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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

1645) Meu balanço da década que passou...

Balanço da primeira década do século 21: um retrospecto pessoal
Por Paulo Roberto de Almeida
Via Política, 2.01.2010

Uma avaliação livre e confessional do que foi mais importante nos últimos dez anos.

Introdução (que deveria ser breve) sobre métodos e intenções

Vamos aproveitar esta oportunidade da passagem de uma década completa para elaborar uma avaliação em torno do que de mais importante se passou nos primeiros dez anos do século 21, que também são os primeiros do novo milênio. Com efeito, períodos ‘redondos’ – e uma década tem essa característica – se prestam bastante bem a esse tipo de balanço retrospectivo, ou seja, uma avaliação do que ocorreu – ou do que fizemos no período transcorrido.

Dez anos permitem ultrapassar a brevidade relativa do calendário anual e são mais ‘administráveis’, na nossa perspectiva de vida, do que uma geração ou duas (25 ou 50 anos). Estes últimos dez anos oferecem inclusive a vantagem de serem os primeiros de um novo século, e este foi, justamente, o título de um dos meus livros: Os Primeiros Anos do Século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo Paz e Terra, 2002), uma releitura aroniana do cenário mundial no contexto da globalização. Eles constituem, assim, uma referência cronológica simbólica para avaliar (e especular sobre) a próxima centúria, com essa vantagem adicional, justamente, de terem iniciado um novo milênio.

Eis o que me proponho oferecer neste pequeno texto recapitulativo: um breve retrospecto do quê representaram os últimos dez anos para o Brasil e para o mundo. A seleção de fatos políticos, de eventos econômicos e de processos sociais aqui efetuada é puramente subjetiva, refletindo minhas escolhas pessoais quanto às situações de fato e aos cenários estratégicos já ocorridos nos últimos dez anos. No plano ‘confessional’ faço questão de registrar minha posição de cidadão livre de toda e qualquer afiliação política ou partidária (a distinção pode ser importante), de qualquer vinculação religiosa (aliás, sou completamente ‘irreligioso’) e, sobretudo, minha total independência em relação ao Estado, a despeito mesmo de minha condição de servidor federal de uma das carreiras supostamente mais reputadas por sua ‘servidão’ aos interesses do Estado: a diplomacia.

Na verdade, considero-me livre de qualquer tipo de obrigação adesista a qualquer governo que seja, sendo perfeitamente ‘anarquista’ no plano político-profissional e um promotor consciente dos direitos dos cidadãos contra os interesses do Estado, tanto no plano nacional (não sou, como se pode deduzir, um exemplo de ‘patriota’) como no internacional (gostaria de ser um cidadão do mundo, o que, helàs, ainda não é possível).

O bug que deveria ser um bang e um mini-crash financeiro
Começamos a década por um blefe, ou talvez uma paranóia, tão irracional quanto ridícula: a ameaça de colapso informático – e, por extensão, de diversos serviços públicos – por causa de um suposto “bug do milênio”, que teria a propriedade (segundo os catastrofistas de ocasião) de paralisar todos os sistemas eletrônicos a partir da incapacidade dos antigos programas operacionais de acomodar a passagem do calendário. Eu estava nos EUA quando o velho milênio chegava ao seu final e posso testemunhar como nunca antes naquele país – talvez desde as centúrias de Nostradamus – se assistiu a tamanha paranóia coletiva com relação ao colapso de about almost everything: colocados em dúvida pelos próprios meios de comunicação, os americanos começaram a estocar montanhas de alimentos, garrafões de água, lanternas e baterias, num ritmo jamais igualado desde a passagem do ano 1000 (quando provavelmente a maioria da população sequer tinha consciência de que o fim do mundo se aproximava).

