O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 20 de dezembro de 2015

Racismo: suas origens, suas manifestacoes atuais - Jean-Christoffe Victor (Arte)

Para os que sabem, leem, compreendem o francês, um vídeo excelente sobre esse problema, que começa a atingir novas proporções calamitosas nos países desenvolvidos, não como se apresentava nos anos de imperialismo europeu, mas ainda assim insidioso e irracional.
Paulo Roberto de Almeida

Comprendre les origines du Racisme 2012

https://www.youtube.com/watch?v=fQJl-jxNnSY
Jean-Christoffe Victor, ARTE (canal franco-alemão)

Quem disse que o governo nao foi avisado da catastrofe? - Adolfo Sachsida

Parece que os responsáveis pelo GRANDE DESASTRE, pela GRANDE DESTRUIÇÃO lulopetista estão argumentando que ninguém poderia prever quão difícil seria o ano d e 2015.
MENTIRA!
Diversas vezes, eu li artigos e alertas de economistas sensatos sobre os problemas que começavam a se acumular na economia e que resultariam nesse cenário que estamos vendo agora.
Esses economistas erraram, sim, mas porque foram moderados demais. Todos previam desastre, mas não se podia prever a extensão desse desastre porque o governo mentiu, e escondeu os números...
Abaixo uma coleção dos alertas feitas pelo Adolfo Sachsida, cuja postagem original está disponível neste link:
http://www.bdadolfo.blogspot.com.br/2015/12/um-cala-boca-para-os-vendidos.html

Paulo Roberto de Almeida

domingo, 20 de dezembro de 2015

Um cala a boca para os vendidos

Inacreditável o bando de vendidos dizendo que ninguém poderia ter antecipado a crise de 2015. Eu, Roberto Ellery, Mansueto Almeida, Alexandre Schwartzman, Rodrigo Constantino, entre outros alertamos diversas vezes para os problemas. Resultado: fomos taxados de derrotistas, da turma do quanto pior melhor. Agora que as coisas deram errado fingem que não foram alertados. Abaixo coloco a disposição do leitor 7 momentos onde alertei com muita antecedência sobre a crise. Mais do que isso: disse com todas as letras que 2015 seria o ano do ajuste.

Em 31 de julho de 2012 alerto que nossa economia se assemelhava perigosamente a da década de 1980. Aviso que estávamos nos aproximando de uma grande crise.

Em 14 de setembro de 2012 deixo claro que 2015 será o ano do ajuste.

Em 04 de maio de 2013 aviso num vídeo que 2015 será o ano do ajuste.

Em 12 de junho de 2013 aviso que ainda era possível evitar o desastre que ocorreria em 2015.

Em 08 de agosto de 2013 alerto novamente sobre a perigosa similaridade da situação atual com a década de 1980.

Em 12 de setembro de 2013 dou uma palestra completa mostrando os problemas da economia brasileira e alertando que 2015 seria o ano do ajuste.

Em 06 de agosto de 2014 cito os quatro ajustes que iriam ocorrer em 2015: contas públicas, inflação, taxa de câmbio, e mercado imobiliário.

Calem a boca vendidos! Vocês são bajuladores, escolha de vocês! Mas não digam que a crise era imprevisível! Aliás, entre outras coisas, eu previ também que quando a crise chegasse iriam dizer que ninguém previu!
Adolfo Sachsida

Mercado Popular oferece quatro textos de Milton Friedman - Carlos Goes (MP)

Brilhante iniciativa e todos os encômios a Carlos Goes, de Mercado Popular.
Para facilitar o acesso a todos os links constantes do arquivo original, vá direto à postagem feita em Mercado Popular:
http://mercadopopular.org/2014/11/quatro-textos-para-voce-entender-milton-friedman/
Paulo Roberto de Almeida

Economia, Filosofia

Quatro textos para entender Milton Friedman

Esse texto recomenda quatro artigos e livros para que você comece a entender a extensa obra de Milton Friedman. Os textos são resumidos e, quando disponíveis, colocamos alguns links para que você possa ter acesso aos textos originais quando disponíveis pela rede.

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CAPITALISMO E LIBERDADE, com Rose Friedman (baixe em português). Este é um dos livros de Friedman para o público geral – e não para economistas. Mas isso não o impede de tratar de temas profundos e controversos. O livro começa relatando como a liberdade econômica e a liberdade política são duas faces da mesma moeda. O exemplo que Friedman usa é: imagine que você vive em um país onde em tese há liberdade de manifestação, mas onde tudo é do governo. Você pode protestar contra o governo, mas você teria que convencer o gerente da gráfica do governo a publicar seus panfletos, o chefe da seção de locação de caminhões do governo a lhe emprestar um carro de som e o diretor da rádio do governo a divulgar sua marcha contra o governo… No fim das contas, você teria que convencer diversas partes do governo a deixar que você tente mudá-lo. Interesses privados e corporatistas impediriam toda mudança. Neste livro, Friedman também advoga o fim das licenças governamentais para advogados e médicos como método de aumentar a concorrência e baixar preços – o que significaria o fim da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Federal de Medicina aqui no Brasil. Ele também introduz a ideia de substituir o sistema de assistência social tradicional por um modelo de “imposto de renda negativo”, em que as pessoas que tivessem renda menor a determinado patamar recebessem impostos ao invés de pagar. Esse modelo de política social pró-mercado é tido como a inspiração para o Bolsa Família – inclusive pelo ex-Senador Eduardo Suplicy. Por fim, ele traz uma de suas grandes contribuições: a ideia de que a educação estatal pode ser substituída por vouchers educacionais em que os pais podem ir ao mercado escolher em qual escola privada eles querem matricular seus filhos. Esse modelo foi implementado por países tão diversos quanto Colômbia, Chile, Estados Unidos e Suécia.

k746UMA HISTÓRIA MONETÁRIA DOS ESTADOS UNIDOS, com Anna Schwartz (baixe em português). A História Monetária é provavelmente o livro acadêmico mais influente de Milton Friedman. Ele revolucionou a interpretação padrão que se dava às causas da Grande Depressão. Até a publicação deste livro, predominavam a visão de que a Grande Depressão tinha sido causada por “crises de superprodução” (na linha de JK Galbraith) ou por erros naturais causado pelas irracionalidades dos investidores (de acordo com John Maynard Keynes). Friedman e Schwartz mostram que a Grande Depressão foi causada por erros políticos do Banco Central americano (Fed). Ao invés de perseguir uma regra de política monetária que mantivesse a quantidade de dinheiro circulante na economia estável (ou ligeiramente crescente), o Fed fez com que essa quantidade caísse fortemente – e transformou o que seria uma recessão breve na maior crise econômica da história. Em 2002, o próprio ex-presidente do Fed Ben Bernanke reconheceu isso, ao dizer: “Milton e Anna, vocês estavam certos. Nós somos responsáveis – e devemos desculpas.”

newINFLAÇÃO E DESEMPREGO. (palestra de aceitação do Prêmio Nobel em Economia): (baixe em inglês). Nesse texto, Milton Friedman resume sua refutação teórica à teoria econômica prevalente à época que era utilizada como justificativa para inflação mais alta e mais intervenção governamental discricionária: a Curva de Phillips. A Curva de Phillips presume uma associação negativa entre desemprego e inflação (o que implica em que crescimento econômico necessariamente deveria ser acompanhado de inflação mais alta). Friedman demonstrou que no longo prazo o desemprego não responde à inflação e é possível haver recessão econômica e inflação. Durante os anos 1970, os EUA entraram em recessão inflacionária (chamada de “estagflação”) e as teses de Friedman e seus amigos de Chicago (Ed Prescott, Bob Lucas e Ed Phelps) se mostaram corretas.

Divida-EBITDA-oilO GOVERNO TEM ALGUMA FUNÇÃO EM GERIR A MOEDA?, com Anna Schwartz (baixe em inglês). Neste artigo, que faz uma interessantíssima revisão do pensamento monetário de dois séculos, passando por Alfred Marshall e Friederich Hayekos autores explicam porque eles acham que um sistema privado de moedas não existe, embora eles entendam que provavelmente este seria mais eficiente do que um sistema de moedas monopolísticas. A conclusão é que barreiras políticas, o costume histórico da população e a vantagem de ter um único meio para trocas é o que leva a uma tendência ao status quo. Mas ele dizia que isso podia mudar no futuro – e até previu em 1999 que surgiria algo como Bitcoins para substituir o papel moedaAo contrário do que dizem alguns dos críticos de Friedman, ele não preferia o sistema de bancos centrais governamentais – afinal, ele construiu sua carreira apontando os maiores erros históricos do Fed. Ele simplesmente tentava sugerir as melhores políticas a partir da presunção de que ele não poderia alterar a base do sistema monetário. E este texto mostra isso claramente.

Minha arvore de Natal, quaisquer que sejam os livros...

Papai Noel vai precisar de um saco reforçado...
Ou de um trenó biblioteca...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20/12/2015

Os juizes de Hitler (tem quem goste...) - Milton Pires

OS JUÍZES DE DILMA E O ESTADO DE ESQUERDA
Milton Pires
19/12/2015

Desde 2014, as manifestações, nas ruas ou nas redes sociais, tem reunido uma quantidade impressionante de gente que (não é preciso dizer) tem um objetivo único: derrubar o Governo Dilma Rousseff. Apesar disso, a interpretação daquilo que de fato É o Regime Petista no Brasil não é “unânime”. Em outras palavras: as pessoas, mesmo sendo antipetistas, não tem a mesma ideia sobre a natureza da organização criminosa e revolucionária contra a qual lutam nem que tipo de relação essa gente mantém com o “Estado de Direito”.

Dividiram-se os manifestantes sempre em dois grupos: aqueles que pensam ser possível derrubar Dilma através de procedimentos legais e aqueles que pensam que isso não é viável. Para piorar a situação, quando finalmente alguns brasileiros começaram a entender o que é comunismo, gente famosa, usando as redes sociais, veio “lutar contra o PT dizendo que comunismo não existe mais”. Outros, ainda,  argumentam que ele - o PT -  “é coisa do diabo”.

Quem acredita no impeachment precisa acreditar no Supremo que, atendendo ao PC do B, rasgou a Constituição. Quem acredita em intervenção militar, precisa fingir que não é o mesmo PC do B (que ironia...) que manda nas Forças Armadas.

Dia 17 de dezembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal, na atitude que manchará para sempre a sua história, rasgou a Constituição para defender a presidente Dilma Rousseff. Os ministros do STF, nomeados pelo Regime Petista, agradeceram com a toga. Transferiram para o Senado aquilo que, pela Carta Maior, deve ser estabelecido pela Câmara dos Deputados.

Desesperado com o fato de não poder subornar nem derrubar um deputado corrupto mas contrário ao seu governo, o PT resolveu apostar “todas as suas fichas” num senador corrupto, mas pró-governo e para isso contou com o aparelhamento e a conivência dos juízes da nossa Suprema Corte.

Os ministros do STF serviram ao PT cumprindo exatamente a função para qual foram escolhidos e, se a Alemanha teve “juízes de Hitler”, o Brasil tem os “juízes de Dilma”. O partido sabia que algum dia seria necessária a conivência do Judiciário com o projeto criminoso de poder iniciado em 2003. A hora chegou em 2015 e a “dívida” foi paga com a encenação, com aquele teatro que todos nós assistimos no dia 17.

O processo de impeachment vai prosseguir...de maneira mais difícil e, talvez, mais lenta, mas vai prosseguir – disso não tenhamos dúvidas. Os motores do processo serão o caos na economia, agravado agora pela saída de alguém com quem o capital internacional conseguia, pelo menos, conversar e a Operação Lava Jato – que deve evoluir com uma devassa na vida dos 81 senadores sobre os quais vai cair a decisão sobre o destino de Dilma.

De tudo que aconteceu perante as câmeras de televisão no dia 17, fica uma dura lição: O Brasil começou a compreender o que é o PT. A Nação sabe agora que não é só dentro das ONGS, dos sindicatos e das associações, que não é só nas autarquias ou nos conselhos de classes...nas Igreja Católica ou na Universidade que o PT colocou suas patas: é na nossa Justiça !

É no próprio poder que sustenta o “Estado de Direito” - o Judiciário – que estes marginais conseguiram se infiltrar e agora deixaram claro: “se a Constituição serve ao Partido, cumpra-se, senão; reúnam-se nossos juízes no STF e rasgue-se a Lei !”

O Brasil chegou ao fundo do poço e o que encontrou lá é mensagem muito clara: em primeiro lugar o Partido; depois (se for conveniente) a Constituição. Morreu o Estado de Direito; nasceu o Estado de Esquerda.

Porto Alegre, 19 de dezembro de 2015.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Cidade Proibida de Beijing: visitas virtuais - Shanghai Daily

Para quem ainda não visitou a Cidade Proibida, ou o antigo Palácio Imperial da capital dos imperadores chineses até a dinastia Qing, esta é uma oportunidade para fazer uma visita virtual por meio de um museu digital.
Paulo Roberto de Almeida

Palace Museum to open digital gallery


The digital gallery is located at Duanmen Gate, the principal entrance to the imperial palace grounds. The gallery hall features screens displaying and explaining architectural features and cultural relics, some of which are too old and fragile for real display, said curator Shan Jixiang.
The gallery's first exhibition will introduce the palace through a digital architectural model and give visitors better access to the museum's treasures through virtual reality display.
Completed on Friday, the Duanmen digital gallery will be piloted from Dec. 22, 2015 to Jan. 17, 2016. Visitors can make reservations to visit for free on the official website of the Palace Museum.
The English version of the website of the Palace Museum was also launched Friday.

