O desenvolvimento do capitalismo em Cuba
Paulo Almeida
O mesmo título, substituindo Cuba por Rússia, foi usado no único livro de Lênin que foi resultado de pesquisa semi-acadêmica. Ele lidou com estatísticas agrárias, industriais e alguns outros indicadores econômicos, e foi tudo. As teses estavam pré-determinadas, e o resultado final, antecipadamente, era anunciado como sendo o socialismo, como a única via de "salvação" da Rússia, para fora do "purgatório capitalista", construindo o "paraíso socialista".
Depois de outro livro pretensamente teórico -- Imperialismo, etapa superior do capitalismo -- no qual ele copiou desavergonhadamente Hobson e Rosa Luxemburgo, Lênin se entregou a tarefas mais práticas, passando a construir o seu socialismo, depois de seu putsch de novembro de 1917.
Enfim, deu no que deu: miséria humana, escravidão da classe trabalhadora, e o maior desastre social, econômico e humano já vivido pela nação russa. Demorou setenta anos para acabar, mas acabou.
Pois bem, agora é Cuba que ensaia o caminho de volta do socialismo, em direção ao capitalismo. Já deveriam ter aprendido bem antes: se não cinquenta anos atrás, pelo menos 20 anos atrás, quando a URSS se desfazia.
Vou seguir o edificante exemplo cubano, que se prepara para jogar no olho da rua um milhão (eu disse UM MILHÃO) de trabalhadores estatais, que são redundantes. Para que vocês tenham um ideia do que isso significa, basta dizer que a população total da ilha é de 11,2 milhões de pessoas, com menos de 5 milhões de PEA (ativos), ou seja, uma proporção enorme de desempregados potenciais, mais de 20% jogados na fila de desemprego. Bem, em Cuba eles tem muita experiência de fila, assim que este não é o problema.
O problema é que antes se fazia fila para receber a magra ração do governo, e dorenavante não haverá mais fila pois cada um terá de se virar por si mesmo.
Antevejo um lampejo de capitalismo em Cuba, e com isso a plutocracia gerontocrática será colocada no olho da rua, por sua vez.
Já não era sem tempo...
Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 20.09.2010
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Insulto a inteligencia - Ferreira Gullar
A crônica abaixo do conhecido intelectual Ferreira Gullar ilustra em grande medida o clima da atual campanha eleitoral.
O que eu poderia acrescentar como comentário?
O ambiente atual, dentro e fora da campanha eleitoral -- e eu me coloco apenas como um observador acadêmico do processo -- apenas confirma o que vem acontecendo com a chamada "inteligência" brasileira (que alguns já chamaram de "burritsia"): ela demonstra uma adesão acrítica ao governo atual, em especial à sua política econômica (da qual o governo se apropriou, desonestamente, depois de acusar uma "herança maldita" que nunca existiu) e à sua política externa, um tanto esquizofrênica e megalomaníaca, além de estar objetivamente a serviço de causas de não são exatamente as nacionais.
Caminhamos, infelizmente, para mais um período de desmantelamento das instituições públicas, uma nova fase de mediocrização geral de nossas universidades, e eu até diria de fascistização da vida cívica de maneira geral, com elementos neobolcheviques comandando a um processo de decadência mental do Brasil.
Estou seguro de que vamos pagar um alto preço por isso, que não é só o resultado de uma causa e de um partido, mas que, em parte, também é o resultado da incapacidade dos verdadeiros social-democratas e dos (pouquíssimos) liberais brasileiros em encaminhar adequadamente (quando podiam, ou quando estavam no poder) os problemas da pobreza e da desigualdade, que são reais, no Brasil. Não o fizeram, seja por que não tiveram capacidade ou por falta de oportunidade (concentração de esforços na estabilização, preocupações de outra ordem, impacto de crises externas, etc). Agora, por um conjunto de circunstâncias que lhes foram favoráveis, em especial a liderança carismática -- falsa e mentirosa, mas liderança mesmo assim -- temos os gramscianos de estilo fascista (sim, essa contradição nos termos existe e está atuando) comandando o processo político e deformando a economia brasileira, tanto quanto a própria moral pública e a ética política. Enfim, uma deterioração geral do que se esperava para o Brasil: progressos na cultura, na política, na economia, na vida social.
Em médio prazo, ou seja, entre dez e vinte anos, a sociedade brasileira vai, espero, corrigir esses traços regressivos de carater político e econômico, mas isso vai custar mais atraso relativo, mais deformações de caráter, mais algum tempo de máfias se apropriando dos recursos públicos, mais medíocres ensinando nossos jovens nas escolas e nas universidades.
Infelizmente para os concientes -- eles são uma elite, por mais que se tenha preconceito contra essa palavra -- eu vejo assim nosso processo político nos próximos anos. Tento compreender, mais do que lamentar.
Cada um que se considera pertencer a uma comunidade de homens de boa vontade e de pessoas dignas, todo e qualquer cidadão de caráter, a todos esses cabe resistir, sempre apontando os erros, os equívocos, as falhas de caráter daqueles que pretendem nos representar e nos dirigir, como nação, sempre denunciando a mentira e a falcatrua (e elas tendem visivelmente a crescer), mas também tendo a consciência de que estamos em absoluta minoria e que levamos um combate de retaguarda, de resistência, uma luta de quilombo contra os assaltos à razão, contra a mediocrização ainda maior do que ainda existe como instituições públicas.
Nosso dever é persistir, mesmo contra toda esperança de mudanca rápida na situação.
É o que farei nas trincheiras que são as minhas: o ensino universitário, a escrita sempre presente, a participação cidadã nos debates públicos.
Paulo Roberto de Almeida (21.09.2010)
Quebra de sigilo e outras bossas são coisas nossas
FERREIRA GULLAR
Folha de S Paulo 19/09/2010
É da natureza do PT -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos
A SOCIEDADE brasileira assiste hoje à despudorada manipulação da opinião pública, que é a campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República. Até alguns petistas não conseguem esconder seu constrangimento diante dos escândalos que surgem a cada dia e, sobretudo, do descaramento com que, de Lula a Dutra, os petistas pretendem, mais uma vez, passar por vítimas, quando são de fato os vilões.
O PT não se cansa de jogar sujo. É de sua natureza sindicalista -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos. E isso vai da falsificação dos fatos e a violação de sigilos fiscais à agressão física e a eliminação do inimigo, ainda que esse inimigo seja companheiro de partido.
É o caso, por exemplo, de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, que foi assassinado, ao que tudo indica, por não compactuar com a corrupção dentro do partido. Lula e a alta cúpula petista jamais se empenharam na apuração do crime.
O mesmo procedimento se repete agora com o escândalo da quebra de sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, de outros membros do partido e da filha de José Serra, por gente do PT. Revelada a falcatrua, a Receita Federal calou-se e a direção petista sugeriu que se tratava de um factoide, mas a imprensa foi para cima, a coisa virou escândalo. A Receita tentou desclassificar a denúncia até o ponto em que não dava mais. Foi então que o secretário geral da Receita Federal, Otacílio Carpaxo, veio a público para, constrangido, garantir que não havia na quebra de sigilo qualquer propósito político.
Era o prosseguimento da burla, conforme a dramaturgia petista: primeiro, negam o fato; confirmado, tratam de desqualificá-lo. Sucede que quem praticou a violação eram petistas, o que também foi logo negado, numa nota em que o PT afirmava que aquela gente não pertencia a seus quadros. Como, porém, é mais fácil pegar um mentiroso que um cocho, a mentira foi posta à mostra: tanto Atella quanto Amarante eram do PT, o primeiro desde 2003 e o segundo desde 2001.