Claro, os americanos foram poupados da catástrofe anunciada do bug do milênio – por lá chamado de Y2K – mas eles não conseguiram escapar da primeira crise econômica do século, a das empresas ‘ponto.com’, por incidir sobre as ações das novas companhias da sociedade da informação. Com efeito, os índices Dow (a 11.723 pontos) e Nasdaq (a 5.049, este medindo o desempenho de empresas de comunicação) tinham chegado a níveis inéditos de valorização: era a ‘exuberância irracional’ do guru do Federal Reserve, o inescrutável Alan Greenspan. Daí eles só poderiam cair, a despeito de que alguns economistas reputados afirmassem que a economia capitalista poderia ter chegado num estágio em que ela, finalmente, teria se tornado imune a ciclos e, portanto, às suas crises regulares.

Bastou a hipótese da estabilidade do capitalismo ser aventada para que a realidade de suas flutuações crônicas caísse na cabeça de seus promotores, com toda a sua carga de irracionalidade periódica: no espaço de uma semana, no final do ano, as ações das “.com” despencaram de alturas olímpicas para patamares mais terrestres (algumas foram direto para o primeiro círculo do inferno). Bilionários como Warren Buffet e Bill Gates ficaram, repentinamente, alguns bilhões de dólares mais pobres –nada de muito dramático para eles – mas, antes da queda fatal, especuladores sortudos e jovens investidores que tinha sido remunerados com stock options na constituição dessas ‘inexpressivas’ companhias (no começo dos anos 1990) já tinham encaixado suas fortunas a partir da venda de ações no auge da bolha acionária. Sempre é assim: os inexperientes e ambiciosos acabam fazendo a felicidade de alguns poucos espertos, em todo caso pessoas dotadas de faro apurado para saber sair da ciranda no timing exato da maior valorização, posto que bolhas são tão regulares quanto implacáveis.

No Brasil, nesse mesmo momento, o PSDB começou a perder a possibilidade de um terceiro mandato, a partir de crises especificamente brasileiras. Entre a desvalorização e a flutuação do real, em 1999, e o apagão elétrico de 2001, com racionamento, o ano 2000 foi relativamente ‘feliz’ do ponto de vista econômico: crescimento do PIB e pagamento antecipado do dinheiro colocado à disposição pelo FMI depois da crise de confiança de 1998. Mas logo em seguida começou a degringolada argentina: o regime de conversibilidade (de fato rigidez) cambial começou a fazer água no inicio de 2001, sem que se pudesse antecipar a derrocada espetacular no final desse ano, o que levou o Brasil a fazer o seu segundo pacote preventivo com o FMI, por um valor ‘modesto’ de US$ 15 bilhões (comparativamente aos US$ 41,5 bi de 1998 e aos US$ 30 bi de 2002).

O cowboy religioso e o sindicalista de esquerda
No final de 2000, um ‘perfeito idiota americano’ ganhava na Corte Suprema o direito de não serem recontados os votos das eleições fraudadas da Flórida e, com isso, acedia ao comando da mais poderosa nação do planeta (o que certamente não prenunciava nada de bom para a década que começava). Seu desempenho inicialmente medíocre e potencialmente controverso na liderança do Império foi, paradoxalmente, ‘salvo’ de um registro histórico inexpressivo pelos ataques terroristas a New York e a Washington, em setembro de 2001, o que lhe deu um realce nas relações internacionais que ele jamais teria por mérito próprio ou capacidade de liderança. De certa forma, ao atacar o coração do Império, Osama Bin Laden deu algum sentido ao governo de Bush, que de outra forma seria medíocre.

O ataque – devidamente autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU – ao quartel general da Al Qaeda, abrigado pelo governo talibã do Afeganistão – recebeu a aprovação quase unânime da comunidade internacional, da mesma ONU que não tinha conseguido impedir a destruição assassina das estátuas gigantes dos Budas de Bamian, um ano antes. Mas George W. conseguiu converter todo esse apoio em rejeição também quase unânime ao prolongar sua ofensiva contra o terrorismo internacional num ataque desautorizado pelo CSNU contra o regime – certamente celerado e criminoso – de Saddam Hussein, no Iraque, já no início de 2003, numa das iniciativas mais mal calculadas pelos ‘falcões’ do Pentágono.