Brasil: retratos da irresponsabilidade cotidiana, e a rapinagem do Estado - Percival Puggina


NOTAS FÚNEBRES

por Percival Puggina. Artigo publicado em

1. A NAÇÃO ABANDONADA
 Com as decisões de ontem, o STF evidenciou à nação o estado de abandono em que se encontra perante os poderes de Estado. Rompeu-se o fio pelo qual pendia a esperança de que em algum canto da República houvesse instituição capaz de proteger a sociedade da incompetência e da rapinagem do governo.
 O mesmo STF, que volta e meia, durante suas sessões públicas promove eleições secretas entre seus membros para postos de funções de administração e representação, exigiu comportamento inverso do poder legislativo em cuja autonomia interferiu.
Fez mais, determinou um bis in idem facultando ao Senado decidir, nos processos de impeachment, se aceita ou não a resolução da Câmara. Se o Senado (casa legislativa que representa os Estados) divergir da Câmara (casa legislativa que representa o povo), esta enfia a viola no saco e a própria decisão na lixeira. De nada terá valido.
Por fim, vedou a candidatura autônoma às cadeiras da comissão que analisará o processo de impeachment. Essa norma simplesmente dispensa a contagem de votos. A decisão sobre o andamento do processo fica transferida para os 23 líderes de bancadas. Até parece eleição cubana, que deixa o eleitor sem opção.
2. A MANIFESTAÇÃO DOS "TRABALHADORES" PRÓ-DILMA, ÀS NOSSAS CUSTAS
Abomináveis, sob todos os aspectos, as manifestações pró-Dilma na tarde da última quarta-feira. Sob forma de ato público, supostos trabalhadores, no meio da tarde, exibiram-se em diversas capitais brasileiras. Trajando seus fardamentos vermelhos, substituindo as cores e símbolos nacionais pelos símbolos e cores partidários e ideológicos, saíram ao asfalto para sustentar o governo. Assistimos, então, à notória defesa da mentira, da fraude, da dissimulação, da incompetência, da recessão, do desemprego, da inflação e da corrupção.
Trabalhadores? Sem mais o que fazer, no meio da tarde? Só podem ser "trabalhadores" sem patrão, sem compromisso laboral. Portanto, ou são servidores públicos cujos salários nós pagamos, ou são dirigentes sindicais, cujo ócio e improdutividade são incorporados aos preços dos bens e serviços que adquirimos. Ou seja, são pagos por nós...
3. A IRRESPONSABILIDADE FISCAL DO SENADO QUE VAI DECIDIR SOBRE A IRRESPONSABILIDADE FISCAL DA PRESIDENTE
Ontem, dia 17, o Senado Federal concluiu que as contas públicas estão em perfeita ordem e considerou compatível com a realidade nacional elevar os vencimentos de seus servidores efetivos no percentual de 21,3%, parcelado ao longo dos próximos 3 anos. A conta, para 2016, fica em R$ 174,6 milhões. Isso acontece num momento em que o governo, com extremo otimismo, prevê redução de 1,9% na atividade econômica do próximo ano, o que representará, inevitavelmente, queda na arrecadação. O relator do orçamento, aliás, promoveu cortes em praticamente todas as atividades do governo. E o Senado distribui favores aos seus! É essa Casa legislativa irresponsável, onde o governo é amplamente majoritário, que decidirá sobre os crimes de irresponsabilidade fiscal da presidente da República.

________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

Mais comercio, menos guerras: elementar, correto? - Matthew Jackson (Universidade Stanford)

Cientistas apontam correlação entre mais comércio e menos guerras




Representação gráfica das maiores rotas comerciais marítimas globais
Representação gráfica das maiores rotas comerciais marítimas globais

Um grupo de pesquisadores liderados por Matthew Jackson, da Universidade Stanford, tentou entender por que a quantidade de guerras no mundo diminuiu tanto nas últimas décadas. A incidência de conflitos entre 1820 e 1949 foi dez vezes maior do que entre 1950 e 2000.
Eles tentaram isolar diversas variáveis. Uma se destacou: o comércio internacional.
A conclusões foram publicadas na revista científica americana "Proceedings of the National Academy of Sciences". Não é, claro, a primeira vez que se sugere que o comércio evita guerras, afirma Jackson, mas agora foi feita uma análise estatística dessa questão.
Em 1850, os países tinham em média cinco parceiros comerciais relevantes. Hoje, são mais de 30. Além disso, existiam antes poucas alianças comerciais, bilaterais ou multilaterais. Hoje, são dezenas destas e centenas daquelas.
Jackson cruzou os dados históricos e mostrou que a probabilidade de dois países entrarem em guerra decai conforme a sua relação comercial cresce. "Os números mostram forte correlação, embora seja mais complicado estabelecer ou explicar a causalidade", afirma.
Existe duas possíveis explicações para o fenômeno:
- O aumento do comércio cria grupos de pressão política interessados na preservação do outra nação, porque compram ou vendem para ela. Ou seja, o país passa a perder dinheiro se atacar.
Tal hipótese parte da ideia clássica de que os países optam pela guerra por motivos um tanto racionais: se os custos são baixos e o ganho potencial é grande, quase que inevitavelmente haverá uma agressão. O que se pode fazer para reduzir o conflito é torná-lo mais caro.
- A existência de alianças comerciais serve como estímulo para que um país pense duas vezes antes de atacar o outro. Ele pode, afinal, acabar cutucando os parceiros do atacado, que têm incentivos para entrar na briga.

MAIS COMÉRCIO

Exportação mundial de mercadorias como porcentagem do PIB

1870191319501973051015202530

Número de parceiros comerciais relevantes por país (%)

185019131950197319932012024681012141618202224
Fonte: “PNAS”
Os dados levam a crer, aponta Jackson, que foram bem-sucedidos os esforços americano para integrar o Japão à economia global no pós-guerra e dos países europeus em criar o bloco que veio a dar na União Europeia.
No Japão, é até surpreendente baixo grau de revanchismo de um país que foi atacado com bombas nucleares. No caso da Europa, Jackson aponta que hoje a principal parceira comercial da França é a Alemanha –e os dois países (se você considerar a Prússia) passaram o século 19 e a primeira metade do século 20 em guerra.
Por outro lado, o isolamento, físico e comercial, entre Israel e territórios palestinos tenderia a eternizar o conflito.
Os pesquisadores ressaltam que tais conclusões não se referem somente às grandes guerras. Eles analisaram todos os conflitos entre ao menos dois países com mais de mil mortes desde o século 19.
Ou seja, a conta inclui da guerra do Paraguai à do Pacífico (Bolívia contra Chile, no século 19), da guerra Greco-Turca de 1919 às Malvinas.
A explicação para a redução dos conflitos armados, portanto, não se limita à posse de armas nucleares. Isso pode ajudar a explicar por que grandes potências passaram a se combater menos, mas não esclarece outros casos.
"As armas nucleares, na mão de uns poucos, poderiam até estimular os mais fortes a atacar os pequenos mais indefesos", afirma Jackson.

Rubens Ricupero: um depoimento para a Historia - Monica Gugliano (Valor)



Valor Econômico, 18 dezembro 2015
A agonia da crise final
Por Monica Gugliano | Para o Valor, de São Paulo

Amanhã clara e ensolarada dera lugar a um início de tarde cinzento. Pesadas nuvens carregavam o céu em Higienópolis, bairro de classe média alta em São Paulo. A rua do prédio de Rubens Ricupero, 78 anos, é razoavelmente tranquila, muito arborizada. No sexto andar, ele que aguarda em frente da porta aberta do apartamento abre um sorriso e estende a mão para cumprimentar a repórter.
O almoço foi marcado no apartamento do ex-ministro da Fazenda depois de ele apresentar dois argumentos praticamente irrefutáveis: em restaurante algum de São Paulo se come tão bem quanto ali e a conversa não será atrapalhada por pessoas acima do tom em outras mesas. "Morei muitos anos, quase dez, em Genebra. Lá era tudo tão tranquilo, as pessoas tão silenciosas que, quando voltei para o Brasil, achei que não me acostumaria a morar em São Paulo e teria que arrumar um lugar no interior", diz.
Os tempos na Europa não são mais tão silenciosos como quando Ricupero vivia lá. Depois que 137 pessoas foram mortas e mais de 350 feridas por integrantes do Estado Islâmico (Isis), no mês passado, a França está em guerra contra o terror. E o diplomata está bastante apreensivo - também por questões pessoais. Três filhas suas moram no exterior. Uma em Genebra e duas na França, uma delas em Paris, palco dos atentados. "No documento do Isis, estava prevista mais uma ação no XVIIIe. 'arrondissement', onde fica Montmartre. Minha filha mora ali, bem próximo ao local onde foi deixado um dos carros dos terroristas. Fiquei muito impressionado com isso. É um cenário de horror que me toca muito de perto." Seu filho caçula vive na capital paulista e é professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP).
O terrorismo que atinge de perto a família Ricupero, entre outras consequências, comprometeu o acordo de Schengen, um dos pilares da União Europeia que permitiram a abertura das fronteiras e a livre circulação de pessoas entre os países signatários. Cercas de arame farpado são erguidas, impedindo a entrada dos imigrantes que fogem dos absurdos da guerra na Síria, no Líbano e no Iraque. Os postos fronteiriços são vigiados com rigor. Controles de entrada e saída se tornaram implacáveis com todos os cidadãos, sem distinção. "Esse problema não tem nenhuma saída à vista, nenhuma solução fácil. E começa a afetar a globalização."
Ricupero observa que a força básica que impulsiona a globalização, seguindo o conceito de que ela significa a unificação do planeta para todos os tipos de intercâmbio, é a revolução tecnológica. Um paradoxo. Afinal, é também a internet que amplifica o poder dos terroristas, permite o recrutamento de novos seguidores mundo afora e divulga as bárbaras execuções que eles cometem em nome da religião. "É um fenômeno curioso. A globalização significava eliminar fronteiras, inclusive com o poder da internet. As fronteiras da União Europeia estavam acabando, os muros caíram. Agora, eles voltam. É um retrocesso para a civilização que terá um profundo impacto no comércio e na economia mundiais", afirma.
 Ricupero: "As fronteiras da União Europeia estavam acabando, os muros caíram. Agora, eles voltam"

