sábado, 18 de dezembro de 2010

Fraude na (e vergonha da) academia: doutor em propaganda lulista...

O que acaba de ocorrer na Unicamp é simplesmente uma vergonha para a academia. Nenhuma universidade séria no mundo aceitaria isso, e não em relação ao conteúdo (se conteúdo existe) nessa "tese" que certamente não merece esse qualificativo, mas unicamente com base nos procedimentos habituais do processo de pesquisa e elaboração de uma tese universitária.
Um trabalho desse gênero, necessariamente o resultado de um itinerário de pesquisa acadêmica, elaboração de hipóteses de trabalho, de exposição do tal de marco teórico (ou fundamentos metodológicos do trabalho) e de descrição das etapas que levaram a determinadas conclusões (fossem elas o governo Lula), que, no seu conjunto elevam o "estado da arte" no conhecimento teórico e na apreensão da realidade do campo de estudo escolhido, um trabalho desse gênero, dizia eu, não pode ser confundido com a mera propaganda de um governo, sobre a base de estatísticas manipuladas e de argumentos capciosos, "ajuntados" (é o caso de se dizer) apenas para provar teses antecipadamente escolhidas, a de que "nunca antes neste país" tivemos um governo como o do seu patrono político, inclusive na economia.
Os professores que participaram dessa farsa, dessa ofensa aos princípios de trabalho da academia, deveriam ter se recusado a participar de mais um palanque montado para dar um título a quem não merece, como aliás já se tentou fazer com seu outro patrono putativo (coloque no fenimino quem quiser).
A universidade brasileira se afunda um pouco mais no lodaçal da vergonha.
Paulo Roberto de Almeida

Doutor em lulismo
Bernardo Mello Franco e Sabine Righetti
Folha de S.Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010

Mercadante volta à Unicamp para concluir seu doutorado em economia com uma tese farta em elogios à administração petista; trabalho foi aprovado, mas recebeu reparos de examinadores pelo seu tom panfletário.

CAMPINAS - A duas semanas de assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) levou ontem a retórica do palanque para a academia.Ele voltou à Unicamp após 12 anos para concluir o doutorado em economia com uma tese sobre o governo Lula. Saiu com o título, mas foi repreendido pelos examinadores por exagerar nos elogios ao presidente.

Em tom de campanha, o petista anunciou o nascimento do "novo desenvolvimentismo" -um modelo baseado em crescimento e distribuição de renda.

Com cinco livros de sua autoria sobre a mesa, ele resumiu a tese, de 519 páginas, em frases quase sempre na primeira pessoa do plural.

"Superamos a visão do Estado mínimo"; "Não nos rendemos à tradição populista"; "Retiramos 28 milhões da pobreza"; "Melhoramos muito o atendimento na saúde", pontificou, em momentos diferentes da apresentação.
Empolgado, o senador ignorou o limite de meia hora e usou o microfone por 50 minutos.

Dedicou boa parte do tempo ao repertório da Era FHC, com ataques ao neoliberalismo e ao Fundo Monetário Internacional.

Num flashback do horário eleitoral, chegou a criticar o preço dos pedágios em São Paulo, bandeira que não foi capaz de evitar sua segunda derrota seguida na disputa pelo governo do Estado.

Coube ao ex-ministro Delfim Netto, professor titular da USP, a tarefa de dar o primeiro freio à pregação petista.

"Esse negócio de que o Fernando Henrique usou o Consenso de Washington... não usou coisa nenhuma!, disse, arrancando gargalhadas. "Ele sabia era que 30% dos problemas são insolúveis, e 70% o tempo resolve."

Irônico, Delfim evocou o cenário internacional favorável para sustentar que o bolo lulista não cresceu apenas por vontade do presidente.

"Com o Lula você exagera um pouco, mas é a sua função", disse. "O nível do mar subiu e o navio subiu junto. De vez em quando, o governo pensa que foi ele quem elevou o nível do mar..."

"O Lula teve uma sorte danada. Ele sabe, e isso não tira os seus méritos", concordou João Manuel Cardoso de Mello (Unicamp), que reclamou de "barbeiragens no câmbio" e definiu o Fome Zero como "um desastre".

À medida que o doutorando rebatia as críticas, a discussão se afastava mais da metodologia da pesquisa, tornando-se um julgamento de prós e contras do governo.

Só Luiz Carlos Bresser Pereira (USP) arriscou um reparo à falta de academicismo da tese: "Aloizio, você resolveu não discutir teoria...

Ricardo Abramovay (USP) observou que o autor "exagera muito" ao comparar Lula aos antecessores.

"Não vejo problema em ser um trabalho de combate", disse. "Mas você acredita que o país estaria melhor se as telecomunicações não tivessem sido privatizadas?"

A deixa serviu como para que Mercadante retomasse o tema do pedágio.

A tese pareceu agradar a maior parte das 300 espectadores, que se dividiram entre o auditório lotado e um telão do lado de fora. Mas também despertou algumas críticas.

"Achei bom, mas ele é muito militante, né? Parece que a campanha não acabou...", comentou o vestibulando Mateus Guzzo, 18, que disse votar no PSOL.

"Essa ideia de que o pesquisador tem que dissociar a paixão da racionalidade é uma visão superada pela neurociência", defendeu-se Mercadante, na saída.

Reverenciada pelo senador, a economista Maria da Conceição Tavares (UFRJ e Unicamp) não pôde ir, mas enviou bilhete elogioso.

Nascida em Portugal, ela poderia ter corrigido o "discípulo e aluno dileto" quando ele, ao exaltar a política externa de Lula, disse que "não houve indicação de embaixador político neste governo".

Em 2003, o presidente entregou a representação em Lisboa ao ex-deputado Paes de Andrade (PMDB-CE), que estava sem mandato. O ex-presidente Itamar Franco também chefiou diplomatas em Roma, antes de romper relações com o PT.

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