O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Ucrânia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ucrânia. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Babi Yar (Ucrânia): o começo do Holocausto - Paulo Roberto de Almeida e Hoje no Mundo Militar

Na pré-história prática do Holocausto:

Paulo Roberto de Almeida 

Babi Yar foi o primeiro experimento de execução de judeus em massa perpetrado por ordens expressas de Hitler, mas tinha um “defeito”: era “labour intensive”, ou seja, estava ainda baseado naquilo que os marxistas chamariam de “modo artesanal de produção” (neste caso, de eliminação em massa  de judeus).

Os nazistas, animados pelo princípio do produtivismo, aspiravam um método mais eficiente de elimina massa de judeus, mais “capital intensive”, e por isso passaram a um “modo industrial de produção” de cadáveres dentre as comunidades judaicas da Europa central e oriental. Adoraram as câmaras de gás e os fornos crematórios adjuntos aos campos de concentração, dentre os quais Auschwitz foi o mais, tristemente, famoso.

Jamais tinha ocorrido, na história da humanidade, um projeto burocraticamente organizado tão perverso e insano como foi concebido e organizado pelos líderes nazistas, Hitler en tête, o genocídio de TODO um povo conhecido como Holocausto. O stalinismo e o maoismo (e, proporcionalmente, o pol-potismo) mataram, deliberadamente ou involuntariamente, muito mais seres humanos, mas nada se igualou, na história de toda a humanidade, ao nazismo hitlerista, que também suscitou uma indústria secundária de negacionismo jamais vista nos anais do trabalho historiográfico, com efeitos politicos.

Por todas essas razões, Babi Yar deve ser sempre relembrado na história da Ucrânia e de toda a Europa oriental que esteve, alguma vez, sob ocupação nazista.

Paulo Roberto de Almeida

============

De uma postagem de 29/09/2023 do site Hoje no Mundo Militar:

“Neste dia, no ano de 1941, teve início o massacre nazista de Babi Yar, na Ucrânia.

No dia 26 de setembro daquele ano, as forças nazistas de ocupação, que controlavam Kiev desde o dia 19, emitiram uma ordem obrigando todos os judeus ucranianos da cidade a se apresentarem na esquina da rua Mel'nikova e a rua Dokterivskaya. Os nazistas esperavam que fossem aparecer no máximo 6 mil judeus, mas às 8h da manhã do dia 29 de setembro, mais de 30 mil judeus ucranianos estavam no local designado.

Foram transportados em pequenos grupos para a ravina de Babi Yar, localizada a poucos quilômetros do centro de Kiev. No local, os nazistas, aproveitando-se do declive do terreno, executavam os grupos no fundo da ravina conforme iam chegando. À medida que os corpos se amontoavam, jogavam cal e uma fina camada de terra por cima para receber o grupo seguinte.

Entre os dias 29 e 30 de setembro de 1941, 33.771 judeus ucranianos foram brutalmente executados em Babi Yar. No total, considerando todo o período de ocupação, os nazistas mataram naquele local um número estimado em quase 150 mil judeus.”

sábado, 23 de setembro de 2023

Tom Friedman visita a Ucrânia (NYT)

 EM VISITA A KIEV 

Thomas Friedman

The New York Times,18/09/2023

Em visita a Kiev, semana passada, na minha primeira viagem à Ucrânia desde a invasão de Vladimir Putin, em fevereiro de 2022, eu tentei fazer meus exercícios de todas as manhãs caminhando nos arredores do Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas. Sua serenidade, porém, tem sido perturbada pela exibição destoante de blindados de transporte de tropas e tanques russos destruídos. Durante minhas caminhadas, eu meti a cabeça e olhei dentro desses cascos arrebentados por foguetes imaginando a morte terrível que os soldados russos que operavam os veículos tiveram.

Mas o choque dessa massa retorcida de aço enferrujando ao redor desse grandioso e esbranquiçado edifício evocou-me uma imagem diferente à mente: de um meteoro.

Parecia que um meteoro gigante tinha caído do céu, desfazendo a vida com a conhecíamos — quase oito décadas sem uma guerra entre “grandes potências” na Europa, um continente no qual séculos de invasões e conquistas cederam caminho para segurança e prosperidade. Agora esses escombros feiosos estão entre nós, fumegando — e nós, tanto na Ucrânia quanto na comunidade internacional, estamos com dificuldades para encontrar uma maneira de lidar com isso.