Os países na América Latina ainda não estão na mira do terror, mas os reflexos chegam ao continente, que contava com novos investimentos, incremento nas relações comerciais que pudessem atrair investimentos e financiamentos. "Aí é que o que acontece no mundo hoje é uma ameaça para nós. A reunião do G-20, antes desse ataque, ia ser basicamente dedicada à discussão de como enfrentar essa tendência dos países emergentes que não estão crescendo, como reativar a economia mundial. Esse tema sumiu do mapa", afirma o ex-embaixador, com a autoridade de quem conhece em profundidade o comércio internacional. De 1995 a 2004, Ricupero cumpriu dois mandatos de secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
A entrevista é interrompida por alguns minutos, quando chega Marisa, a mulher do diplomata. No apartamento de amplas varandas, a sala é dividida em três ambientes, com móveis confortáveis e decorada com objetos de arte e recordações trazidas de outros países. Ele e Marisa moraram em Buenos Aires, Quito, Viena, Roma, Washington e Genebra. É ela quem prepara o almoço e, enquanto não fica pronto, oferece suco de tomate, água, castanhas e palitinhos de cenoura. Logo depois, se acomoda em um dos sofás e conta que os dois se conheceram muito jovens. Estavam noivos em 1960, quando Brasília foi inaugurada e chegavam os primeiros moradores. O Itamaraty, como quase todos os órgãos federais, ainda funcionava no Rio, então capital federal.
Convencer os servidores públicos federais a deixar a vida de luz, sol e mar para embrenhar-se naquela terra vermelha e árida, em meio aos redemoinhos de vento e poeira, era bastante difícil. Os pioneiros voluntários que concordavam em encarar aquele lugar inóspito eram recompensados. "Recebíamos a dobradinha", recorda-se Marisa, explicando que esse era o nome dado ao pagamento do salário em dobro, além de uma gratificação.
Outro atrativo eram as moradias. Os apartamentos, vendidos quase a preço de banana e em prestações a perder de vista, tinham três quartos grandes, sala espaçosa. Eram muito diferentes das habitações apertadas e caras no Rio. E ainda havia um ponto que faria toda a diferença na carreira de um jovem diplomata. "O grupo do Itamaraty era muito pequeno. Eu tinha acesso a pessoas com as quais jamais falaria se estivesse no Rio. Cheguei a despachar com Jango [o presidente João Goulart] e com Tancredo Neves [primeiro-ministro no curto período parlamentarista brasileiro]. É claro que gostei. Sentia que estava acompanhando a história de perto", diz o ex-embaixador. Marisa vai até a cozinha e volta com o convite: "Já está tudo pronto. Querem almoçar?"
[O terrorismo religioso] é um retrocesso para a civilização que terá um profundo impacto no comércio e na economia mundiais
Ricupero está no meio de uma boa história e segue a narrativa. "Você sabe que conheci o Che Guevara quando ele veio ao Brasil para ser condecorado pelo presidente Jânio Quadros, em 1961? Fui designado para acompanhá-lo e conversamos muito. Fiquei surpreso. Imaginava ele uma figura feroz, um homem belicoso. Afinal, era um líder guerrilheiro. Natural que, em gestos e palavras, mostrasse estar habituado ao combate. Nada disso. Che era muito suave. Era um homem que tinha gravidade. Mas muito afável. Vai ver que, por isso, dizia aquela frase: 'Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás'."
O diplomata cita a frase mais famosa do argentino Ernesto Guevara, o Che, revolucionário que, ao lado de Fidel Castro, derrubou o regime de Fulgencio Batista, em Cuba, e pavimentou o caminho para a efetivação do longevo regime comunista.
"Vamos almoçar?", repete Marisa, dessa vez já encaminhando todos à mesa. Ela pergunta onde cada um gostaria de sentar-se. "Marisa é a chefe do cerimonial", brinca o ex-embaixador. "No Itamaraty, normalmente, marido e mulher nunca ficam um ao lado do outro. Supõe-se que eles já se falam muito todos os dias. Nas ocasiões sociais é preciso variar." O cerimonial fica para outra ocasião e nos sentamos da forma mais prática. Entrevistado e repórter frente à frente.
O cardápio, a elaboração dos pratos e a escolha do vinho - um branco chileno Tarapacá - ficaram por conta de Marisa. Ela serve a bebida e a entrada: "vichyssoise", clássica sopa fria francesa, à base de alho-poró, batatas, creme de leite e manteiga. "A minha é uma versão light. Pouca manteiga, pouco creme", esclarece, tranquilizando jornalista e fotógrafa.
Diretor do curso de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Ricupero toma a sopa e retoma o assunto do terrorismo, uma de suas grandes preocupações atuais. Em 2009, há seis anos, escreveu um artigo - quase profético - com o título "A islamização da agenda internacional". Ele chamava de "arco de crises" a curva de violência e conflitos que passava pelo Líbano, a Faixa de Gaza, Israel e Síria, chegando ao centro e norte da África. Ressalvadas as especificidades próprias de cada um desses conflitos, ele mostrava no texto que todos tinham em comum o fato de opor ocidentais (os americanos e seus aliados na Otan) a uma variedade de movimentos e facções muçulmanas. "Os americanos têm uma responsabilidade grande nisso. Eles militarizaram o conflito. O Iraque tinha todos os problemas, menos o terror. A guerra no Afeganistão não terminou até hoje", observa.
Com a ajuda da empregada, Marisa retira as delicadas tigelas de sopa, de porcelana comprada em Praga. Alguns minutos depois, serve o prato principal: atum com alho assado, cebolas caramelizadas e brócolis. "Falei que o restaurante da Marisa é bem sofisticado, mereceria uma estrela", elogia Ricupero. "Eu e você vamos dividir um pedaço do atum", afirma ela, servindo o prato do marido. Ele concorda.
"Marisa é mais requintada", observa o ex-ministro, educado em uma casa de mãe napolitana. "Estou acostumado com a comida do sul da Itália. Muito molho de tomate, berinjela. Ela é do Norte, está acostumada às combinações mais sofisticadas."
A família de Marisa é da região de Trento, que só passou definitivamente para o domínio italiano depois da Primeira Guerra. A culinária local é fortemente influenciada pela França, Áustria e Hungria, e as receitas mais refinadas, se comparadas às do sul do país, usam creme de leite, bastante manteiga e bastante condimento. Da região de origem da família Ricupero vêm os italianos mais expansivos e comunicativos e os pratos têm influência mediterrânea.
O papo atravessa o oceano e chega ao Brasil. Ricupero comandou a economia do país em um dos momentos mais delicados da história recente. No início da década de 90, então embaixador em Washington, ele era o nome do presidente Itamar Franco (1930-2011) para conduzir a economia. O mineiro Itamar, que sucedeu Fernando Collor, afastado da Presidência por um processo de impeachment, gostava das ideias de Ricupero. Comungava da preocupação que o diplomata manifestava sobre a inclusão social e o crescimento econômico. Ricupero agradeceu, mas preferiu ficar no exterior.
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso - que era o ministro da Fazenda - saiu do governo para disputar a sucessão presidencial. Ricupero não rejeitou o segundo convite. Itamar o chamava de "sacerdote". Não apenas pela dedicação sacerdotal que Ricupero dedicou ao Plano Real. O diplomata é - assim como era Itamar - devoto de Santa Terezinha e um homem de profundas convicções religiosas.
A grande ameaça ao ser humano não é o fundamentalismo islâmico, mas o aquecimento global. As pessoas não percebem
No Ministério da Fazenda, conheceu a glória do êxito do Plano Real, mas, também, o amargor de um deslize que o obrigou a deixar o cargo. Em uma conversa, antes de começar uma entrevista para a Rede Globo, comentou: "O que é bom a gente mostra. O que não, a gente esconde". O áudio, como se diz no jargão da TV, "vazou" na transmissão pela antena parabólica e a frase virou arma da campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva - àquela altura em desvantagem nas pesquisas de intenção de voto - contra Fernando Henrique. Poucas horas depois da transmissão, Ricupero disse a Itamar que não teria mais condições de ficar no posto.
A contragosto, o presidente aceitou. "Eu estava cansado, dava muitas entrevistas. Fiz um comentário. Não sei se foi um momento de vaidade. Penitencio-me até hoje", justifica o ex-ministro.
Os pratos já estão limpos. Que melhor elogio pode ser dado a um chef? Marisa também serve a sobremesa: creme de abacate e frutas. E Ricupero volta a falar sobre a crise brasileira. Em sua opinião, a presidente Dilma Rousseff deveria renunciar. Pouparia, assim, o desgaste e os prejuízos econômicos e institucionais que se abatem sobre o país. E critica, também, aqueles que veem o país submergir, mas elogiam o bom funcionamento das instituições.
"É até contraditório dizer que o Brasil está mergulhado em uma profunda crise política, moral e de corrupção e que tem instituições fortes. Se o Brasil tivesse instituições fortes, elas teriam impedido que isso ocorresse. As crises ocorrem nas instituições."
Quase três horas depois de começar este "À Mesa com o Valor", desabafa: "Os grandes ciclos econômicos, políticos e sociais da história do Brasil têm um desdobramento parecido. São ciclos longos. O segundo mandato de Dilma, para mim, é a agonia da crise final. Só não creio que o desenlace seja militar. Vamos ter a agonia final desse sistema. Vai acontecer aquela definição que [Antonio] Gramsci [1891-1937] dava à crise: o velho não acaba de morrer e o novo não consegue nascer. Nesse interregno, todo tipo de sintoma mórbido sobe à superfície."
Marisa avisa que serviu o café na sala de estar. Voltamos ao sofá. Ricupero não está nada otimista em relação ao futuro. A crise no Brasil, pondera, terá um tempo curto e um tempo longo. A curto prazo será preciso esperar para saber o que vai ocorrer com a presidente Dilma. "Temos que ver se ela conseguirá deter essa deterioração da economia. No momento parece difícil, pouco provável que esse governo tenha condições de recuperar uma ação mais efetiva. A situação é mais complexa e difícil do que se diz. Falam que é sobretudo falta de confiança. Recuperada a confiança, os investimentos retornariam. Se fosse só confiança, seria uma questão política e econômica, apenas."
No entanto, em sua opinião, muitos dos problemas do Brasil estão inseridos na economia mundial. "A análise e a discussão econômica no Brasil são muito monótonas, dominadas pelos problemas locais e superficiais", critica. A discussão ignorada no país diz respeito aos rumos da globalização. Teria esse processo atingindo seu pico e entraria em declínio? "Muitos pensam que o pico da globalização econômica foi atingido antes da crise. Para alguns é uma tendência passageira por causa da crise, para outros não."
Nos Estados Unidos, esse debate conta com vozes como a do ex-secretário do Tesouro do governo de Bill Clinton e economista Lawrence Summers, que, no ano passado, relançou o tema da "estagnação secular" - expressão que designa longos períodos de baixo crescimento mundial.
 "Muitos comparam a crise financeira de 2008 à de 1929. A do século passado foi muito pior", diz

As opiniões estão divididas entre analistas que dão ênfase à perda de influência relativa da economia americana no contexto global e os que encontram semelhança no momento atual com as crises de emergentes nos anos 90. Os historiadores econômicos, por exemplo, já assinalam que essas taxas de crescimento de 3, 4, 5% per capita nos países ricos são fenômenos raríssimos na história da economia. O normal, diz o ex-embaixador, não é crescer muito, mas crescer pouco. No passado, porque a própria demografia não aumentava, controlada pelas epidemias, fomes, recursos limitados. Hoje, a estagnação secular se aplica ao fato de que os três grandes motores da economia capitalista avançada, Estados Unidos, a Europa em conjunto e o Japão, estão com muita dificuldade para voltar a crescer.
"Muitos comparam a crise financeira de 2008 à de 1929. A do século passado foi muito pior. Naquela época, o erro foi fechar o crédito. Agora foi o contrário. O ser humano aprende algumas lições. O que não quer dizer que não haja novos problemas. O homem é um ser problemático por natureza", observa.
A Revolução Industrial resolveu o problema da escassez de bens, mas, na opinião de Ricupero, criou um novo problema: o aquecimento global. "Considero que a grande ameaça ao ser humano não é o fundamentalismo islâmico, mas o aquecimento global", avalia. "As pessoas não percebem. A grande diferença com a ameaça da destruição dos terroristas é que a deles é já, é imediata, está aí à nossa frente. A do aquecimento vai se concretizar só dentro de 30 anos. Parece tanto tempo que muitos acreditam que até lá vamos inventar alguma coisa."
Nem tudo é desesperança sobre o amanhã. Ricupero vê com entusiasmo o acordo global para frear as emissões de gases do efeito estufa e para lidar com os impactos da mudança climática assinado na conferência do clima da ONU (a CoP-21), encerrada no sábado, em Paris. "Foi muito acima do que eu imaginava. Pela primeira vez Estados Unidos e China fizeram um movimento expressivo no sentido de combater as mudanças climáticas", avalia o ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, entre 1993 e 1994. Ele comemora também a positiva sinalização sobre o fim dos combustíveis fósseis. "Isso põe um grande ponto de interrogação no pré-sal e deixa claro que se perdeu tempo com a euforia. É provável que esse petróleo nunca venha a sair do fundo do mar. Não digo que não terá nenhuma importância. Mas a corrupção na Petrobras, o preço do petróleo cada vez menor e a mudança de postura nas questões climáticas vão empalidecer o que se esperava do pré sal."
O ex-embaixador está escrevendo um livro em que trata do papel que a diplomacia teve não só em explicar a formação do Brasil e como se tornou independente, mas, também, como ajudou a plasmar os valores brasileiros e a ideia que o povo faz de si mesmo.
A conversa poderia prosseguir o resto da tarde - e já dura mais de três horas. Mas quando fala da globalização por meio da tecnologia, Ricupero não usa figura de retórica. A campainha toca: é o professor que o ensina os segredos dos computadores. A aula tem de começar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Triste Fim de Policarpo Levy Quaresma: agora o diluvio? - Mansueto Almeida

Nelson Barbosa não é a catástrofe que seria Ciro Gomes, como aventaram durante algum tempo. Mas é alguém que desfruta da tolerância, senão da compreensão, do partido companheiro, ou seja que desfruta da inteira desconfiança dos mercados.
Talvez corresponda ao perfil companheiro de economia política, o que só pode redundar em mais desastre...
Vamos ter seis meses de descida para o caos, e depois, bem depois, ninguém pode dizer o que vai acontecer dentro de uma semana, dentro de um mês, quanto mais dentro de seis meses...
Esperar para ver, o desastre...
Paulo Roberto de Almeida

CRISE ECONÔMICA

O ministro da Fazenda saiu?