Nessa altura, o Brasil já tinha passado pela mais importante mudança política desde o início da República, ao eleger um líder supostamente de esquerda e teoricamente representante da classe trabalhadora como seu presidente (na quarta tentativa). Não foi sem custos para o país, pelo menos durante o processo eleitoral: o risco Brasil subiu às alturas, junto com o dólar, ao mesmo tempo em que despencavam nos mercados financeiros globais os valores negociados dos títulos da dívida externa brasileira. Nem tudo foi apenas especulação dos garotos de Wall Street, embora algo possa ser creditado à ‘ação maldosa’ dos mercados financeiros, et pour cause: o PT – um típico partido esquerdista latino-americano – prometia em seu programa de ação calote nas dívidas externa e interna, rejeição dos acordos com o FMI e mudança completa nas regras do jogo, segundo uma política econômica claramente esquizofrênica.

Obviamente, as lideranças mais esclarecidas – ou mais oportunistas – do partido já tinham prometido, na ‘Carta ao Povo Brasileiro’ (junho de 2002), respeitar todos os contratos internacionais e as obrigações externas do Brasil, mudança bem recebida pelos banqueiros e burgueses em geral (que apoiaram entusiasticamente o novo aliado do capital). Eu já tinha incorporado essa vitória em vários capítulos pré-eleitorais de meu livro A Grande Mudança: conseqüências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Codex, 2003), no qual eu anunciava a conversão não reconhecida, de fato clandestina, do nouveau régime ao neoliberalismo.

“Nunca antes neste país”: refazendo a história com a herança alheia...
O resto, pode-se dizer que é História: o presidente eleito e empossado teve o bom senso de preservar em sua integridade todos os elementos da política econômica anterior – metas de inflação, flutuação cambial, superávits primários – e de acolher nos gabinetes ministeriais vários quadros técnicos comprometidos com o que os petistas chamavam desdenhosamente de “neoliberalismo”, rejeitando, em conseqüência, a esquizofrenia econômica contida nas recomendações dos seus próprios ‘economistas’. Foi a coisa mais sensata que poderia ter acontecido ao Brasil: mesmo sem acreditar muito na política econômica ‘neoliberal’, o presidente garantiu as bases de seu sucesso político ulterior, junto com a preservação da estabilidade econômica. Bem, isso se chama, simplesmente, instinto de sobrevivência, ou seja, sensibilidade política e bom senso econômico. Ele deve ter desconfiado que a aplicação das receitas econômicas surrealistas dos seus conselheiros petistas ameaçaria diretamente suas chances eleitorais ou simplesmente não seria economicamente sustentável, e agiu em conseqüência.

Claro, houve tropeços políticos e muitos, alguns deles desastrosos, que quase precipitaram um final precoce do nouveau régime: alguns deles começaram ainda cedo, com as patifarias e negociatas promovidas por lugares tenentes dos novos chefes do poder, o que foi desastroso para a imagem pública do partido que estava comemorando 25 aninhos de vida. Um erro de cálculo quanto à extensão da base de apoio do governo no Congresso conduziu ao uso mal administrado do recurso mais habitual dos responsáveis do Executivo que se julgam onipotentes: a compra, no varejo e no atacado, de parlamentares, e até de bancadas inteiras, negociados como se fossem escravos em hasta pública (mas num leilão a portas fechadas). Deu no que deu: o Richelieu todo poderoso que se julgava ao abrigo de retaliações comezinhas, arrogante como um candidato a Stalin tropical (ainda bem que sem Gulag), foi posto a nu por um desses trânsfugas de negociatas mal conduzidas, decerto descontente com o preço pago ou contrariado em seu amor próprio de chefe de bancada). Não só caiu toda a cúpula bichada do partido hegemônico, mas também houve ameaças ao próprio chefe da tribo, que salvou-se por incompetência da oposição ou por ter alegado uma inocência tão canhestra que nem seus mais próximos acreditavam.

