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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
1741) Qualidade das universidades privadas - Vitor Wilher
Vítor Wilher
Instituto Millenium, 15/01/2010
Essa é uma pergunta que parece atordoar a todos aqueles minimamente preocupados com o futuro do Brasil. Apesar disso, pouco se compreende do problema principal. Os empresários do setor são tratados como “porcos capitalistas”, cujo único objetivo é encher os bolsos de dinheiro. Ignoram, por suposto, a qualidade de um serviço que é considerado por muitos, público. Mas será que os donos de universidades privadas são, de fato, os reais vilões dessa história?
A lógica econômica do mercado de educação superior no Brasil indica que não. Há um problema estrutural que faz com que as universidades privadas tenham se expandido nos últimos anos sem se preocupar muito com a qualidade dos seus cursos. No presente artigo é investigado esse e outros questionamentos que envolvem a estrutura do mercado de educação no país.
Em primeiro lugar, é preciso entender que a educação superior não pode ser considerada um bem/serviço público, pois não atende duas condições básicas relacionadas a tais bens: a) o custo adicional por um indivíduo a mais se beneficiar do bem ser zero; b) ser muito difícil (senão impossível), excluir uma pessoa que esteja interessada em se beneficiar do bem. A iluminação de uma rua pode ser considerada um bem público, pois pouco importa se cem ou duzentas pessoas a utilizam: não há custo adicional por pessoa para prover a mesma. Além disso, é muito difícil excluir alguém de se beneficiar de tal iluminação.
Já um bem privado rompe com tais premissas. O consumo de uma calça jeans é rival, pois não pode ser feito por duas pessoas ao mesmo tempo – diferentemente do exemplo da iluminação pública. Além disso, a compra de um par de sapatos por uma pessoa naturalmente exclui outra do consumo daquele mesmo bem. O custo de mais um aluno em uma universidade não é zero, pois para recebê-lo, a mesma deve dimensionar professores, salas de aula, computadores, carteirinhas e mais uma variedade de outros custos. Além disso, o princípio da exclusão é perfeitamente aplicado: quando um estudante ocupa uma vaga, ele exclui alguém de ocupar aquela mesma vaga. Desse modo, ainda que sob determinadas circunstâncias o subsídio estatal seja válido, a educação superior é um bem tipicamente privado, devendo ser submetido ao mecanismo de preço. Em outros termos, a educação superior é um negócio cheio de especificidades, mas não deixa de ser um negócio.
A segunda consideração a ser feita sobre a educação superior diz respeito ao perfil da demanda. É intuitivo pensar que as universidades privadas tomam como dado o aluno formado na educação básica (ensino fundamental mais ensino médio), não tendo interferência no processo. O que as universidades privadas fazem - ou deveriam fazer - seria disputar os alunos de acordo com suas estratégias de mercado - ênfase em pesquisa acadêmica, em nichos, em ensino propriamente dito etc. Sob este aspecto, o ponto que segue é esclarecedor.
Ocorre que as estratégias das universidades privadas são bastante limitadas no Brasil. Isto porque, dentro da estrutura do mercado de educação superior existe uma especificidade importante: a existência de substitutos gratuitos. No momento da escolha do curso superior, o estudante encontra duas opções básicas: a universidade privada paga e a universidade estatal gratuita - desconsiderando aqui outras opções, como o Prouni, para simplificação.
Dado que o acesso às universidades estatais gratuitas é feito, de maneira geral, por concorridos processos seletivos, é trivial perceber que os alunos mais bem preparados ocupam tais vagas. Além disso, como a educação básica pública não oferece um ensino de qualidade, os alunos mais bem preparados no momento do vestibular são justamente os oriundos das escolas básicas privadas - o impacto dessa correlação entre renda e qualidade do aluno será analisado adiante. Diante disso é fácil perceber que as universidades privadas têm enormes dificuldades para competir com as universidades estatais pelos alunos mais bem preparados, limitando fortemente suas opções estratégicas.
Tal competição só ocorre em determinados nichos de mercado. O caso dos cursos de negócios (administração, economia e finanças) é emblemático.
Mesmo na graduação, instituições privadas conseguem concorrer em pé de igualdade com instituições estatais gratuitas. Por que isto ocorre? É bastante simples: elas conseguiram diferenciar seus produtos. Ou seja, a variável preço (ser gratuito ou não) não é preponderante na escolha da universidade e sim outros fatores, como percepção do mercado de trabalho, ênfase em determinadas grades curriculares, nível do corpo docente etc. Isso, é claro, tem seu custo: as faculdades privadas de negócios cobram mensalidades bem acima da média do mercado.
