sábado, 12 de maio de 2012

O que seria estrategico no comercio e no desenvolvimento? Comento um comentario

Acabo de receber o seguinte comentário a um dos meus posts:


[...] deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Reflexoes ao leu, 3: Diplomacia comercial brasilei...": 

Paulo, os EUA são um de nossos principais parceiros comerciais há décadas. A diversificação de parceiros comerciais e a relutância em aceitar uma zona de livre comércio com os americanos, me parece, até intuitivamente, estratégico para o nosso desenvolvimento sustentado. O exemplo mexicano é, sim, paradigmático. Como tu mesmo reconheces, precisamos resguardar-nos, seja da China, seja dos EUA. Tanto um quanto outro serão importantes nas relações bilaterais brasileiras, sempre, mas não podemos comprometer nosso desenvolvimento em troca de acordos que possuem riscos tão altos. Paranoia? Pode ser... Mas gato escaldado...

Meus comentários (PRA) ao que vai acima:

Bem, ninguém disputa o fato de que, desde meados do século XIX aproximadamente, quando os EUA passaram a comprar a metade do nosso café, aquele país é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Não só comercial, pois a relação abarca inúmeros outros aspectos, talvez até mais importantes -- tecnologia, finanças, cultura, ciência, etc, mas é o comércio que sustenta tudo isso -- e de certa forma mais equilibrada do que a relação com os europeus, por exemplo, bem mais padrão Norte-Sul.
A China pode até ser atualmente nosso principal parceiro COMERCIAL, pela magnitude dos intercâmbios, mas ninguém disputará o fato, provavelmente lamentável, de ser uma relação tremendamente DESEQUILIBRADA, com 95% de matérias-primas para lá (na verdade, cinco ou seis produtos primários, apenas) e 95% de manufaturas para lá.
Mesmo que os EUA ainda percam posições, eles SEMPRE vão constituir um parceiro relevante, com uma enorme diversidade de intercâmbios, o que nos é extremamente favorável, mesmo com déficits aqui e ali.

Mercado é mercado, interno, externo, branco, preto, desenvolvido ou emergente, isso não importa, portanto diversificação sempre é bom, e isso depende dos empresários, basicamente, e um pouco do governo, em matéria de prospecção, promoção comercial, etc. Por isso, falar em "nova geografia" é uma mistificação: todas as geografias são possíveis, desejáveis e até mesmo necessárias, e não cabe, absolutamente, promover apenas comércio com o Sul, em detrimento de esforços semelhantes com países desenvolvidos, que tem mercados consolidados, remuneradores, isentos de calotes, etc.
Por isso, a tal de "nova geografia do comércio internacional", patrocinada pela dupla Lula-Amorim, nada mais era do que uma empulhação, uma mistificação, uma tremenda enganação, até em detrimento dos interesses brasileiros, pois que significando um foco exclusivo em países do Sul. Isso, além de tudo, é burro, é estúpido, e até mesmo criminoso, com respeito a um comércio em todas as direções, sobretudo garantindo acesso e consolidação de comércio com países solváveis.
O que ocorreu na versão anterior do comércio Sul-Sul (dos anos 1970)?
Fizemos tremendos esforços, oferecemos créditos generosos (já que não havia linhas comerciais com esses países), apenas para sermos caloteados pouco depois, e ficarmos durante anos e anos renegociados créditos não pagos no Clube de Paris. Um tremendo prejuízo para o país, ou seja, para nós, contribuintes brasileiros, que pagamos a conta.

Assim como é estúpido o tal "programa de importação substitutiva de importações", imposto pela mesma dupla, numa outra demonstração de generosidade com o nosso dinheiro. Ora, os países, os fabricantes, os comerciantes, fazem comércio com base em interesses concretos, mercados, lucro, ganhos substantivos, não por simpatia ou interesses políticos. Ninguém importa de ninguém apenas para fazer favor ao ofertante estrangeiro, apenas porque vai vender no seu mercado doméstico. No máximo o governo pode gastar o nosso dinheiro para promover os nossos produtos lá fora, não para convencer os nacionais a comprar produtos estrangeiros.
Isso, além de estúpido, mais uma vez, é gastar o nosso dinheiro com generosidades indevidas, uma tremenda empulhação, e um gasto criminoso. Quem quiser vender, que faça esforços, quem quiser importar, que o faça a sua conta e risco, não com o nosso dinheiro.

