Que bom, não é? Nosso país está a salvo dessas bandalheiras.
Ainda bem que aqui as coisas são diferentes...
BUENOS AIRES — As noites de domingo são as mais difíceis da semana para Cristina Kirchner. Às 22hs começa o programa de TV “Jornalismo para todos” no canal 13 (do grupo Clarín), apresentado por Jorge Lanata, hoje a maior dor de cabeça da Casa Rosada. Nos primeiros cinco programas deste ano, Lanata revelou escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo empresários amigos da família Kirchner, colaboradores (no último domingo foi a vez do jardineiro, hoje dono de várias empresas) e funcionários. No domingo, o programa confirmou a existência de um gigantesco cofre na residência dos Kirchner na cidade de El Calafate com capacidade para guardar até 3 bilhões de euros. A mesma informação foi confirmada ao GLOBO por um engenheiro que trabalhou numa reforma da famosa residência e viu o cofre, localizado debaixo de uma escada (Lanata mostrou os planos).
No último fim de semana, o jornal “Clarín” publicou o depoimento de um piloto sobre um secretário de Kirchner que teria feito, segundo ele, três viagens por semana para Santa Cruz, carregando uma ou duas malas com entre 10 e 15 milhões de euros cada uma. As denúncias de Lanata foram parar na Justiça e os tribunais portenhos estão avançando em investigações que incluem até o ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), acusado de associação e enriquecimento ilícito. A inédita repercussão das reportagens tornaram-se um fenômeno político e social. Muitos analistas acreditam que as denúncias do programa deram forte impulso à última onda de panelaços contra o governo, que apenas em Buenos Aires reuniram mais de um milhão de pessoas. Em entrevista em seu apartamento do centro portenho, Lanata, fundador do jornal “Página 12” (hoje um dos mais alinhados com o kirchnerismo), falou sobre o modus operandi do governo K, a eventual sucessão de Cristina e a mudança de humor social no país. “Os kirchneristas ficam com as empresas, o menemismo pedia propina. No longo prazo, os kirchneristas roubam mais”, afirmou o jornalista.
O GLOBO: O senhor confirmou a existência de um enorme cofre na casa dos Kirchner em Calafate, no qual caberiam 3 bilhões de euros.
Jorge Lanata: Existem dois cofres, mas conseguimos o plano do primeiro. O segundo foi colocado numa segunda reforma. O problema é que cinco milhões de pessoas ficaram sabendo dessa informação, será difícil para a Justiça não fazer nada.
O caso do empresário Lázaro Báez (que era amigo e sócio de Kirchner) já era conhecido entre jornalistas e, principalmente, em Santa Cruz...
Jorge Lanata: Muitas vezes acontece que contamos alguma coisa, mas as pessoas não estão preparadas para ouvi-las. Também existe a diferença entre meios de comunicação impressos e audiovisuais. O caso Watergate surgiu no “Washinton Post”, mas tornou-se popular no programa 60 minutos. Antes estava no microclima de Washington. Abordamos assuntos que muitas pessoas conheciam, mas o impacto de mostrar a casa de Cristina na TV é muito diferente de escrever sobre o assunto.
Por que as denúncias de corrupção contra o vice-presidente, Amado Boudou, não tiveram tanto impacto?
Jorge Lanata: Surpreende-me que o caso não tenha escandalizado tanto a população como o de Báez. Imagine que no caso Boudou foram afastados um juiz, um procurador e um promotor. Ele continua no cargo por teimosia de Cristina.
O governo está preocupado com as denúncias contra Báez?
Jorge Lanata: Sei que estão preocupados, mas não podem fazer nada. O governo respondeu com outra acusação. Falaram sobre um caso de lavagem de dinheiro envolvendo o grupo Clarín, algo que escrevi há alguns anos no jornal “Crítica”. Já disse na rádio Mitre (do grupo Clarín) que se o Clarín for culpado, que vá preso.
Com a reforma do Judiciário aprovada, os tribunais poderão avançar nas investigações?
Jorge Lanata: Minha sensação é de que essa reforma será anulada pela Corte Suprema. Mas é difícil saber se avançarão. Até agora, o que o procurador está fazendo está bem feito. O problema é que nós continuamos trabalhando. Agora surgiu um personagem novo, o jardineiro. Hoje ele é Donald Trump e seu filho é secretário de Cristina. O jardineiro tem 40 empresas! São dessas pessoas muito próximas a eles que têm uma quantidade de dinheiro impossível de justificar. Mostramos as casas de todos, os carros e o cofre de Cristina. Lázaro era funcionário do banco de Santa Cruz e começou a construir sua fortuna em 2003 (ano em que Kirchner chegou ao poder).
A corrupção do kirchnerismo é maior do que a do menemismo?
Jorge Lanata: Existe uma diferença. Os kirchneristas ficam com as empresas, o menemismo pedia propina. No longo prazo, os kirchneristas roubam mais. E seu modus operandi é mais efetivo, em termos políticos. Há algum tempo li um livro que descrevia as estratégias do fascismo na década de 40, na Itália, e são as mesmas. Não estou dizendo que este pessoal é fascista, o que digo é que existe um paralelo na História que pode ser comprovado.
O senhor acredita que o governo será castigado nas urnas nas eleições legislativas de outubro?
Jorge Lanata: Sim, mas acho que isso não fará com que Cristina desista da ideia de uma nova reeleição. Vão tentar encontrar um caminho, porque estão condenados à re-reeleição. O kirchnerismo não tem sucessor e ninguém faz uma revolução para abandoná-la. Eles acreditam fazer uma revolução e isso explica muita coisa. Nenhuma revolução tem liberdade de imprensa, nem mercado econômico livre. Acho que Cristina tentará a reeleição e será um suicídio, porque vai perder.
Cristina está vivendo seu pior momento?
Jorge Lanata: Eles mesmos me dizem, em off, que a coisa terminou. Me contam que os ministros dizem que Cristina está louca. Mas ninguém vai embora, porque ela não deixa. Este será um ano complexo.
E como o senhor imagina o final desta história?
Jorge Lanata: Como estão as coisas, será um final feio. Existe muito fanatismo, violência social crescente, a economia cada vez pior. A herança mais pesada que este governo deixará é a polarização social.
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