia brasileira nos anos obscuros do lulopetismo tem muitas incógnitas e episódios bizarros, como esses. Um dia eles serão esclarecidos.


Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos a Ricardo Seitenfus
Brasília, 1ro de maio de 2016

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Impeachment: sem consenso no Mercosul para aplicacao da clausula democratica (Globo)

Não preciso comentar, em vista de tudo o que já disse aqui e em outros meios.
Paulo Roberto de Almeida

Punição para o Brasil, sugerida pela presidente, seria rejeitada pelo Mercosul

• Dilma citou violação da cláusula democrática, em caso de impeachment

Janaína Figueiredo, Eliane Oliveira - O Globo, segunda-feira, 25 de abril de 2016

- BUENOS AIRES E BRASÍLIA- Caso a presidente Dilma Rousseff cumpra o que declarou na última sexta- feira, em Nova York, após participar de uma reunião sobre clima, e invocar formalmente a cláusula democrática do Mercosul, por causa do processo de impeachment que enfrenta no Congresso, terá seu pedido rejeitado. Paraguai e Argentina não apoiam a ideia e não há consenso entre as autoridades uruguaias. O único país que defenderia uma punição seria a Venezuela.

A estratégia do Palácio do Planalto é não reivindicar diretamente a suspensão ou uma moção de apoio a Dilma. A saída seria os venezuelanos tomarem a frente nessa empreitada. A decisão a favor de uma eventual punição precisaria ser tomada por consenso. Um único membro contra detonaria qualquer possibilidade de uso da cláusula democrática — que, se adotada, teria como consequências desde a suspensão do Brasil da união aduaneira sul- americana até a exclusão do país de acordos de cooperação na região.

Impeachment fora da pauta
Anteontem, houve uma reunião de chanceleres da União de Nações Sul- Americanas ( Unasul) em Quito, no Equador. O tema do impeachment não entrou na pauta, pelo menos oficialmente, segundo uma graduada fonte da área diplomática. Hoje, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, estará em Montevidéu, no Uruguai, para um encontro de ministros do Mercosul para celebrar os 25 anos do bloco. O assunto poderá ser tratado nos bastidores.

Em meados de 2012, o governo Dilma foi o principal promotor, com o da ex- presidente argentina Cristina Kirchner, da aplicação da cláusula democrática do Mercosul para suspender o Paraguai do bloco, por considerar inconstitucional e ilegal o impeachment do então presidente Fernando Lugo. O Paraguai, confirmou ao GLOBO uma alta fonte do governo do presidente Horacio Cartes, culpa Dilma por uma retaliação que causou “graves problemas econômicos ao país” há quase quatro anos. Os paraguaios não estão dispostos a apoiar a implementação da mesma cláusula contra um eventual governo de Michel Temer.

A mesma posição, por diferentes motivos, é sustentada pelo governo do presidente argentino, Mauricio Macri. A coalizão esquerdista Frente Ampla, que governa o Uruguai desde 2005, está dividida, mas até agora vem se impondo a posição contra a ativação da cláusula. O único sócio do Brasil que defenderia uma punição ao país, em caso de derrota de Dilma no Senado, seria a Venezuela do presidente Nicolás Maduro.

— O Paraguai foi o país que impediu, recentemente, que a Unasul organizasse uma cúpula de chefes de Estado para defender o governo Dilma. Consideramos que seria uma ingerência em questões internas de um país que tem independência de poderes — disse a fonte do governo Cartes.

Venezuela: voz isolada
Segundo essa fonte, “a eventual saída de Dilma do governo provoca até mesmo certo alívio em setores do governo paraguaio, porque muitos nunca a perdoaram por ter liderado a campanha contra nosso país quando Lugo foi destituído”. O Paraguai só retornou ao bloco meses após a posse de Cartes, em agosto de 2013.

Em Montevidéu, o governo do presidente Tabaré Vázquez está dividido em alas pró e contra um pronunciamento contundente de condenação ao processo de impeachment. Segundo reportagem do semanário “Busqueda”, a crise brasileira foi discutida em 18 de abril, na reunião de ministros do governo Vázquez.

O Executivo argentino nunca aderiu à tese do “golpe” contra Dilma e, como Paraguai e Uruguai, não está disposto a votar a favor da suspensão do Brasil. Já o presidente venezuelano acha que o governo do PT enfrenta um “golpe da Justiça, da mídia e do Congresso”, “um golpe contra todos os povos da América Latina”. (* Correspondente)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Comercio em moedas locais no Mercosul: avanco ou problema? - Parlamento do Mercosul e Paulo Roberto de Almeida

Transcrevo, em primeiro lugar, a posição de um parlamentar paraguaio do Parlamento do Mercosul, que se manifesta favoravelmente ao pagamento do comércio local em moedas nacionais, como aliás já se faz entre outros países do bloco.
Muitos consideram isso um avanço, por 'escapar' do dólar ou do euro, mas eu não tenho tanta certeza assim.
Primeiro transcrevo a "ponencia" do deputado, depois agrego meus comentários.
Paulo Roberto de Almeida 

Pago en monedas locales, un adelanto en la Integración Económica Regional
Parlamentario ALFONSO GONZÁLEZ NÚÑEZ
Presidente de la delegación de Paraguay
Fuente: Parlamento del Mercosur, Abril de 2016
http://www.parlamentodelmercosur.org/innovaportal/v/11611/2/parlasur/pago-en-monedas-locales-un-adelanto-en-la-integracion-economica-regional.html