Joaquim Levy fez o que podia para tentar convencer o governo da necessidade de adotar um plano de ajuste fiscal que mostrasse algum resultado

O ministro da Fazenda saiu?
Levy não teve o apoio necessário de seus colegas ministros (Foto: EBC)
Noticia de hoje do repórter da Folha Valdo Cruz, sempre bem informado, diz que na última reunião do ano do Conselho Monetário Nacional o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se despediu e disse que não estará presente no próximo encontro no final de janeiro (clique aqui).
O episódio é triste, mas já era esperado. Joaquim Levy fez o que podia para tentar convencer o governo da necessidade de adotar um plano de ajuste fiscal que mostrasse algum resultado no curto e no longo–prazo. Não deu certo porque ele foi, desde o inicio, boicotado pelo PT e, muitas vezes, atacado pelo ex-presidente Lula. Além disso, não teve o apoio necessário de seus colegas ministros.
Joaquim Levy foi corajoso o bastante para colocar no debate temas extremamente inconvenientes para muitas pessoas. Não se furtou de defender limite para divida publica do governo federal e mostrou que o nosso sistema previdenciário não é sustentável. Tentou mostrar a população nossas anomalias, mas esse trabalho caberia a Presidente da República.
Confesso que o admiro. É um excelente economista e foi sempre boicotado. Lutou muito. Construiu pontes com a oposição para aprovar medidas de interesse do país e ganhou respeito de muitos senadores da oposição.
Se a saída do ministro for confirmada, e tudo indica que será, começa a especulação quanto ao seu possível substituto. As opções são duas. Primeiro, qualquer um que tente implementar a agenda do ministro Joaquim Levy sofrerá forte oposição da ala do PT que quer crescimento da despesa pública e da dívida. Ou seja, o seu sucessor, terá os mesmos problemas.
Segundo, se o novo ministro for alguém que conta com a simpatia do PT, será um grande desastre. Se for alguém que não tenha o poder de dizer não para a presidente e para o PT, esse ministro não terá força politica e nem tão pouco credibilidade para fazer nem metade do que Joaquim Levy fez. E vou arriscar um palpite. Se Joaquim tentou arrecadar R$ 32 bi com a criação da CPMF, o seu sucessor tentará arrecadar o dobro: R$ 64 bilhões.
A situação econômica do Brasil se deteriorou muito rápida. Não há perspectiva hoje de equilíbrio fiscal. O Governo não quer mais cortar gastos, não conta com apoio politico para aprovar medidas difíceis no Congresso, e nem tem convicção da necessidade de reformas estruturais. Enquanto isso, os indicadores econômicos e as expectativas do mercado vão piorando.
Muita incerteza. Lava Jato ainda pode implicar muita gente. Difícil saber agora quem está do lado negro da força. O Brasil já está em uma trajetória de crescimento da divida que é insustentável. Governo e parte da classe politica passam a impressão que há tempo para estudar alternativas. Não há tempo nem alternativas.
Mercado olha com ceticismo e fica à espera do que irá acontecer. Brasil é comparado com tudo de ruim que outros países fazem ou fizeram. Estrangeiros têm dificuldade de entender como brasileiros aceitam passivamente um “equilíbrio” ruim que poderá agravar a crise.
E assim vamos terminar o ano com elevada incerteza, mas torcendo para que alguma mudança positiva ocorra no futuro próximo. Mas, por enquanto, é apenas esperança.

*Mansueto Almeida é economista do Ipea e titular do Blog do Mansueto
 

Uma carta singela, agradecendo o (nao) estado atual do Brasil - de P para D

Mais uma carta a Dilma
(esta também vazou)

                Salvador, 08 de dezembro de 2015.

Senhora mulher sapiens,

Carpe diem (disseram que é chique começar em latim)

Ao contrário do que está pensando, escrevo para agradecer. Sim, juro. Estou muito satisfeita com o bem que a sua gestão tem feito para o país. Em menos de 5 anos de governo, você fez mais oposição ao PT do que o PSDB em toda a sua existência. Seu governo é um case de sucesso na demonstração empírica de todos os princípios liberais. De um jeito meio torto, é verdade. Mas ajudou muito. Obrigada.

1) Você mostrou a merda que dá deixar empresas (Petrobras, Eletrobras, Correios, etc) sob a administração estatal;

2) Provou que interferir artificialmente em preços e juros definitivamente não dá certo, pois uma hora a bomba estoura;

3) Que incentivar o consumo por meio de crédito só gera uma multidão de endividados a médio prazo;

4) Demonstrou divinamente que Thatcher tinha razão: o dinheiro dos outros um dia acaba;

5) Cortou Bolsa Família, Ciência sem Fronteiras, Fies, Minha Casa Minha Vida, etc, apenas para mostrar que se não há produção de riquezas, também não há o que distribuir

6) Acabou com a falácia de que regimes de esquerda são bons para os pobres a longo prazo;

7) Não tem a mesma habilidade do Molusco Al Capone da Silva para esconder os mal feitos e dizer que não sabia de nada (apesar de ser absolutamente crível que tenha assinado Pasadena sem ler);

8) Fazendo tudo errado, fez surgir/crescer no Brasil uma nova corrente de pensamento para se contrapor à intelectualidade de esquerda predominante desde a época da ditadura;

9) E como se não bastasse, ainda ganhou a eleição no ano passado e teve que pagar você mesma pelos erros cometidos, arrasando não apenas a sua própria popularidade, como respingando também no companheiro que fez tudo que você fez, mas era pós – graduado em cara-de-pau (Ok, a gente está tendo que pagar também, mas pelo menos assim ficou claro de quem é a culpa).

Obrigada, valeu mesmo, thank you e gracias!

Agora que já fez o seu papel, acabou a brincadeira. Se pique dessa cadeira e deixe alguém arrumar a bagunça.

Respeitosamente,

Priscila

PS: Estou pensando se a carta que escrevi vai ou não vazar. O linguajar talvez seja impróprio para menores de idade, pois quando penso em Dilma, meus instintos mais primitivos afloram em mim...


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"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada".

Ayn Rand

Impeachment: a contrafacao do processo pelo STF - Pedro Logomarcino

STF: o guardião ou assaltante?

 Pedro Lagomarcino
18/12/2015

A decisão do STF proferida hoje contraria toda a doutrina dos maiores autores de Direito Constitucional, na medida que transforma o Senado em, pasme, "Corte Alta", conforme disse i-na-cre-di-ta-vel-men-te o Min. Marco Aurélio.

E ainda querem prolongar a aposentadoria dos Ministros para 75 anos?

É dose!

Aliás, a dose passou ao largo de ser cavalar. Foi para fazer rinoceronte hibernar, isso sim.

Não existe em toda bibliografia jurídica, um autor sequer, que tenha dito que o Senado, pode rever a decisão da Câmara dos Deputados.

Tanto se falou na obra de Paulo Brossar​​d (O "impeachment") na sessão de hoje.

Engraçado, tenho ela aqui na minha estante com autógrafo e dedicatória do autor. Li referida obra do início ao fim.

Posso assegurar que o STF "rasgou" a obra de Paulo Brossar​​d​, porque o referido Ministro nunca escreveu que o Senado, pode rever a decisão da Câmara.

A Câmara autoriza.

O Sendo julga.

A Câmara é juízo de admissibilidade.

O Senado é juízo de julgamento.

A Câmara se pauta por indícios.

O Senado se pauta por provas.

O Senado deve julgar, pela procedência ou pela improcedência. Mas não lhe compete e nem possui atribuição ou poder para arquivar e rever a decisão de admissibilidade da Câmara dos Deputados. Por um simples motivo: se o Senado tivesse a faculdade, a atribuição ou o poder de arquivar e rever a decisão da Câmara dos Deputados, por que o processo tem de iniciar na Casa do Povo então? Por que já não inicia no Senado, se este pode arquivá-lo de pronto? Por apreço a burocracia? Para fazer cena, com a nação que está a acusar o Chefe de Estado e de Governo do maior crime que pode cometer, o crime de responsabilidade?

Quem entende minimamente do instituto do "impeachment" sabe que é infeliz o termo crime de responsabilidade, porque este crime não enseja pena. Enseja sim sanção política, por sinal bem diferente do conceito de pena.

Mas não é isso o principal.

O fato é que o STF se pautou la-men-ta​-vel-men-te pelo "casu​ísmo" e mudou o posicionamento que tinha, "coincidentemente", no Caso Dilma.

Para Collor a Lei foi uma.

Para Dilma a Lei foi outra.

Assim, o Brasil nunca será um país sério. A toda hora, se abrem exceções. A toda hora a regra do jogo muda, flexibiliza, deixa de ser regra... deixa de valer. Assim foi com a "flexibilização" da LDO, assim acabou de ser com as metas fiscais (que foram reduzidas a zero), e assim foi infelizmente, com o "impeachment".

O julgamento do STF hoje foi guiado pela vaidade, pelas "rasgações de seda", por contentar e divertir a plateia.

O Min. Dias Toffoli se deu ao trabalho de "saudar" o dePuTado Henrique Fontana no meio do julgamento.

Que coisa mais bizonha!

A decisão do STF foi, e muito, do ponto de vista de Direito Constitucional, atávica.

Ver que Ministros chegavam ao cúmulo de fazer paralelos de Direito Penal, quando o impeachment não tem nada de Direito Penal, nas próprias palavras do Ministro Paulo Brossard, chegou a me dar náuseas.

Brossard defende que o impeachment é instituto de natureza política, não possui pena (de prisão), e sim sanção política (de afastamento ou de inelegibilidade).

Sugiro uma olhada no que destaco abaixo, para constatar que ​"​justiça​"​, na verdade, o STF fez hoje.

Hoje é um dia de luto para a Magistratura e para os operadores do Direito Constitucional que conhecem um pouco além-mar o instituto do "impeachment".

E pior, se o andar da carruagem for este, tudo indica que haverá recesso e que o país partirá para o carnaval prioritariamente e deixará a república e a democracia aos prantos aguardando o retorno das férias.

Este é o Brasil.

"A fantasia que você queria que eu usasse neste carnaval, era de palhaço, era de palhaço."

- - -
Dr. Pedro Lagomarcino
OAB/RS 63.784

Cicero contra Catilina: texto original e traducao ao portugues

Operação Lava Jato da Polícia Federal também é cultura, apesar do chefe da quadrilha que está sendo investigada ser um primata e analfabeto mas que, sem dúvida, deu o maior golpe financeiro da história da humanidade.
Ricardo Bergamini.
17/12/2015

Cícero
PRIMEIRA CATILINÁRIA


Primeiro discurso contra Catilina de Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), cônsul de Roma, recitado no Templo de Júpiter em 8 de Novembro de 63 a.C., local para onde tinha sido convocado o Senado de Roma.


Oh tempos, oh costumes! Uma das mais famosas frases de todos os tempos, foi pronunciada há mais de 2000 anos por Cícero, ao discursar perante o Senado de Roma começando a destruir um tentativa de golpe de estado contra a República. Cícero tinha confirmado os seus dotes oratórios quando sete anos antes, em 70 a.C., tinha conseguido que o corrupto governador da Sicília Caio Verres fosse impugnado (demitido do seu cargo) mas agora enquanto cônsul de Roma o caso era mais grave.

A conspiração contra o Senado dirigida por Lúcio Sérgio Catilina, candidato vencido ao cargo de cônsul nas eleições de Julho de 64 a.C. assim como nas de 63, lugar-tenente de Sila durante a ditadura deste, antigo governador da província de África, amigo de Júlio César e de Crasso, os dois dirigentes do Partido Popular em Roma, tinha começado em Setembro de 63 a.C., após a realização das eleições e já tinha provocado reacções de Cícero e do Senado, mas o chefe da conspiração tinha conseguido até aí não ser incriminado.

Na noite de 6 para 7 de Novembro Catilina reuniu novamente os dirigentes da conspiração para tomarem as últimas decisões antes da nova tentativa de golpe, mas Cícero foi informado da reunião e das decisões aí tomadas e decidiu convocar o Senado para o Templo de Júpiter Estátor para o dia seguinte. Quando o chefe da conjura apareceu na reunião, Cícero ficou tão indignado que se dirigiu directamente a Catilina, acusando-o violenta e directamente, no primeiro de quatro célebres discursos - as Catilinárias -, que acabaram por convencer o incrédulo Senado da existência da conspiração e das culpas de Catilina. Mas neste primeiro discurso Cícero sabia que por lei não poderia condenar, nem mesmo mandar desterrar, Catilina e por isso tentou que este saísse voluntariamente da cidade, o que de facto conseguiu. Em meados de Novembro Catilina entrou em revolta aberta e acabou por ser condenado à morte pelo Senado em princípios de Dezembro, após um discurso de Cícero - a quarta Catilinária - mas tendo recusado entregar-se foi morto em Janeiro de 62 a.C. no campo de batalha de Pistóia, o que lhe valeu um elogio de Floro: «Bela morte, assim tivesse tombado pela Pátria.»

Este discurso, o mais famoso de Cícero, foi usado como exercício escolar no ensino da retórica durante séculos, como é exemplo em Portugal a tradução do padre António Joaquim que teve três edições e que tem uma componente pedagógica muito importante.

I

Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?

Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes factos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar, um a um, para a chacina. E nós, homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura. à morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul; contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.

Pois não é verdade que uma personagem tão notável. como era Públio Cipião, pontífice máximo. mandou, como simples particular, matar Tibério Graco, que levemente perturbara a constituição do Estado? E Catilina. que anseia por devastar a ferro e fogo a face da terra, haveremos nós, os cônsules, de o suportar toda a vida? E já não falo naqueles casos de outras eras, como o facto de Gaio Servílio Aala ter abatido, por suas próprias mãos, Espúrio Mélio e, que alimentava ideias revolucionárias. Havia, havia outrora nesta República, uma tal disciplina moral que os homens de coragem puniam com mais severos castigos um cidadão perigoso do que o mais implacável dos inimigos. Temos um decreto do Senados contra ti, Catilina, um decreto rigoroso e grave; não é a decisão clara nem a autoridade da Ordem aqui presente que falta à República; nós, digo-o publicamente, nós, os cônsules, é que faltamos.