Voltando ao comentário acima, eu sinceramente não concordo: 
"relutância em aceitar uma zona de livre comércio com os americanos, me parece, até intuitivamente, estratégico para o nosso desenvolvimento sustentado."
O que pode haver de estratégico numa relutância? 
Não vejo absolutamente nada. Pode haver estratégia numa ação determinada, mas a recusa de fazer algo é apenas isso: omissão, não ação. Nunca se saberá o que poderia ocorrer, de estratégico ou não.
Ou pode-se até imaginar: mais concorrência, mais produtos, mais investimentos, maior escala de mercados, maior integração com o mundo, menos barreiras, enfim, globalização, ainda que de forma restrita, pelo comércio preferencial com apenas um grande parceiro, e com todos os demais parceiros do hemisfério, aliás.
O que pode haver de estratégico na recusa disso tudo?
Eu não vejo absolutamente nada, só temor, paranoia, relutância, justamente, em se ter mais concorrência.
Industriais protecionistas podem até gostar, mas não entendo como consumidores livres poderiam apreciar isso.

E não tem nada a ver com desenvolvimento sustentado. Isso é conceito vazio. Comércio é comércio, ponto. Pode até ajudar um pouco no desenvolvimento, mas não é isso que desenvolve um país, e sim transformação produtiva, inovação tecnológica, educação, infraestrutura, créditos, juros baixos, boa governança, baixa corrupção, etc, coisas que pode até ser facilitadas pelo comércio, mas que dependem muito mais de outras ações internas, sobretudo estabilidade macroeconômica e competição microeconômica.
O medo dos EUA me parece infantil, e até estúpido, se me permitem a expressão.

O exemplo do México é paradigmático?
Absolutamente não. Ele só serve para o México, nem para o Canadá, que também tem "dependência" -- como gostam de dizer certos ingênuos -- das relações com os EUA (e não poderia ser de outro modo).
O Uruguai tem o mesmo tipo de "dependência" dos mercados do Brasil e da Argentina, a Bélgica da França e da Alemanha.
Sim, e daí?
O que isso importa? 
Comércio é comercio, e o fato de o México estar concentrado nos EUA é problema dele, não nosso. Que os empresários e o governo procurem outros mercados, o que não me parece proibido pela vizinhança americana. Se eles se acomodam numa relação de "dependência", problema deles...

Tampouco concordo com isto aqui: 
"Como tu mesmo reconheces, precisamos resguardar-nos, seja da China, seja dos EUA."
Não reconheço absolutamente nada, e acho simplório isso: resguardar do que? Vão nos invadir, vão nos obrigar a importar deles, exclusivamente?
Não sejamos ridículos, o comércio é feito pelo setor privado para fazer lucro, não para ser bonzinho com americanos ou chineses.
E se compramos mais deles, é porque vende aqui (ou seja, é mais barato ou de melhor qualidade do que a oferta interna), não porque queiramos deixá-los ricos e satisfeitos.

Volto a repetir: o rabo do comércio NÃO consegue abanar o cachorro do desenvolvimento. Ou fazemos desenvolvimento por muitas outras políticas, ou nunca conseguiremos crescer só pelo comércio, inclusive porque permanecemos GENETICAMENTE PROTECIONISTAS, agora agravados por políticas ainda mais estúpidas e de duvidosa legalidade no Gatt-OMC.

Paranoia? Sim existe, mas eu não tenho...
Paulo Roberto de Almeida 

O futuro do Mercosul, segundo um de seus protagonistas - Samuel Pinheiro Guimaraes