En momentos en que el proceso de avenencia regional adolece de hechos explícitos que abonen un avance sostenido y aprovechable para sus miembros y el conjunto, la decisión de Brasil y Paraguay de adoptar el Sistema de Pago en Monedas Locales (SML), Guaraní y Real en este caso, como régimen para sufragar su comercio bilateral, es un anuncio positivo dirigido a estructurar paulatinamente una aún distante integración económica total en la zona, pero que con este paso se patentiza la voluntad colectiva de desarrollarse al interior del grupo, a partir del empleo de las divisas nacionales como intermediario financiero en el ámbito de las transacciones.
Este mecanismo que tiende a generalizarse en el MERCOSUR, visto que Argentina y Brasil lo utilizan desde octubre del 2008¸ Uruguay y Argentina, desde el 2014; en tanto que Uruguay y Brasil concertaron lo suyo en junio de 2015; Paraguay y Uruguay suscribieron el acuerdo en octubre de 2015. Estas muestras constituyen un empeño de los actores económicos por reducir la supremacía e incluso sustituir el dólar norteamericano y el euro en los intercambios recíprocos, además de valorizar el poder adquisitivo y operativo de las monedas de la comunidad frente a sus sinónimos de acentuada preponderancia internacional, y sortear las dificultades omnipresentes del tipo de cambio.

El SML que faculta a importadores y exportadores a costear sus respectivos negocios en signos monetarios de su país de origen, intensificará y mejorará la calidad de los vínculos comerciales, generará una apreciable reducción de los costos administrativos y financieros de la rutina aduanera y bancaria, y facilitarán la inserción de los pequeños y medianos empresarios de la producción a los esquemas bilaterales de comercialización, habida cuenta que éstos, por su menor liquidez y potencial de desembolso, preferentemente capitalizan en monedas locales.
El fortalecimiento y el sello de competitividad que se imprime a los diferentes instrumentos de pago de circulación legal en los territorios compartidos, es una certificación de jerarquía, un adelanto sustantivo con perspectivas de proyección exterior a plazo todavía impreciso, y tal vez el fundamento para la creación de la moneda única de MERCOSUR en un futuro no precisamente inmediato, sí en etapas más perfeccionadas de la integración, como se constata en la Unión Europea (UE).
La Presidencia de la Delegación de Paraguay en el Parlamento del MERCOSUR considera acertado que nuestra república se haya conectado a ese módulo conviniendo primeramente con Uruguay y luego con el Brasil, y posteriormente con los otros consocios, la legitimación del Guaraní como moneda operativa del Paraguay en el área común, aclarando que en principio tendrá carácter opcional para los agentes de compra/venta, en consonancia con la modalidad en vigor.

Sabido es que la unidad monetaria nacional destaca por su solidez y estabilidad comparativamente con algunos homólogos hostigados por periódicas depreciaciones y devaluaciones, motivo significante para conferirle confianza y crédito en los negocios pactados entre asociados.
Esta variante de pagos supondrá una evolución cualitativa del Guaraní en el espectro internacional, en tiempos en que la plaza paraguaya es objeto de creciente interés por parte de inversores e industriales foráneos, atraídos por las ventajas y concesiones puestas a disposición de la producción manufacturera.
En definitivas, el mercadeo de Paraguay con los demás socios y viceversa validos del SML comporta una señal de madurez, independencia y saludable empuje de los involucrados, que construyendo una identidad distintiva que los singularice escogen solventar sus actividades comerciales con circulantes propios, proporcionando un matiz de superación a la interacción intra bloque.

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Meu comentário (PRA): 

Não estou tão seguro que tenha sido uma boa decisão, não esta atual, que é mera consequência, mas a original, Brasil e Argentina em 2008.
Difícil fazer uma avaliação criteriosa sem informações fiáveis, ou seja, quanto do comércio intra-Mercosul é feito em divisas (dólar, provavelmente) e quanto em moedas locais. Seria preciso que a Secex e o Banco Central (que administra os pagamentos externos) fizessem um balanço completo dessas operações e explicassem os mecanismos de liquidação dos pagamentos.
Nenhuma das moedas do Mercosul é uma divisa, ou seja, livremente conversíveis, mas são utilizadas com maior liberdade do que no passado, para fins de turismo, de comércio local (ou seja, transfronteiriço) e mesmo para envio entre particulares.
Outra é a situação das transações correntes e das operações comerciais de importação e exportação, ao abrigo de cartas de crédito abertas por bancos privados ou mesmo por bancos estatais em cada um dos países.
Todos esses países possuem um registro dessas operações com o exterior, e procuram concentrar essas operações, e sua liquidação real, em pagamentos efetivos, em alguma moeda exclusiva, para fins de unidade, uniformização e homogeneidade dos registros.
Durante mais de um século, o Brasil operou em libras esterlinas, mas em 1939 passamos para a esfera do dólar, já que o cruzeiro não era, nunca foi (como foram seus sucessores) uma moeda totalmente conversível.
Ora, qualquer operação de pagamento externo, seja para comércio seja para qualquer outra finalidade, envolve certo risco cambial, ou seja, saber se ao contratar a operação a equivalência vai ser mantida ao liquidá-la efetivamente, isto é, a paridade de início e a paridade de finalização. Isso envolve certo risco, e perdas pequenas podem ser admitidas, mas perdas grandes podem ser um grande problema para quem garantiu o câmbio numa determinada paridade e depois precisa desembolsar bem mais para liquidar a operação.
Nos créditos comerciais, se costuma fazer um seguro, um pequeno percentual que fica com o agente encarregado da liquidação, qualquer que seja o câmbio real.
Mas, como as moedas locais do Mercosul são não conversíveis, e geralmente voláteis, quem é que vai liquidar essa operação se os agentes fogem do dólar, e dos seguros comerciais e se refugiam nas moedas locais que precisam ser operadas pelos bancos centrais, que garantiram que essa operação pode ser feita?
Será que é função dos bancos centrais garantir riscos comerciais (isto é, assumi-los, de verdade) de agentes privados? Ou seja, os bancos centrais, ademais de todos os gastos administrativos -- pois precisam abrir novas janelas de contabilização de operações comerciais em outras moedas que não o dólar -- vão passar a garantir também o câmbio para essas operações privadas, ou seja, puramente comerciais? Eles assumem os riscos e cobrem os custos?
Não creio que seja uma boa solução. Preferiria que os países trabalhassem no sentido de tornar suas moedas plenamente conversíveis, o que implica diminuir a inflação, os riscos de volatilidade excessiva, ou simplesmente deixar tudo como está: o dólar é, de fato, uma moeda internacional, e todo mundo sabe quanto vale a todos momento.
Deixem os agentes privados comerciar nas moedas que quiserem, mas os bancos centrais vão continuar registrando em dólares, e o risco fica com os particulares e com os bancos, não com os bancos centrais.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/04/2016

quinta-feira, 7 de abril de 2016

O Mercosul em dois tempos - Renato Marques (ex-negociador pelo Brasil)

Renato Marques tem um livro sobre o Mercosul, que eu recomendo:
Duas Décadas de Mercosul (São Paulo: Aduaneiras, 2011, 368 p.; ISBN: 978-85-7129-581-0).
Fiz uma resenha desse livro, quando de sua primeira publicação, em edição do autor, na Ucrânia, e essa resenha está em meu livro "Prata da Casa", que pode ser acessado nestes links:
página do livro: https://www.academia.edu/5763121/Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas_Edicao_de_Autor_2014_; link direto para download do arquivo em pdf: https://www.academia.edu/attachments/34209509/download_file?s=work_strip&ct=MTQwNzAwODExOCwxNDA3MDExMjI5LDc4NTEwNjY; divulgado neste link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/prata-da-casa-os-livros-dos-diplomatas.html; disponível em Researchgate.net: https://www.researchgate.net/publication/269701236_Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas?ev=prf_pub. 
Paulo Roberto de Almeida  


EL MERCOSUR EN DOS TIEMPOS
Renato L. R. Marques
El Litoral (Santa Fe, Argentina), 8/04/2016

Los negociadores del Tratado de Assunción - que ha creado el Mercosur, hacen 25 años - tendrán distintos motivos para celebrar la fecha, según sus expectativas y motivaciones. Habiendo integrado ese grupo desde sus comienzos, creo no cometer equívocos al decir que todos los integrantes de los equipos técnicos – en que pesen sus diferencias puntuales - estuvieran movidos por un sentimiento de participación en un grand design, en un proyecto histórico y transcendiente, que iba más allá de la tradicional coreografia integracionista latino-americana, marcada por una retórica grandiloquente y minguados resultados. Nutrian así una firme convicción de que el proyecto deberia firmarse progresivamente, sin atropellos, vale decir, sin atender a los reclamos de los que insistian en que mimetizase el modelo europeo desde su início y adoptase inmediatamente instituciones supranacionales, como las creadas por el Tratado de Roma. De esas visiones maximalistas – típicas del character romántico de los ensayos integracionistas anteriores – surgieran las críticas iniciales a la institucionalidad en gestación.
Buscabase superar años de retraso en el aprovechamiento de las complementariedades regionales, cerceadas por viejos planes de sustitución de importaciones y rivalidades politicas. Así como promover la competencia a través de la apertura de los mercados intraregionales y de su mayor exposición al exterior. No por acaso, vários sectores de las economias de cada uno de los sócios se mobilizó, en un primer momento, contra la iniciativa.
Las mudanzas sufridas por el proyecto original son facilmente explicables por los cambios hacia la izquierda ocurridos en los gobiernos de la region. La dimensión económico y comercial del Mercosur cedió lugar a una cresciente orientación política y social, al punto del Mercosur tornarse casi un accesorio de instituciones más recientes, como la UNASUR. La vocación autárquica y proteccionista de eses régimenes accentuaron la proliferación de medidas restrictivas al comercio intra-bloco, generaron una cresciente desarmonización del Arancel Externo Comum (AEC) y no han creado mecanismos para facilitar la deseada complementariedad. El grán éxito apuntado en el comércio automotivo poco o nada debe a los gobiernos. Su intercámbio está regido por distintos Acuerdos de Complementación Económica en el ámbito de ALADI (fuera por lo tanto del Mercosur), que reflejan la estratégia de distribución espacial de la producción de las multinacionales en la región, con reglas de administración del comércio no siempre acceptadas por la OMC,  pero que operan con la misma funcionalidad verificada en los viejos Acuerdos Sectoriales de la extinta ALALC – de los cuales, el de maquinas de oficina es el gran modelo. No sorprende así que las exportaciones brasileñas para el grupo estén al nível de 2006, cuando alcanzó US$ 12 mil millones, y que el ritmo de crescimiento de nuestro comércio con la región esté muy abajo del registrado con otras partes del mundo. Como si no fuera poco, el Mercosur favoreció incursiones políticas controvertidas al suspender el Paraguay y al promover el ingreso de Venezuela con critérios de naturaleza más ideológicos que técnicos.
Todo eso parece alertar para la necesidad de rever las condiciones de funcionamiento del Mercosur, para que pueda retomar sus objetivos originales de estímulo a las actividads económicas de sus sócios y de aprovechamiento de las ventajas comparativas regionales. Para eso, el Mercosur no debe cerrarse en sí mismo y sí actuar como un instrumento para facilitar la inserción de sus integrantes en las grandes cadenas de producción globales. Esto implicará una mayor liberdad de acción para sus miembros, de modo a evitar las dificuldads de negociación impuestas por el hetereogeneo conjunto. Tratase de liberar el dinamismo de cada una de las economias ante los desafios impuestos por una coyuntura que seguramente no es propícia a todos en este momento. Para tanto el Mercosur tendrá que superar su crisis y buscar una nueva identidade, más apropriada a los nuevos tiempos. Caso contrario, el Mercosur – a pesar de todo el ruído generado – tenderá a se conformar a más un producto de esos sucesivos partos de los montes de la malograda história de la integración regional latino-americana.
                                                              