Mas, o chamado ‘escândalo do mensalão petista’ foi apenas o primeiro de uma sucessão de episódios lamentáveis envolvendo a reputação de um Congresso cada vez mais emporcalhado pelo desfilar contínuo de comportamentos escabrosos no plano da moralidade pública, e totalmente irresponsável quanto ao bom uso dos recursos públicos, estes, aliás, devidamente saqueados pela sanha arrivista de legiões de militantes do partido no poder. No início ainda existia alguma tentativa de justificar as patifarias cometidas, a pretexto da inacreditável alegação de que “sempre se fez assim” ou, então, na base do “sou, mas quem não é?”. No acumular de episódios cada vez mais constrangedores para a reputação do partido outrora ‘ético’ – apenas para fins de imagem externa, obviamente – foram se esvaindo as justificativas mais esfarrapadas, ao ponto de sequer haver a tentativa ulterior de aparentar inocência, impondo-se apenas a atitude generalizada de obstruir no plano executivo e bloquear no âmbito congressual qualquer investigação mais séria. Como já se tinha disseminado o habito de comprar a preço de ouro bancadas inteiras, nunca faltou maioria para votar o que fosse conveniente, mesmo com o apoio incômodo de antigos representantes reacionários e corruptos.

A situação do Congresso brasileiro, e das instituições públicas em geral, se deteriorou tanto que não cabe aqui fazer qualquer balanço valorativo, valendo apenas aplicar-se a frase conhecida: “não há qualquer risco de melhorar” (pelo menos nos próximos dez anos, inclusive com base numa justiça leniente ou talvez até corrupta). Em outros países, a representação parlamentar não é certamente isenta de sua cota de medíocres, aventureiros e corruptos, mas é certo que, em países mais sérios, os maiores desviantes acabam sendo levados às barras dos tribunais e às grades das cadeias por um tempo razoável, o que parece jamais ter ocorrido no Brasil.

O Brasil surfando na onda do crescimento mundial
Qualquer que tenha sido o grau de moralidade dos sistemas políticos around the world, o fato é que o mundo embarcou, desde 2002, numa das fases de mais intenso crescimento econômico já registradas na história contemporânea, com valorização inédita de todas as matérias primas, forte expansão do comércio internacional e intensa especulação com todos os tipos de instrumentos financeiros, processo que cobraria o seu preço no final da década. O Brasil surfou alegremente nessa onda de crescimento econômico global, com expansão das exportações (mais pelo lado dos preços do que dos volumes), estímulo à demanda interna (com crescimento da oferta de crédito) e aumento da massa salarial e das rendas de transferência (pensões e assistência social).

O governo não contrariou em demasia as regras dos mercados – tampouco as do setor financeiro ou o regime cambial – o que deve ter descontentado sobremaneira seus velhos aliados e apoiadores, promotores da antiga política econômica esquizofrênica. Esta, que tinha (ainda tem) muitos defensores no governo pretendia controlar os fluxos de capitais, efetuar manipulações cambiais, reduzir substancialmente o superávit primário e lograr mais flexibilidade creditícia (mesmo sob risco de atiçar a inflação). Nem tudo foi perfeito, porém: a irresponsabilidade econômica do governo – alinhando-se com isso aos que propugnavam a expansão supostamente keynesiana dos gastos públicos – consistiu essencialmente em permitir, e promover ativamente, o crescimento desmesurado da carga fiscal, da qual apenas uma pequena parte foi dedicada a gastos sociais, a maior parte indo para banqueiros amigos do poder e para industriais amigos dos subsídios públicos dispensados pelos bancos do poder. Antecipando sobre minhas previsões, pode-se dizer que esta será a herança maldita a ser deixada pelo atual governo a seu sucessor, qualquer que seja ele: uma bomba-relógio fiscal a ser penosamente desativada, sob risco de explodir.

