A
obsessão antiamericana de um ideólogo diplomático dos companheiros: algumas
ideias fixas de Samuel Pinheiro Guimarães
Paulo Roberto de Almeida
Antigamente, muito antigamente,
quando ele andava discordando publicamente das posições diplomáticas do ancien régime neoliberal dos tucanos no
poder, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães costumava me mandar por e-mail
(eu no exterior) os artigos que ele dizia pretender publicar, e solicitava
comentários. Ingênuo, como muitos acadêmicos abertos ao debate, eu afastava
certas tarefas urgentes para comentar imediatamente os textos geralmente
polêmicos que ele me enviava; pena perdida: assim que eu terminava de redigir
minhas réplicas em total sinceridade, o artigo em questão já tinha sido postado
e estava circulando em todos os quadrantes.
Depois que ele foi ascendido a
conselheiro principal da nova política externa dos companheiros no poder
(ativa, altiva e soberana), ele nunca mais me mandou artigo nenhum, mesmo
continuando a publicar intensamente, em meio às suas novas funções de
Secretário-Geral da Casa que outrora era conhecida como sendo de Rio Branco
(deixou de sê-lo durante todo o reinado dos companheiros, a despeito deles
pretenderem retomar a tradição). Ele fez mais do que isso: bloqueou um convite
que eu tinha do Diretor do Instituto Rio Branco para assumir a direção do
programa de mestrado que estava então sendo montado, com a tarefa de dirigir
pesquisas, editar uma revista, etc. Fiquei no deserto do Itamaraty – mais
conhecido por Departamento de Escadas e Corredores – durante toda a gestão da
dupla Samuel-Amorim (nessa ordem) à frente da diplomacia lulo-petista. Não que
isso me incomodasse muito: eu me incomodaria muito mais se tivesse de defender algumas
das posições malucas, e anti-diplomáticas, que eles imprimiram àquela instituição,
ao arrepio de todas as posições de direito e de bom senso. Ficando no deserto,
eu pude ler, escrever e publicar livremente, o que deve ter aumentado ainda
mais a antipatia de ambos por minhas posições.
Em todo caso, nunca deixei de
comentar os textos de Samuel, mesmo se ele não me mandava mais nada. E é por
isso que comento agora sua mais recente entrevista, publicada simultaneamente em
dois veículos companheiros: “EUA apostam em Marina”. Os interessados e
admiradores do Embaixador Samuel (SPG) podem ler a entrevista completa no site
de Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Samuel-Pinheiro-Guimaraes-EUA-apostam-em-Marina/4/31754)
ou no jornal Correio do Brasil (http://correiodobrasil.com.br/destaque-do-dia/com-aecio-fora-do-jogo-eua-se-inclinam-para-marina-afirma-pinheiro-guimaraes/726801/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20140907);
eu também a postei no meu blog (http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/eleicoes-2014-desespero-companheiro-ve.html),
todos com data de 6/09/2014.
Como sempre faço, vou destacar
apenas alguns trechos, algumas frases, ou ideias do Embaixador Samuel (SPG: ) e
comentar imediatamente após (PRA: ). Como sempre, também, eu não discuto
pessoas, e sim ideias, ou posições políticas, e tenho o hábito de dizer sinceramente o que penso
a respeito. Acredito que SPG goze de um imenso prestígio entre milhares de
acadêmicos, professores e alunos, e suas ideias são seguidas quase
religiosamente por toda essa tribo de universitários convencidos de que aquelas
posições são as melhores possíveis, de acordo com os interesses nacionais. Como
eu discordo em praticamente tudo do que eles pensam, mas não disponho da mesma
audiência ou prestígio, meu combate é de retaguarda, e apenas de caráter
idealista, mas creio que vale a pena persistir. Chamo o meu esforço de quilombo
de resistência intelectual e acho que, como quilombo, ele permanecerá
relativamente isolado e sem maiores consequências imediatas ou futuras. Mas não
me importo com isso: basta eu conservar coerência metodológica e honestidade
intelectual. Isso me basta.