Renato L. R. Marques es Embajador retirado y negociador de los principales acuerdos constitutivos del Mercosur, desde los primórdios en 1989 hasta 1999.


domingo, 27 de março de 2016

25 anos do Mercosul - artigos do Ministro de Estado e de Paulo Roberto de Almeida

Nota em 18/04/2016: Não sei porque, esta postagem, feita logo após o 26 de março, ficou parada nos drafts de meu computador sem que eu percebesse. Liquido agora esta fatura atrasada...
Paulo Roberto de Almeida


Os 25 anos de Mercosul: momento de reconhecer os ganhos
MAURO VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
26/03/2016  02h00

Neste mês, celebram-se os 25 anos da assinatura, pelos Presidentes de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, do Tratado de Assunção, que fundou o Mercosul.

É o momento de fazer um balanço equilibrado, reconhecer os ganhos, responder às críticas e identificar desafios que temos pela frente.

Há 25 anos não eram muitos os empresários e trabalhadores brasileiros que auferiam seus rendimentos primordialmente dos mercados vizinhos.

Com o salto quantitativo e qualitativo do comércio do Brasil com os parceiros (de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 30,3 bilhões em 2015), o Mercosul tornou-se nosso maior mercado para exportações de diversos bens industriais de alto valor agregado, assumindo enorme relevância para muitos setores da indústria brasileira, como o automotivo.

Maior valor agregado significa salários mais altos para o trabalhador e maior faturamento para as empresas. Estima-se que o salário médio em alguns setores que fornecem para mercados vizinhos chegue a ser cinco vezes maior que em setores como o primário exportador, cujos principais destinos estão na Europa e na Ásia.

O Mercosul ajuda a elevar os salários do trabalhador brasileiro. Há 25 anos, um brasileiro que quisesse trabalhar num país vizinho não teria o tempo de trabalho contabilizado para efeito de aposentadoria no Brasil. Hoje tem.

Seus filhos não teriam mecanismos eficientes para o reconhecimento de seus estudos no exterior. Hoje têm.

Um brasileiro que quisesse fazer turismo num país do Mercosul precisaria de passaporte para viajar. Hoje basta a carteira de identidade.

O conjunto de acordos sobre residência, trabalho, seguridade social, integração educacional e turismo do bloco facilita o cotidiano de muitos brasileiros e assenta os alicerces para a integração econômica e para o desenvolvimento de uma cidadania comum na região.

São efeitos concretos, ainda que recebam pouca atenção dos críticos, que acusam o Mercosul de engessar a capacidade de seus membros de concluir acordos comerciais com terceiros países, em função da necessidade de negociar em conjunto.

Se assim fosse, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e outros não teriam desenvolvido uma União Europeia de 28 países, que é recordista em acordos comerciais.

Muitos se queixam, por exemplo, de que o Mercosul ainda não tenha concluído um acordo com a UE. Porém, o Brasil e os vizinhos no Mercosul já têm pronta uma oferta negociadora conjunta <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/12/1721895-mercosul-finaliza-proposta-para-acordo-com-uniao-europeia.shtml> , e estão aguardando que a UE apresente sua proposta para dar início às tratativas. Em outras palavras, o Mercosul nada engessou e já está sentado à mesa de negociações.

As virtudes do bloco como fonte de estabilidade para o Brasil e para a América do Sul como um todo também devem ser louvadas em seus próprios méritos.

Um dos grandes benefícios do Mercosul foi estabelecer, na esteira dos acordos bilaterais entre Brasil e Argentina da segunda metade dos anos 80, um círculo virtuoso de ganhos pela cooperação. O Mercosul ajudou a dissipar antigas e injustificadas rivalidades e enterrar de vez arcaicas hipóteses de conflito.

Por fim, temos o pressuposto de todas as outras conquistas: a democracia.

O Mercosul nasceu, em grande medida, do desejo de superar de vez o autoritarismo e, para além de seus ganhos econômicos, sociais e diplomáticos, será, por muitos e muitos aniversários, um instrumento de preservação e aperfeiçoamento de nossas democracias.

Nada disso implica desconhecer a dimensão das tarefas que temos à frente. Todos reconhecemos os desafios futuros do Mercosul, inclusive no que se refere à sua ampliação e à aproximação com outros blocos, países e regiões —da UE à Aliança do Pacífico, da Índia ao Canadá— que exigirão engajamento de todos os setores do Governo e da sociedade civil.

Mais democracia, mais inclusão social, mais cidadania, maior conhecimento recíproco, maiores facilidades de trânsito, de trabalho e de educação, mais comércio e investimentos: esses são objetivos permanentes do Mercosul. Por isso ele é um pilar fundamental da política externa brasileira.

Como assinalou a Presidenta Dilma Rousseff <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/12/1721684-dilma-sugere-que-mantera-distancia-de-questao-venezuelana-em-reuniao.shtml>  na última Cúpula de Assunção, em dezembro passado, temos pela frente o desafio de continuar aperfeiçoando nosso processo de integração, tendo por base o inestimável patrimônio coletivo construído nas últimas décadas.

É esse quarto de século de realizações que os membros do Mercosul podem hoje celebrar com orgulho.