Quase todos os ucranianos com que conversei em Kiev estão ao mesmo tempo exaustos com a guerra e apaixonadamente determinados a recuperar cada centímetro de território ocupado pela Rússia — mas ninguém tem respostas claras a respeito do caminho adiante nem sobre as dolorosas contrapartidas à espera, apenas certeza de que a derrota significaria o fim do sonho democrático da Ucrânia e o fim da era pós-2.ª Guerra que produziu uma Europa mais integrada e livre do que jamais havia ocorrido em sua história.

O que Putin está fazendo na Ucrânia não é apenas irresponsável, não é apenas uma guerra de escolha, não é apenas uma invasão que se distingue pelo exagero, desonestidade, imoralidade e incompetência que lhe é peculiar, tudo isso envolto num emaranhado de mentiras. O que Putin está fazendo é perverso. Ele vomitou uma variedade de justificativas — um dia estava removendo um regime nazista no poder em Kiev, depois impedindo uma expansão da Otan e então repelindo uma invasão cultural do Ocidente — para o que foi, em última instância, um devaneio pessoal que requer neste momento que seu Exército de superpotência peça ajuda à Coreia do Norte. É como se o maior banco da cidade fosse pedir empréstimo em uma casa de penhores local. Eis no que deu aquela virilidade descamisada de Putin.

O que é tão perverso — além da morte, da dor, do trauma e da destruição que ele infligiu sobre tantos ucranianos — é que num momento em que mudanças climáticas, fome, crises sanitárias e tantas outras aflições acometem o Planeta Terra, a última coisa que a humanidade precisava era destinar tanta atenção, tanta energia colaborativa, tanto dinheiro e tantas vidas para responder à guerra de Putin com intenção de transformar a Ucrânia novamente uma colônia russa.

Ultimamente Putin nem sequer tem se incomodado em justificar a guerra — talvez por até ele mesmo estar constrangido demais para pronunciar em voz alta o niilismo que suas ações transparecem: já que eu não consigo possuir a Ucrânia, farei o que puder para que ninguém mais possa tê-la.

“Não se trata de uma guerra em que o agressor tem alguma visão, algum projeto para o futuro. Em vez disso, ao contrário, para eles tudo é obscuro, sem forma, e a única coisa que importa é a força”, notou o historiador Timothy Snyder, de Yale, em um painel do qual participamos em uma conferência em Kiev, no fim de semana passado.

Estar na cidade foi esclarecedor para mim em três aspectos. Eu entendi ainda melhor o quão doentia e perturbadora esta invasão russa é. Entendi ainda melhor como será difícil — talvez até impossível — para os ucranianos expulsarem o Exército de Putin de cada centímetro de seu território. Acima de tudo, talvez, eu entendi ainda melhor algo que o ex-conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos Zbigniew Brzezinski observou quase 30 anos atrás: “Sem a Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império; mas com a Ucrânia cooptada e então subordinada, a Rússia torna-se automaticamente um império”.

O comandante da unidade de assalto da 3ª Brigada de Assalto, que atende pelo nome de "Fedia", passa por corpos de soldados russos mortos na linha de frente a caminho de Andriivka, região de Donetsk, Ucrânia

O comandante da unidade de assalto da 3ª Brigada de Assalto, que atende pelo nome de "Fedia", passa por corpos de soldados russos mortos na linha de frente a caminho de Andriivka, região de Donetsk, Ucrânia Foto: Alex Babenko / AP

Estados Unidos

A maioria dos americanos não sabe muita coisa a respeito da Ucrânia, mas eu afirmo o seguinte sem nenhuma hipérbole: a Ucrânia é um país decisivo para o Ocidente dependendo do desfecho desta guerra, para o bem ou para o mal. A integração da Ucrânia à União Europeia e à Otan algum dia constituirá uma mudança de equilíbrio de poder que poderá se equiparar à queda do Muro de Berlim e à unificação da Alemanha. A Ucrânia é um país com capital humano, recursos agrícolas e recursos naturais impressionantes — “mãos, cérebros e grãos”, conforme costumam dizer investidores ocidentais em Kiev. Sua integração plena à segurança democrática da Europa e sua arquitetura econômica seria sentida em Moscou e Pequim.