II

Decidiu um dia o Senado que o cônsul Lúcio Opímio velasse para que a República não sofresse dano algum. Pois nem uma noite passou. Gaio Graco, apesar da sua tão nobre ascendência, de pai, de avô e de seus maiores, foi morto por causa de certas suspeitas de revolta; juntamente com os filhos foi executado Marco Fúlvio, um consular. Com um mesmo decreto do Senado, foi a República confiada aos cônsules Gaio Mário e Lúcio Valério. Acaso adiaram eles mais um dia sequer a pena de morte, por crime de lesa-república, a Lúcio Saturnino, um tribuno da plebe, e a Gaio Servílio, um pretor?

Nós, porém, há já vinte dias que consentimos no enfraquecimento do vigor de decisão destes homens. Temos um destes decretos do Senado, mas está fechado nos arquivos como espada metida em bainha; e, segundo esse decreto senatorial, tu, Catilina, deverias ter sido imediatamente condenado à morte. E eis que continuas vivo, e vivo, não para abdicares da tua audácia, mas para nela te manteres com inteira firmeza. É meu desejo, venerandos senadores, ser clemente; é meu desejo, no meio de tamanhos perigos da República, não parecer indolente; mas já eu próprio de inacção e moleza me acuso.

Há acampamentos em Itália contra o povo romano. estabelecidos nos desfiladeiros da Etrúria, aumenta em cada dia o número dos inimigos; e, no entanto, o general desses acampamentos e o comandante desses inimigos, eis que o vemos no interior das nossas muralhas e dentro do próprio Senado, urdindo a cada instante algum atentado contra a República. Se. neste momento eu te mandar prender, Catilina, se eu decretar a tua morte, o que sobretudo terei de temer, tenho a certeza, é que todos os bons cidadãos me censurem por ter actuado tarde, e não que haja alguém a dizer que usei de crueldade excessiva.

A mim, porém, aquilo que já há muito deveria ter sido feito, fortes razões me levam a não o fazer ainda. Hás-de ser morto, sim, mas só no momento em que já não for possível encontrar-se ninguém tão perverso, tão depravado, tão igual a ti, que não reconheça a inteira justiça desse acto.
Enquanto houver alguém que ouse defender-te, continuarás a viver, e a viver como agora vives, cercado pelas minhas muitas e fiéis guardas, para não poderes sublevar-te contra o Estado. È até os olhos e os ouvidos de muita gente, sem disso te aperceberes, te hão-de espiar e trazer vigiado como até hoje o têm feito.

III

Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite com suas trevas pode manter ocultos os teus criminosos conluios, nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração, se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público? É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia, e importa que os recordes comigo nesta hora.

Não te lembras de eu dizer no Senado, no dia 12 antes das Calendas de Novembro, que, em dia determinado, dia esse que havia de ser o sexto antes das Calendas de Novembro , haveria de pegar em armas Gaio Mânlio, um lacaio e instrumento da tua audácia? Enganei-me, porventura, ó Catilina, não só quanto a um acontecimento tão importante, tão horroroso e tão incrível, como também. o que é muito mais para admirar, quanto ao próprio dia? Fui eu ainda que disse no Senado teres tu fixado para o dia 5 antes das Calendas de Novembro a chacina da aristocracia. justamente na altura em que muitas das altas personalidades do Estado fugiram de Roma, não tanto por motivo de segurança pessoal, como para reprimirem as tuas maquinações. Serás capaz de negar que nesse mesmo dia, estando tu cercado pelas minhas guardas e pela minha vigilância, te não pudeste insurgir contra a República, quando tu, perante o afastamento dos restantes, dizias no entanto que a morte de quem tinha ficado, que éramos só nós, bastava para te contentar?

Pois quê? Quando tu, nas próprias Calendas de Novembro, estavas plenamente seguro de que tomarias Preneste num ataque nocturno, não deste conta, porventura, de que tinha sido por ordens minhas que aquela colónia fora guarnecida pelos meus destacamentos, sentinelas e rondas nocturnas? Nada fazes, nada intentas, nada imaginas que eu não só não oiça, mas veja e disso tenha pleno conhecimento.

IV

Recorda comigo, por fim, aquela noite famigerada de anteontem e logo verás que eu velo com mais ardor pela segurança do Estado que tu pela sua ruína. Afirmo que tu, na noite anterior a esta, vieste aos Cuteleiros (não vou falar por meias palavras), a casa de Marco Leca, e que no mesmo local se reuniu grande parte dos cúmplices da mesma criminosa loucura. Ousas, porventura, nega-lo? Porque te calas? Se o negas, eu to provarei, pois que vejo aqui presentes no Senado alguns dos que lá estiveram juntamente contigo.

Oh deuses imortais! Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso? Em que cidade vivemos nós? Estão aqui, aqui dentro do nosso número, venerandos senadores, neste Conselho. mais sagrado e mais respeitável da face da terra, aqueles que meditam a morte de todos nós, aqueles que trazem no pensamento a destruição desta cidade e até a do mundo inteiro. É a estes que eu, como cônsul, tenho na minha frente e lhes peço conselho acerca dos interesses do Estado, a eles, que deveriam ser passados a fio de espada e que eu nem com a palavra atinjo ainda.
Estiveste, pois, Catilina, em casa de Leca nessa noite; procedeste à partilha das regiões da Itália; determinaste para onde gostarias que cada um partisse; escolheste quem deixarias em Roma, quem levarias contigo; designaste os bairros da cidade destinados a incêndio; afirmaste que, por ti, já estavas disposto a partir; disseste que ainda te demorarias, contudo, um pouco, porque eu continuava vivo. Encontraste dois cavaleiros romanos, para te aliviarem" desta preocupação e se comprometerem a assassinar-me no meu próprio leito nessa mesma noite, pouco antes da alvorada.

Tudo isto eu vim a saber mal tinha ainda sido dissolvida a vossa reunião; guarneci e reforcei a minha casa com mais guardas; e àqueles que tu me enviaras pela manhã para me saudarem, tranquei-lhes a porta quando eles chegaram, a esses mesmos cuja intenção de me visitarem àquela hora eu já havia previamente comunicado a muitas e das mais altas personalidades.

V

Sendo assim, prossegue, Catilina, o caminho encetado; sai da cidade de uma vez para sempre; as portas estão abertas; põe-te a caminho. Há muito que te reclamam como general supremo esses teus acampamentos manlianos. Leva também contigo todos os teus; se não todos, pelo menos o maior número possível. Limpa a cidade. Libertar-me-ás de um grande receio quando entre ti e mim um muro se levantar. Já não podes conviver por mais tempo connosco; não o suporto, não o tolero, não o consinto.

Grande deverá ser o nosso reconhecimento para com os deuses imortais, particularmente para com o próprio Júpiter Estátor aqui presente, o mais antigo protector desta cidade, por tantas vezes termos escapado a esta peste tão abominável, tão horrorosa e tão hostil à República. Nunca mais a suprema segurança do Estado deve ser posta em perigo por causa de um homem apenas. De tantas vezes que tu, Catilina, me armaste ciladas quando eu era cônsul designado, não foi com a guarda pública, mas com os meus próprios meios, que eu procurei defender-me. Quando, por ocasião dos últimos comícios consulares, tu pretendeste matar-me no Campo de Marte, a mim que era cônsul e aos teus competidores, reprimi os teus criminosos intentos com a ajuda e recursos dos amigos, sem proclamar oficialmente o estado de sítio; numa palavra, todas as vezes que me atacaste, foi por mim mesmo que te resisti, muito embora eu visse que a minha morte ficaria ligada a uma grande desgraça do Estado.
Mas agora é a toda a República que tu diriges abertamente o teu ataque; são os templos dos deuses imortais, são as casas da cidade, é a vida de todos os cidadãos, é a Itália inteira, é tudo isto que tu arrastas para a ruína e a devastação. E, uma vez que não ouso ainda pôr em prática o que se imporia em primeiro lugar e que é próprio destes poderes" e da tradição dos nossos maiores, tomarei uma posição mais moderada quanto ao rigor, porém mais útil no que toca à salvação comum. É que, se eu te matar, continuará na República o restante bando dos teus conjurados; mas, se tu saíres, como já há muito te estou convidando, a cidade ficará vazia dos teus sectários, dessa profunda sentina que empesta o Estado.

Então, Catilina, que se passa? Hesitas em fazer por minha ordem o que tu já te dispunhas a realizar por tua livre vontade? É a um inimigo público que o cônsul manda sair da cidade. Perguntas-me se para o exílio? Não to ordeno, mas, se pedes o meu parecer, aconselho-to.

VI

Que há, ó Catilina, que ainda te possa causar prazer nesta cidade, em que não há ninguém, fora desta conjuração de homens depravados, que te não tema, ninguém que te não deteste? Que nódoa de escândalos familiares não foi gravada a fogo na tua. vida? Que ignomínia de vida particular não anda ligada à tua reputação? Que sensualidade esteve longe de teus olhos? Que acção infamante deixaram de perpetrar as tuas mãos algum dia? Que torpeza esteve ausente de todo o teu corpo? Que jovem haverá a quem não tenhas ilaqueado nas seduções da tua imoralidade, guiado o ferro na rebeldia ou o archote. na libertinagem?

Pois quê? Há pouco, quando, com a morte da tua primeira mulher, esvaziaste a tua casa com vista a um novo casamento, não acumulaste ainda sobre este delito um outro atentado inacreditável, que eu não refiro e acho melhor deixar passar em silêncio, para que não conste que nesta cidade se verificou a barbaridade de um crime tamanho, ou que este ficou sem castigo? Nem menciono a perda dos teus haveres, que tu verás todos confiscados nos próximos Idos; refiro-me a factos que dizem respeito não à infâmia pessoal dos teus vícios, não à tua penúria doméstica e à tua má fama, mas, sim, aos superiores interesses do Estado e à vida e segurança de todos nós.

Podes tu, Catilina, sentir prazer na luz deste dia ou no ar deste céu que respiras, ao saberes que ninguém dos presentes desconhece que, na véspera das Calendas de Janeiro", durante o consulado de Lépido e Tulo, te apresentaste armado no local dos comícios do povo; que tinhas um grupo de homens preparado para dar a morte aos cônsules e aos principais da cidade e que não foi nenhuma reconsideração da tua parte nem o teu medo, mas, sim, a deusa Fortuna do povo romano que impediu o crime da tua loucura? E já nem conto pois que não são nem desconhecidos nem poucos os delitos cometidos depois quantas vezes, sendo eu cônsul designado, quantas vezes mesmo durante o meu consulado, me tentaste matar! Quantos golpes, vibrados de tal maneira, que parecia impossível escapar-lhes, eu não evitei com um pequeno desvio ou, como costuma dizer-se, só com o corpo! Nada adiantas, nada consegues, e, contudo, não desistes de tentar e de querer.

Quantas vezes já esse punhal de assassino te foi arrancada das mãos! Quantas vezes, por um mero acaso, ele te escapou e caiu aos pés, esse punhal que, sinceramente, não sei em que iniciações mistéricas e a que deus o terás tu consagrado, para julgares necessário cravá-lo no corpo do cônsul.

VII

E agora, que vida é esta que levas? Desejo neste momento falar-te de modo que se veja que não sou movido pelo rancor, que eu te deveria ter, mas por uma compaixão que tu em nada mereces. Entraste há pouco neste Senado. Quem, dentre esta tão vasta assembleia, dentre todos os teus amigos e parentes, te saudou? Se isto, desde que há memória dos homens, a ninguém aconteceu, ainda esperas que te insultem com palavras, quando te encontras esmagado pela pesadíssima condenação do silêncio? E que dizes ao facto de, à tua chegada, esse lugar ter ficado ao abandono, e ao facto de todos os consulares, que tantas vezes figuraram nos teus planos de assassínio, mal te havias sentado a seu lado, terem deixado deserta e vazia essa zona da bancada? Com que coragem, afinal, julgas tu que hás-de suportar tal afronta?

Se os meus escravos me temessem da maneira que todos os teus concidadãos te receiam, eu, por Hércules!, sentir-me-ia compelido a deixar a minha casa; e tu, a esta cidade, não pensas que é teu dever abandoná-la? E se eu me visse, ainda que injustamente, tão gravemente suspeito e detestado pelos meus concidadãos, preferiria ficar privado da sua vista a ser alvo do olhar hostil de toda a gente; e tu, apesar de reconheceres, pela consciência que tens dos teus crimes, que é justo e de há muito merecido o ódio que todos nutrem por ti, estás a hesitar em fugir da vista e da presença de todos aqueles a quem tu atinges na alma e no coração? Se teus pais te temessem e odiassem e tu não os pudesses apaziguar de modo nenhum, retirar-te-ias, penso eu, do seu olhar para outra qualquer parte. Pois agora é a Pátria, mãe comum de todos nós, que te odeia e teme, e sabe que desde há muito não pensas noutra coisa que não seja o seu parricídio; e tu, nem respeitarás a sua autoridade, nem acatarás as suas decisões, nem te assustarás com o seu poder?

Eis que ela a ti se dirige, ó Catilina, e, no seu silêncio, como que fala:

«Há vários anos já que nenhum crime se viu cometido senão por ti; nenhum escândalo, sem ti; só tu cometeste, sem castigo e com toda a liberdade, o assassínio de muitos cidadãos, a opressão e saque dos nossos aliados; só tu te atreveste não só a desprezar, mas até a subverter e a infringir as leis e os tribunais. Esses crimes de outrora, posto que não devessem ter sido suportados, eu os suportei como pude; mas agora, estar eu toda em sobressalto somente por causa de ti, ser Catilina objecto de medo ao mínimo ruído que surja, não se poder descobrir conjura alguma tramada contra mim em que não esteja implicada a tua intenção criminosa, não, isso é que não devo suportar. Por isso, vai-te daqui e afasta de mim este receio; se ele tem fundamento, para eu não andar oprimida; se é ilusório, para eu, enfim, deixar de uma vez esta vida de medo.»