Poucas pessoas, no Brasil, tiveram tanto envolvimento na integração Brasil-Argentina quanto o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral dos governos Lula de 2003 a 2009, quando se aposentou por idade do Itamaraty e passou à condição (breve) de Secretário de Assuntos Estratégicos e, depois, no final do segundo governo, antes mesmo da posse da atual presidente, Alto Representante do Mercosul, uma espécie de comissário político do bloco.
Eu disse "envolvimento" com o processo bilateral Brasil-Argentina, e não exatamente Mercosul, pois é o primeiro esquema que lhe interessa prioritariamente, já que não ocupava mais funções decisórias quando o Mercosul foi criado NA FORMA em que foi criado.
Se dependesse dele, o Mercosul NUNCA teria sido criado dessa forma -- digamos "neoliberal" -- que foi criado, e que ele condena, por preferir os antigos esquemas da integração Brasil-Argentina, que ele ajudou a escrever pessoalmente, ou até foi o redator principal dos principais instrumentos -- protocolos setoriais -- que marcaram aquele processo, preferido por ele, já que o Mercosul, pelo Tratado de Assunção, sempre foi considerado um "desvio" do processo (ainda que a expressão, e a condenação, não sejam feitas de modo explícito).
Quaisquer que sejam, em todo caso, as posições, principistas ou formais, do referido personagem político e diplomático em relação ao Mercosul, se trata, como reconhecido, de figura influente no processo, passado e atual, e sua visão é considerada como sendo uma espécie de história oficial desse processo de integração.
Esta introdução para dizer que o texto abaixo, do qual só vim a tomar conhecimento em 11 de maio de 2012, representa, por assim dizer, uma espécie de síntese intelectual do que esse personagem influente entende como representativa da história passado, da situação presente e dos desafios atuais e futuros para o desenvolvimento desse processo de integração, do bloco do Mercosul, como um todo, que ele se empenha em ampliar, para incorporar toda a América do Sul (o que parece impossível de ocorrer sem desvirtuar os fundamentos do acordo comercial).
Provavelmente teria muitas considerações a fazer a cada um dos parágrafos abaixo transcritos, o que exigiria, talvez, um trabalho de iguais (ou maiores) dimensões, impossível de fazer aqui, neste momento.
Portanto, vai o texto transcrito, sem que isto represente endosso meu aos argumentos do personagem em questão (ao contrário, tenho sérias restrições, nos planos factual, analítico e interpretativo).
Paulo Roberto de Almeida 


Samuel Pinheiro Guimarães
Alto Representante do Mercosul
10 de abril de 2012
revista Austral, Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais
(Porto Alegre, UFRGS, Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS, vol. 1, n. 1, jan.-jun. 2012, p. 13-22)