Putin sabe disso. Sua guerra, na minha visão, nunca foi primeiramente sobre combater a expansão da Otan, sempre foi muito mais sobre impedir a Ucrânia eslava de aderir à União Europeia e se tornar um exemplo bem-sucedido de contraposição à eslava e criminosa autocracia de Putin. A expansão da Otan é amiga de Putin — permite-lhe justificar uma militarização da sociedade russa e apresentar a si mesmo como guardião indispensável da força russa. A expansão da UE para a Ucrânia é uma ameaça mortal — expõe o putinismo como fonte da fraqueza russa. E todos os ucranianos com que conversei, unanimemente, parecem entender que seu povo e a Europa estão unidos em um momento histórico contra o putinismo — um momento, contudo, que não pode ser fortuito sem a firmeza dos EUA. Por este motivo, as perguntas mais frequentes — e afitas — que ouvi durante minha visita foram variações de, “Você acha que Trump, o amigo de Putin, pode virar presidente outra vez?”.

Basta olhar nos olhos dos soldados ucranianos que voltam do front ou conversar com pais e mães nas ruas de Kiev para despir-se de qualquer ilusão a respeito do equilíbrio moral desta guerra. Eu estive somente três dias na Ucrânia — muito menos que meus colegas do Times e outros correspondentes de guerra que têm narrado testemunhos marcantes dos combates e sofrimentos. Mas minhas interações relativamente breves fizeram ressuscitar em mim as imagens que nós vemos de cidades e vilarejos arruinados por bombas no leste da Ucrânia e as constatações horripilantes sobre as quais lemos das Nações Unidas documentando casos em que crianças foram “estupradas, torturadas e confinadas ilegalmente” pelos invasores russos.

Trata-se do caso mais óbvio do certo contra o errado, do bem contra o mal em relações internacionais desde o fim da 2.ª Guerra.

Quanto mais nos aproximamos do atual conflito, porém, e pensamos sobre como resolvê-lo, aquele balancete preto e branco, nu e cru de equilíbrio moral não oferece nenhum mapa do caminho suave para alguma solução.

O que define um desfecho justo é claro como o dia. É uma Ucrânia inteira e livre — com reparações pagas pela Rússia. Mas não é completamente claro quanto dessa justiça é alcançável — e a que preço — ou se algum acordo sujo será a opção menos pior. E se assim suceder, que tipo de acordo, quão sujo, quando e garantido por quem?

Em outras palavras, no instante que abandonarmos o ordenamento jurídico nesta guerra — e entrarmos no campo da realpolitik diplomática — todo o quadro deixa de ser preto ou branco e se funde em diferentes tons de cinza. Porque o criminoso ainda é poderoso e tem amigos — e, portanto, voz. A Ucrânia também tem bastante amigos comprometidos a ajudar sua luta por quanto tempo ela quiser — até o “tempo que ela quiser” se tornar longo demais em Washington e outras capitais ocidentais.

É muito difícil impedir um líder desavergonhado e sem consciência. Na terça-feira, Putin afirmou que as 91 acusações criminais registradas contra Donald Trump em quatro jurisdições diferentes dos EUA representam a “perseguição de um rival político por motivos políticos” e evidenciam “a podridão do sistema político americano, que não pode ter a pretensão de ensinar democracia para os outros”. O salão desatou em aplausos para um líder reconhecido por colocar veneno na cueca de um opositor, explodir um avião com um rival dentro e “ensinar democracia” a dissidentes presos em campos de trabalho na Sibéria.

A falta de vergonha é de tirar o fôlego. E ainda que sua súplica à Coreia do Norte por ajuda militar seja patética, o fato dele estar disposto a pedir enfatiza que ele tem intenção de continuar sua guerra até conseguir um pedaço da Ucrânia que possa ostentar como um sucesso que lhe guarde as aparências."


terça-feira, 19 de setembro de 2023

Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, pede punição para a Rússia na ONU e diz que não se pode 'confiar no mal' (G1)

O presidente Volodymyr Zelensky discursou na Assembleia da ONU nesta terça-feira (19).

Essa é a primeira vez desde o começo da guerra no país dele que Zelensky foi presencialmente a Nova York para participar do encontro. Em 2022, ele participou remotamente.

A Ucrânia foi invadida militarmente pela Rússia em fevereiro do ano passado.

Ele se apresentou com uma camisa verde-musgo no plenário, diferentemente dos outros líderes de Estado de países do Ocidente, que foram de terno.

Guerra final

O ucraniano reclamou do fato da Rússia ainda ter armas nucleares. A Ucrânia se desfez do arsenal durante os anos 1990. "A Ucrânia abriu mão de seu arsenal nuclear, e o mundo decidiu que a Rússia deveria manter o seu. Terroristas não têm direito de ter armas nuclear", afirmou. 