MAURO VIEIRA é ministro das Relações Exteriores. O chanceler publica simultaneamente artigo sobre o 25º aniversário do Mercosul nos jornais "ABC Color" (Paraguai), "Clarín" (Argentina), "La Razón" (Bolívia), "El Observador" (Uruguai) e "El Universal" (Venezuela) 


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E agora o meu:
“O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada”, Boletim Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais (IRel-UnB; n. 103; 27/03/2016; ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/2016/03/27/o-mercosul-aos-25-anos-minibiografia-nao-autorizada-por-paulo-roberto-de-almeida/). 
Mas o quadro final se lê melhor na minha postagem no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/03/o-mercosul-faz-25-anos-uma-biografia.html). 
Paulo Roberto de Almeida

sábado, 26 de março de 2016

O Mercosul faz 25 anos: uma biografia nao-autorizada - Paulo Roberto de Almeida

Cada um comemora como sabe ou com o que tem. Suponho que entre os cinco países oficialmente membros, e na sua sede administrativa grandes fogos de artifício estejam sendo lançados para comemorar devidamente o primeiro quarto de século do Mercosul.
Como eu, de certa forma, assisti ao seu nascimento, ajudei a trocar suas fraldas e até dei uma ou outra mamadeira integracionista -- negociando o Protocolo de Brasília sobre Solução de Controvérsias, por exemplo -- penso que tenho algo a dizer, e por isso perpetrei essa biografia não-autorizada sobre o Mercosul.
Não autorizada porque não sabia a quem me dirigir para falar com o Mercosul.. Se eu quisesse telefonar para a pessoa responsável, confesso que não saberia dizer quem responde pelo estado atual do bloco (ou seu não-estado atual). Por isso, segue esse texto com impressões puramente subjetivas sobre sua formação e desenvolvimento, sua situação atual, até suas (ou falta de?) perspectivas futuras.
Ainda não nasceu o político que vai acabar com o Mercosul, nem acho que deveria. Ele vai continuar se arrastando no futuro próximo e não sei por quantas décadas mais...
Meus parabéns, mesmo assim.
Não vou estar nas festividades para soprar velinhas, mas desejo felicidades e um brilhante futuro (se algum...).
Paulo Roberto de Almeida 


O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada

Paulo Roberto de Almeida

O Mercosul, Mercado Comum do Sul foi criado em 26 de março de 1991, sob a forma de um tratado quadrilateral, assinado em Assunção (TA), como desdobramento do processo de integração iniciado alguns anos antes entre Brasil e Argentina, para constituir-se, com a adjunção do Paraguai e do Uruguai, como um bloco comercial coeso, com pretensões a adotar o formato de um mercado comum. Na visão dos “pais fundadores”, o processo deveria evoluir para formas mais avançadas de organização econômica, política e social, até alcançar, na parte meridional da América do Sul – e teoricamente também, a termo, no conjunto da região – um status talvez equivalente ao adquirido, paulatinamente, pela União Europeia, qual seja, um espaço econômico plenamente integrado, com total liberdade para o deslocamento de fatores produtivos e uma razoável coordenação econômica (o que, no caso europeu, assumiu a forma de uma união política e econômica, com uma moeda comum para muitos dos seus membros).
A consolidação da integração comercial no Cone Sul deveria ser seguida, de forma subsequente ou simultaneamente, pela unificação ou harmonização dos regimes sociais e das peculiaridades nacionais e regionais, para, finalmente, alcançar a desejada concertação política e diplomática (como vinha ocorrendo na Europa ocidental desde  alguns anos), o que implicaria, inclusive ou potencialmente, lograr uma expressão comum no plano externo: defesa e segurança, política externa, negociações multilaterais e, a termo, uma possível moeda comum. Passados 25 anos desde a formatação inicial desses objetivos ambiciosos, qual é a situação real do Mercosul?
Não se pode dizer que o Mercosul conseguiu realizar sequer a metade, ou pelo menos um terço, do que está estipulado no artigo primeiro do TA: um mercado comum, ou seja, o livre comércio entre os membros plenamente realizado, com todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias eliminadas reciprocamente, com a definição e implementação de uma política comercial comum (isto é, uma Tarifa Externa Comum totalmente operacional), e a anunciada coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização das demais medidas definidoras de um verdadeiro mercado comum. Qual balanço pode ser feito do itinerário do Mercosul no primeiro quarto de século de sua existência? Poderá ele alcançar, como a atual UE, seu primeiro meio século, em 2041?
Mesmo considerando apenas a fase inicial de integração econômica – qual seja, a constituição de uma zona de livre comércio, seguida da definição técnica de uma tarifa externa comum, o que redundaria numa união aduaneira – e seu desdobramento lógico na criação de um mercado comum (aliás, determinado “constitucionalmente”), pode-se dizer que tais objetivos – que já eram os do processo bilateral de cooperação e de integração, iniciado em 1986 por Brasil e Argentina – não foram logrados. Com efeito, deve-se reconhecer que, passados 25 anos de percalços integracionistas, o Mercosul não conseguiu cumprir as metas estabelecidas no TA, nem parece perto de realizá-las no futuro previsível. Ao longo dessas duas décadas e meia, mas bem mais enfaticamente no curso dos últimos treze anos, o Mercosul parece ter se afastado de seus objetivos comercialistas e econômicos iniciais, aliás consagrados no tratado constitutivo, para converter-se num agrupamento político dotado de interesses muito diversificados, mas todos eles com escassa relevância no plano regional ou no contexto internacional.
Teria falhado, então, o Mercosul? Em termos: as falhas e insuficiências do processo podem ser debitadas inteiramente aos países membros, que parecem ter abandonado – ao menos os seus dois membros economicamente relevantes, Brasil e Argentina – o objetivo fixado no TA, de um mercado comum regional, para contentar-se com a liberalização parcial do comércio recíproco e fixar-se no desenvolvimento da cooperação política e social, sem um conteúdo econômico mais afirmado. Tampouco se poderia dizer que o bloco foi afetado por um suposto “déficit democrático”, ou por deficiências institucionais em seu arcabouço jurídico, sendo, ao contrário, bem mais evidentes as inadimplências nacionais em implementar decisões e resoluções conjuntas, bem como a divergência de intenções políticas entre os países membros quanto aos objetivos mediatos e imediatos a serem perseguidos. A despeito da retórica presidencial sempre afirmada quanto à unidade de vistas entre os membros, não se pode dizer, de fato, que os objetivos nacionais quanto à utilidade ou funcionalidade do Mercosul para cada uma das economias e sociedades sejam realmente convergentes.
As dificuldades para a consolidação ou avanço do Mercosul podem ser creditadas a dois fatores de amplo escopo: de um lado, instabilidades conjunturais no plano econômico (em diferentes formatos segundo os países), com planos parciais ou insuficientes de ajustes; de outro, o recuo conceitual dos projetos de construção de um espaço econômico integrado na região, com abandono relativo da liberalização comercial recíproca e ênfase subsequente nos aspectos puramente políticos ou sociais da “integração”.  Quaisquer que sejam os pesos relativos desses dois conjuntos de fatores e seus efeitos concretos sobre as intenções proclamadas e as ações efetivas dos países membros do Mercosul – e os impactos variam muito em função dos países envolvidos – cabe registrar o abandono (não reconhecido pelos membros) do projeto original de se caminhar para instituições orgânicas mais consentâneas com o formato de um mercado comum, em favor de instâncias seletivas de cooperação política setorial que vêm moldando um novo perfil para o Mercosul, até seu envolvimento num conjunto de áreas não delineadas no mandato econômico-comercial do tratado fundacional.