1.  A análise da situação do Mercosul, de seus objetivos e das estratégias para alcançá-los, é de especial relevância no momento em que se vem de comemorar os vinte anos da assinatura, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção, em plena e extraordinária crise e transformação política  e econômica mundial.
2.  Em 1991, era hegemônico o pensamento neoliberal, em um cenário econômico de grande otimismo. Era a Nova Ordem Mundial, anunciada pelo presidente G. H. Bush, a era da globalização, do fim das fronteiras, do fim da História, do progresso ilimitado para todos os Estados e para todos os indivíduos. Era o mundo unipolar, pacífico e próspero.
3.  Esse pensamento neoliberal, que veio a ser articulado no Consenso de Washington e impulsionado pelas políticas dos países desenvolvidos nos organismos e negociações internacionais e em suas relações bilaterais com os Estados da América Latina, viria a se refletir, em decorrência dessas pressões externas e até por convicção das elites dirigentes, nas políticas domésticas, econômicas e sociais, dos quatro Estados do Mercosul.
4.  Apesar das naturais diferenças entre as situações em que se encontravam Estados e sociedades naquele momento e do grau de radicalismo com que foram implementadas, essas políticas todas tinham como principal objetivo reduzir o Estado a seu mínimo, através de programas de privatização, de desregulamentação e de abertura externa para bens e capitais, muitas vezes adotados de forma unilateral, sem negociação, como “contribuição voluntária” ao progresso de globalização.
5.  Em 1991, a situação política internacional estava marcada pela desintegração da União Soviética, pelo fim dos regimes socialistas da Europa Oriental, pelo desprestígio do socialismo como sistema político e econômico, pela expansão (voluntária ou “estimulada”) de regimes democráticos, pelo fim aparente dos conflitos regionais,  pela “ressurreição” das Nações Unidas e, finalmente, pela hegemonia dos Estados Unidos.
6.  Em 2012, a economia mundial se caracteriza pelo aumento da distância entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, pela expansão da globalização e das mega empresas multinacionais e, de outro lado, passa pela sua mais profunda crise desde 1929, a qual se originou em uma tendência à superprodução, à extensão excessiva do crédito e, finalmente, em um enorme movimento especulativo, desencadeado por bancos, fundos de investimento, auditoras e corretoras, permitido pela globalização e pela profunda desregulamentação nacional e internacional dos sistemas financeiros. A crise eclodiu nos Estados Unidos e se espraiou pelos sistemas financeiros dos demais países desenvolvidos, enquanto se atribuiu aos países emergentes, de forma indistinta, a capacidade de manter algum crescimento positivo da economia mundial. Enquanto os países ocidentais desenvolvidos se encontram mergulhados em suas crises, que já afetam a unidade européia, a China surge como a segunda maior potência econômica do mundo.
7.  Em 2012, o panorama político-militar internacional se caracteriza pelo desenrolar de guerras em países islâmicos, com a expansão dos poderes da OTAN para muito além de sua área de competência; pela luta contra um inimigo difuso, o terrorismo; pela eclosão, imprevista, de movimentos populares contra ditaduras árabes tradicionalmente apoiadas, e às vezes até financiadas, pelas potências ocidentais; pela intervenção das potências ocidentais, a pretexto humanitário, nos assuntos internos de Estados mais fracos; pelo ressurgimento da xenofobia e do racismo, em especial na Europa, com reflexos sobre imigrantes sul-americanos; pela crescente sofisticação e automação das forças militares das grandes potências e pelo seu esforço em desarmar, inclusive em termos convencionais, os Estados mais fracos e já desarmados.
8.  Este cenário político-militar estará sendo cada vez mais transformado pela expansão geográfica da presença política, e no futuro militar, da China, a partir de sua crescente influência econômica, em sua qualidade de maior economia,  maior potência exportadora e importadora, segundo maior destino de investimentos internacionais, de sua crescente capacidade científica e tecnológica, de sua situação de maior detentora de reservas internacionais e de maior investidora em títulos do Tesouro americano. Apesar de todas as dificuldades e desafios a trajetória econômica e política chinesa tende a não sofrer radicais alterações devido às características de seu sistema político colegiado e de ascensão gradual dos membros do Partido Comunista  às posições de alta responsabilidade no Bureau Político do Comitê Central.
9.  A emergência da China como a maior potência econômica do mundo, e possivelmente, em breve, como a segunda maior potência política e militar, tem extraordinárias consequências para a América do Sul, mas muito especialmente para os Estados do  Mercosul.
10.   Em especial para o Mercosul, na medida em que certos governos da América do Sul tomaram a decisão, de grande   importância para seus países e para o futuro político e econômico da   América do Sul, que foi a de se inserir, inicialmente, no sistema econômico norte-americano, através da assinatura de amplos acordos econômicos, chamados impropriamente “de livre comércio”, e, em seguida, na economia mundial, através da negociação de  acordos, ai sim de livre comércio,  com a União Européia e com muitos outros países, entre eles a China.
11.   Esses países sul-americanos optaram por uma política de inserção irrestrita na economia global e abdicaram da possibilidade de utilizar  diversos instrumentos de promoção do desenvolvimento,  em especial importantes no caso de países subdesenvolvidos, com populações expressivas, com alto grau de urbanização, com grandes disparidades sociais e econômicas. E em consequência, abdicaram de uma participação mais intensa em um processo de integração regional sul-americano pela impossibilidade de participar de uma união aduaneira regional e de políticas regionais de natureza industrial que permitam o fortalecimento das empresas produtivas instaladas em seus territórios. Assim, a retórica presente em todos os encontros acadêmicos e políticos sobre a aspiração, a possibilidade e os benefícios de uma futura integração sul-americana deve ser vista à luz desta realidade atual.
12.   O impacto da China sobre a economia dos países do Mercosul, que já é  grande, se tornará extraordinário.
13.   A economia chinesa vem crescendo a 10% ao ano, em média, nos últimos trinta anos, desafiando os recorrentes prognósticos negativos dos especialistas. Sua economia moderna é integrada por cerca de 300 milhões de indivíduos, com um déficit crescente de alimentos para uma população que melhora e diversifica seu padrão alimentar, sem suficientes terras aráveis e água para a irrigação em grande escala, (ainda que haja a possibilidade de dessalinização da água do mar e de desenvolvimento de tecnologias agrícolas adequadas às suas regiões inóspitas), com uma demanda voraz e um déficit de minérios muito significativo, e com um déficit energético crescente, apesar dos ambiciosos programas de expansão de seus sistemas eletro-nuclear e eólico. A incorporação gradual de mais de um bilhão de chineses, hoje no campo e em atividades de baixa produtividade,  ao setor moderno da economia tornará a China o maior mercado do mundo, superior ao mercado americano e europeu somados.
14.   Apesar de a demanda chinesa por minérios, por alimentos e por energia poder ser suprida por outras regiões, em especial a África, a América do Sul e os países do Mercosul estão em condições especiais para atendê-la, como, aliás, já vem fazendo com suas exportações de soja e de minério de ferro, entre outros produtos.
15.   A demanda chinesa por minérios, petróleo e produtos agrícolas contribui, de forma expressiva, para o aumento dos preços mundiais desses produtos, para um impulso inflacionário em todos os países, para a geração de grandes receitas cambiais nos países do Mercosul,  e para a consequente valorização de suas moedas nacionais, afetadas pelo influxo simultâneo do excesso de moeda ofertada pelos Estados Unidos, através de sua política de “monetary easing”.
16.   Por outro lado, a China, que se constituiu, inicialmente, em uma enorme plataforma de produção e exportação das megaempresas multinacionais, passou, através de suas políticas comerciais,  industriais e de transferência de tecnologia, a criar e desenvolver suas empresas de capital chinês, capazes de participar do mercado mundial, nos mais diversos setores, com produtos dos mais simples aos mais complexos, com custos de produção e preços de exportação altamente competitivos. 
17.   A própria situação da China e sua estratégia de desenvolvimento afetará da forma mais profunda as perspectivas de desenvolvimento de cada país do Mercosul, colocará em cheque suas políticas comerciais, industriais e tecnológicas, pautadas pelas normas da OMC, negociadas e adotadas em um contexto internacional diverso, e o próprio futuro do Mercosul, como esquema de desenvolvimento econômico, de transformação produtiva e de desenvolvimento social da região.
18.   De um lado, a demanda chinesa por produtos primários e, de outro lado, sua oferta de produtos industriais a baixo preço, diante da ortodoxia de política econômica de certos países (centrada em uma excessiva preocupação com o combate à inflação e com o equilíbrio fiscal) e de seu baixo dinamismo tecnológico poderá levar, se não vierem a ser formuladas e implementadas firmes e permanentes políticas industriais de agregação de valor aos produtos primários em forte demanda,  a uma  especialização na produção primária para exportação, e à conquista pela China dos mercados de produtos industriais dos sócios do Mercosul e dos demais países da América do Sul .
19.   Esta situação tenderia a se agravar com a superação da crise econômica nos países altamente industrializados, que provocou a redução temporária de sua demanda por insumos primários. Com a retomada de seu crescimento industrial e de renda, esses países passarão a exercer uma pressão adicional ainda maior sobre os mercados de produtos primários, agrícolas e minerais, com alta possibilidade de aprofundar o processo de especialização regressiva dos países da América do Sul e em especial do Mercosul, que inclui as duas maiores economias industriais da região.
20.   Em sociedades cada vez mais urbanizadas e com populações expressivas, sob o impacto permanente da propaganda agressiva de estímulo ao consumo, essa especialização regressiva levaria a uma  oferta de empregos industriais nessas sociedades insuficiente para atender à crescente demanda decorrente do crescimento demográfico e da necessidade de absorver os estoques de mão de obra secularmente subempregados e desqualificados. Os efeitos sociais dessa insuficiente geração de empregos urbanos seriam de extrema gravidade.
21.   Esse cenário afetaria profundamente as perspectivas e as possibilidades de integração mais profunda entre os Estados do Mercosul na medida em que esta integração depende da vinculação cada vez maior entre suas economias (e consequente vinculação política) o que somente é possível pelo intercâmbio de produtos industriais pois, no setor  agrícola, além da menor gama de produtos típica desse  setor, as produções dos quatro países são, em larga medida, concorrentes. Suas economias ficariam gradual ou até mesmo rapidamente cada vez mais isoladas umas das outras e o processo de integração mais profunda ficaria definitivamente abalado e reduzido a esforços de cooperação em setores importantes, porém limitados. 