É fácil perceber por que os acessos aos dados fiscais foram feitos em cidades do interior de SP e MG, por petistas de confiança e sem projeção. Sempre haverá um Cartaxo, num cargo de chefia, para salvar a face dos verdadeiros vilões, mentores da campanha de Dilma. Mas mesmo ele não consegue explicar -se não havia propósito político na violação do sigilo- por que as vítimas da violação são dirigentes do partido de Serra, sua filha e genro.
Não há por que nos surpreendermos com isso, uma vez que agir à revelia da ética e da lei é um antigo hábito do Partido dos Trabalhadores. Os fatos o comprovam. Alguém duvida de que aquela montanha de dinheiro que a polícia flagrou, em 2006, com os "aloprados", num quarto de hotel em São Paulo, era para comprar um dossiê anti-Serra? Embora os implicados fossem todos petistas próximos a Lula (um deles, o churrasqueiro do presidente), nem ele nem ninguém do PT sabia de nada, porque, como sabemos nós, são todos gente íntegra, defensores da ética na política; a ética petista, bem entendido.
Outro exemplo dessa ética foi o mensalão que, num país sério, teria levado ao impeachment de Lula.
Já aqui, pode ser até processado quem atribua a ele -que nunca sabe de nada- qualquer responsabilidade pela compra daqueles nobres deputados. Aliás, como em certas ocasiões, voto de deputado vale ouro, é até vantagem comprá-lo em reais.
Tem razão, portanto, Lula, em se indignar com mais essa acusação infundada contra seu partido. Por isso, com a fina ironia que o caracteriza, pulando e berrando num palanque, indagou: "Cadê esse tal de sigilo, que ninguém vê?".
A graça é besta, mas ele sabe muito bem para quem fala. Por isso mesmo, quando a situação complica, como agora, põe a Dilma de lado e entra em cena, para confundir ou ameaçar, conforme lhe convenha.
Meu consolo é saber que, em menos de três meses, ele deixará a presidência. Garantiu que até lá vai fazer "muita miséria". Disso, não duvido, mas, após dezembro, não terei que vê-lo todos os dias na televisão, insultando a nossa inteligência.
O que eu poderia acrescentar como comentário?
O ambiente atual, dentro e fora da campanha eleitoral -- e eu me coloco apenas como um observador acadêmico do processo -- apenas confirma o que vem acontecendo com a chamada "inteligência" brasileira (que alguns já chamaram de "burritsia"): ela demonstra uma adesão acrítica ao governo atual, em especial à sua política econômica (da qual o governo se apropriou, desonestamente, depois de acusar uma "herança maldita" que nunca existiu) e à sua política externa, um tanto esquizofrênica e megalomaníaca, além de estar objetivamente a serviço de causas de não são exatamente as nacionais.
Caminhamos, infelizmente, para mais um período de desmantelamento das instituições públicas, uma nova fase de mediocrização geral de nossas universidades, e eu até diria de fascistização da vida cívica de maneira geral, com elementos neobolcheviques comandando a um processo de decadência mental do Brasil.
Estou seguro de que vamos pagar um alto preço por isso, que não é só o resultado de uma causa e de um partido, mas que, em parte, também é o resultado da incapacidade dos verdadeiros social-democratas e dos (pouquíssimos) liberais brasileiros em encaminhar adequadamente (quando podiam, ou quando estavam no poder) os problemas da pobreza e da desigualdade, que são reais, no Brasil. Não o fizeram, seja por que não tiveram capacidade ou por falta de oportunidade (concentração de esforços na estabilização, preocupações de outra ordem, impacto de crises externas, etc). Agora, por um conjunto de circunstâncias que lhes foram favoráveis, em especial a liderança carismática -- falsa e mentirosa, mas liderança mesmo assim -- temos os gramscianos de estilo fascista (sim, essa contradição nos termos existe e está atuando) comandando o processo político e deformando a economia brasileira, tanto quanto a própria moral pública e a ética política. Enfim, uma deterioração geral do que se esperava para o Brasil: progressos na cultura, na política, na economia, na vida social.
Em médio prazo, ou seja, entre dez e vinte anos, a sociedade brasileira vai, espero, corrigir esses traços regressivos de carater político e econômico, mas isso vai custar mais atraso relativo, mais deformações de caráter, mais algum tempo de máfias se apropriando dos recursos públicos, mais medíocres ensinando nossos jovens nas escolas e nas universidades.
Infelizmente para os concientes -- eles são uma elite, por mais que se tenha preconceito contra essa palavra -- eu vejo assim nosso processo político nos próximos anos. Tento compreender, mais do que lamentar.
Cada um que se considera pertencer a uma comunidade de homens de boa vontade e de pessoas dignas, todo e qualquer cidadão de caráter, a todos esses cabe resistir, sempre apontando os erros, os equívocos, as falhas de caráter daqueles que pretendem nos representar e nos dirigir, como nação, sempre denunciando a mentira e a falcatrua (e elas tendem visivelmente a crescer), mas também tendo a consciência de que estamos em absoluta minoria e que levamos um combate de retaguarda, de resistência, uma luta de quilombo contra os assaltos à razão, contra a mediocrização ainda maior do que ainda existe como instituições públicas.
Nosso dever é persistir, mesmo contra toda esperança de mudanca rápida na situação.
É o que farei nas trincheiras que são as minhas: o ensino universitário, a escrita sempre presente, a participação cidadã nos debates públicos.
Paulo Roberto de Almeida (21.09.2010)
Quebra de sigilo e outras bossas são coisas nossas
FERREIRA GULLAR
Folha de S Paulo 19/09/2010
É da natureza do PT -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos
A SOCIEDADE brasileira assiste hoje à despudorada manipulação da opinião pública, que é a campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República. Até alguns petistas não conseguem esconder seu constrangimento diante dos escândalos que surgem a cada dia e, sobretudo, do descaramento com que, de Lula a Dutra, os petistas pretendem, mais uma vez, passar por vítimas, quando são de fato os vilões.
O PT não se cansa de jogar sujo. É de sua natureza sindicalista -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos. E isso vai da falsificação dos fatos e a violação de sigilos fiscais à agressão física e a eliminação do inimigo, ainda que esse inimigo seja companheiro de partido.
É o caso, por exemplo, de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, que foi assassinado, ao que tudo indica, por não compactuar com a corrupção dentro do partido. Lula e a alta cúpula petista jamais se empenharam na apuração do crime.
O mesmo procedimento se repete agora com o escândalo da quebra de sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, de outros membros do partido e da filha de José Serra, por gente do PT. Revelada a falcatrua, a Receita Federal calou-se e a direção petista sugeriu que se tratava de um factoide, mas a imprensa foi para cima, a coisa virou escândalo. A Receita tentou desclassificar a denúncia até o ponto em que não dava mais. Foi então que o secretário geral da Receita Federal, Otacílio Carpaxo, veio a público para, constrangido, garantir que não havia na quebra de sigilo qualquer propósito político.
Era o prosseguimento da burla, conforme a dramaturgia petista: primeiro, negam o fato; confirmado, tratam de desqualificá-lo. Sucede que quem praticou a violação eram petistas, o que também foi logo negado, numa nota em que o PT afirmava que aquela gente não pertencia a seus quadros. Como, porém, é mais fácil pegar um mentiroso que um cocho, a mentira foi posta à mostra: tanto Atella quanto Amarante eram do PT, o primeiro desde 2003 e o segundo desde 2001.