SPG: “Considero
que a candidata Marina Silva encarne a anulação do progresso conquistado nestes
12 anos. Ela e os setores que representa buscam outro modelo de inserção
internacional. Um pensamento que se traduz no propósito de enfraquecer o
Mercosul com o pretexto de torná-lo aberto ao mundo”
PRA: Não me
interessa nada o que pensa ou deixa de pensar a candidata sobre política
externa. Permito-me apenas registrar que SPG já sabe que Marina Silva (MS) vai
enfraquecer o Mercosul, o que me parece redundante, pois ele já foi
enfraquecido tremendamente nos últimos doze anos pelas ações combinadas (mas
não entre si) de argentinos e brasileiros, estes sempre apoiando as
arbitrariedades e ilegalidades dos primeiros. Também registro que SPG não quer
que o Mercosul se abra ao mundo.
SPG: “...há
interesses dos Estados Unidos que foram prejudicados durante os governos de
Lula e Dilma, e é claro que o candidato de que mais gostavam era o Aécio. (...)
Quando o Aécio fica fora do jogo, os Estados Unidos se inclinam para a Marina,
por pragmatismo e porque ela representa o oposto ao PT. Além disso, é alguém
sem quadros próprios e, segundo dizem, tem bons contatos nos Estados Unidos, e
que demonstrou estar aberta para desmontar o Estado, reduzir sua capacidade e
autonomia internacional. Interessa aos Estados Unidos que o Mercosul sejam
desmontado e que projetos da era tucana sejam retomados, não nos enganemos:
nestas eleições, está em jogo a retomada do processo privatizador, parcial ou
total, da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.”
PRA: Se
existe uma obsessão tipicamente samuelística – não que ela lhe seja exclusiva,
mas é que ele a mantém de forma “extraordinária”, como gosta de repetir – esta
é o antiamericanismo renitente, entranhado, exibido e até orgulhoso, sem que
ele explique muito bem as razões dessa oposição de princípio ao grande império.
Talvez seja porque SPG, como seu amigo Moniz Bandeira, acredita que os EUA
nasceram e cresceram imperialistas desde que eram uma colônia, e isso se
desenvolveu, de forma “extraordinária” diria ele, a partir da ascensão
industrial daquele país. Para SPG, os EUA sempre têm um golpe baixo pronto para
sacar do coldre de intenções maléficas, e tudo o que eles fazem é ditado pelo seu
próprio interesse egoísta, e obviamente contra os interesses dos demais povos,
contra quem eles se esforçam por dominar, submeter, ou em todo caso impedir o
desenvolvimento e a ascensão. SPG não é marxista, muito menos leninista, mas
ele também acha que o capitalismo dos países avançados é necessariamente
perverso e interessado apenas na dominação de outros povos e nações. Ele
acredita piamente nas bobagens construídas por Ha-Joon Chang, um pretenso
economista historiador – que nem é bom economista, muito menos historiador –
que construiu uma nova versão da teoria da dependência e do cepalianismo
prebischiano, com todos os requintes dos antiglobalizadores atuais, inclusive
retomando a teoria conspiratória do Consenso de Washington (que as metrópoles
do capitalismo avançado aplicariam antes mesmo que ele existisse, depois de se
terem desenvolvido aplicando políticas exatamente contrárias ao CW). Esse
manancial de bobagens, apenas um pouco mais trabalhadas do que as imensas
bobagens de um Eduardo Galeano e suas “Veias Abertas da América Latina” – das
quais ele se redimiu recentemente –, constitui toda uma doutrina
anti-imperialista e antiamericana que não difere muito das bobagens mais
antigas que haviam sido criadas por Rosa Luxemburgo e repetidas por Lênin.
Não existem provas de que os EUA
tramem contra o Mercosul e queiram desmantelá-lo, mas a questão para SPG é de
fé, não de provas. Quem tem fé, não precisa de provas, e para SPG os EUA sempre
serão contra o Mercosul e atuantes para desmontá-lo. Não se sabe de documentos
do Departamento de Estado, algum wikileaks que demonstre isso, mas não é
preciso provas documentais para demonstrar a perversidade imperial, não é
mesmo? Quanto às intenções – dos EUA, de MS? – de privatizar a Petrobras, o
Banco do Brasil e o BNDES não se sabe bem de onde veio isso, nem estava na
pergunta do repórter.