Vejamos quais foram suas principais etapas, começando pela formação e o desenvolvimento histórico inicial do bloco, seguida do itinerário da liberalização comercial e da integração econômica, assim como das questões institucionais e de funcionamento interno do bloco, em especial seu processo decisório, terminando pelas perspectivas para o seu desenvolvimento futuro, o que pode até implicar, teoricamente, uma revisão dos conceitos fundamentais do Mercosul e a adequação de sua estrutura institucional a novos objetivos. O processo de constituição do bloco começou pela aproximação das duas maiores economias da região: Argentina e Brasil deram a partida, conduziram politicamente sua formatação jurídica e continuam determinando, em todas as circunstâncias, os traços fundamentais do processo de integração, seja no seu formato institucional, na sua estrutura operacional e no conteúdo econômico imprimido ao bloco ao longo de suas diversas fases. Os sucessos e os percalços do bloco derivam, para o bem ou para o mal, das atitudes e decisões tomadas pelos dois países, coordenadamente ou em total desarmonia entre si.
Depois de uma fase bilateral, durante a qual foram definidos os objetivos essenciais do processo – primeiro a cooperação e a complementação econômica, no Programa de Integração e Cooperação (1986), depois o projeto de um mercado comum bilateral, pelo Tratado de Integração (1988) – passou-se à etapa quadrilateral, quando se decidiu estender o mercado comum aos dois outros vizinhos, sendo então adotado o Tratado de Assunção para a criação de um mercado comum (1991). A historiografia corrente sobre o Mercosul não reconhece, porém, a mudança fundamental que representou a passagem do modelo de complementaridade gradualista encarnado nos dois primeiros instrumentos (e seus diversos protocolos setoriais) para um modelo econômico liberal e livre-cambista representado pelo TA. Entre as duas fases, pouca atenção se dá à Ata de Buenos Aires (julho de 1990) que modificou substancialmente a metodologia e a própria cronologia da constituição de um mercado comum bilateral Brasil-Argentina.
A Ata representou a passagem de um esquema dirigista e industrializante, como seguido até então, para outro de cunho mais comercialista e liberalizante, mediante a criação calendarizada de um mercado comum (mais exatamente em 01/01/1995), além de estabelecer mecanismos automáticos de desgravação comercial bilateral. A rebaixa tarifária foi feita a partir de uma redução inicial da metade das alíquotas normalmente aplicadas e à razão de 7% a cada semestre, até chegar a 100% de preferência – ou “tarifa zero” – ao final do período de transição, em 31 de dezembro de 1994, quando também deveriam estar definidas uma Tarifa Externa Comum (TEC) e as instituições permanentes do Mercosul. O TA, para ser mais preciso, é praticamente uma cópia ipsis litteris – com os ajustes quadrilaterais que se impunham – da Ata de Buenos Aires, como é possível de ser facilmente comprovado, mediante uma comparação visual de ambos os textos. O relevante a ser destacado é a mudança de filosofia entre o Mercosul bilateral pré-1990 e o Mercosul quadrilateral pós-1991, ainda que, para todos os efeitos práticos, o aprofundamento do processo de integração regional não tenha caminhado em direção dos objetivos fixados nesses dois instrumentos: um mercado comum com liberalização comercial plena e coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais.
Quaisquer que tenham sido as imperfeições da fase de transição no acabamento das tarefas indispensáveis ao atendimento dos objetivos do artigo 1o. do TA, esta foi marcada pelo otimismo, tanto do lado comercial, quanto do lado político. Foi nesse clima de quase euforia que se chegou a Ouro Preto, em dezembro de 1994, não para a assinatura de um novo tratado, que poderia ter sido o da criação efetiva de um mercado comum – com todos os requisitos do gênero – ou pelo menos o de uma união aduaneira acabada, mas de um simples protocolo, que confirmou os mecanismos e instituições existentes, com alguns poucos acréscimos (como o de uma Comissão de Comércio) que não modificaram fundamentalmente a natureza do processo de integração no Mercosul.
A segunda metade dos anos 1990 ainda viu o crescimento do comércio do bloco. Mas este já estava imerso em graves desequilíbrios conjunturais, embora de natureza diversa segundo os países. A Argentina tinha encontrado a estabilização monetária por meio de um plano de conversibilidade – na verdade, a rigidez absoluta na paridade fixa com o dólar – mas não reencontrou o caminho da competitividade externa, acumulando déficits que foram sendo artificialmente reprimidos pelo recrudescimento do protecionismo ou cobertos pelo recurso excessivo a empréstimos externos, até o desenlace fatal, em 2001. Desde 1996, a Argentina introduzia medidas restritivas das importações, inclusive no comércio  bilateral com o Brasil, que era, aliás, o único país que lhe facultava superávits substantivos, geralmente feitos de comércio administrado (petróleo, trigo e automóveis). Mas o Brasil também acusava desequilíbrios crescentes nas transações correntes, contornados por tentativas de controle do financiamento externo às importações ou por igual apelo a capitais externos.
A crise final no regime econômico argentino, no entanto, só ocorreu mais de um ano depois que o Brasil enfrentou o seu próprio inferno cambial, acumulado desde a crise mexicana de 1994-95, as turbulências asiáticas de 1997, situação exacerbada pela moratória russa de julho de 1998, obrigando-o a concluir um rápido programa de socorro preventivo com o FMI, em outubro desse ano, por um valor superior a US$ 40 bilhões. O instável arranjo não suportou, entretanto, novas fugas de capitais e a ausência de ajustes internos, vindo a termo em janeiro de 1999, quando o sistema de banda cambial saltou pelos ares: a cotação do dólar disparou e o Brasil se viu obrigado a adotar um regime de flutuação cambial, complementado pouco depois por um sistema de metas de inflação. Na Argentina, o desenlace fatal ocorreu em dezembro de 2001, quando seu governo impõe unilateralmente ao Brasil as novas regras pelas quais o país platino pretendia conter o comércio bilateral. As exceções nacionais e as divergências em relação à TEC se multiplicaram de todos os lados, com efeitos imediatos, sobretudo sobre o pequeno Uruguai. O comércio regional despencou, representando, em 2002, praticamente a metade do que ele tinha sido até 1999. Mesmo se fluxos e valores foram sendo paulatinamente recompostos e elevados nos anos seguintes, diversas outras restrições operacionais e divergências normativas continuaram a vigorar, afastando ainda mais o Mercosul dos objetivos de convergência macroeconômica e de unificação dos mercados estipulados no artigo fundamental do TA.
O fato é que, para todos os efeitos práticos, a partir de 2003, o Mercosul jamais voltou a ser o que era nos primeiros oito ou nove anos de sua existência quadrilateral. Mesmo se a estagnação intermediária registrada no plano comercial foi sendo superada aos poucos, em função da retomada do crescimento na Argentina e nos demais países, a crise de 2001-2002 deixou marcas profundas no estilo de governança econômica em vigor no país platino, levando a retrocessos institucionais e ao enfraquecimento dos compromissos anteriormente assumidos com a liberalização comercial e a abertura econômica. Para tanto contribuíram a personalidade e as políticas adotadas pelo presidente argentino Nestor Kirchner (2003-2008), tanto quanto as novas orientações de política externa do governo brasileiro do presidente Lula (2003-2010), menos comprometidos com as metas econômicas e comerciais do Mercosul, e bem mais propenso a aceitar novos desvios para objetivos políticos e sociais supostamente mais relevantes do ponto de vista de sua política externa regional.
Os grandes responsáveis pelas novas orientações da política externa regional do Brasil, em especial no que se refere ao Mercosul e às tentativas de sua ampliação ou extensão ao espaço regional sul-americano, foram o assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais – um militante que durante muitos anos exerceu o cargo de secretário de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores (PT) – e o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores no período 2003-2009, diplomata de carreira. Sobretudo, este último, intimamente envolvido com a integração bilateral Brasil-Argentina nos anos 1980 e opositor declarado do Mercosul em sua versão liberal dos anos 1990, empenhou-se desde o início em reverter o bloco às características que este possuía na fase mercantilista e dirigista anterior à Ata de Buenos Aires e ao TA.
O que ficou evidente, desde o início dos governos Lula e Kirchner, foi, de um lado, a orientação protecionista e defensiva das políticas econômica e comercial deste último, inclusive em detrimento da integração regional; de outro, a leniência e a tolerância demonstrados por Lula, e por seus principais assessores, a pretexto de preservação do bloco e da concessão de “espaços de liberdade” para que a Argentina pudesse conduzir uma nunca completada “reindustrialização”. De fato, o que ocorreu é que, em lugar de reforçar o bloco em suas dimensões econômica e comercial, as posturas combinadas da Argentina e do Brasil terminaram por fragilizar o bloco, no que se refere a seus objetivos essenciais. No lugar de comércio ou abertura econômica, novas dimensões foram sendo impulsionadas, sobretudo nos aspectos políticos e sociais. Pelo resto da década, não ocorreu qualquer outro progresso institucional, a não ser a adoção, quinze anos depois do prazo normal, do Código Aduaneiro do Mercosul, que deveria estar em funcionamento desde o dia 1o de janeiro de 1995.