É fácil perceber por que os acessos aos dados fiscais foram feitos em cidades do interior de SP e MG, por petistas de confiança e sem projeção. Sempre haverá um Cartaxo, num cargo de chefia, para salvar a face dos verdadeiros vilões, mentores da campanha de Dilma. Mas mesmo ele não consegue explicar -se não havia propósito político na violação do sigilo- por que as vítimas da violação são dirigentes do partido de Serra, sua filha e genro.
Não há por que nos surpreendermos com isso, uma vez que agir à revelia da ética e da lei é um antigo hábito do Partido dos Trabalhadores. Os fatos o comprovam. Alguém duvida de que aquela montanha de dinheiro que a polícia flagrou, em 2006, com os "aloprados", num quarto de hotel em São Paulo, era para comprar um dossiê anti-Serra? Embora os implicados fossem todos petistas próximos a Lula (um deles, o churrasqueiro do presidente), nem ele nem ninguém do PT sabia de nada, porque, como sabemos nós, são todos gente íntegra, defensores da ética na política; a ética petista, bem entendido.
Outro exemplo dessa ética foi o mensalão que, num país sério, teria levado ao impeachment de Lula.
Já aqui, pode ser até processado quem atribua a ele -que nunca sabe de nada- qualquer responsabilidade pela compra daqueles nobres deputados. Aliás, como em certas ocasiões, voto de deputado vale ouro, é até vantagem comprá-lo em reais.
Tem razão, portanto, Lula, em se indignar com mais essa acusação infundada contra seu partido. Por isso, com a fina ironia que o caracteriza, pulando e berrando num palanque, indagou: "Cadê esse tal de sigilo, que ninguém vê?".
A graça é besta, mas ele sabe muito bem para quem fala. Por isso mesmo, quando a situação complica, como agora, põe a Dilma de lado e entra em cena, para confundir ou ameaçar, conforme lhe convenha.
Meu consolo é saber que, em menos de três meses, ele deixará a presidência. Garantiu que até lá vai fazer "muita miséria". Disso, não duvido, mas, após dezembro, não terei que vê-lo todos os dias na televisão, insultando a nossa inteligência.
Contas publicas em perigo: concepcoes erradas (OESP)
Uma Dilma pouco conhecida
Editorial - O Estado de S.Paulo
20/09/10
Uma faceta da verdadeira Dilma Rousseff, que sua propaganda eleitoral tem escondido dos eleitores, se revelou numa entrevista dada em Porto Alegre há alguns dias, que, em artigo publicado sexta-feira no Estado, o economista Rogério Werneck considerou um desabafo "desoladoramente esclarecedor", mas cuja repercussão não correspondeu à sua importância.
A candidata governista à Presidência tem uma visão sobre a gestão do dinheiro público que deveria preocupar os eleitores-contribuintes. "O papo de ajuste fiscal é a coisa mais atrasada que tem. Não se faz ajuste fiscal porque se acha bonito. Faz porque precisa. E eu quero saber: com a inflação sob controle, com a dívida pública caindo e com a economia crescendo, vou fazer ajuste para contentar a quem? Quem ganha com isso? O povo não ganha", afirmou Dilma, de acordo com reportagem do jornal O Globo.
Na visão da candidata petista, ações de ajuste fiscal sempre vieram acompanhadas "dos maiores aumentos tributários" e de medidas de gestão de caixa, como cortes lineares de gastos e atraso na devolução de créditos tributários, que provocaram a redução dos investimentos em infraestrutura, saneamento, habitação, etc.
Não é de hoje que Dilma Rousseff se irrita quando ouve falar em necessidade de ajuste de longo prazo da estrutura de despesas do governo, para evitar o crescimento do déficit público, sem que, para isso, seja necessário aumentar a carga tributária, como ela tem aumentado ao longo da gestão do PT.
Há cinco anos, quando os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo (que continua no cargo), apresentaram um plano de longo prazo que garantiria a redução progressiva do déficit nominal, até sua eliminação, e da dívida pública, por meio do controle mais rigoroso das despesas - pois isso era necessário para assegurar a credibilidade da política fiscal do governo Lula -, Dilma, então ocupando a chefia da Casa Civil, tratou de desmontar com truculência a iniciativa de seus companheiros de governo. Em entrevista ao Estado, considerou o plano "rudimentar" e disse que "o debate é absolutamente desqualificado".
Depois disso, mudou o vocabulário - ajuste fiscal virou "coisa atrasada" -, mas não sua visão. Pior para o contribuinte.
Como mostrou Rogério Werneck no artigo citado, Dilma não consegue entender que, no atual regime fiscal, os gastos crescem mais do que o PIB. As contas públicas só fecham graças ao aumento contínuo da carga tributária. Se esse regime não mudar, por meio de um ajuste fiscal profundo que tanto desagrada à candidata petista, os contribuintes estarão condenados a pagar cada vez mais impostos - até um momento em que esse método se tornará insuportável - ou a dívida pública crescerá de tal modo que trará de volta todos os problemas que o País enfrentou até a primeira metade da década passada.
Dilma tem apontado para a queda constante da dívida pública em relação ao PIB como prova da eficácia do atual regime fiscal. Mas, além de omitir o contínuo aumento da carga tributária que sustenta esse regime, ignora também o fato de que, por meio de artimanhas contábeis, o governo desviou para o BNDES dinheiro proveniente da emissão de dívida do Tesouro sem que esse dinheiro fosse contabilizado na dívida líquida da União.
O aumento contínuo dos gastos públicos, sobretudo com o custeio da máquina, alimenta a demanda e impõe uma sobrecarga extra à política monetária na contenção das pressões inflacionárias, ou seja, exige juros mais altos. Se reduzisse os gastos, o governo abriria espaço para um alívio na política monetária.
Por fim, a manutenção do crescimento acelerado da economia exige o aumento da poupança interna, e as contas nacionais revelam que quem mais pode aumentar a poupança é o governo. Ou seja, se gastar menos com custeio, o governo pode aumentar sua margem para investir, pois ajuste fiscal, ao contrário do que supõe a candidata do PT, não significa corte de investimentos.
Em resumo, como observou Werneck, em matéria de ajuste fiscal, de Dilma pode-se dizer o que se disse dos Bourbons: nada aprendeu e nada esqueceu.
Editorial - O Estado de S.Paulo
20/09/10
Uma faceta da verdadeira Dilma Rousseff, que sua propaganda eleitoral tem escondido dos eleitores, se revelou numa entrevista dada em Porto Alegre há alguns dias, que, em artigo publicado sexta-feira no Estado, o economista Rogério Werneck considerou um desabafo "desoladoramente esclarecedor", mas cuja repercussão não correspondeu à sua importância.
A candidata governista à Presidência tem uma visão sobre a gestão do dinheiro público que deveria preocupar os eleitores-contribuintes. "O papo de ajuste fiscal é a coisa mais atrasada que tem. Não se faz ajuste fiscal porque se acha bonito. Faz porque precisa. E eu quero saber: com a inflação sob controle, com a dívida pública caindo e com a economia crescendo, vou fazer ajuste para contentar a quem? Quem ganha com isso? O povo não ganha", afirmou Dilma, de acordo com reportagem do jornal O Globo.
Na visão da candidata petista, ações de ajuste fiscal sempre vieram acompanhadas "dos maiores aumentos tributários" e de medidas de gestão de caixa, como cortes lineares de gastos e atraso na devolução de créditos tributários, que provocaram a redução dos investimentos em infraestrutura, saneamento, habitação, etc.
