O humanista cético
Suely Caldas
O Estado de S.Paulo, 29/11/2013
A Editora PUC-Rio acaba de lançar o livro Dionísio Dias Carneiro, um humanista cético, em homenagem ao economista, professor, formador de alunos e pessoas, a quem ele ensinava criatividade em ciência econômica e ética na vida profissional - e deles recebia admiração, amizade e gratidão. Organizado por Luiz Roberto Cunha (amigo de longos anos no Departamento de Economia da PUC-Rio), Maria Antonieta Leopoldi e Eduardo Raposo, o livro tem prefácio de Edmar Bacha e depoimentos de economistas e alunos que o acompanharam por 40 anos de vida acadêmica, até sua morte, em 2010.
Conheci Dionísio há 20 anos, tornamo-nos amigos e era a ele que recorria sempre que precisava entender a lógica da economia na vida do País. Não havia ninguém que explicasse melhor - com sabedoria, paciência, simplicidade, generosidade e honestidade intelectual - os meandros do Plano Real e das crises econômicas que o Brasil viveu. O humanista cético de inteligentes e imperdíveis comentários carregados de delicioso e refinado bom humor eu conheci em nossos incontáveis encontros em restaurantes do Rio de Janeiro e no apartamento do Leblon ou na casa de Petrópolis, quando a doença passou a frear sua mobilidade.
A vida de Dionísio Carneiro se entrelaça com a evolução do ensino universitário da Economia. Ao regressar do doutorado na Universidade de Vanderbilt(Tennessee, EUA), em 1972, com apenas 27 anos, foi lecionar na Universidade de Brasília, convidado por Edmar Bacha, que acabara de assumir o seu Departamento de Economia. Já no ano seguinte se transferiu para a Fundação Getúlio Vargas (FGV), levado por seu grande mestre Mario Henrique Simonsen. Mas, com a ida de Simonsen para o governo, o conflito com o grupo liberal de Carlos Geraldo Langoni acirrou e precipitou a saída de Dionísio, Chico Lopes e Rogério Werneck da FGV. Em 1977, os três criaram o curso de mestrado da PUC-Rio, um núcleo formador de talentos econômicos. Entre professores e alunos, por lá passaram Armínio Fraga, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Pedro Malan, André Lara Resende, Gustavo Franco, Ilan Goldfajn, Edward Amadeo, José Márcio Camargo, Luiz Roberto Cunha, Elena Landau, Eduardo Loyo, Pedro Bodin, Marcelo de Paiva Abreu e muitos outros. O Plano Real nasceu de discussões e de debates entre alguns deles, e Dionísio Carneiro sempre foi o agregador do grupo.
Em 1992 ele criou a Galanto Consultoria e para lá levou muitos alunos da PUC. Na verdade, a empresa (ele gostava de chamar Família Galanto) funcionou como extensão de suas aulas, o aprendizado prático dos 46 estagiários que porlá passaram, entre eles Mônica Baumgarten de Bolle, que se tornou sócia e herdeira na Galanto.
Mas Dionísio e o amigo Bacha sentiam falta de um lugar para debater grandes temas, que contribuísse para a formulação de políticas econômicas para o Brasil. Em 2003, nascia o Instituto de Estudos de Política Econômica, conhecido como Casa das Garças e abrigado numa bela casa no Leblon, construída por Oscar Niemeyer e com jardins de Burle Marx, de propriedade de dois ex-alunos de Dionísio. Hoje dirigido por Bacha, o Instituto Casa das Garças rejeita ser chamado de "ninho tucano" e, desde o início, Dionísio foi quem mais brigou para fazer dali um fórum de debates independente, apartidário e plural. Aliás, além de preparar e formar alunos, outra boa mania de Dionísio era estimular o debate de ideias. Foi o que ele fez também nas centenas de textos de artigos que escreveu para o Estadão ao longo de 12 anos.
* JORNALISTA, É PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR