Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
1669) Protecionismo: a ilusão que passa por esperteza
Paulo Roberto de Almeida
Todo economista sensato é – ou deveria ser – a favor do livre comércio. Digo ‘deveria ser’ pois que não existem argumentos econômicos contrários ao princípio, e os economistas (insensatos?) que se posicionam contrariamente, o fazem por outras razões que não as de ordem propriamente econômica: defesa do emprego nacional, ausência de reciprocidade por parte dos parceiros comerciais, desequilíbrios setoriais devidos a externalidades negativas em outros setores, etc.; ou seja, argumentos de natureza puramente política, quando não oportunista ou meramente conjuntural.
Todos os políticos sensatos afirmam ser – por vezes enganosamente – a favor do livre comércio, mas de fato praticam o mais deslavado protecionismo; eles o fazem sob o argumento de que “a teoria é perfeita, mas na prática não funciona”; na verdade, geralmente, eles estão apenas atrás de reeleição no seu curral eleitoral, eventualmente ameaçada se a competição estrangeira destruir muitos empregos localmente.
É compreensível que a lógica (inatacável) do livre comércio não seja muito compreensível ao cidadão comum (com perdão pela redundância): pessoas sem maior instrução econômica – ou sem um simples conhecimento da história – não conseguem compreender que comprar produtos mais baratos do exterior sempre será melhor do que tentar fazer tudo localmente, empregando-se os fatores nacionais na produção de bens para os quais se dispõe de vantagens comparativas relativas, posto que, dessa forma, a renda aumentará para todos os parceiros no negócio, tanto exportadores quanto importadores. O cidadão comum só consegue ver a “perda” dos empregos locais e a “transferência” de renda para o exterior, deixando de perceber os benefícios evidentes da especialização produtiva segundo a dotação (não estática) de fatores.
É menos compreensível que políticos, em geral cidadãos mais educados do que a média – ops, talvez não em todos os países... –, sejam contra o livre comércio, posto que eles (ou os seus assessores) estariam em condições de comprovar o quanto o livre comércio contribui para o aumento dos índices de produtividade, para os níveis de competitividade e, portanto, para a geração de riqueza nacional, medidos direta ou indiretamente quanto aos seus resultados de médio e de longo prazos. Mas talvez não se possa pedir a políticos que sejam sempre racionais e coerentes com a realidade.
É menos compreensível ainda, ou talvez não seja racionalmente admissível, que economistas inteligentes se posicionem contra o livre comércio, quando, mesmo decidido unilateralmente, ele só traz benefícios aos países que o praticam. Como dito acima, os argumentos contra o livre comércio por parte de ‘economistas’ não são de natureza econômica, mas de ordem essencialmente política. Mesmo um economista reputado inteligente como Paul Samuelson produziu um ‘teorema’ e caiu na esparrela de opor-se a ele sob a justificativa de que o livre comércio diminuía os salários dos trabalhadores menos qualificados... nos Estados Unidos (sic!).
Talvez os economistas que assim procedem tampouco querem, a exemplo dos políticos oportunistas, ser acusados de contribuir para a perda de empregos nacionais, ou para o aumento do déficit comercial, seja lá o que for mais importante. Mas nada explica a construção de argumentos aparentemente sérios contra o livre comércio, quando essa oposição causa, objetivamente, perda de renda nacional, perda de oportunidades de especialização produtiva – e portanto de ganhos de produtividade em setores com demanda externa potencialmente maior – e perda de nichos de integração na economia internacional, a maior provedora possível de tecnologias inovadoras, know-how, capitais e receitas de exportação. Não se pode esquecer que, por definição, a soma do conhecimento externo sempre será maior do que qualquer conhecimento interno, mesmo para a maior e mais poderosa economia nacional (o que é evidente pelos dados de licenciamento tecnológico e de registro de patentes).
O livre comércio, aliás, é um pouco como a tecnologia: ele destrói alguns empregos localizados, setorialmente e temporariamente, ao mesmo tempo em que cria novos empregos, em setores mais avançados e geralmente de melhores salários. Pode ocorrer, claro, que as perdas sejam mais amplas, de mais longa duração, e que os novos empregos não sejam, localmente, de mais alta remuneração. Mas isto se deve a outros fatores causais, talvez externalidades negativas ainda não revertidas pela economia nacional, e não propriamente aos mecanismos do livre comércio, que sempre tendem a produzir ganhos de renda na economia como um todo.
Sendo isso verdade – e não vejo argumentos contrários a essas idéias que sejam racionalmente defensáveis – é surpreendente que o livre comércio não seja ainda mais disseminado – ou seja, universal e unilateral – do que os poucos exemplos parciais, quase em formato de arquipélago ou de colcha de retalhos, dos acordos que podem ser legitimamente classificados sob essa rubrica e como tal registrados na OMC. Com efeito, a maior parte dos acordos ditos de livre comércio são, na verdade, de liberalização comercial, deixando ainda largas frações das economias nacionais – geralmente agricultura e indústrias labor-intensive – ao abrigo da concorrência estrangeira.