Não é de hoje que Dilma Rousseff se irrita quando ouve falar em necessidade de ajuste de longo prazo da estrutura de despesas do governo, para evitar o crescimento do déficit público, sem que, para isso, seja necessário aumentar a carga tributária, como ela tem aumentado ao longo da gestão do PT.
Há cinco anos, quando os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo (que continua no cargo), apresentaram um plano de longo prazo que garantiria a redução progressiva do déficit nominal, até sua eliminação, e da dívida pública, por meio do controle mais rigoroso das despesas - pois isso era necessário para assegurar a credibilidade da política fiscal do governo Lula -, Dilma, então ocupando a chefia da Casa Civil, tratou de desmontar com truculência a iniciativa de seus companheiros de governo. Em entrevista ao Estado, considerou o plano "rudimentar" e disse que "o debate é absolutamente desqualificado".
Depois disso, mudou o vocabulário - ajuste fiscal virou "coisa atrasada" -, mas não sua visão. Pior para o contribuinte.
Como mostrou Rogério Werneck no artigo citado, Dilma não consegue entender que, no atual regime fiscal, os gastos crescem mais do que o PIB. As contas públicas só fecham graças ao aumento contínuo da carga tributária. Se esse regime não mudar, por meio de um ajuste fiscal profundo que tanto desagrada à candidata petista, os contribuintes estarão condenados a pagar cada vez mais impostos - até um momento em que esse método se tornará insuportável - ou a dívida pública crescerá de tal modo que trará de volta todos os problemas que o País enfrentou até a primeira metade da década passada.
Dilma tem apontado para a queda constante da dívida pública em relação ao PIB como prova da eficácia do atual regime fiscal. Mas, além de omitir o contínuo aumento da carga tributária que sustenta esse regime, ignora também o fato de que, por meio de artimanhas contábeis, o governo desviou para o BNDES dinheiro proveniente da emissão de dívida do Tesouro sem que esse dinheiro fosse contabilizado na dívida líquida da União.
O aumento contínuo dos gastos públicos, sobretudo com o custeio da máquina, alimenta a demanda e impõe uma sobrecarga extra à política monetária na contenção das pressões inflacionárias, ou seja, exige juros mais altos. Se reduzisse os gastos, o governo abriria espaço para um alívio na política monetária.
Por fim, a manutenção do crescimento acelerado da economia exige o aumento da poupança interna, e as contas nacionais revelam que quem mais pode aumentar a poupança é o governo. Ou seja, se gastar menos com custeio, o governo pode aumentar sua margem para investir, pois ajuste fiscal, ao contrário do que supõe a candidata do PT, não significa corte de investimentos.
Em resumo, como observou Werneck, em matéria de ajuste fiscal, de Dilma pode-se dizer o que se disse dos Bourbons: nada aprendeu e nada esqueceu.
Republica Mafiosa do Brasil (33): a coisa vem de longe, muito longe...
Claro, a gente não pode suspeitar de todo mundo, o tempo todo. Nossa tendência é achar que apenas quando alguém adquire muito poder, essa pessoa passa a abusar desse poder.
Que ingenuidade a nossa. Esperteza vem de longe, de muito longe, ou o que passa por esperteza.
Ninguém nasce desonesto, claro. Mas se pode aprender desde muito cedo a ser desonesto.
O caráter mafioso de certas associações é aqui referido num sentido alegórico, pois não temos aqui aquelas ligações familiares, típicas da Sicília, sendo aqui substituídas pelas relações partidárias.
Paulo Roberto de Almeida
Dilma favoreceu firma e aparelhou secretaria, diz auditoria do TCE
Por Silvio Navarro
Folha de S.Paulo, 19.09.2010
Auditorias feitas na gestão de Dilma Rousseff (PT) na Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul e na Federação de Economia e Estatística, entre 1991 e 2002, apontam favorecimento a uma empresa gaúcha que hoje recebe R$ 5 milhões da Presidência e mostram aparelhamento da máquina.
Os documentos foram desarquivados no Tribunal de Contas gaúcho a pedido da Folha. Hoje candidata à Presidência, Dilma foi secretária dos governos Alceu Collares (PDT), em sua fase “brizolista” no PDT, e Olívio Dutra (PT), quando se filiou ao PT, pré-ministério de Lula.
Em 1992, os auditores constataram que a fundação presidida por Dilma favoreceu a Meta Instituto de Pesquisas, segundo eles criada seis meses antes para vencer um contrato de R$ 1,8 milhão (valor corrigido). A empresa gaúcha foi a única a participar da concorrência devido à complexidade e falta de publicidade do edital.
Segundo a auditoria, a negociação entre a empresa e o órgão do governo foi sigilosa e nem sequer constou em ata os termos negociados: “Conclui-se que as irregularidades cometidas no decorrer do procedimento licitatório vieram a favorecer a empresa Meta”, diz o parecer.
Após ganhar outros negócios no governo gaúcho, a Meta prestou serviços ao PT, à Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, e obteve contratos mais vultuosos na esfera federal -via Ministério do Desenvolvimento Social e Ministério da Justiça.
Em 2008, a Meta conseguiu seu melhor contrato: foi vencedora de uma concorrência de R$ 5 milhões da Secretaria de Comunicação da Presidência para fazer pesquisa sobre a aprovação e o alcance de programas sociais do governo, hoje bandeiras da campanha de Dilma: PAC, Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida.
Acionado por uma concorrente, o Tribunal de Contas da União chegou a suspender o contrato, liberado em 2009. A suspeita foi de direcionamento do edital. A Secom foi advertida, e o contrato foi proibido de ser aditado por mais de 24 meses. Os documentos apontam que Dilma cometeu irregularidades na nomeação de cargos tanto à frente da fundação quanto na secretaria.
No caso da primeira, nos anos 90, a gestão dela mantinha na folha de pagamento entre 50 e 60 funcionários (mais de 20% do quadro de pessoal) que não trabalhavam efetivamente no órgão. Já na secretaria, empregou assessores na função de servidores concursados. Numa das inspeções, auditores constataram que 90% dos funcionários eram destinados a “cargos em comissão”.
“A criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com a praxe de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso”, afirma o laudo. Aqui
SERVIDORES DO TCE TENTAM OCULTAR LAUDO
Técnicos do Tribunal de Contas gaúcho que ocupam cargos desde a gestão de Olívio Dutra (PT) tentaram, duas vezes, vetar a abertura dos documentos, que são públicos, à Folha: eles só queriam permitir a leitura de votos e decisões finais. Os laudos só foram obtidos por determinação da presidência do tribunal.
Que ingenuidade a nossa. Esperteza vem de longe, de muito longe, ou o que passa por esperteza.
Ninguém nasce desonesto, claro. Mas se pode aprender desde muito cedo a ser desonesto.
O caráter mafioso de certas associações é aqui referido num sentido alegórico, pois não temos aqui aquelas ligações familiares, típicas da Sicília, sendo aqui substituídas pelas relações partidárias.
Paulo Roberto de Almeida
Dilma favoreceu firma e aparelhou secretaria, diz auditoria do TCE
Por Silvio Navarro
Folha de S.Paulo, 19.09.2010
Auditorias feitas na gestão de Dilma Rousseff (PT) na Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul e na Federação de Economia e Estatística, entre 1991 e 2002, apontam favorecimento a uma empresa gaúcha que hoje recebe R$ 5 milhões da Presidência e mostram aparelhamento da máquina.
Os documentos foram desarquivados no Tribunal de Contas gaúcho a pedido da Folha. Hoje candidata à Presidência, Dilma foi secretária dos governos Alceu Collares (PDT), em sua fase “brizolista” no PDT, e Olívio Dutra (PT), quando se filiou ao PT, pré-ministério de Lula.
Em 1992, os auditores constataram que a fundação presidida por Dilma favoreceu a Meta Instituto de Pesquisas, segundo eles criada seis meses antes para vencer um contrato de R$ 1,8 milhão (valor corrigido). A empresa gaúcha foi a única a participar da concorrência devido à complexidade e falta de publicidade do edital.
Segundo a auditoria, a negociação entre a empresa e o órgão do governo foi sigilosa e nem sequer constou em ata os termos negociados: “Conclui-se que as irregularidades cometidas no decorrer do procedimento licitatório vieram a favorecer a empresa Meta”, diz o parecer.
Após ganhar outros negócios no governo gaúcho, a Meta prestou serviços ao PT, à Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, e obteve contratos mais vultuosos na esfera federal -via Ministério do Desenvolvimento Social e Ministério da Justiça.
Em 2008, a Meta conseguiu seu melhor contrato: foi vencedora de uma concorrência de R$ 5 milhões da Secretaria de Comunicação da Presidência para fazer pesquisa sobre a aprovação e o alcance de programas sociais do governo, hoje bandeiras da campanha de Dilma: PAC, Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida.
Acionado por uma concorrente, o Tribunal de Contas da União chegou a suspender o contrato, liberado em 2009. A suspeita foi de direcionamento do edital. A Secom foi advertida, e o contrato foi proibido de ser aditado por mais de 24 meses. Os documentos apontam que Dilma cometeu irregularidades na nomeação de cargos tanto à frente da fundação quanto na secretaria.
No caso da primeira, nos anos 90, a gestão dela mantinha na folha de pagamento entre 50 e 60 funcionários (mais de 20% do quadro de pessoal) que não trabalhavam efetivamente no órgão. Já na secretaria, empregou assessores na função de servidores concursados. Numa das inspeções, auditores constataram que 90% dos funcionários eram destinados a “cargos em comissão”.
“A criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com a praxe de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso”, afirma o laudo. Aqui
SERVIDORES DO TCE TENTAM OCULTAR LAUDO
Técnicos do Tribunal de Contas gaúcho que ocupam cargos desde a gestão de Olívio Dutra (PT) tentaram, duas vezes, vetar a abertura dos documentos, que são públicos, à Folha: eles só queriam permitir a leitura de votos e decisões finais. Os laudos só foram obtidos por determinação da presidência do tribunal.
domingo, 19 de setembro de 2010
Republica Mafiosa do Brasil (32): uma sintese da semana...
Apenas para resumir a informação disponível sobre a questão que mais ocupou, e parece que ainda vai ocupar, a semana que passou e, talvez, as que virão.
Tenho consciência que muito desse lixo vai ser varrido para debaixo do tapete, mas não contem comigo para isso.
Prefiro expor, e debater publicamente, o que vai pelo mundo da política. É o mínimo que se espera de um cidadão participante, e não acomodado, passivo ou conivente com o festival de falcatruas que anda pelo mundo da política.
A revista VEJA desta semana traz matéria especial mostrando o esquema de corrupção que operava no Palácio do Planalto, a poucos metros do gabinete do presidente da República e que levou à demissão da Ministra-Chefe da Casa Civil.
A reação dos principais personagens está à altura (?) do que se esperava delas...
Paulo Roberto de Almeida
Links:
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673196&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14672944&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673213&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673203&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673168&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673101&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
Tenho consciência que muito desse lixo vai ser varrido para debaixo do tapete, mas não contem comigo para isso.
Prefiro expor, e debater publicamente, o que vai pelo mundo da política. É o mínimo que se espera de um cidadão participante, e não acomodado, passivo ou conivente com o festival de falcatruas que anda pelo mundo da política.
A revista VEJA desta semana traz matéria especial mostrando o esquema de corrupção que operava no Palácio do Planalto, a poucos metros do gabinete do presidente da República e que levou à demissão da Ministra-Chefe da Casa Civil.
A reação dos principais personagens está à altura (?) do que se esperava delas...
Paulo Roberto de Almeida
Links:
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673196&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14672944&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673213&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673203&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673168&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
http://books.boxnet.com.br/books/impressao.aspx?ID_CLIP=14673101&ID_MESA=607&TP_CLIPPING=I
A necessidade de destruir reputacoes - traco obsessivo de personalidades esquizofrenicas
Em política ocorrem frequentemente ataques entre os contendores de partidos diferentes na tentativa de se elegerem de maneira excludente, o que é traço característico dos sistemas majoritários, mas que também pode ocorrer nos de representação proporcional.
O que poderia ser uma saudável competição, acaba se tornando, por vezes, um feroz jogo de acusações recíprocas, em alguns casos de forma absolutamente doentia, ou até esquizofrênica.
Apenas personalidades sem qualquer caráter se dedicam a denegrir, falsamente, aqueles que consideram como seus inimigos pessoais, para disso extraírem vantagens políticas, ou ganhos eleitorais.
Esse tipo de jogo sujo vem sendo muito utilizado na campanha atual.
Por isso, talvez seja útil recordar uma carta escrita ao atual chefe do Estado pelo ex-ministro da Fazenda, no governo anterior, Pedro Malan.
É uma lição de caráter, embora os interlocutores objeto da missiva possam não ter nenhum.
Em política externa também costuma ocorrer o mesmo: inventam uma "submissão ao FMI, aos Estados Unidos", para denegrir, acusar, difamar os executores anteriores. Insistem numa história ridícula de "descalçar sapatos" para atacar os que os precederam. Proclamam, retoricamente, a "defesa da soberania", para impingir aos que os antecederam uma suposta falta de coragem na defesa dos interesses nacionais. Isso só pode revelar traços de caráter (ou falta de) que não deveriam ser admitidos no convívio entre pessoas civilizadas.
Em todo caso, deve-se sempre registrar aquilo que é digno e distinguir absolutamente de atitudes condenáveis em comportamentos políticos minimamente civilizados.
Paulo Roberto de Almeida
Prezado Lula, ou recordar é viver
Pedro S. Malan*
O Estado de S.Paulo, 08.10.2006
Prezado Lula foi o título de carta pública que dirigi ao então candidato em abril de 2002 e reproduzida a seguir (não na íntegra, por razão de espaço), dadas as tentativas de esquecer o passado recente e distorcer o passado já mais distante.
'Lamento incomodá-lo. É bem provável que você considere o que me leva a escrever como um assunto menor na ordem maior das coisas ou das suas legítimas preocupações com seu futuro político. O problema é que o assunto não é menor para mim. Porque tem a ver com minha honra, com meu nome, legado maior que deixarei a meus filhos. Algo que vou defender até o fim de meus dias. Espero que você entenda por quê...
Em longa entrevista publicada pelo Correio Braziliense em agosto de 2001, você se referiu à minha pessoa nos seguintes termos: '... o ministro Pedro Malan... parece que tem uma chave sagrada dos cofres públicos, guarda o dinheiro só para ele... e em época de eleição libera dinheiro para obras de amigos...'
