A reserva de mercado do jornalismo de carteirinha, geralmente o mais medíocre, corre o risco de ser constitucionalizada, depois de ter sido ilegalizada pelo STF. Ou melhor, quem corre o risco somos nós, todos nós, já que os ignorantes ameaçam voltar, para maior desgraça da imprensa que ainda ficou livre das amarras do Estado.
Paulo Roberto de Almeida
Abaixo o diploma de jornalismo
Lucia Guimarães
O Estado de S.Paulo, 13/08/2012
NOVA
YORK - Faltei à formatura da minha faculdade. Fiquei pendurada porque tirei
nota baixa em estatística, tive de fazer o crédito em recuperação e colei grau
sozinha no meio do ano. Confesso que não me recuperei em estatística. Assim
como não aprendi jornalismo na escola de jornalismo. Lembro dos professores
complacentes, um lacaniano esquisito (pleonasmo?), um comunista feroz, uma
preguiçosa que não preparava nada e flertava com alunos.
Só
fui boa aluna até o fim do segundo grau. Faltava muito à aula na faculdade
porque já trabalhava como repórter. Aprendi o ofício na redação.
Uma vez, não preparei o trabalho final de uma matéria e
só me lembrei na manhã da última aula. Lavei um vidro de geleia, datilografei
várias palavras e joguei o papel picado lá dentro. Sacudi e entreguei para o
professor, dizendo que era um poema concreto. Tirei nota 8.
Obrigar o jornalista a ter diploma de jornalismo é como
obrigar um cantor a tomar aula de voz antes de cantar no palco, uma violação da
liberdade de expressão. Não que uma boa escola de jornalismo seja inútil, pelo
contrário, a da Columbia University, aqui perto, é uma usina de grandes
profissionais. Mas é uma escola de pós-graduação, você só é aceito se já
escrever num nível cada vez mais raro na nossa imprensa.
As redações eram a lição de anatomia do jornalista da
minha geração. Hoje é indispensável aprender técnicas do jornalismo digital.
Jornalista deve estudar, acima de tudo, português e se educar em história,
literatura, economia, ciência, filosofia e ciência política. Quem chega à
redação passou pelo crivo de editores e competiu com seus pares, mesmo por um
estágio.
Não compreendo por que um graduado em economia que
escreve bem seria impedido de cobrir o Banco Central e substituído por um foca
que pode ser facilmente enrolado, já que não decifra a informação financeira.
Não fui capaz de questionar porta-vozes do governo quando tive que substituir
colegas na cobertura da negociação da dívida externa em Nova York. Não entendia
bulhufas dos comunicados.
O senador paraibano Cícero Lucena declarou, orgulhoso,
pelo Twitter, que votou a favor da obrigatoriedade do diploma porque
"democracia se faz com jornalismo ético, profissional e técnico". Sua
excelência vai me desculpar, mas essa frase não passa pelo copidesque. O que
tem a democracia a ver com a profissionalização do jornalista? E com sua
capacidade técnica de fazer fotografia com foco? A ética começa ainda na
primeira dentição, em casa, é aperfeiçoada durante a educação e é fundamental
para qualquer profissão.
A democracia se faz com jornalismo, ponto. Quando Thomas
Jefferson disse que era melhor ter um país sem governo do que um país sem
jornais, a inspiração era o civismo, não o corporativismo. O baixo nível da
maioria das escolas de comunicação é que erode a democracia porque joga
milhares de jovens iletrados na vala comum do subemprego, fabrica profissionais
despreparados para contestar o poder e investigar a corrupção num mundo cada
vez mais sofisticado e falsificado pelo marketing. Não foi coincidência Charles
Ferguson, ganhador do Oscar de 2011 por Inside Job, ter conduzido as
entrevistas mais reveladoras já feitas sobre o crash de 2008. O homem se formou
em matemática e fez PHD em ciência política, sabia o que perguntar.
A desculpa usada pelo senador sergipano Antonio Carlos
Valadares - empresas de comunicação se opõem ao diploma porque querem contratar
mão de obra barata - é absurda. A epidemia de cursos superiores de jornalismo
alimenta a distorção de mercado que baixa os salários. Por que só o senador
Aloysio Nunes Ferreira teve coragem de apontar a aberração constitucional do
voto? Qual o motivo por trás da esmagadora maioria dos votos a favor?
E o que define para esses parlamentares a tal profissão,
numa era em que qualquer um munido de smart phone pode narrar e fotografar um
atentado no Afeganistão e apertar "enviar"? A diferença é editorial e
o público vota no bom jornalismo selecionando onde deposita sua atenção. As
empresas de comunicação que quiserem produzir seu conteúdo com mão de obra
medíocre e barata terão na exigência do diploma sua maior aliada.
O jornalismo é um bem social importante demais para
ficar nas mãos de jornalistas diplomados.
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