O outro argumento – de natureza política, sublinhe-se mais uma vez – que busca refrear o avanço dos acordos de livre comércio é o de que os seus ganhos (ou perdas), do ponto de vista da renda dos cidadãos, seriam muito pequenos e difusos (ou seja, disseminados por toda a sociedade), ao passo que seu impacto negativo é geralmente concentrado numa indústria ou num setor específico, podendo produzir, portanto, efeitos devastadores numa cidade ou numa região inteira. Se isso é verdade, por isso mesmo políticos responsáveis deveriam ser a favor do livre comércio, posto que os ganhos (ou perdas) para a economia e a sociedade como um todo são incomensuravelmente maiores do que o argumento do foco concentrado, por definição parcial e limitado a uma parte apenas da economia ou da sociedade.
Um simples cálculo de contabilidade nacional permitiria comprovar que o efeito de uma tarifa elevada ou de uma salvaguarda – mesmo temporária – sobre um produto ou serviço qualquer oferecido em competição a um similar nacional é muito mais relevante do que os custos setoriais e limitados do livre comércio, por vezes em dígitos de milhões, contra simples dezenas ou centenas de milhares. Da mesma forma, os empregos perdidos (ou não criados) pela ausência de livre comércio são mais relevantes, no plano da qualidade e dos vencimentos, do que os poucos empregos preservados temporariamente pela sanha de algum político protecionista.
Este é, finalmente, o último argumento em favor do livre comércio: os empregos assim ‘salvos’, estão irremediavelmente condenados, posto que eles não poderão se manter indefinidamente num mundo irremediavelmente globalizado (mas, de certa forma, ele sempre o foi, pelo menos para as economias de mercado). A indústria assim protegida corre um risco ampliado de, mais cedo ou mais tarde, perecer completamente, quando não se lhe oferece a oportunidade (e a chance) de enfrentar a concorrência pela qualificação tecnológica, pela reconversão produtiva, pela inovação incremental.
Não existem, repito, argumentos racionais, economicamente defensáveis, contra o livre comércio; tudo o que se disser contra ele tem causas e fundamentação essencialmente políticas. Ainda aguardo o teorema que irá provar o contrário, eu e David Ricardo...
2 comentários:
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PRA,
ResponderExcluirInteressante análise, como sempre. Porém, um aspecto desse assunto me intriga: a alegação de que o livre comércio manteria as nações menos industrializadas em estágio econômico dito "inicial e infantil", sem ascender aos níveis mais elevados de desenvolvimento tecnológico. O Brasil, p. ex., se abrisse os portos seria sempre um exportador de soja e açúcar ao passo que teríamos que importar todos os notebooks. Se o livre comércio é bom até para os países em desenvolvimento, como ocorreria a transferência de capital do setor especializado segundo o viés ricardiano (no nosso caso, a agricultura) para os setores mais avançados? Ou seríamos sempre fazendeiros comprando computadores e aparelhos de ressonância magnética? Durante o ciclo do café não éramos ricardianos ao extremo? E isso foi bom?
Grato e até.
E. Baldi,
ResponderExcluirO seu, não é um argumento econômico, mas puramente político, ou seja, ele tem a ver com as dotações relativas (que nunca são absolutas), como se estas fossem estáticas e absolutamente imutáveis ao longo do tempo, e como se fazendeiros supostamente ricardianos estivessem condenados a sê-lo pela eternidade afora.
O capital (liquido por natureza) se desloca entre várias atividades ao longo do tempo e, com a intensidade de capital na agricultura, ele também vai se dedicar a uma variedade de outras atividades.
Você não deve ignorar, por exemplo, a quantidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico contida numa única semente de soja, e todos os serviços que a atividade gera.
A agricultura hoje não se distingue da indústria e talvez tenha até mais pesquisa do que na indústria.
O Brasil aproveitou ao máximo as suas vantagens ricardianas no café durante todo o século 19, acumulou capital e isso foi muito bom. No momento devido parte desses capitais migraram para a indústria, sem qualquer política industrial explícita, a não ser os efeitos indiretos da tarifa alta (que no entanto servia mais a fins fiscais, ou seja de arrecadação de recursos para o Estado, inclusive se pagava também na exportação de café, do que a fins industrializantes).
Não existe essa condenação agrícola de que você fala.
Não se esqueça, por outro lado, que países ricos se tornaram assim unicamente pela agricultura: Holanda, no século 16 e 17, Dinamarca, nos séculos 18 e 18, os EUA no século 19, a Austrália e Nova Zelândia, no século 20.
Não existe nenhuma vergonha e atraso em ser eficiente na agricultura, ou seja, explorar as vantagens ricardianas.
A Argentina era muito mais rica um século atrás exportando puramente produtos da terra: carne e trigo.
A indústria segue atrás, sem nenhum problema...
Paulo Roberto de Almeida
12.01.2010