Estes são, basicamente, os mais importantes desenvolvimentos no itinerário histórico do Mercosul. Mas caberia também referir-se, ainda que brevemente, à inserção do bloco no contexto sul-americano e aos processos de negociações regionais, bilaterais, hemisféricas ou multilaterais. Durante a primeira fase, o Mercosul tentou acordos com os demais membros da Associação Latino-Americana de Integração, sem grande sucesso, porém: uma proposta de se constituir uma Área de Livre Comércio das Américas (Alcsa), feita pelo Brasil em 1994, em resposta ao projeto americano de uma Área de Livre Comércio das Américas, não encontrou respaldo nos demais países e, pelo resto da década, o Mercosul negociou relutantemente a criação da área hemisférica, exibindo uma atitude que era em geral de tergiversação, com táticas dilatórias. No contexto regional, apenas dois países se associaram ao Mercosul, o Chile e a Bolívia, ambos em 1996, embora num formato de liberalização comercial parcial.
A partir de 2003, acordos parciais, no âmbito da Aladi, dotados de muitas exceções, foram feitos com os demais vizinhos andinos, embora com efeitos marginais sobre os fluxos de comércio. No intervalo, Brasil e Argentina se empenhavam, com a ajuda entusiasta da Venezuela de Chávez, em sabotar as negociações da Alca, o que foi conseguido na Cúpula das Américas de 2005, quando o processo foi implodido, como aliás admitido orgulhosamente pelo presidente e pelo chanceler do Brasil. Divergências entre Brasil e Argentina dificultaram, porém, as posições que deveriam ser comuns nas negociações multilaterais da Rodada Doha da OMC e nas bi-regionais com a União Europeia. Até a atualidade, nenhum desses processos alcançou conclusões satisfatórias.
A única mudança institucional significativa ocorrida desde então foi a “plena incorporação” da Venezuela ao bloco – aliás ilegal, nos próprios termos do TA, e incompleta, pois que carente de qualquer adesão formal do país bolivariano aos principais instrumentos normativos do Mercosul, notadamente a Tarifa Externa Comum e outras regras básicas de política comercial –, depois de um longo e sinuoso processo de negociações, desde 2005, sempre carentes de qualquer resultado prático. Essa incorporação se deu no bojo da mais grave crise política já ocorrida no Mercosul, que foi a “suspensão” do Paraguai das reuniões do bloco, seguida imediatamente da “admissão plena” da Venezuela, ambas realizadas na cúpula de Mendoza, em junho de 2012, medidas tomadas na ausência e sem qualquer participação do próprio Paraguai. Outra questão relevante no campo político-jurídico tem a ver com o sistema de solução de controvérsias, ainda excessivamente politizado para servir efetivamente de anteparo jurídico aos muitos descumprimentos que ocorrem pelas práticas dos próprios Estados.
Os perigos para o Mercosul não estão exatamente na sua reversão ou na extinção de fato – já que de direito não existem chances disso ocorrer, pois os mesmos políticos que se recusam a fazer reformas, tampouco ousam reformar o funcionamento do bloco. A perspectiva que se oferece se situa na sua estagnação, ou seja, em lugar de perseguir os objetivos ainda não cumpridos – e hoje, talvez, considerados “utópicos” – e de se esforçar por elevar padrões de coordenação de políticas – senão macroeconômicas, pelo menos setoriais, ou aquelas áreas de política fiscal, tributária e creditícia, por exemplo, que mais afetam as políticas industriais –, os países acabam se conformando com a zona de livre comércio incompleta que existe e com a contrafação de união aduaneira em vigor. A reconstrução e a consolidação do Mercosul, para ser efetiva, exigiria medidas corajosas, apontando na direção dos objetivos originais, hoje totalmente negligenciados. Não é seguro que os dirigentes dos países membros estejam dispostos a avançar por essa via; um novo Mercosul talvez exija novas lideranças e um novo quadro mental.
O quadro apresenta um resumo do itinerário do Mercosul em suas diferentes fases, tanto no plano econômico quanto no político e no das relações externas.