SPG: “Avalio
que [o desmantelamento do Mercosul]
possa começar com a eliminação da cláusula que obriga os países do Mercosul a
negociar conjuntamente acordos de livre comércio com outros blocos. Este ponto,
que até agora não conseguiram derrubar, é uma cláusula que vem desde o Tratado
de Assunção (assinado em 1991, na formação do Mercosul).”
PRA: É
surpreendente que SPG, um diplomata que negociou os primeiros acordos de
integração Brasil-Argentina – baseados em protocolos setoriais, e não no livre
comércio automático, como seria o caso do Mercosul – e que assistiu ao
nascimento do Mercosul, com o qual ele não estava de acordo, diga-se de
passagem – e isso desde a Ata de Buenos Aires, que trocou a metodologia de
integração entre o Brasil e a Argentina, abrindo caminho para o Mercosul, menos
de um ano depois, não saiba que não existe, no Tratado de Assunção, nenhuma
cláusula de negociação conjunta de acordos de livre comércio com terceiros
países ou outros blocos. Repito: nenhuma. O que existe, sim, é um compromisso,
constante do artigo primeiro de um tratado que foi expressamente mencionado
como provisório (o TA), pelo qual os países membros estabeleceriam uma política
comercial comum, o que jamais foi cumprido, além da implementação da Tarifa
Externa Comum (TEC), que começou a ser furada desde o seu início. O que
existiu, logo em seguida, foi uma resolução do Conselho de Ministros, durante a
fase de transição, comprometendo os países a negociarem conjuntamente acordos
com terceiros, e a não oferecerem a esses maiores vantagens, sem consulta aos
outros membros. Esse compromisso, sempre sob a forma de uma resolução do CMM,
foi reafirmado, já na fase em que o Mercosul era, supostamente, uma união
aduaneira (UA) e possuía, hipoteticamente, personalidade de direito
internacional.
Ora, sabemos perfeitamente que a TEC
nunca foi respeitada integralmente pelos quatro países, que eles criaram e
mantiveram exceções nacionais, e não comuns, à TEC, e que jamais houve
coordenação suficiente ente eles para o estabelecimento de uma política
comercial comum. O que havia era um consenso negativo, pelo qual os quatro membros
recusavam acordos com terceiros (países ou blocos) e se juntavam apenas no
mínimo denominador comum (que era absolutamente mínimo, ou seja, irrisório). Na
verdade, o Mercosul jamais chegou a completar sequer a sua zona de livre
comércio e sua UA nunca funcionou, a começar que nunca teve uma autoridade
aduaneira comum e sequer um código aduaneiro funcional e efetivamente aplicado
(o que pode parecer bizarro, para uma UA, mas é o que de fato ocorre com o
Mercosul). Enfim, o certo é que não existe cláusula desse tipo no TA, e isso
SPG parece ignorar.
SPG: “Uma
vez eliminada essa cláusula, o caminho estará aberto para a assinatura de
acordos do Brasil com a União Europeia, sem a participação dos outros quatro
integrantes do Mercosul.”