O desafio das assimetrias
22.   As assimetrias entre os Estados do Mercosul, que são notáveis em  território e população, aspectos o primeiro fixo e o segundo  de lenta transformação, mas que tem, todavia,  grande  importância econômica, vem crescendo rapidamente em termos de grau de diversificação produtiva, de dinamismo tecnológico e de dimensão dos respectivos parques produtivos.
23.   A dinâmica dessas assimetrias, deixada ao sabor das forças de mercado, em uma  união aduaneira e em uma área de livre comércio, na inexistência de esquemas corretivos, leva a um grau de desenvolvimento cada vez mais distinto e, portanto, a fricções, a frustrações e a ameaças permanentes à coesão do Mercosul, com todas as  consequências para a capacidade, tanto dos Estados maiores mas em especial dos menores, de defender e de promover seus interesses  em um cenário internacional cada vez mais caracterizado, apesar da crise, pela expansão de grandes blocos de países, nas Américas, na Europa e na Ásia. 
24.   A redução das assimetrias é essencial para que as economias e as  sociedades possam se beneficiar de forma equitativa do processo de integração.  As assimetrias que, em termos  concretos, correspondem a grandes diferenças de infra-estrutura física e  social, de capacitação da mão de obra e de dimensão das empresas, fazem com que os investimentos privados não possam se distribuir de forma mais harmônica dentro do espaço comum, que a geração e a qualidade de empregos seja desigual e que, portanto, seja desigual a geração de renda e o bem estar nas diversas sociedades.
25.   Outros esquemas de integração, como a União Européia, desde sua origem em 1958, se preocuparam com a existência e os efeitos de  diferentes níveis de desenvolvimento entre os Estados que deles participavam e com a necessidade de promover o desenvolvimento mais acelerado dos países mais atrasados para tornar mais equilibradas as oportunidades dentro do espaço econômico comum. Lançaram mão de vários programas, basicamente de transferência de recursos, com o objetivo de nivelar a economia dos Estados que foram se agregando à União Européia e que se encontravam em diferentes estágios de desenvolvimento. O processo de reunificação das duas Alemanhas foi e é um exemplo de grande transferência de recursos que chega a atingir trilhões de dolares com o objetivo de nivelar duas economias e sociedades que se integram.
26.   Devido à doutrina neoliberal e a seus objetivos implícitos, que presidiram à criação do Mercosul, inicialmente julgou-se e afirmou-se que as dimensões assimétricas dos Estados não afetariam o desenvolvimento de cada um deles  e que a simples integração comercial automática,  sem levar em conta de forma adequada essas assimetrias, permitiria a cada um deles usufruir, de forma igual ou semelhante, dos benefícios decorrentes do processo de integração.
27.   Vinte anos depois do Tratado de Assunção há uma aceitação generalizada de todos os Governos da importância e das consequências de toda ordem das assimetrias entre os Estados e da necessidade de enfrentá-las com programas eficazes, cujo montante de recursos até agora alocados são absolutamente insuficientes para a dimensão da tarefa.
28.   Algumas afirmações básicas podem ser feitas sobre a possibilidade de êxito no enfrentamento do desafio de redução das assimetrias, indispensável para a coesão e o futuro econômico e político do Mercosul:
a. sem a compreensão generosa (e, aliás, de seu próprio interesse, econômico e político) dos Estados maiores, que deve se refletir em suas contribuições financeiras para os diversos programas, em especial para o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul) pode-se continuar a enfatizar retoricamente a importância das assimetrias mas elas não se reduzirão;
b. sem a construção da infra-estrutura de energia e de transportes nos Estados menores as assimetrias não se reduzirão e
c. nenhum programa ou política comunitária em nenhuma das diversas áreas de integração poderá ir adiante sem a a criação de instrumentos financeiros assimétricos de financiamento desses  programas e políticas.