VIII

Se tais palavras, como disse, a Pátria te pudesse dirigir, não deveria ela conseguir o seu intento, muito embora não pudesse fazer uso da força?

E que dizer do facto de tu próprio te haveres entregado sob guarda provisória e teres dito, a fim de evitares suspeitas, que desejavas ficar em casa de Mânio Lépido? Como este não te recebeu, até a mim tiveste cara de te dirigir e de me pedir que te guardasse em minha casa. E, como também de mim levaste a resposta de que eu não podia de modo nenhum sentir-me seguro contigo dentro das mesmas paredes, porquanto já eu corria grande perigo pelo facto de estarmos metidos dentro das mesmas muralhas, foste a casa do pretor Quinto Metelo. E, repudiado por ele, imigraste para casa do teu comparsa Marco Metelo, esse grande homem de quem pensaste, claro está, que havia de ser o mais cuidadoso em te guardar, o mais esperto para te vigiar e o mais enérgico para te defender. Mas em que medida parece justo estar afastado da prisão e das cadeias quem se julgou, por si mesmo, digno de detenção?

Uma vez que assim é, Catilina, se não és capaz de esperar pela morte de coração resignado. ainda hesitas em partir daqui para outras terras e em entregar ao exílio e à solidão essa vida, subtraindo-a a muitos castigos justos e merecidos?

«Propõe-no ao Senado», dizes tu. É isto, com efeito, o que reclamas, e dizes que, se esta Ordem de senadores vier a decidir que é sua vontade a tua partida para o exílio, estás na disposição de obedecer. Não, não vou propor uma coisa que é contra os meus princípios, mas, sim, farei com que vejas o que estes pensam acerca de ti. Sai de Roma, Catilina; liberta o Estado destas apreensões; parte para o exílio, se é esta a palavra de ordem que esperas. Então? Não vês? Não dás conta do silêncio dos presentes? Se estão calados, é porque consentem. Porque esperas pela autoridade das palavras, quando percebes muito bem pelo seu silêncio o que têm na vontade?

Ora, se eu tivesse dito estas mesmas palavras a um jovem tão cheio de qualidades como Públio Séstio aqui presente, se as tivesse dirigido a Marco Marcelo, varão da mais alta virtude, já o Senado, apesar de eu ser cônsul, teria, com plena justiça, lançado contra mim, neste mesmo templo, a sua força e o seu poder. A teu respeito, porém, Catilina, a sua imobilidade é uma aprovação; o seu consentimento, um decreto; o seu silêncio, um clamor. E não apenas estes aqui presentes, cuja autoridade tens, pelos vistos, em grande estima, mas a vida em vil apreço; também aqueles cavaleiros romanos, homens da maior honestidade e excelência, e os restantes cidadãos tão valorosos que de pé circundam este Senado, e de quem tiveste ensejo, há momentos, de ver não só a afluência, mas até de reconhecer claramente as disposições e ouvir distintamente os clamores. É com dificuldade que desde há muito detenho suas mãos e suas armas aparelhadas contra ti; mas, se abandonares estes sítios que há largo tempo pretendes devastar, é com facilidade que os poderei levar a escoltarem-te até às portas da cidade.

IX

Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te? Tu, como tentarás planear alguma fuga? Tu. como podes pensar nalgum exílio? Oxalá os deuses imortais te inspirassem tal propósito, muito embora eu veja que, se tu, apavorado com as minhas palavras, te decidires a partir para o exílio, uma enorme tempestade de ódios ameaça desabar sobre nós, se não no tempo presente, por causa da fresca lembrança dos teus crimes, pelo menos para o futuro. Vale, porém, a pena, desde que essa desgraça seja particular e se não misture com os perigos do Estado. Mas a ti, o que não se deverá exigir é que te afastes dos teus vícios, que alimentes profundo receio dos castigos da lei, que recues perante as conjunturas críticas da República. Nem tu, Caulina, és de molde que a vergonha te afaste da infâmia; ou o medo, do perigo; ou a razão, da loucura.

Por isso mesmo, parte, como já tantas vezes te disse, e, se pretendes, conforme apregoas, atear o ódio público contra mim, teu inimigo, avança já direito ao exílio; se o fizeres, muito me custará suportar a censura dos homens; se partires para o exílio por ordem do cônsul, muito me custará sentir o fardo dessa impopularidade. Se, porém, preferes servir o meu prestígio e a minha glória, sai juntamente com o indesejável bando dos celerados, refugia-te junto de Mânlio, convoca os cidadãos perversos, separa-te dos homens de bem, move guerra contra a Pátria, exulta com uma sacrílega revolta de bandidos, para que se veja que não foste expulso por mim para o meio de estranhos, mas, sim, convidado a partir para junto dos teus.

De resto, para quê convidar-te a isso, uma vez que tenho conhecimento de que tu enviaste homens à frente para te esperarem armados junto do Fórum de Aurélio, e sei que tu combinaste e fixaste a data com Mânlio, e sei que até enviaste à frente aquela famosa águia de prata", uma águia que, assim o espero, há-de tornar-se ruinosa e fatal para ti e para todos os teus, uma águia à qual esteve levantado em tua casa um criminoso santuário? Como é que tu poderás passar mais tempo sem aquela que costumavas adorar ao partir para a carnificina, tu que tantas vezes fizeste passar essa dextra sacrílega, do seu altar para a chacina de cidadãos?

X

Irás, enfim, de uma vez para sempre, para onde há muito tempo te arrastava essa tua paixão desenfreada. e louca, pois não é pesar o que esta partida te causa, mas um estranho e inacreditável prazer. Foi para semelhante loucura que a natureza te gerou, te preparou a vontade, e o destino te guardou. Tu, não só nunca desejaste o tempo de paz, mas nem sequer uma guerra que não fosse criminosa. Topaste uma corja de bandidos formada de gente perversa, enjeitada não só de toda a sorte, mas até de toda a esperança.

Ah! que alegria não experimentarás, com que júbilo não hás-de exultar, com que. prazer tamanho andarás em orgiástico delírio, quando, entre o número tão avultado dos teus, não conheceres nem vires um só homem de bem! Foi por afeição a tal género de vida que se praticaram aquelas tuas proezas de que se fala: permanecer prostrado no chão, ou para espreitar o momento azado para algum atentado contra o pudor, ou mesmo para cometer algum crime; passar as noites em claro lançando armadilhas não só ao sono dos maridos, mas também aos haveres da gente pacífica? Tens aí onde possas ostentar essa tua famosa capacidade em suportar a fome, o frio, a carência de tudo; e em breve perceberás que foi isso que deu cabo de ti.

Quando te rejeitei do consulado, uma coisa consegui pelo menos: que tu antes pudesses atacar a República como exilado do que maltratá-la como cônsul, e que a tua criminosa empresa mais se pudesse chamar uma arruaça de bandidos que uma guerra civil.

XI

E agora, venerandos senadores, a fim de eu poder arredar e esconjurar de. mim uma censura, de certo modo justa, da Pátria, escutai, por favor, com atenção, o que vou dizer, e gravai-o bem fundo no vosso coração e na vossa memória. Porquanto, se a Pátria, que é para mim mais cara que a própria vida, se a Itália inteira, se toda a República me dissesse:

«Que estás tu a fazer, Marco Túlio? Então tu vais consentir que aquele que provaste ser um inimigo público, que tu vês como o futuro comandante de uma revolta, que tu sabes ser esperado como general no acampamento dos inimigos, ser o instigador de um acto criminoso, o cabecilha de uma conspiração, um agitador de escravos e de cidadãos perversos, a esse vais tu deixá-lo partir de tal maneira, que nem parece ter sido por ti expelido para fora da cidade, mas, sim, impelido contra ela? Então, não vais mandar que o ponham a ferros, que o arrastem para a morte, que o imolem no derradeiro suplício?

O que te impede, afinal? Será a tradição dos antigos? Mas nesta República até simples particulares puniram muitíssimas vezes com a morte cidadãos perniciosos. Serão, porventura, as leis que foram propostas acerca do suplício dos cidadãos romanos? Mas nunca., nesta cidade, os que atraiçoaram a Pátria continuaram na posse dos direitos de cidadania. Ou é a impopularidade do futuro que tu receias? Bela maneira essa de agradeceres ao povo romano, ele que te elevou tão cedo ao supremo poder através de todos os graus da magistratura, sendo tu um homem conhecido apenas pela tua pessoa sem nenhuma recomendação de antepassados - se, por causa da impopularidade ou do receio de algum perigo, desprezas a salvação dos teus concidadãos!

Mas, se há algum medo de cair em desagrado, dever-se-á, porventura, ter mais receio da antipatia motivada pelo rigor e pela fortaleza que pela preguiça e pelo desleixo? Ou, quando a Itália for devastada pela guerra, quando as cidades forem arrasadas, quando as casas estiverem a arder, acaso pensas tu que nessa altura não hás-de ser inteiramente devorado pelo fogo do ódio popular?»

XII

A estes tão augustos clamores da República e ao pensamento daqueles homens que sentem desse mesmo modo responderei em poucas palavras. Se eu, venerandos senadores, considerasse que a melhor atitude era castigar Catilina com a morte, não concederia a esse gladiador nem mais uma hora de vida. É que, se homens da mais alta categoria e cidadãos dos mais ilustres não só se não mancharam, mas até colheram honra no sangue de Saturnino, e dos Gracos, e de Flaco, e de muitos ainda mais antigos, certamente eu não teria que recear que, com a morte deste parricida dos seus concidadãos, sobre mim se derramasse qualquer ódio da posteridade. E, mesmo que este me estivesse particularmente iminente, sempre tive, apesar disso, a convicção de que o ódio alcançado pelo mérito não é ódio, é glória.

Há, todavia, nesta Ordem de senadores, alguns que, ou não vêem aquilo que nos ameaça, ou fingem ignorar aquilo que vêem; estes, pela moleza das suas decisões, alimentaram a esperança de Catilina e deram força à conjuração nascente, não acreditando nela; e, por sua influência, muitos; não apenas os perversos, mas ainda os mal informados, diriam, se eu tivesse punido Catilina, que o tinha feito com crueldade e tirania.

Ora eu penso que, se este der entrada nos acampamentos de Mânlio, que são o seu objectivo, não haverá ninguém tão ingénuo que não veja ter-se armado uma conjuração, ninguém tão descarado que o não confesse. Por outro lado, penso que, se for condenado à morte apenas Catilina aqui presente, este flagelo que afecta o Estado pode reprimir-se por um pouco, não suprimir sem para sempre. Mas, se ele se desterrar a si mesmo e levar os seus partidários consigo, e se recolher, de toda a parte, os demais naufragados da vida e os congregar no mesmo lugar, ficará extinta e debelada não apenas esta já tão adiantada doença do Estado, mas até a raiz e o germe de todos os males.

XIII

É que nós, venerandos senadores, vivemos desde há muito envolvidos nestes perigos e nas ciladas de uma conspiração, mas, não sei como, a maturação de todos os crimes e da antiga loucura e audácia veio a rebentar no tempo do nosso consulado. E se, de tamanho bando de salteadores, se suprimir apenas este, poderá parecer talvez que ficamos, por um pequeno espaço de tempo, aliviados da apreensão e do medo; o perigo, porém, há-de permanecer e ficará profundamente inculcado nas veias e nas entranhas da República. Tal como, muitas vezes, as pessoas atingidas por uma doença grave, se, no tumultuar do ardor da febre, beberam água gelada, parecem aliviadas nos primeiros momentos e logo depois o mal as oprime mais forte e violento, do mesmo modo esta doença que existe no seio do Estado. aliviada embora pelo suplício daquele que ali vedes, agravar-se-á com mais violência ainda se sobreviverem os restantes conjurados.

Por tudo isto, que os perversos se retirem, se separem dos homens de bem, se juntem num só lugar e que uma muralha, enfim, como já o proclamei tantas vezes, os mantenha separados de nós; que deixem de armar traições ao cônsul na sua própria casa, de bloquear o tribunal do pretor urbano, de assediar com armas a Cúria, de preparar dardos incendiários e archotes para deitar fogo à cidade; numa palavra, que na fronte de cada um se mostrem gravados os seus sentimentos políticos. Garanto-vos, senadores egrégios, que a nossa vigilância de cônsules há-de ser bastante, e espero que haja em vós tal autoridade, nos cavaleiros romanos tamanha coragem, em todos os homens de bem a conformidade de sentimentos necessária para poderdes ver que, com a retirada de Catilina, tudo fica descoberto, esclarecido, subjugado, punido.