Ele afirmou que, por causa do armamento nuclear, cada guerra pode ser "a última guerra", ou seja, pode haver uma destruição muito grande.

Ele então começou a criticar a Rússia por usar a falta de comida como arma de guerra: "Os portos ucranianos foram bloqueados e são alvos de mísseis e drones. É uma tentativa da Rússia de usar a falta de comida no mercado global como arma".

Ele disse que os russos também usam a energia como arma: "O mundo testemunhou a Rússia usar óleo e gás para enfraquecer líderes de outros países. E agora essa ameaça é ainda maior. A Rússia está usando energia nuclear como arma, está tornando usinas de energia de outros países como bombas. Veja o que eles fizeram com a nossa usina de Zapozhizhia", afirmou. A região da usina foi ocupada por forças russas.

Mandado de prisão Putin no TPI

Ele ainda reclamou da deportação de crianças da Ucrânia para a Rússia –centenas de milhares de crianças foram raptadas pela Rússia nos territórios ocupados, disse ele.

"O Tribunal Penal Internacional deu uma ordem de prisão para Vladirmir Putin, o presidente da Rússia, por causa desses crimes. Tentamos trazer as crianças de volta, mas o tempo está passando. O que acontecerá com elas? Essas crianças aprendem a odiar a Ucrânia. Isso é um genocídio, quando usam ódio contra uma nação, sempre tem continuação", afirmou.


Nesta terça-feira (19), a mídia estatal de Belarus informou que 48 crianças ucranianas chegaram ao país vindos de regiões ucranianas que Moscou afirma ter anexado.

Pergunte a Prigozhin

Ele citou conflitos da Rússia com outros países e disse que muitos assentos na Assembleia da ONU podem ficar vazios se depender da Rússia.

Zelensky criticou as possiveis negociatas com a Rússia: "Não se pode confiar no mal. Perguntem a Prigozhin se dá para contar com as promessas de Putin", disse ele, fazendo uma referência a Yevgeny Prigozhin, um ex-aliado de Putin que morreu em uma queda de avião na Rússia.

"Precisamos nos unir para derrotar o agressor e canalizarmos a energia para responder a esse desafio. Se as armas nucleares precisam ser restringidas, toda a guerra pode ser a guerra final, mas temos que nos garantir que agressão não acontecerá novamente."

Ele também citou diversas vezes a proposta de paz da própria Ucrânia, que prevê a manutenção territorial e soberania de todos os territórios do país.

Encontro com Lula

Zelensky e Lula devem ter o primeiro encontro bilateral na quarta-feira. O encontro está marcado para a parte da tarde, após o brasileiro se encontrar com o americano Joe Biden.


sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia - Paulo Roberto de Almeida (Revista Crusoé)

Meu artigo na Crusoé desta sexta-feira 1/09/2023, mas escrito antes do encontro, que é só na semana que vem:

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre a reunião de cúpula do G20 na Índia.

Revista Crusoé (1/09/2023; link: https://oantagonista.com.br/mundo/crusoe-o-brasil-de-lula-3-no-g20-da-india/). Relação de Originais n. 4465; Relação de Publicados n. 1521. 

 

A 18ª reunião de cúpula do G20, a ser realizada em New Delhi, capital da Índia, não será propriamente uma novidade para Lula, que já participou dos primeiros encontros desse grupo desde que ele foi originalmente convocado para tratar da crise financeira de 2008, pelo próprio presidente George Bush, em Washington. O grupo deriva diretamente, embora em nível hierárquico inferior, do Financial Stability Forum, que por sua vez tinha nascido na crise financeira anterior, na segunda metade dos anos 1990. A diferença entre a natureza de um e outro grupo das economias mais relevantes do planeta está em que o antigo Forum tinha no seu certificado de nascimento uma crise, mais uma, de países em desenvolvimento, ao passo que o G20 deu seu primeiro passo, em nível de chefes de Estado, após a implosão da bolha imobiliária no mercado americano, seguida de seu impacto no sistema bancário e de seguros, se espalhando logo depois para os demais países desenvolvidos, devido aos efeitos sistêmicos dos derivativos financeiros criados a partir das hipotecas avalizadas por agências financeiras oficiais do governo americano e alegremente adquiridos por investidores da Europa e do Japão, certos de que o Triplo A atribuído a esses derivativos era para valer.