Ampliação geográfica do Mercosul
29.   Em um cenário internacional caracterizado pela ampliação de grandes blocos de países fortalecidos, a despeito da crise do euro, a capacidade do Mercosul de defender e de promover os interesses de seus Estados depende de seu fortalecimento econômico e político.
30.   Do ponto de vista econômico e social, o fortalecimento do Mercosul  resultará do desenvolvimento produtivo de cada uma das quatro economias nacionais, de sua  integração física e comercial, da redução significativa das disparidades em cada uma das sociedades, de seu dinamismo tecnológico, da redução das vulnerabilidades externas de cada um de seus membros.
31.   Do ponto de vista político, o fortalecimento do Mercosul como bloco depende de um lado de uma coordenação cada vez mais estreita de seus membros e, de outro lado, do número de Estados soberanos que o integram, Estados que, por esta razão, tem interesse em coordenar suas ações, como membros de um bloco, nas negociações e foros internacionais e diante de crises e iniciativas de terceiros Estados, em especial daqueles mais poderosos.
32.   A ampliação geográfica do Mercosul significa a adesão de novos membros. Por causa de decisões que tomaram no passado, não podem, no momento atual, fazer parte do Mercosul Estados que assinaram acordos de livre comércio com outros Estados ou blocos, tais  como a União Européia, e que, por esta razão, aplicam tarifa zero às importações provenientes daqueles Estados ou blocos e que, assim, não poderiam adotar e aplicar a Tarifa Externa Comum do Mercosul.
33.   A ampliação geográfica do Mercosul teve início com o processo de adesão da Venezuela. A participação integral da Venezuela no Mercosul é da maior importância política e econômica, dada a riqueza de recursos minerais e energéticos do país e de sua decisão de desenvolver industrialmente sua economia. Depende ela agora somente de decisão do Senado Paraguaio, já tendo sido aprovada pela Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela.
34.   Além da Venezuela, poderiam, em princípio, ingressar no Mercosul a Bolívia, o Equador, o Suriname e a Guiana. A possibilidade de Estados extra-regionais, isto é, situados fora da América do Sul,  ingressarem no Mercosul é reduzida.
35.   É de todo o interesse dos Estados do Mercosul criar as condições as mais favoráveis possíveis ao ingresso da Bolívia, do Equador, do Suriname e da Guiana como membros plenos no Mercosul e de fortalecer as relações com todos os demais países da América do Sul que, aliás, já são Estados associados, para que, no futuro, caso desejem ingressar no Mercosul, este ingresso seja mais fácil e eficaz, política e economicamente.