A grande maioria das universidades privadas não pode praticar tal estratégia, devido a dois fatores básicos: 1) a renda média da população brasileira é baixa (assim como a poupança); 2) estudantes que poderiam pagar por uma educação de maior qualidade freqüentam instituições estatais gratuitas (correlação existente entre renda e preparo do aluno). Para concorrer com as universidades estatais (atrair os alunos mais preparados) seria preciso realizar pesados investimentos, sejam em infra-estrutura, em manutenção de um corpo docente qualificado e de dedicação exclusiva, laboratórios de última geração etc. de modo que o preço passasse a não ser mais preponderante. O tamanho da demanda potencial que poderia pagar por tais serviços parece não ser suficiente para admitir tamanhos sacrifícios por parte do empresariado. Em outros termos: quais garantias existem de que tais investimentos teriam retorno? A análise de risco parece não ser positiva.
Se o perfil da demanda impede que as mensalidades sejam mais elevadas é trivial notar que a minimização de custos passa a ser uma prática corriqueira nesse setor. E isso foi e é feito em larga escala, seja na oferta de cursos que demandam poucos investimentos em infra-estrutura (direito e administração, por exemplo) e atraem muitos alunos, seja na contratação de professores em regime de dedicação não-exclusiva. Além disso, e o que considero mais importante para termos pouquíssimas universidades privadas de ponta no país, é a restrição às estratégias mais agressivas de pesquisa.
Como dito, ter uma universidade que invista em pesquisa exige empenho de grande montante de recursos, sejam financeiros ou humanos. Se a universidade privada brasileira tem acesso a estudantes menos preparados e professores sem dedicação exclusiva, também não tem acesso a recursos públicos de fomento à pesquisa. Some-se a isso o fato de não poderem praticar mensalidades mais altas devido às condições citadas anteriormente (renda média e poupança baixa e estudantes mais ricos em universidades estatais gratuitas), conclui-se que não existe o menor incentivo para que se construam universidades privadas voltadas para a pesquisa científica. Isso faz com que tais instituições se concentrem apenas no ensino de graduação e em uns poucos cursos de pós-graduação.
A existência de uma universidade estatal gratuita afeta também os mecanismos de crédito. Como tal bem existe, qual é o incentivo que as famílias possuem para poupar ao longo da infância/adolescência dos filhos? Isso somado aos problemas institucionais globais da economia brasileira – que limitam nossa capacidade de poupança – gera uma realidade em que a renda é um fator claramente limitador da escolha de uma universidade de bom nível por parte do estudante. Convenhamos que em troca de mensalidades pequenas não se pode exigir muito em termos de professores, laboratórios ou iniciação científica.
Nota-se, portanto, que os donos de universidades privadas apenas seguiram o incentivo que receberam dos legisladores: preocupar-se com a minimização de custos e não com a maximização de receitas, já que esta exigiria mensalidades e investimentos maiores. Já o legislador (por iniciativa do Ministério da Educação), por sua vez, via-se em um impasse: a necessidade de melhorar a qualidade da mão-de-obra brasileira e a restrição orçamentária provocada pela série de ajustes macroeconômicos da década de 90. Optou-se por liberalizar a oferta de cursos privados, criaram-se mecanismos de avaliação (como o Provão) e deixou-se que os indivíduos escolhessem a universidade que melhor lhes atendessem.
Por uma questão política, entretanto, o substituto gratuito (vagas em universidades estatais) foi mantido, gerando uma grave distorção na estrutura de mercado de educação superior. E isso causou a expansão desenfreada de universidades privadas sem a menor condição de funcionamento. Exemplo disso é que volta e meia o próprio Ministério da Educação comunica o descredenciamento de uma infinidade de cursos.
Nos anos recentes, o Ministério da Educação tem aumentado consideravelmente o número de vagas em universidades estatais, na tentativa de prover ao mesmo tempo gratuidade e qualidade ao ensino superior brasileiro. Isso, entretanto, não promoveu uma ruptura naquele incentivo citado. Ou seja, as universidades privadas continuam tendo como estratégia a minimização de custos e, consequentemennte, pouca preocupação com a qualidade do ensino ou foco em produtos mais sofisticados, como a pesquisa científica. E o dado agravante: mesmo com todos os investimentos estatais feitos nos últimos anos, cerca de 75% das matrículas nesse nível de ensino estão concentradas em universidades privadas.
Diante de todos esses condicionantes a sociedade precisa tomar uma decisão nos próximos anos, se quer de fato construir um sistema de educação superior de excelência: ou rompe com o ensino gratuito nas universidades estatais ou universaliza a gratuidade, de modo a financiar integralmente esse nível de ensino. Na primeira corrige-se o problema do incentivo negativo que é enviado às universidades privadas, modificando sensivelmente o leque de opções estratégicas que estas podem vir a adotar. Na segunda estatiza-se esse nível de ensino, passando o custo total do mesmo para o contribuinte.
Ambas possuem riscos associados e caberá aos cidadãos brasileiros escolher qual conjunto deles quer correr, já que não fazer nada perpetua o problema da má qualidade das universidades privadas.