(...)

O G20 de Nova Delhi ocorre em outras condições, bem mais difíceis do que os exercícios anteriores, sob o impacto do segundo ano da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, de certo modo uma extensão da mudança de humor já iniciada quando da invasão e anexação ilegal da península da Criméia em 2014, quando a Rússia foi expelida do então “puxadinho” do G8, uma das várias sanções econômicas introduzidas contra o agressor pelos países ocidentais. Naquela ocasião, rompendo com a tradição do Itamaraty de estrito respeito às normas do Direito Internacional e de absoluto respeito à Carta da ONU, a presidente Dilma Rousseff não tomou qualquer posição a respeito da grave violação da soberania ucraniana, a pretexto de que tal invasão era um “problema interno da Ucrânia”. Foi um primeiro exemplo do baixo acatamento, pela diplomacia presidencial, dos padrões habituais do Itamaraty de adesão a princípios consagrados da legalidade internacional, práticas mais adiante continuadas, sob diferentes pretextos, pela diplomacia de Bolsonaro e de Lula 3.

(...)

Num contexto no qual o encantamento inicial com a terceira presidência Lula já deu mostras de arrefecimento junto aos principais governantes dos países ocidentais – em princípio, exatamente por causa da violação ao Direito Internacional causada pela Rússia e pouco enfatizada pelo governo Lula –, essa presidência do G20 pode ajudar a corrigir um pouco essa má percepção de suas atuais “alianças” internacionais, ou continuar a empanar a sua imagem  junto ao Ocidente e até a liderança na própria região, onde outros líderes progressistas – como Boric do Chile, ou Petro da Colômbia – já deram mostras de maior comprometimento com uma diplomacia fundada no respeito à Carta da ONU. Esperava-se mais de um governo declaradamente a favor, assim como o próprio Itamaraty, da estrita solução pacífica das controvérsias entre Estados. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.

sábado, 5 de agosto de 2023

Plano de Paz para a Ucrânia: reunião na Arábia Saudita

 Reunião na Arábia Saudita para discutir a paz na Ucrânia. Aqui está um plano viável para não só terminar com a guerra de agressão da Rússia, mas também para começar a reconstrução da Ucrânia. 

Aposto como terá pelo menos um país que vai reclamar dessa exclusividade e que é preciso discutir também o plano de paz (tem algum?) da Rússia, que, como sabemos, tem “legitimas preocupações de segurança”.

Ukrainian peace plan in 10 points:

First item is radiation and nuclear safety. 

The second one is food security. 

The third is energy security. 

The fourth is the release of all war prisoners and deportees. 

The fifth is the implementation of the UN Charter and the restoration of our territorial integrity and world order. 

The sixth is the pull out of Russian troops and the end of hostilities. 

The seventh is the restoration of justice, namely the Tribunal for those guilty of aggression crime, and – damages compensation. 

The eighth is countering ecocide. 

Ninth are the security guarantees for Ukraine to prevent escalation. 

The tenth is the confirmation of the war`s end.


A Ucrânia em guerra como marco relevante no horizonte do Brasil atual - Paulo Roberto de Almeida

A Ucrânia em guerra como marco relevante no horizonte do Brasil atual

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre as causas e caminhos da política externa brasileira no contexto da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia.

  

Poucas pessoas bem-informadas sobre o estado do mundo atual recusarão a constatação de que a guerra de agressão deslanchada por Putin contra a Ucrânia em fevereiro de 2022, e continuada desde então, constitui a ameaça mais relevante para a segurança e a paz na Europa e no mundo desde que Hitler empreendeu a conquista da Polônia em setembro de 1939, dando início ao mais devastador conflito global da contemporaneidade.

Eu escrevi Putin, e não Rússia, e Hitler, em lugar de Alemanha nazista, pois que ambos os ataques criminosos e ilegais, entre muitos outros atos criminosos que precederam tais ataques devastadores, são devidos exclusivamente à vontade pessoal de duas personalidades autoritárias, a rigor animadas por instintos tirânicos, e não aos desejos do povo alemão, em 1939, ou aos do povo russo em 2022.

Poucas pessoas bem-informadas sobre o estado do Brasil atual recusarão o fato de que agora estamos bem melhores, em termos de civilidade, de política “normal”, de comportamentos minimamente previsíveis dos agentes públicos, do que estávamos nos quatro anos anteriores. Por outro lado, não há como deixar de reconhecer que a guerra de agressão da Rússia à Ucrânia afetou não só interesses econômicos e materiais do Brasil como um todo — inflação, comércio exterior, tensões internacionais —, mas também a própria política externa e a diplomacia brasileiras, a partir de 2023. 