O Mercosul como mecanismo de desenvolvimento regional  
36.   À época da criação do Mercosul, existia a convicção nos  governos  dos Presidentes Menem, Collor, Rodrigues e Lacalle, de que a execução das políticas preconizadas pelo Consenso de Washington, isto é,  de desregulamentação, de privatização,  de abertura ao capital estrangeiro e de remoção das barreiras ao comércio, seriam suficientes para promover o desenvolvimento econômico e social.
37.   O Mercosul foi criado em 1991 para ser um esquema de liberalização comercial, como uma etapa de um processo “virtuoso” de eliminação de barreiras ao comércio e de plena inserção na economia internacional, e não para ser um organismo de promoção do desenvolvimento econômico nem dos Estados isolados nem em conjunto.
38.   A implementação do Tratado de Assunção, ao não levar em conta de forma adequada as diferenças entre os países e o impacto econômico e político dos deslocamentos econômicos causados pela redução de tarifas, levou a todo tipo de esquemas “provisórios”, tais como o acordo automotivo e as exceções à TEC, periodicamente renovadas, para bens da capital e de tecnologia de informação, e os acordos, muitas vezes informais, de organização do comércio  em certos setores empresariais.
39.   A transformação do Mercosul de uma simples união aduaneira e área de livre comércio imperfeitas em um esquema de desenvolvimento regional equilibrado e harmonioso dos quatro Estados, o que significa a eliminação das assimetrias e a gradual construção de uma legislação “comum”, exigiria:
a) o reconhecimento enérgico das assimetrias, cuja realidade se verificaria pela constituição de fundos comuns assimétricos, com recursos adequados, em cada área de integração, para financiar projetos, inclusive de harmonização gradual da legislação;
b)   a garantia de condições para permitir políticas de promoção do desenvolvimento industrial de cada Estado;
c) a celebração de acordos em setores industriais relevantes, semelhantes ao acordo automotivo;
d)   a criação de mecanismos que impeçam a “desorganização dos mercados” nacionais e, ao mesmo tempo, evitem o desvio de comércio em favor de países não-membros do Mercosul;
e) o acesso das empresas de capital nacional, sediadas nos quatro Estados, aos organismos nacionais de financiamento de qualquer um dos quatro Estados do Mercosul;
f) a harmonização da legislação dos quatro Estados em todas as áreas de integração.
40.   A crise econômica internacional, a estratégia e as políticas de desenvolvimento implementadas pela China, os programas implementados pelos países industrializados para enfrentar a crise e a verdadeira “suspensão”, na prática, das normas incluídas nos diversos acordos da OMC, “negociados” à época da hegemonia do pensamento neo liberal, criam um ambiente propício à adoção deste elenco de medidas.
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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Franca e Alemanha: contradicoes na lideranca europeia