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5 comentários:
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Professor,
ResponderExcluirInteressante a brincadeira. Mas sugiro o estudante examinar o custo de um curso universitário numa boa universidade europeia, ou numa universidade pública da Califórnia. Notará que a imensa maioria, inclusive as consideradas de excelência, cobra menos do que diversas universidades linha B, e até C, do Brasil.
É dizer: a economia do setor é bem mais complexa do que a do setor de calçados, no qual somos tão competitivos, não?
Abraços!
Glaucia,
ResponderExcluirIsso eu nao sei dizer, nem você aliás. Podemos ter chutes inteligentes, mas dificilmente serão bem informados a menos de uma pesquyisa rigorosa conduzida com metodologia homogenea, a partir de dados uniformizados para todos os paises, o que é praticamente impossível, pois as universidades (um pouco como os sistemas de saude e previdenciarios) correspondem a uma evolucao secular em todos esses paises, com diferentes modos de financiamento. O que é certo é que o terceiro ciclo recebe, em quase todos os paises, diferentes tipos de subsidio, diretos ou indiretos, central (nos estados unitarios) ou federalizados segundo a estrutura constitucional e do sistema fiscal em cada um deles.
Existem aproximacoes, que a OCDE por exemplo formula, com base em estatisticas nacionais. Admitindo-se que sejam comparaveis, pode-se medir o "custo" total do sistema universitario para os orcamentos publicos e o "custo" relativo para os alunos, mas ainda aqui as comparacoes sao dificeis
Pode-se entao fazer comparacoes nacionais, ou seja, quanto se gasta, no mesmo pais, com os diferentes ciclos de ensino e ai sabemos que o custo de um estudante universitario publico no Brasil (ou seja, financiado até pelo carroceiro, cujo filho nunca irá ao terceiro ciclo) é absurdamente alto para os valores gastos nos dois ciclos anteriores, em relacao à renda per capita, por exemplo.
Sendo isso verdade, e sendo as IFES um terreno de caça da classe média alta, não vejo por que não ter um sistema pago, com bolsas para os menos privilegiados, num sistema totalmente democrático de acesso (ou seja com investimentos maiores nos dois primeiros ciclos).
Em qualquer hipotese, o Brasil é um país muito injusto com os pobres, qualquer que seja o sistema de financiamento escolhido.
A economia do setor pode até ser complexa, mas é um serviço caro, em todos os países, e sendo um bem elitista não tem porque não fazer os ricos pagarem.
Esta é a minha regra.
Paulo Roberto de Almeida
Professor... concordo inteiramente com o seu texto, sou aluno do PROUNI em uma Universidade Particular de expressão, porem chega a ser absurdo o comportamento dos alunos que realmente não mostram-se abilitados para um ensino superior, mas a resalva que faço é em relaçao a estrutura da instituição e a qualificação dos professores pois são exelentes, porém quero saber a sua opinião.... o professor acha que eu como aluno do PROUNI possuindo uma boa estrututa fisica e profissional devo procurar me transferir para um Universidade pública, pelo fato de minha instituição não financiar projetos de pesquisa?
ResponderExcluirAgradeceria muito se opinasse a respeito, obrigado.
Gustavo,
ResponderExcluirAcho que voce deveria continuar tentando ingressar numa IFES, posto que a qualidade é sempre superior a de umam privada, alem do que voce nao pagaria nada.
O melhor mesmo, se voce quer minha opiniao, é que voce se torne autodidata e estude sozinho, com os livros e pela internet. Aulas em faculdade sao em geral uma grande perda de tempo. Eu me fiz sozinho, lendo muito...
Paulo,
ResponderExcluirQuando leio os "liberais nacionais" eu vejo que a miséria intelectual é branca, tal qual o disco de Newton, no Brasil. Pela definição de bem ou serviço público que o articulista usa, uma série de atividades tidas como públicas por muitos liberais (cito Roberto Campos, por ter segurança em assim afirmar, por saber a fonte) como a educação básica não seriam assim consideradas. No entanto, acredito que a realidade não forneça nenhum exemplo bem sucedido de país desenvolvido em que o Estado não invista pesado na capacitação básica de seus cidadãos. Essa definição usada por Vítor Willner, por si só, é insuficiente para a abordagem desse problema complexo. Se aceitarmos a educação básica como atribuição estatal, não poderemos aceitar tal definição como verdadeira. Assim, penso que há muita coisa que ficou inexplorada no texto de VW, que se presta mais a querer justificar a gestão universitária como de caráter privado e a induzir a um falso dilema, sem tecer maiores condições objetivas sobre a maneira como os meios se dispõe e podem ser dispostos no que tange esta questão.
Por fim, digo que estas foram minhas impressões. Todavia, os detalhes do texto estão esmaecidos em minha mente e posso não estar fazendo justiça ao articulista. E também afirmo que acredito na necessidade do desenvolvimento das universidades privadas de maneira a abarcar com boa qualidade de serviços a enorme demanda existente. Também não acredito que este seja nosso maior problema; continua sendo a "porcaria" da nossa escola básica.
Abraços!