Com estes presságios, Catilina, e para suprema salvação do Estado, para tua desgraça e ruína e para perdição daqueles que a ti se ligaram por toda a espécie de crimes e parricídios, parte para essa guerra ímpia e nefanda. E tu, Júpiter, cujo culto foi estatuído por Rómulo sob os mesmos auspícios, desta cidade, tu a quem com justiça chamamos o Sustentáculo desta urbe e deste império, hás-de relegar este assassino e os seus comparsas para longe do teu templo e dos restantes, das casas de Roma e das suas muralhas, da vida e dos haveres de toda a população; e àqueles que odeiam os homens de bem, aos inimigos da Pátria, aos salteadores da Itália, unidos entre si por um pacto criminoso e uma aliança nefanda, a esses, vivos e mortos, hás-de puni-los com suplícios eternos.

(texto original)

ORATIO IN L. CATILINAM PRIMA

IN SENATV HABITA

[1] I. Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? quem ad finem sese effrenata iactabit audacia? Nihilne te nocturnum praesidium Palati, nihil urbis vigiliae, nihil timor populi, nihil concursus bonorum omnium, nihil hic munitissimus habendi senatus locus, nihil horum ora voltusque moverunt? Patere tua consilia non sentis, constrictam iam horum omnium scientia teneri coniurationem tuam non vides? Quid proxima, quid superiore nocte egeris, ubi fueris, quos convocaveris, quid consilii ceperis, quem nostrum ignorare arbitraris? [2] O tempora, o mores! Senatus haec intellegit. Consul videt; hic tamen vivit. Vivit? immo vero etiam in senatum venit, fit publici consilii particeps, notat et designat oculis ad caedem unum quemque nostrum. Nos autem fortes viri satis facere rei publicae videmur, si istius furorem ac tela vitemus. Ad mortem te, Catilina, duci iussu consulis iam pridem oportebat, in te conferri pestem, quam tu in nos [omnes iam diu] machinaris.

[3] An vero vir amplissumus, P. Scipio, pontifex maximus, Ti. Gracchum mediocriter labefactantem statum rei publicae privatus interfecit; Catilinam orbem terrae caede atque incendiis vastare cupientem nos consules perferemus? Nam illa nimis antiqua praetereo, quod C. Servilius Ahala Sp. Maelium novis rebus studentem manu sua occidit. Fuit, fuit ista quondam in hac re publica virtus, ut viri fortes acrioribus suppliciis civem perniciosum quam acerbissimum hostem coercerent. Habemus senatus consultum in te, Catilina, vehemens et grave, non deest rei publicae consilium neque auctoritas huius ordinis; nos, nos, dico aperte, consules desumus.

[4] II. Decrevit quondam senatus, ut L. Opimius consul videret, ne quid res publica detrimenti caperet; nox nulla intercessit; interfectus est propter quasdam seditionum suspiciones C. Gracchus, clarissimo patre, avo, maioribus, occisus est cum liberis M. Fulvius consularis. Simili senatus consulto C. Mario et L. Valerio consulibus est permissa res publica; num unum diem postea L. Saturninum tribunum pl. et C. Servilium praetorem mors ac rei publicae poena remorata est? At [vero] nos vicesimum iam diem patimur hebescere aciem horum auctoritatis. Habemus enim huiusce modi senatus consultum, verum inclusum in tabulis tamquam in vagina reconditum, quo ex senatus consulto confestim te interfectum esse, Catilina, convenit. Vivis, et vivis non ad deponendam, sed ad confirmandam audaciam. Cupio, patres conscripti, me esse clementem, cupio in tantis rei publicae periculis me non dissolutum videri, sed iam me ipse inertiae nequitiaeque condemno.

[5] Castra sunt in Italia contra populum Romanum in Etruriae faucibus conlocata, crescit in dies singulos hostium numerus; eorum autem castrorum imperatorem ducemque hostium intra moenia atque adeo in senatu videmus intestinam aliquam cotidie perniciem rei publicae molientem. Si te iam, Catilina, comprehendi, si interfici iussero, credo, erit verendum mihi, ne non potius hoc omnes boni serius a me quam quisquam crudelius factum esse dicat. Verum ego hoc, quod iam pridem factum esse oportuit, certa de causa nondum adducor ut faciam. Tum denique interficiere, cum iam nemo tam inprobus, tam perditus, tam tui similis inveniri poterit, qui id non iure factum esse fateatur. [6] Quamdiu quisquam erit, qui te defendere audeat, vives, et vives ita, ut [nunc] vivis. multis meis et firmis praesidiis obsessus, ne commovere te contra rem publicam possis. Multorum te etiam oculi et aures non sentientem, sicut adhuc fecerunt, speculabuntur atque custodient.

III. Etenim quid est, Catilina, quod iam amplius expectes, si neque nox tenebris obscurare coeptus nefarios nec privata domus parietibus continere voces coniurationis tuae potest, si illustrantur, si erumpunt omnia? Muta iam istam mentem, mihi crede, obliviscere caedis atque incendiorum. Teneris undique; luce sunt clariora nobis tua consilia omnia; quae iam mecum licet recognoscas.

[7] Meministine me ante diem XII Kalendas Novembris dicere in senatu fore in armis certo die, qui dies futurus esset ante diem VI Kal. Novembris, C. Manlium, audaciae satellitem atque administrum tuae? Num me fefellit, Catilina, non modo res tanta, tam atrox tamque incredibilis, verum, id quod multo magis est admirandum, dies? Dixi ego idem in senatu caedem te optumatium contulisse in ante diem V Kalendas Novembris, tum cum multi principes civitatis Roma non tam sui conservandi quam tuorum consiliorum reprimendorum causa profugerunt. Num infitiari potes te illo ipso die meis praesidiis, mea diligentia circumclusum commovere te contra rem publicam non potuisse, cum tu discessu ceterorum nostra tamen, qui remansissemus, caede te contentum esse dicebas?

[8] Quid? cum te Praeneste Kalendis ipsis Novembribus occupaturum nocturno impetu esse confideres, sensistin illam coloniam meo iussu meis praesidiis, custodiis, vigiliis esse munitam? Nihil agis, nihil moliris, nihil cogitas, quod non ego non modo audiam, sed etiam videam planeque sentiam. IV. Recognosce tandem mecum noctem illam superiorem; iam intelleges multo me vigilare acrius ad salutem quam te ad perniciem rei publicae. Dico te priore nocte venisse inter falcarios--non agam obscure--in M. Laecae domum; convenisse eodem complures eiusdem amentiae scelerisque socios. Num negare audes? quid taces? Convincam, si negas. Video enim esse hic in senatu quosdam, qui tecum una fuerunt.

[9] O di inmortales! ubinam gentium sumus? in qua urbe vivimus? quam rem publicam habemus? Hic, hic sunt in nostro numero, patres conscripti, in hoc orbis terrae sanctissimo gravissimoque consilio, qui de nostro omnium interitu, qui de huius urbis atque adeo de orbis terrarum exitio cogitent! Hos ego video consul et de re publica sententiam rogo et, quos ferro trucidari oportebat, eos nondum voce volnero!

Fuisti igitur apud Laecam illa nocte, Catilina, distribuisti partes Italiae, statuisti, quo quemque proficisci placeret, delegisti, quos Romae relinqueres, quos tecum educeres, discripsisti urbis partes ad incendia, confirmasti te ipsum iam esse exiturum, dixisti paulum tibi esse etiam nunc morae, quod ego viverem. Reperti sunt duo equites Romani, qui te ista cura liberarent et sese illa ipsa nocte paulo ante lucem me in meo lectulo interfecturos [esse] pollicerentur. [10] Haec ego omnia vixdum etiam coetu vestro dimisso comperi; domum meam maioribus praesidiis munivi atque firmavi, exclusi eos, quos tu ad me salutatum mane miseras, cum illi ipsi venissent, quos ego iam multis ac summis viris ad me id temporis venturos esse praedixeram.

V. Quae cum ita sint, Catilina, perge, quo coepisti, egredere aliquando ex urbe; patent portae; proficiscere. Nimium diu te imperatorem tua illa Manliana castra desiderant. Educ tecum etiam omnes tuos, si minus, quam plurimos; purga urbem. Magno me metu liberabis, dum modo inter me atque te murus intersit. Nobiscum versari iam diutius non potes; non feram, non patiar, non sinam. [11] Magna dis inmortalibus habenda est atque huic ipsi Iovi Statori, antiquissimo custodi huius urbis, gratia, quod hanc tam taetram, tam horribilem tamque infestam rei publicae pestem totiens iam effugimus.

Non est saepius in uno homine summa salus periclitanda rei publicae. Quamdiu mihi consuli designato, Catilina, insidiatus es, non publico me praesidio, sed privata diligentia defendi. Cum proximis comitiis consularibus me consulem in campo et competitores tuos interficere voluisti, compressi conatus tuos nefarios amicorum praesidio et copiis nullo tumultu publice concitato; denique, quotienscumque me petisti, per me tibi obstiti, quamquam videbam perniciem meam cum magna calamitate rei publicae esse coniunctam.

[12] Nunc iam aperte rem publicam universam petis, templa deorum inmortalium, tecta urbis, vitam omnium civium, Italiam [denique] totam ad exitium et vastitatem vocas. Quare, quoniam id, quod est primum, et quod huius imperii disciplinaeque maiorum proprium est, facere nondum audeo, faciam id, quod est ad severitatem lenius et ad communem salutem utilius. Nam si te interfici iussero, residebit in re publica reliqua coniuratorum manus; sin tu, quod te iam dudum hortor, exieris, exhaurietur ex urbe tuorum comitum magna et perniciosa sentina rei publicae. [13] Quid est, Catilina? num dubitas id me imperante facere, quod iam tua sponte faciebas? Exire ex urbe iubet consul hostem. Interrogas me, num in exilium; non iubeo, sed, si me consulis, suadeo.

VI. Quid est enim, Catilina, quod te iam in hac urbe delectare possit? in qua nemo est extra istam coniurationem perditorum hominum, qui te non metuat, nemo, qui non oderit.

Quae nota domesticae turpitudinis non inusta vitae tuae est? quod privatarum rerum dedecus non haeret in fama? quae lubido ab oculis, quod facinus a manibus umquam tuis, quod flagitium a toto corpore afuit? cui tu adulescentulo, quem corruptelarum inlecebris inretisses, non aut ad audaciam ferrum aut ad lubidinem facem praetulisti? [14] Quid vero? nuper cum morte superioris uxoris novis nuptiis domum vacuefecisses, nonne etiam alio incredibili scelere hoc scelus cumulasti? quod ego praetermitto et facile patior sileri, ne in hac civitate tanti facinoris inmanitas aut extitisse aut non vindicata esse videatur. Praetermitto ruinas fortunarum tuarum, quas omnis inpendere tibi proxumis Idibus senties; ad illa venio, quae non ad privatam ignominiam vitiorum tuorum, non ad domesticam tuam difficultatem ac turpitudinem sed ad summam rem publicam atque ad omnium nostrum vitam salutemque pertinent. [15] Potestne tibi haec lux, Catilina, aut huius caeli spiritus esse iucundus, cum scias esse horum neminem, qui nesciat te pridie Kalendas Ianuarias Lepido et Tullo consulibus stetisse in comitio cum telo, manum consulum et principum civitatis interficiendorum causa paravisse, sceleri ac furori tuo non mentem aliquam aut timorem tuum sed fortunam populi Romani obstitisse?

Ac iam illa omitto--neque enim sunt aut obscura aut non multa commissa postea--quotiens tu me designatum, quotiens consulem interficere conatus es! quot ego tuas petitiones ita coniectas, ut vitari posse non viderentur, parva quadam declinatione et, ut aiunt, corpore effugi! nihil [agis, nihil] adsequeris [, nihil moliris] neque tamen conari ac velle desistis. [16] Quotiens tibi iam extorta est ista sica de manibus, quotiens [vero] excidit casu aliquo et elapsa est! [tamen ea carere diutius non potes] quae quidem quibus abs te initiata sacris ac devota sit, nescio, quod eam necesse putas esse in consulis corpore defigere.

VII. Nunc vero quae tua est ista vita? Sic enim iam tecum loquar, non ut odio permotus esse videar, quo debeo, sed ut misericordia, quae tibi nulla debetur. Venisti paulo ante in senatum. Quis te ex hac tanta frequentia totque tuis amicis ac necessariis salutavit? Si hoc post hominum memoriam contigit nemini, vocis expectas contumeliam, cum sis gravissimo iudicio taciturnitatis oppressus? Quid, quod adventu tuo ista subsellia vacuefacta sunt, quod omnes consulares, qui tibi persaepe ad caedem constituti fuerunt, simul atque adsedisti, partem istam subselliorum nudam atque inanem reliquerunt, quo tandem animo [hoc] tibi ferundum putas?

[17] Servi mehercule mei si me isto pacto metuerent, ut te metuunt omnes cives tui, domum meam relinquendam putarem; tu tibi urbem non arbitraris? et, si me meis civibus iniuria suspectum tam graviter atque offensum viderem, carere me aspectu civium quam infestis omnium oculis conspici mallem; tu cum conscientia scelerum tuorum agnoscas odium omnium iustum et iam diu tibi debitum, dubitas, quorum mentes sensusque volneras, eorum aspectum praesentiamque vitare? Si te parentes timerent atque odissent tui neque eos ulla ratione placare posses, ut opinor, ab eorum oculis aliquo concederes. Nunc te patria, quae communis est parens omnium nostrum, odit ac metuit et iam diu nihil te iudicat nisi de parricidio suo cogitare; huius tu neque auctoritatem verebere nec iudicium sequere nec vim pertimesces?