Germany remains opposed to calls for economic stimulus in Europe

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The Washington Post, May 10, 2012

BERLIN — French President-elect Francois Hollande and German Chancellor Angela Merkel have each been prescribing the same salve — growth — to ease Europe’s economic ills. But the medicines vary sharply on either side of the Rhine.
And though European leaders will meet later this month to try to work out their differences, the 17 countries that share the euro currency remain far from abandoning the debt-funding spending cuts that Germany has long championed.
Hollande’s version of growth involves spending more money to stimulate jobs and economic recovery. Merkel’s version remains focused on slow-moving economic measures, such as making it easier to hire and fire workers, that increase short-term pain before yielding long-term benefits.
As opponents of austerity won elections in both France and Greece this weekend, some analysts and government officials, including some at the International Monetary Fund, have suggested giving governments more time to reduce their deficits, thus taking some of the bite out of steep budget cuts.
Hollande, the Socialist victor in French elections on Sunday, has pushed for larger changes to the austerity pact that was signed by 25 of the European Union’s 27 members earlier this year. But Merkel has all but ruled out any large-scale stimulus programs to jolt struggling countries out of their doldrums, and expectations are low that any large-scale new remedies will come from the May 23 meeting in Brussels.
“Growth through structural reforms is sensible, important and necessary. Growth on credit would just push us right back to the beginning of the crisis, and that is why we should not and will not do it,” Merkel said in a speech to the German parliament on Thursday.
Instead, European leaders who will meet over dinner are expected to discuss measures such as boosting the lending capacity of the European Investment Bank, cracking down on tax evasion and improving financing for small businesses.
Both Merkel and Hollande “know they cannot have an open dispute, because that would kill the euro zone. So they are both willing to compromise somewhat. The question is how much,” said Sebastian Dullien, a senior policy fellow at the European Council on Foreign Relations in Berlin.
The strains are playing out against the backdrop of more uncertainty in Greece, where politicians who are trying to form a post-election coalition are likely instead to opt over the weekend for new parliamentary elections in June.
For now, the 17 countries that share the euro currency appear c loser to writing off a member, Greece, than ever before in their 13-year history. But some of Merkel’s allies have said they could envision once again reducing the interest payments that Greece is making on its emergency bailout loans.
If there are to be new elections, Europe’s willingness to offer concessions, however small, may be a determining factor in how well pro-bailout politicians do the second time around, after a first vote in which they were rejected two to one.
One of those pro-bailout leaders, Socialist Evangelos Venizelos, took up efforts to form a government Thursday, and called a meeting with Fotis Kouvelis, the leader of a small center-left party that favors remaining on the euro, “a good omen,” raising the prospects that the country could head off new elections.
Other proposals that may be discussed at the May summit but are likely to be more controversial include a European-wide financial transaction tax that is favored by euro-zone leaders as a way of raising revenue, but strongly opposed by Britain, which is a hub of the financial industry and does not use the euro.
“I think people want to see action,’’ said Peter Bofinger, a member of Merkel’s independent panel of economic advisers who has been an outspoken critic of the German response to the crisis.
Sony Kapoor, managing director of Re-Define, an economic think tank, said the election results in France and Greece show that “politically it has become imperative’’ for leaders to acknowledge the limits of their austerity plans.
“It is quite remarkable how much people are willing to take and sacrifice if it can be shown that tomorrow and the day after tomorrow will look better than today,’’ Kapoor said.


Correspondent Anthony Faiola in London contributed to this report.

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