Mercosul: as diferentes fases

1986-1989
1990-1994
1995-1999
1999-2002
2003-2016
Traços dominantes da fase
Etapa inicial; construção gradual
Ata de Buenos Aires; Tratado de Assunção
Protocolo de Ouro Preto: mesmas metas
Crise de confiança
Recuo geral
Fins políticos; sem ênfase comercial
Ênfase geral do período
Protocolos setoriais bilaterais (Br.-Arg.)
Zona de Livre Comércio Automática
Completar a União Aduaneira (alinhar TEC)
Superar impacto das crises econômicas
Instituições políticas e sociais; pura retórica
Relações comerciais
Administrado e protocolos setoriais flexíveis
Crescimento para dentro e expansão para fora
Crescimento lento; desequilíbrios e resistências
Diminuição geral dos fluxos de comércio
Aumento de restrições internas (ilegais)
Relações políticas
Equilíbrio absoluto entre Br.-Arg.; bom entendimento
Instituições provisórias interestatais; ativismo
Estabilidade das instâncias diretivas; burocracias
Crise de confiança Br.-Arg.: câmbio desalinhado
Dificuldades nas relações Brasil-Arg.: tolerância Br.
Moldura jurídica e
instituições
Só bilateral: Tratado de Integração
Provisórias; perfil interestatal
Apresentação à OMC: lacunas na TEC
Maquiagem via grupos de trabalho
Adesão a foros sociais; criação do Parlamento
Problemas e realizações
Construção de confiança mútua bilateral
Definição da Tarifa Externa Comum
Associações ao bloco: Chile e Bolívia
Evitou-se o desmanche; arranjos ad hoc
Acordos regionais; Venezuela
Crises e conflitos internos
Baixo grau de liberalização comercial; dirigismo
Dificuldades na convergência de políticas
Aumento dos conflitos comerciais; controvérsias
Necessidade de novo instrumento jurídico
Cumprimento falho das normas: crise do Paraguai
Perspectivas para cada etapa
Superar as resistências setoriais; demandas por proteção
Definir perfil institucional: supranacional ou interestatal (papel Brasil)
Consolidar a UA para poder avançar ao mercado comum
Preservar o bloco e a confiança econômica externa
Retomar os fundamentos do bloco: comércio, investimentos
Concepção e elaboração: Paulo Roberto de Almeida (2016)


Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 26 de março de 2016