[18] Quae tecum, Catilina, sic agit et quodam modo tacita loquitur: "Nullum iam aliquot annis facinus exstitit nisi per te, nullum flagitium sine te; tibi uni multorum civium neces, tibi vexatio direptioque sociorum inpunita fuit ac libera; tu non solum ad neglegendas leges et quaestiones, verum etiam ad evertendas perfringendasque valuisti. Superiora illa, quamquam ferenda non fuerunt, tamen, ut potui, tuli; nunc vero me totam esse in metu propter unum te, quicquid increpuerit, Catilinam timeri, nullum videri contra me consilium iniri posse, quod a tuo scelere abhorreat, non est ferendum. Quam ob rem discede atque hunc mihi timorem eripe; si est verus, ne opprimar, sin falsus, ut tandem aliquando timere desinam."

[19] VIII. Haec si tecum, ita ut dixi, patria loquatur, nonne impetrare debeat, etiamsi vim adhibere non possit? Quid, quod tu te ipse in custodiam dedisti, quod vitandae suspicionis causa ad M'. Lepidum te habitare velle dixisti? A quo non receptus etiam ad me venire ausus es atque, ut domi meae te adservarem, rogasti. Cum a me quoque id responsum tulisses, me nullo modo posse isdem parietibus tuto esse tecum, qui magno in periculo essem, quod isdem moenibus contineremur, ad Q. Metellum praetorem venisti. A quo repudiatus ad sodalem tuum, virum optumum, M. Metellum, demigrasti; quem tu videlicet et ad custodiendum diligentissimum et ad suspicandum sagacissimum et ad vindicandum fortissimum fore putasti. Sed quam longe videtur a carcere atque a vinculis abesse debere, qui se ipse iam dignum custodia iudicarit!

[20] Quae cum ita sint, Catilina, dubitas, si emori aequo animo non potes, abire in aliquas terras et vitam istam multis suppliciis iustis debitisque ereptam fugae solitudinique mandare? "Refer" inquis "ad senatum"; id enim postulas et, si hic ordo [sibi] placere decreverit te ire in exilium, optemperaturum te esse dicis. Non referam, id quod abhorret a meis moribus, et tamen faciam, ut intellegas, quid hi de te sentiant. Egredere ex urbe, Catilina, libera rem publicam metu, in exilium, si hanc vocem exspectas, proficiscere. Quid est, Catilina? ecquid attendis, ecquid animadvertis horum silentium? Patiuntur, tacent. Quid exspectas auctoritatem loquentium, quorum voluntatem tacitorum perspicis?

[21] At si hoc idem huic adulescenti optimo, P. Sestio, si fortissimo viro, M. Marcello, dixissem, iam mihi consuli hoc ipso in templo iure optimo senatus vim et manus intulisset. De te autem, Catilina, cum quiescunt, probant, cum patiuntur, decernunt, cum tacent, clamant, neque hi solum, quorum tibi auctoritas est videlicet cara, vita vilissima, sed etiam illi equites Romani, honestissimi atque optimi viri, ceterique fortissimi cives, qui circumstant senatum, quorum tu et frequentiam videre et studia perspicere et voces paulo ante exaudire potuisti. Quorum ego vix abs te iam diu manus ac tela contineo, eosdem facile adducam, ut te haec, quae vastare iam pridem studes, relinquentem usque ad portas prosequantur.

[22] IX. Quamquam quid loquor? te ut ulla res frangat, tu ut umquam te corrigas, tu ut ullam fugam meditere, tu ut ullum exilium cogites? Utinam tibi istam mentem di inmortales duint! tametsi video, si mea voce perterritus ire in exilium animum induxeris quanta tempestas invidiae nobis, si minus in praesens tempus recenti memoria scelerum tuorum, at in posteritatem impendeat. Sed est tanti, dum modo ista sit privata calamitas et a rei publicae periculis seiungatur. Sed tu ut vitiis tuis commoveare, ut legum poenas pertimescas, ut temporibus rei publicae cedas, non est postulandum. Neque enim is es, Catilina, ut te aut pudor umquam a turpitudine aut metus a periculo aut ratio a furore revocarit.

[23] Quam ob rem, ut saepe iam dixi, proficiscere ac, si mihi inimico, ut praedicas, tuo conflare vis invidiam, recta perge in exilium; vix feram sermones hominum, si id feceris, vix molem istius invidiae, si in exilium iussu consulis ieris, sustinebo. Sin autem servire meae laudi et gloriae mavis, egredere cum inportuna sceleratorum manu, confer te ad Manlium, concita perditos cives, secerne te a bonis, infer patriae bellum, exsulta impio latrocinio, ut a me non eiectus ad alienos, sed invitatus ad tuos isse videaris.

[24] Quamquam quid ego te invitem, a quo iam sciam esse praemissos, qui tibi ad Forum Aurelium praestolarentur armati, cui iam sciam pactam et constitutam cum Manlio diem, a quo etiam aquilam illam argenteam, quam tibi ac tuis omnibus confido perniciosam ac funestam futuram, cui domi tuae sacrarium [scelerum tuorum] constitutum fuit, sciam esse praemissam? Tu ut illa carere diutius possis, quam venerari ad caedem proficiscens solebas, a cuius altaribus saepe istam impiam dexteram ad necem civium transtulisti?

[25] X. Ibis tandem aliquando, quo te iam pridem ista tua cupiditas effrenata ac furiosa rapiebat; neque enim tibi haec res adfert dolorem, sed quandam incredibilem voluptatem. Ad hanc te amentiam natura peperit, voluntas exercuit, fortuna servavit. Numquam tu non modo otium, sed ne bellum quidem nisi nefarium concupisti. Nactus es ex perditis atque ab omni non modo fortuna, verum etiam spe derelictis conflatam inproborum manum. [26] Hic tu qua laetitia perfruere, quibus gaudiis exultabis, quanta in voluptate bacchabere, cum in tanto numero tuorum neque audies virum bonum quemquam neque videbis! Ad huius vitae studium meditati illi sunt, qui feruntur, labores tui, iacere humi non solum ad obsidendum stuprum, verum etiam ad facinus obeundum, vigilare non solum insidiantem somno maritorum, verum etiam bonis otiosorum. Habes, ubi ostentes tuam illam praeclaram patientiam famis, frigoris, inopiae rerum omnium, quibus te brevi tempore confectum esse senties. [27] Tantum profeci tum, cum te a consulatu reppuli, ut exsul potius temptare quam consul vexare rem publicam posses, atque ut id, quod esset a te scelerate susceptum, latrocinium potius quam bellum nominaretur.

XI. Nunc, ut a me, patres conscripti, quandam prope iustam patriae querimoniam detester ac deprecer, percipite, quaeso, diligenter, quae dicam, et ea penitus animis vestris mentibusque mandate. Etenim, si mecum patria, quae mihi vita mea multo est carior, si cuncta Italia, si omnis res publica loquatur:

"M.Tulli, quid agis? Tune eum, quem esse hostem comperisti, quem ducem belli futurum vides, quem expectari imperatorem in castris hostium sentis, auctorem sceleris, principem coniurationis, evocatorem servorum et civium perditorum, exire patiere, ut abs te non emissus ex urbe, sed immissus in urbem esse videatur? Nonne hunc in vincla duci, non ad mortem rapi, non summo supplicio mactari imperabis? [28] Quid tandem te impedit? mosne maiorum? At persaepe etiam privati in hac re publica perniciosos cives morte multarunt. An leges, quae de civium Romanorum supplicio rogatae sunt? At numquam in hac urbe, qui a re publica defecerunt, civium iura tenuerunt. An invidiam posteritatis times? Praeclaram vero populo Romano refers gratiam, qui te, hominem per te cognitum nulla commendatione maiorum tam mature ad summum imperium per omnis honorum gradus extulit, si propter invidiam aut alicuius periculi metum salutem civium tuorum neglegis. [29] Sed, si quis est invidiae metus, non est vehementius severitatis ac fortitudinis invidia quam inertiae ac nequitiae pertimescenda. An, cum bello vastabitur Italia, vestabuntur urbes, tecta ardebunt tum te non existumas invidiae incendio conflagraturum?"

XII. His ego sanctissimis rei publicae vocibus et eorum hominum, qui hoc idem sentiunt, mentibus pauca respondebo. Ego si hoc optimum factu iudicarem, patres conscripti, Catilinam morte multari, unius usuram horae gladiatori isti ad vivendum non dedissem. Etenim si summi viri et clarissimi cives saturnini et Gracchorum et Flacci et superiorum complurium sanguine non modo se non contaminarunt, sed etiam honestarunt, certe verendum mihi non erat, ne quid hoc parricida civium interfecto invidiae [mihi] in posteritatem redundaret. Quodsi ea mihi maxime inpenderet tamen hoc animo fui semper, ut invidiam virtute partam gloriam, non invidiam putarem.

[30] Quamquam non nulli sunt in hoc ordine, qui aut ea, quae inminent non videant aut ea, quae vident, dissimulent; qui spem Catilinae mollibus sententiis aluerunt coniurationemque nascentem non credendo corroboraverunt; quorum auctoritate multi non solum improbi, verum etiam inperiti, si in hunc animadvertissem, crudeliter et regie factum esse dicerent. Nunc intellego, si iste, quo intendit, in Manliana castra pervenerit, neminem tam stultum fore, qui non videat coniurationem esse factam neminem tam improbum, qui non fateatur. Hoc autem uno interfecto intellego hanc rei publicae pestem paulisper reprimi, non in perpetuum comprimi posse. Quodsi se eiecerit secumque suos eduxerit et eodem ceteros undique collectos naufragos adgregarit, extinguetur atque delebitur non modo haec tam adulta rei publicae pestis, verum etiam stirps ac semen malorum omnium.

[31] Etenim iam diu, patres conscripti, in his periculis coniurationis insidiisque versamur, sed nescio quo pacto omnium scelerum ac veteris furoris et audaciae maturitas in nostri consulatus tempus erupit. Quodsi ex tanto latrocinio iste unus tolletur, videbimur fortasse ad breve quoddam tempus cura et metu esse relevati, periculum autem residebit et erit inclusum penitus in venis atque in visceribus rei publicae. Ut saepe homines aegri morbo gravi cum aestu febrique iactantur, si aquam gelidam biberunt, primo relevari videntur, deinde multo gravius vehementiusque adflictantur, sic hic morbus, qui est in re publica, relevatus istius poena vehementius reliquis vivis ingravescet.

[32] Quare secedant inprobi, secernant se a bonis, unum in locum congregentur, muro denique, [id] quod saepe iam dixi, secernantur a nobis; desinant insidiari domi suae consuli, circumstare tribunal praetoris urbani, obsidere cum gladiis curiam, malleolos et faces ad inflammandam urbem comparare; sit denique inscriptum in fronte unius cuiusque, quid de re publica sentiat. Polliceor hoc vobis, patres conscripti, tantam in nobis consulibus fore diligentiam, tantam in vobis auctoritatem, tantam in equitibus Romanis virtutem, tantam in omnibus bonis consensionem, ut Catilinae profectione omnia patefacta, inlustrata, oppressa, vindicata esse videatis.

[33] Hisce ominibus, Catilina, cum summa rei publicae salute, cum tua peste ac pernicie cumque eorum exitio, qui se tecum omni scelere parricidioque iunxerunt, proficiscere ad impium bellum ac nefarium. Tu, Iuppiter, qui isdem quibus haec urbs auspiciis a Romulo es constitutus, quem Statorem huius urbis atque imperii vere nominamus, hunc et huius socios a tuis [aris] ceterisque templis, a tectis urbis ac moenibus, a vita fortunisque civium [omnium] arcebis et homines bonorum inimicos, hostis patriae, latrones Italiae scelerum foedere inter se ac nefaria societate coniunctos aeternis suppliciis vivos mortuosque mactabis.

Fontes:

Luiz Carlos Moniz Barreto (trad.), Historia das Orações de M.T. Cicero ..., Lisboa, Off. Manoel Antonio, 1772;

Pe. Antonio Joaquim (trad.), Orações principaes de M. T. Cicero, 3 vols., Lisboa, Regia Off. Typ., 1779-1780 (2.ª ed, 1807-1808; nova ed., 1848);

Nicolau Firmino (trad.), As catilinárias de Marco Túlio Cícero, Lisboa, s.n., 1942 (2.ª e 3.ª eds., 194-; 4.ª ed., 1950/1951)

Pe. Arlindo Ribeiro da Cunha (trad.), In Catilinam, Marco Tulio Cícero, Braga, Livraria Cruz, 1944;

Maria Helena da Rocha Pereira (dir.), Cicero. As Catilinárias, Defesa de Murena, Defesa de Árquias, Defesa de Milão,Lisboa, Verbo («Série Clássicos Gregos  Latinos»), 1974;

Sebastião Tavares de Pinho (trad.), As Catilinárias, Cícero, Lisboa, Edições 70, 1989.

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Ligações:
Cícero e Catilina
Imagem da Semana de Novembro de 2002
A ler:
João Daniel Lourenço, Cícero, Mem Martins, Inquérito («Vultos da antiguidade, 9»), 1999.

Outros discursos
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