Como o Paraguai foi suspenso do Mercosul em 2012
Paulo Roberto de Almeida
[Uma nota sobre
um episódio diplomático ainda obscuro]
A suspensão do Paraguai do
Mercosul, em junho de 2012, obtida por pressão conjunta da Argentina e do
Brasil sobre o presidente José Mujica, do Uruguai (que relutava em aceitar uma
decisão já tomada pelas duas presidentes), e na ausência de autoridades do
Paraguai, constitui um dos episódios mais bizarros da diplomacia partidária dos
companheiros no poder, que ainda cabe esclarecer, se isso for possível (pois
aparentemente não existem documentos explicitando a exata sucessão de fatos).
O processo paraguaio,
obviamente, está bem documentado, pois existem atas do Senado do Paraguai que
registram como se deu o impeachment de Fernando Lugo, segundo disposições da
Constituição do país guarani, ainda que num ritmo acelerado (mas não havia uma
previsão quanto aos ritos e etapas, e o presidente teve seu direito de defesa
assegurada).
Menos conhecida é como se
obteve, na cúpula do Mercosul de Mendoza, em junho de 2012, essa suspensão,
supostamente ao abrigo do Protocolo de Ushuaia sobre a cláusula democrática,
mas de fato em total desrespeito a ela, que previa consulta com todas os
Estados partes ao Tratado de Assunção. A delegação do Paraguai, seja em nível
técnico, preparatório, seja em nível ministerial, seja ainda pela presença do
próprio chefe de Estado, foi impedida de comparecer à reunião de cúpula, o que
representa uma grave violação dos acordos existentes e uma descortesia
diplomática jamais vista no bloco.
Na verdade, a decisão já
estava tomada, desde antes da cúpula, como revelado pelas memórias,
relativamente sinceras, do presidente do Uruguai José Mujica, publicadas depois
que ele deixou o poder.
Transcrevo aqui as
palavras de meu amigo Ricardo Seitenfus, historiador, que retoma trechos das “memórias
autorizadas” do ex-presidente uruguaio, tal como constantes do livro publicado
no ano passado:
Andrés
Danza y Ernesto Tulbovitz:
Una
oveja negra al poder: confesiones e intimidades de Pepe Mujica
(Montevideo:
Editora Sudamericana, 2015)
“Nas páginas 225-227, o
ex-Presidente uruguaio relata de maneira surpreendentemente franca, como foi
construído, sob a liderança de Dilma Rousseff, o ‘indispensável consenso’.
Sentindo-se herdeiro dos
responsáveis pela destruição de uma das principais economias latino-americanas
quando da Guerra da Tríplice Aliança no século XIX, Mujica se opunha à adoção
de sanções que suspendessem o Paraguai do Mercosul. O episódio narrado a seguir
o fará mudar de ideia. Deixemos a palavra com Pepe Mujica.
[tradução livre de Ricardo
Seitefus]:
“Uma das pessoas de maior confiança de Mujica recebeu um telefonema de
Marco Aurélio Garcia, braço direito de Dilma, que informa:
- Dilma quer transmitir uma mensagem muito importante ao Presidente
Mujica, disse o funcionário brasileiro.
- Não há problema. Os colocamos em comunicação, respondeu o uruguaio.
- Não, não pode haver comunicação nem por telefone nem por mail,
argumentou Garcia.
Um encontro tão fugaz e repentino entre Presidentes seria suspeito.
Assim, o Governo brasileiro resolveu enviar um avião a Montevideo para conduzir
o emissário de Mujica à residência de Dilma, em Brasília.
Na reunião o funcionário uruguaio apanhou uma caderneta para fazer
anotações e Dilma o obrigou a rasgar os papéis.
- Sem anotações. Esta reunião nunca aconteceu, disse ela.
Durante a conversa, Dilma mostrou fotos, gravações e relatórios dos
Serviços de Inteligência brasileiro, venezuelano (sic) e cubano (sic) que
registravam como foi articulado um “golpe de Estado” contra Lugo por um grupo
de “mafiosos” que a partir da queda do Presidente assumiriam o poder.
- O Brasil necessita que o Paraguai fique fora do Mercosul para que logo
sejam organizadas eleições, concluiu Dilma”.
Para Pepe Mujica a lição do episódio é clara: “prevaleceram as relações
pessoais. Às vezes é mais importante uma boa sintonia entre um grupo de
Presidentes do que os mecanismos jurídicos que foram construídos durante anos.
Isso foi o que aconteceu no Mercosul”.
Retomo (PRA):
Mujica ainda relutou, em
Mendoza, na aplicação da sanção ao Paraguai, aconselhado por seu ministro das
relações exteriores, quanto ao não seguimento do ritual previsto no Protocolo
de Ushuaia. Cristina Kirchner e Dilma Rousseff obtiveram de Mujica que todos os
chanceleres fossem afastados da reunião, e sozinhas, as duas presidentes
conseguiram dobrar Mujica até que ele concordasse com a suspensão.
Este episódio precisa ser
esclarecido totalmente, pois constitui uma das muitas zonas de sombras da
diplomacia partidária conduzida, ao arrepio do Itamaraty, nos últimos treze
anos, quando muitas iniciativas e episódios se fizeram à margem e no
desconhecimento da diplomacia profissional.
Um episódio mais recente,
que também pede esclarecimento, é o do levantamento da questão de eventual consideração
da suspensão do próprio Brasil, ao abrigo das chamadas “cláusulas democráticas”
da Unasul e do Mercosul, quando o assessor presidencial para assuntos internacionais,
um apparatchik da PR (aliás o mesmo que atuou no caso do Paraguai e em diversos
outros casos obscuros também), tentou fazer com que esses órgãos abordassem o
caso do pedido de impeachment no Brasil. Não se sabe quais ordens foram dadas
pela presidência à chancelaria brasileira, e a seu assessor presidencial, para
que tal iniciativa fosse tomada.
A história da diplomacia
brasileira nos anos obscuros do lulopetismo tem muitas incógnitas e episódios
bizarros, como esses. Um dia eles serão esclarecidos.
Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos a Ricardo Seitenfus
Brasília, 1ro de maio de 2016
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