Bem sei que no mundo da política as pessoas, por vezes, se deixam levar pela emoção e pela paixão e que nem sempre medem com cuidado o uso e o significado de suas palavras, principalmente quando atacam pessoalmente supostos adversários políticos. Com muito boa vontade, talvez a sua entrevista pudesse ser lida, como sugeriu uma grande admiradora sua, como uma simples metáfora, destituída de maior significado, própria do calor da hora. Infelizmente, como fui acusado diretamente, não foi assim que a interpretei.
A entrevista ocupou duas páginas inteiras do jornal. É uma entrevista importante e merece ser lida por petistas e não-petistas, pelo que revela sobre você e suas idéias. O jornal a apresentou como a primeira grande entrevista em que você assumiu, publicamente, a sua quarta candidatura à Presidência...
... em meados de novembro de 2001, antes de se encerrar o prazo-limite legal de 90 dias após a publicação da acusação, ajuizei contra você uma interpelação judicial, na 16ª Vara Federal do Distrito Federal, sem fazer divulgação dessa iniciativa. Na interpelação, reproduzi as suas próprias palavras, extraídas da entrevista, e pedi que, em juízo, você as confirmasse, desmentisse, desse as explicações que lhe parecessem necessárias, ou apresentasse as provas que justificassem as suas declarações a meu respeito.
A carta precatória enviada em dezembro pelo juiz de Brasília à 2ª Vara Federal de São Bernardo do Campo (SP) foi devolvida com a sua resposta apenas no fim de fevereiro, pois somente na oitava tentativa o oficial de Justiça conseguiu citá-lo, e assim mesmo depois de o juiz determinar que o fizesse com dia e hora marcados...
Lamento, mas a curta resposta à interpelação judicial, assinada por você e por um advogado pelo qual tenho grande respeito, Márcio Thomaz Bastos, é absolutamente insatisfatória para mim, e me leva não só a tornar pública agora a minha indignação, como a considerar a possibilidade de medidas judiciais cabíveis. A sua resposta apenas defende algo que eu jamais imaginaria questionar: o direito à crítica como inerente ao debate público. Para mim, é absolutamente trivial a observação de que homens públicos estão sujeitos, gostem ou não, a intenso escrutínio e dele não podem reclamar. É dispensável, portanto, para quem é ministro da Fazenda há sete anos e três meses, período de plena vigência das liberdades democráticas, a lembrança de que a crítica é direito assegurado a qualquer cidadão brasileiro, e também a referência óbvia de que o debate franco e aberto sobre qualquer tema é condição essencial para o desenvolvimento do processo democrático.
Vamos ser claros, Lula. O que você fez não foi uma crítica política. Apesar de na última linha de sua resposta à minha interpelação afirmar que 'em nenhum momento pretendeu atacar a honra do interpelante', o fato é que você o fez. Você me acusou de um crime. Porque guardar dinheiro público para si, e o liberar pessoalmente para 'obras de amigos', é crime, Lula. É crime grave. O acusador tem que ter provas, evidências, e você não as tem, não as tinha e nunca as terá, porque nunca fiz, não faço e nunca farei tal coisa. E você sabe ou deveria saber disto.
Não tenho absolutamente nada contra críticas. Ao contrário. Eu próprio as faço e farei, inclusive quanto ao que considero insustentáveis ambigüidades de seu discurso e de seu partido. Sou servidor público há mais de 35 anos. Nos últimos 15 anos ocupando posições de responsabilidade: representante do governo brasileiro nas diretorias executivas do Banco Mundial (Bird) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), negociador-chefe da dívida externa brasileira, presidente do Banco Central e ministro da Fazenda... E sempre, volto a repetir, sem qualquer projeto político pessoal. Nunca, em momento algum ao longo de minha carreira, qualquer pessoa acusou-me de crime ou fez qualquer ofensa à minha honra. Você foi o primeiro - e único. E gostaria que fosse o último a me acusar de crime grave - sem qualquer evidência.
Posso estar equivocado, mas acredito que a opinião pública está se cansando desse cipoal de baixarias, agressões pessoais e acusações sem provas. Creio que a população espera - e merece - um debate público sobre idéias, projetos e programas viáveis, que possam consolidar os ganhos já alcançados pelo País e avançar mais no sentido de melhorar as condições de vida da população brasileira. É com esse espírito que sempre trabalhei, aceitando quaisquer críticas como normais. É com esse espírito que sempre procurei participar do debate público...'
Peço perdão ao leitor que até aqui chegou pela longa reprodução de texto antigo (O Globo, 14/4/2002). Mas tive o privilégio de servir a um governo honrado, com muitos colegas de integridade e caráter, em nome dos quais creio que me expresso. E para os quais, definitivamente, não era 'a mesma coisa' de agora, como pretendem alguns.
*Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso; E-mail: malan@estadao.com.br
O que poderia ser uma saudável competição, acaba se tornando, por vezes, um feroz jogo de acusações recíprocas, em alguns casos de forma absolutamente doentia, ou até esquizofrênica.
Apenas personalidades sem qualquer caráter se dedicam a denegrir, falsamente, aqueles que consideram como seus inimigos pessoais, para disso extraírem vantagens políticas, ou ganhos eleitorais.
Esse tipo de jogo sujo vem sendo muito utilizado na campanha atual.
Por isso, talvez seja útil recordar uma carta escrita ao atual chefe do Estado pelo ex-ministro da Fazenda, no governo anterior, Pedro Malan.
É uma lição de caráter, embora os interlocutores objeto da missiva possam não ter nenhum.
Em política externa também costuma ocorrer o mesmo: inventam uma "submissão ao FMI, aos Estados Unidos", para denegrir, acusar, difamar os executores anteriores. Insistem numa história ridícula de "descalçar sapatos" para atacar os que os precederam. Proclamam, retoricamente, a "defesa da soberania", para impingir aos que os antecederam uma suposta falta de coragem na defesa dos interesses nacionais. Isso só pode revelar traços de caráter (ou falta de) que não deveriam ser admitidos no convívio entre pessoas civilizadas.
Em todo caso, deve-se sempre registrar aquilo que é digno e distinguir absolutamente de atitudes condenáveis em comportamentos políticos minimamente civilizados.
Paulo Roberto de Almeida
Prezado Lula, ou recordar é viver
Pedro S. Malan*
O Estado de S.Paulo, 08.10.2006
Prezado Lula foi o título de carta pública que dirigi ao então candidato em abril de 2002 e reproduzida a seguir (não na íntegra, por razão de espaço), dadas as tentativas de esquecer o passado recente e distorcer o passado já mais distante.
'Lamento incomodá-lo. É bem provável que você considere o que me leva a escrever como um assunto menor na ordem maior das coisas ou das suas legítimas preocupações com seu futuro político. O problema é que o assunto não é menor para mim. Porque tem a ver com minha honra, com meu nome, legado maior que deixarei a meus filhos. Algo que vou defender até o fim de meus dias. Espero que você entenda por quê...
Em longa entrevista publicada pelo Correio Braziliense em agosto de 2001, você se referiu à minha pessoa nos seguintes termos: '... o ministro Pedro Malan... parece que tem uma chave sagrada dos cofres públicos, guarda o dinheiro só para ele... e em época de eleição libera dinheiro para obras de amigos...'
Bem sei que no mundo da política as pessoas, por vezes, se deixam levar pela emoção e pela paixão e que nem sempre medem com cuidado o uso e o significado de suas palavras, principalmente quando atacam pessoalmente supostos adversários políticos. Com muito boa vontade, talvez a sua entrevista pudesse ser lida, como sugeriu uma grande admiradora sua, como uma simples metáfora, destituída de maior significado, própria do calor da hora. Infelizmente, como fui acusado diretamente, não foi assim que a interpretei.