Pretendo abordar essas duas questões — o estado incerto, na Europa e do mundo, na atual conjuntura, e os desafios daí decorrentes para o Brasil como um todo, em especial para as suas relações exteriores — numa abordagem de natureza conceitual, tanto quanto de ordem prática, dadas as múltiplas facetas do mundo pós-invasão da Ucrânia e do Brasil pós-terremoto bolsonarista. Não há como recusar o fato evidente e notório de que o mundo e o Brasil se ressentem de diversos elementos disruptivos desde a guerra putinesca de agressão à Ucrânia e desde as ameaças bolsonaristas às frageis bases do sistema democrático brasileiro durante os quatro anos do inédito desafio ao jogo mais ou menos tradicional da política doméstica.

Na raiz de ambas as questões — o estado do mundo e o do Brasil — existem tanto processos objetivos — as relações econômicas e políticas entre os respectivos atores — quanto elementos subjetivos, derivados das personalidades de Putin e de Lula, no tratamento dos problemas colocados em suas respectivas agendas pessoais e nacionais.

A complexidade dessas interações requer uma abordagem metódica e linear de cada um dos problemas, pois que o estado atual do mundo e do Brasil também é decorrente de decisões e escolhas feitas no passado, por cada um dos personagens.

(…)

(A continuar)

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4450, 5 agosto 2023, 2 p.

 

sábado, 29 de julho de 2023

Sobre alguns deslizes da História - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre alguns deslizes da História 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre as tragédias provocadas pelos autoritários da História.

  

A tragédia presente da Ucrânia, assim como a anterior e atual do Afeganistão não foram provocadas pelo “imperialismo estadunidense”, ou pelos povos desses dois países, imersos em problemas de identidade nacional e de lenta e difícil construção de um Estado viável para uma nação fraturada por divisões internas. 

A razão principal da violência e da imensa perda de vidas humanas é a prepotência de senhores da guerra, que, sim, ainda existem e insistem na violência pura.

Aliás, tem sido assim desde a guerra de Troia, mas a Helena não tem nada a ver com a guerra total entre gregos e troianos. São as paixões e os interesses dos senhores da guerra, do ódio e da ambição, que motivam esses empreendimentos guerreiros, exclusivamente masculinos.

No caso do Talibã é primitivismo puro.

No caso de Putin, são os instintos primitivos de um mero serviçal de uma máquina totalitária que ficou frustrado com a derrocada, por auto implosão, de um império baseado na opressão e na mentira.

Até hoje os russos atribuem a derrocada e o afundamento da Grande Rússia a um personagem trágico em sua tentativa de reforma: Gorbatchov. 

Ainda não se conscientizaram que fizeram parte de um dos experimentos mais cruéis e extraordinários de toda a história da humanidade: a instalação, por acidente (mas também pelo sentido trágico da História) e o funcionamento por mais de três gerações de um regime escravista contemporâneo, em paralelo a um outro sistema similar, se não semelhante ao bolchevismo: o nazifascismo, este baseado numa suposta identidade de raça, aquele de “classe”. 

Dois irmãos siameses, ou univitelinos, e que ainda deixaram marcas duráveis em certos povos ou indivíduos.

O caso da China é diferente, mas até coerente com suas tradições seculares de um “despotismo oriental” guiado por um mandarinato recrutado com base no mérito individual. O marxismo-leninismo foi mais passageiro no caso do maoísmo e mais superficial, a despeito do leninismo burocrático do Estado atual. A racionalidade tende a predominar sobre os instintos dos dirigentes.

A História, obviamente, não é a autora dessas monstruosidades, é apenas uma espectadora das loucuras dos homens.

Não estamos tão longe assim da guerra de Troia, ou até das tribos primitivas lutando pela sua sobrevivência. 

A humanidade, no conceito civilizatório do termo, é ainda relativamente recente, talvez 50 mil anos ou mesmo o dobro. 

Ainda não tivemos tempo de domar nossos instintos, de nos civilizarmos totalmente.

O caminho é longo, como o provam os feminicídios ainda largamente disseminados em diferentes sociedades.

Desculpem a longa reflexão.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4444, 29 julho 2023, 2 p.