Os grandes temas dos anos 2000, no plano mundial, foram essencialmente estes: o recrudescimento e ampliação dos ataques terroristas – em países tão diferentes quanto EUA, Inglaterra, Espanha, Paquistão, Indonésia, Rússia, Jordânia, Filipinas, Turquia, Índia e, obviamente, Israel – fenômeno equiparado por alguns analistas a uma “quarta guerra mundial” (sendo que a terceira teria sido a Guerra Fria, vencida pelo capitalismo de mercado); a ascensão irresistível da China enquanto grande economia manufatureira e, potencialmente, grande potência mundial; a proliferação nuclear, com alguns casos intratáveis como os da Coréia do Norte e do Irã; a disseminação extraordinária da internet e dos meios de comunicação de massa, com fenômenos comerciais de sucesso como o iPod e o iPhone e alguns exemplos de “almoços grátis” no capitalismo, como os blogs e outros canais instantâneos de comunicação; o aquecimento global, que pode ser considerado uma nova modalidade de “malthusianismo” da nossa era, substituindo-se a antiga preocupação com o crescimento geométrico da população – processo ainda em curso em certas regiões e países – pela ameaça da destruição irremediável do nosso estilo de vida em função da alegada ação humana deletéria sobre o meio ambiente.

A década termina por onde começou: com crise financeira e guerra...
Para os Estados Unidos, a década foi dominada pela infeliz decisão bushiana de invasão do Iraque, a pretexto de que o afastamento do ditador abriria uma era de democratização regional e de eliminação das fontes de terrorismo mundial (já que a alegação de posse de armas de destruição em massa nunca foi acolhida pelos órgãos da ONU). A ilusão da onipotência militar, e o esquecimento das lições do Vietnã, levaram a situações de nítido constrangimento imperial – como o tratamento duro reservado aos prisioneiros em Abu Ghraib ou Guantánamo – e a impasses persistentes no terreno, o que inclui a missão ainda não terminada no Afeganistão, um atoleiro literal. A despeito da continuidade dessas aventuras militares, o presidente Obama foi contemplado com o prêmio Nobel da Paz em 2009, provavelmente em função de suas promessas de operar a retração do unilateralismo arrogante do presidente anterior e de recolocar a ação securitária dos EUA nos quadros do multilateralismo onusiano.

A década terminou com uma repetição da crise de 1929, desta vez a partir de uma bolha imobiliária convertida em implosão financeira, permitida pela suspensão, nos anos 1990, das restrições financeiras criadas nos anos 1930 para evitar o excesso de alavancagem. O fato é que a crise econômica iniciada na sequência da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, inverteu os anos de crescimento inédito do PIB mundial – em níveis nunca antes alcançados – e a valorização extraordinária dos preços de todas as commodities (o que beneficiou amplamente a economia brasileira), mas fez avançar também as bases institucionais da coordenação econômica mundial, com uma quase eclipse do G7 e a emergência do G20, um grupo de países desenvolvidos e em desenvolvimento representando quase 85% do PIB mundial.

As hostes keynesianas e regulacionistas usaram a crise como uma evidência contundente do mau funcionamento dos mercados financeiros deixados livres e soltos, mas o fato é que foram as ações dos governos – inclusive a longa e inacreditável permissividade do Federal Reserve, ao manter os juros artificialmente baixos em 2% entre 2002 e 2005 – que permitiram as oportunidades para o setor privado explorar os nichos de crescimento para o financiamento privado, que por sua vez criaram as bolhas que começaram a se desfazer ainda em 2007. O Brasil também usou e abusou de medidas anticíclicas de estímulo fiscal, num keynesianismo de fachada que entusiasmou seus apoiadores em certos setores do governo, mas este – sobretudo do lado do Banco Central – não foi tão longe a ponto de abolir o sistema de flutuação cambial ou de impor restrições indevidas aos fluxos de capitais, a não ser a imposição inócua de uma taxa de 2% sobre capitais estrangeiros aplicados em instrumentos financeiros (os especuladores nacionais ficaram, no entanto, livres de fazê-lo).

[vôo Beijing-Paris: 6.12.2009; vôo Paris-São Paulo: 9.12.2009; Brasília: 19.12.2009]
2/1/2010

Fonte: ViaPolítica/O autor
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais e diplomata de carreira.
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