A entrevista ocupou duas páginas inteiras do jornal. É uma entrevista importante e merece ser lida por petistas e não-petistas, pelo que revela sobre você e suas idéias. O jornal a apresentou como a primeira grande entrevista em que você assumiu, publicamente, a sua quarta candidatura à Presidência...
... em meados de novembro de 2001, antes de se encerrar o prazo-limite legal de 90 dias após a publicação da acusação, ajuizei contra você uma interpelação judicial, na 16ª Vara Federal do Distrito Federal, sem fazer divulgação dessa iniciativa. Na interpelação, reproduzi as suas próprias palavras, extraídas da entrevista, e pedi que, em juízo, você as confirmasse, desmentisse, desse as explicações que lhe parecessem necessárias, ou apresentasse as provas que justificassem as suas declarações a meu respeito.
A carta precatória enviada em dezembro pelo juiz de Brasília à 2ª Vara Federal de São Bernardo do Campo (SP) foi devolvida com a sua resposta apenas no fim de fevereiro, pois somente na oitava tentativa o oficial de Justiça conseguiu citá-lo, e assim mesmo depois de o juiz determinar que o fizesse com dia e hora marcados...
Lamento, mas a curta resposta à interpelação judicial, assinada por você e por um advogado pelo qual tenho grande respeito, Márcio Thomaz Bastos, é absolutamente insatisfatória para mim, e me leva não só a tornar pública agora a minha indignação, como a considerar a possibilidade de medidas judiciais cabíveis. A sua resposta apenas defende algo que eu jamais imaginaria questionar: o direito à crítica como inerente ao debate público. Para mim, é absolutamente trivial a observação de que homens públicos estão sujeitos, gostem ou não, a intenso escrutínio e dele não podem reclamar. É dispensável, portanto, para quem é ministro da Fazenda há sete anos e três meses, período de plena vigência das liberdades democráticas, a lembrança de que a crítica é direito assegurado a qualquer cidadão brasileiro, e também a referência óbvia de que o debate franco e aberto sobre qualquer tema é condição essencial para o desenvolvimento do processo democrático.
Vamos ser claros, Lula. O que você fez não foi uma crítica política. Apesar de na última linha de sua resposta à minha interpelação afirmar que 'em nenhum momento pretendeu atacar a honra do interpelante', o fato é que você o fez. Você me acusou de um crime. Porque guardar dinheiro público para si, e o liberar pessoalmente para 'obras de amigos', é crime, Lula. É crime grave. O acusador tem que ter provas, evidências, e você não as tem, não as tinha e nunca as terá, porque nunca fiz, não faço e nunca farei tal coisa. E você sabe ou deveria saber disto.
Não tenho absolutamente nada contra críticas. Ao contrário. Eu próprio as faço e farei, inclusive quanto ao que considero insustentáveis ambigüidades de seu discurso e de seu partido. Sou servidor público há mais de 35 anos. Nos últimos 15 anos ocupando posições de responsabilidade: representante do governo brasileiro nas diretorias executivas do Banco Mundial (Bird) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), negociador-chefe da dívida externa brasileira, presidente do Banco Central e ministro da Fazenda... E sempre, volto a repetir, sem qualquer projeto político pessoal. Nunca, em momento algum ao longo de minha carreira, qualquer pessoa acusou-me de crime ou fez qualquer ofensa à minha honra. Você foi o primeiro - e único. E gostaria que fosse o último a me acusar de crime grave - sem qualquer evidência.
Posso estar equivocado, mas acredito que a opinião pública está se cansando desse cipoal de baixarias, agressões pessoais e acusações sem provas. Creio que a população espera - e merece - um debate público sobre idéias, projetos e programas viáveis, que possam consolidar os ganhos já alcançados pelo País e avançar mais no sentido de melhorar as condições de vida da população brasileira. É com esse espírito que sempre trabalhei, aceitando quaisquer críticas como normais. É com esse espírito que sempre procurei participar do debate público...'
Peço perdão ao leitor que até aqui chegou pela longa reprodução de texto antigo (O Globo, 14/4/2002). Mas tive o privilégio de servir a um governo honrado, com muitos colegas de integridade e caráter, em nome dos quais creio que me expresso. E para os quais, definitivamente, não era 'a mesma coisa' de agora, como pretendem alguns.
*Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso; E-mail: malan@estadao.com.br
Politica externa partidaria e personalista - Celso Lafer
A candidatura Dilma e a política externa
Celso Lafer
O Estado de S.Paulo, 18 de setembro de 2010
"Nunca, jamais, na História deste país" - para evocar o bordão preferido do presidente Lula - um chefe de Estado se dedicou a mobilizar tantos recursos para favorecer a sua candidata numa eleição presidencial. Na campanha, o tema recorrente do presidente tem sido a importância da continuidade do que entende ser a inédita qualidade do seu governo. Essa continuidade a candidata Dilma Rousseff, por ele ungida como um seu Outro Eu, teria o dom de levar adiante, até mesmo em matéria de política externa. Assim, no debate democrático sobre as opções que o País tem pela frente, cabe uma discussão sobre a qualidade da diplomacia lulista.
A política externa é uma política pública, como o são a da saúde e a da educação. Como política pública, a política externa tem como objeto traduzir necessidades internas em possibilidades externas. Por essa razão, na sua formulação e execução, precisa lidar com dois grandes desafios: o de definir adequadamente necessidades internas e o de avaliar, com discernimento, as possibilidades externas. A análise da política externa do governo do PT passa, assim, por um exame de como foram tratados esses dois desafios.
O Brasil não enfrenta problemas de segurança de envergadura, como países do Oriente Médio ou da Ásia, que estão mais próximos dos riscos da situação-limite paz/guerra. Por isso, pode considerar o desafio do desenvolvimento nacional, na sua abrangente sustentabilidade - econômica, social, política, ambiental, de inovação e conhecimento -, como sua grande necessidade interna. Cabe lidar bem com esse desafio, que significa ampliar o poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu próprio destino, numa era de globalização, na qual o mundo se internaliza na vida dos países, inclusive no capítulo dos riscos (por exemplo, tráfico de drogas, crises econômicas, mudanças climáticas).
Para discernir o que o mundo pode contribuir para o desenvolvimento do País é preciso bem entender o cenário internacional e a sua complexa agenda. Esta contempla os temas da guerra, da violência, da segurança coletiva, da economia, do comércio, das finanças, do meio ambiente, dos direitos humanos e da democracia, das forças centrífugas das identidades e dos particularismos. Do bom entendimento da "máquina do mundo" provém a boa avaliação das possibilidades externas da ação diplomática de um país, na especificidade de suas circunstâncias. Nessa avaliação é preciso evitar dois riscos opostos: o da inércia omissiva do subestimar-se e o da inconsequência do superestimar-se. Isso exige levar em conta que são tarefas da política externa identificar interesses comuns e compartilháveis, lidar com as desigualdades do poder e ter condições de mediar a diversidade cultural e o conflito de valores.
A minha crítica à diplomacia lulista é dupla. Entendo que, com consequências negativas para o País, não definiu apropriadamente as necessidades internas e não avaliou corretamente as possibilidades externas.
Quanto ao primeiro item, aponto que a política externa do governo do PT se voltou para a busca do prestígio, com foco no prestígio do presidente. Uma diplomacia de prestígio e de gestos é menos atenta à falta de resultados. Não atende ao princípio constitucional da impessoalidade da administração pública, pois converte a política externa numa política de governo voltada para, partidarizando, capitalizar no Brasil e no mundo os personalíssimos méritos do presidente. Desconsidera, igualmente, o princípio constitucional da eficiência da administração pública, pois a indiscriminada abertura de novas embaixadas e de consulados-gerais, assim como a exagerada ampliação das vagas de ingresso na carreira, obedece ao afã da acumulação do prestígio, e não a critérios de necessidade objetiva.
Quanto ao segundo item, registro que toda política pública requer uma clara definição de prioridades - governar é escolher, como dizia Mendès-France.
Pressupõe uma gestão de riscos inerente ao campo específico de sua atuação. A diplomacia de prestígio e o voluntarismo da política externa lulista não fizeram nem uma coisa nem outra, em função de uma dupla falta da medida na avaliação das possibilidades externas do País. Na busca do inefável prestígio, ora superestima, ora subestima o que o País pode fazer. São exemplos da inconsequência do superestimar-se a ação brasileira no caso do Irã e no de Honduras e os reiterados insucessos das candidaturas a posições internacionais. São exemplos do subestimar-se omissivo, que também se traduz em não escolher os campos de atuação em que o nosso país pode encontrar melhores oportunidades para se afirmar no plano internacional, a resistência a desempenhar um papel mais relevante na área ambiental (na qual o Brasil é uma grande potência), a insensível negligência em matéria de direitos humanos, o descuido na negociação de acordos comerciais regionais, a complacência política no trato dos desvios de rota do Mercosul como processo de integração.
A diplomacia lulista, em razão dos equívocos acima apontados, vem descapitalizando de maneira crescente o soft power da credibilidade internacional do Brasil, comprometendo, desse modo, o próprio prestígio do País. Esta situação vem sendo agravada pelo empenho do presidente em construir amigas parcerias com regimes permeados pela iniquidade do arbítrio (por exemplo, o Irã de Ahmadinejad). A continuidade desta diplomacia é indesejável. Não contribuirá para a sustentabilidade da ação externa brasileira num cenário que se avizinha como mais complexo, seja no contexto das tensões da nossa vizinhança, seja no campo multilateral, seja no jogo das grandes potências, no qual despontam as novas parcerias da China e da Índia com os EUA.
PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC
Celso Lafer
O Estado de S.Paulo, 18 de setembro de 2010
"Nunca, jamais, na História deste país" - para evocar o bordão preferido do presidente Lula - um chefe de Estado se dedicou a mobilizar tantos recursos para favorecer a sua candidata numa eleição presidencial. Na campanha, o tema recorrente do presidente tem sido a importância da continuidade do que entende ser a inédita qualidade do seu governo. Essa continuidade a candidata Dilma Rousseff, por ele ungida como um seu Outro Eu, teria o dom de levar adiante, até mesmo em matéria de política externa. Assim, no debate democrático sobre as opções que o País tem pela frente, cabe uma discussão sobre a qualidade da diplomacia lulista.
A política externa é uma política pública, como o são a da saúde e a da educação. Como política pública, a política externa tem como objeto traduzir necessidades internas em possibilidades externas. Por essa razão, na sua formulação e execução, precisa lidar com dois grandes desafios: o de definir adequadamente necessidades internas e o de avaliar, com discernimento, as possibilidades externas. A análise da política externa do governo do PT passa, assim, por um exame de como foram tratados esses dois desafios.
O Brasil não enfrenta problemas de segurança de envergadura, como países do Oriente Médio ou da Ásia, que estão mais próximos dos riscos da situação-limite paz/guerra. Por isso, pode considerar o desafio do desenvolvimento nacional, na sua abrangente sustentabilidade - econômica, social, política, ambiental, de inovação e conhecimento -, como sua grande necessidade interna. Cabe lidar bem com esse desafio, que significa ampliar o poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu próprio destino, numa era de globalização, na qual o mundo se internaliza na vida dos países, inclusive no capítulo dos riscos (por exemplo, tráfico de drogas, crises econômicas, mudanças climáticas).
Para discernir o que o mundo pode contribuir para o desenvolvimento do País é preciso bem entender o cenário internacional e a sua complexa agenda. Esta contempla os temas da guerra, da violência, da segurança coletiva, da economia, do comércio, das finanças, do meio ambiente, dos direitos humanos e da democracia, das forças centrífugas das identidades e dos particularismos. Do bom entendimento da "máquina do mundo" provém a boa avaliação das possibilidades externas da ação diplomática de um país, na especificidade de suas circunstâncias. Nessa avaliação é preciso evitar dois riscos opostos: o da inércia omissiva do subestimar-se e o da inconsequência do superestimar-se. Isso exige levar em conta que são tarefas da política externa identificar interesses comuns e compartilháveis, lidar com as desigualdades do poder e ter condições de mediar a diversidade cultural e o conflito de valores.
A minha crítica à diplomacia lulista é dupla. Entendo que, com consequências negativas para o País, não definiu apropriadamente as necessidades internas e não avaliou corretamente as possibilidades externas.
Quanto ao primeiro item, aponto que a política externa do governo do PT se voltou para a busca do prestígio, com foco no prestígio do presidente. Uma diplomacia de prestígio e de gestos é menos atenta à falta de resultados. Não atende ao princípio constitucional da impessoalidade da administração pública, pois converte a política externa numa política de governo voltada para, partidarizando, capitalizar no Brasil e no mundo os personalíssimos méritos do presidente. Desconsidera, igualmente, o princípio constitucional da eficiência da administração pública, pois a indiscriminada abertura de novas embaixadas e de consulados-gerais, assim como a exagerada ampliação das vagas de ingresso na carreira, obedece ao afã da acumulação do prestígio, e não a critérios de necessidade objetiva.
Quanto ao segundo item, registro que toda política pública requer uma clara definição de prioridades - governar é escolher, como dizia Mendès-France.
Pressupõe uma gestão de riscos inerente ao campo específico de sua atuação. A diplomacia de prestígio e o voluntarismo da política externa lulista não fizeram nem uma coisa nem outra, em função de uma dupla falta da medida na avaliação das possibilidades externas do País. Na busca do inefável prestígio, ora superestima, ora subestima o que o País pode fazer. São exemplos da inconsequência do superestimar-se a ação brasileira no caso do Irã e no de Honduras e os reiterados insucessos das candidaturas a posições internacionais. São exemplos do subestimar-se omissivo, que também se traduz em não escolher os campos de atuação em que o nosso país pode encontrar melhores oportunidades para se afirmar no plano internacional, a resistência a desempenhar um papel mais relevante na área ambiental (na qual o Brasil é uma grande potência), a insensível negligência em matéria de direitos humanos, o descuido na negociação de acordos comerciais regionais, a complacência política no trato dos desvios de rota do Mercosul como processo de integração.
A diplomacia lulista, em razão dos equívocos acima apontados, vem descapitalizando de maneira crescente o soft power da credibilidade internacional do Brasil, comprometendo, desse modo, o próprio prestígio do País. Esta situação vem sendo agravada pelo empenho do presidente em construir amigas parcerias com regimes permeados pela iniquidade do arbítrio (por exemplo, o Irã de Ahmadinejad). A continuidade desta diplomacia é indesejável. Não contribuirá para a sustentabilidade da ação externa brasileira num cenário que se avizinha como mais complexo, seja no contexto das tensões da nossa vizinhança, seja no campo multilateral, seja no jogo das grandes potências, no qual despontam as novas parcerias da China e da Índia com os EUA.
PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC
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