PRA: SPG
parece ignorar que, logo no início do Mercosul, a Argentina insistiu em assinar
um acordo com os EUA, e depois Uruguai e Paraguai também bateram na mesma
tecla. Foi o Brasil quem se opôs, até “hegemonicamente”, que isso acontecesse,
não por uma defesa de sagrados princípios, ou cláusula fundacional, do
Mercosul, mas porque simplesmente essa “proibição” inteiramente política
garante que o Mercosul continue sendo uma reserva de mercado para suas próprias
indústrias, um interesse egoísta portanto. Foi aliás o Brasil quem “forçou a
mão” dos outros três membros para a imposição de alíquotas aduaneiras bem mais
elevadas do que seria o gosto dos demais, numa série de produtos que eles
teriam interesse em importar mais barato, para atender seu mercado interno,
consumidores ou industriais. Essa foi uma das razões para que a TEC nunca
funcionasse efetivamente, uma vez que o Brasil se desviava da alíquota para
cima – consoante seus instintos eternamente protecionistas – e os outros países
o faziam para baixo, com tarifa zero ou muito reduzida para os produtos de seu
interesse importador. Como as pautas eram diferentes, tendo em vista os níveis
diferenciados de intensidade industrial, o Mercosul passou a conviver com essas
perfurações da TEC, mantendo ainda assim a ficção de que constituía uma UA.
É certo que, uma vez eliminado o
compromisso – que não é cláusula, voltamos a repetir –, o que pode ser feito
mediante uma simples decisão do Conselho, todos os países, e não só o Brasil,
poderão, teoricamente, negociar acordos de livre comércio com terceiras partes.
E a existência da TEC, pergunta-se prontamente? Pois bem: uma vez que existem
desvios, basta que o acordo com terceiros seja consagrado como um desvio da
TEC, à condição que todo e qualquer favor e vantagem concedido a uma terceira
parte seja automaticamente estendido a todos os membros do Mercosul, consoante
a cláusula de nação-mais-favorecida (esta sim uma cláusula, não do Mercosul,
mas um velho princípio do direito comercial internacional, que os países se
obrigaram respeitar pelo Gatt, não por um acordo regional, onde ele também
vigora).
SPG: “Mas se
a cláusula continuar em pé, seria igualmente perigoso um pacto entre todo o
Mercosul e a União Europeia. E essa negociação, que já se iniciou mas avança
lentamente, provavelmente será acelerada durante o governo de Marina.”
PRA: Bem,
parece que SPG é contra qualquer acordo de livre comércio entre o Mercosul e
qualquer parceiro que não seja do seu agrado, e estes são apenas os do Sul (mas
provavelmente não a China). Ou seja, o Mercosul deve permanecer puro e
intocado, como uma vestal, ou apenas transacionando internamente, não com
estranhos. Ele também já sabe, profeta que é, que isso seria acelerado sob um
governo MS. Bem, é seu direito achar isso, embora vários expoentes já tenham
dito, inclusive a própria presidente de plantão, sem saber que feria uma
“cláusula férrea” do Mercosul.
SPG: “...uma
[das consequências que um acordo do
Mercosul com a UE traria] é a redução considerável das tarifas [de
importações] industriais europeias afetando nossas fábricas. Defendo faz tempo
que esta aproximação, que agrada os economistas da Marina, é o passo inicial
rumo ao fim do Mercosul.”
PRA: Ou
seja, SPG é contrário qualquer acordo que reduza tarifas, o que realmente faz
sentido em quem defende a inexistência de qualquer acordo com a UE, pois
supostamente ele teria essa consequência. SPG acredita que o Mercosul está
muito bem ao manter tarifas elevadas, e que a sua redução significaria o fim do
Mercosul. Este, na visão de SPG, seria tão frágil a ponto de não poder suportar
qualquer acordo externo. Não se venha argumentar com os supostos acordos
Sul-Sul, pois estes são ridiculamente inexpressivos, irrelevantes, marginais,
consistindo geralmente na redução negociada de algumas poucas tarifas fixas,
sem qualquer incidência sobre o comércio real, já que abrindo mercados onde
eles são os menos importantes.
SPG: “...a
assinatura de um acordo entre os dois blocos significará uma extraordinária
vantagem para empresas europeias que poderão exportar para cá sem que cobremos
taxas, enquanto não haverá grandes benefícios para os exportadores
sul-americanos.”
PRA: Para
SPG, os negociadores brasileiros, ou mercosulianos, que não ele, seriam tão
incompetentes, e entreguistas, que fariam um acordo que só daria vantagens à
outra parte, sem qualquer benefício para os seus próprios países e seu bloco. Para
ele não importa que nossas empresas também tenham tarifa zero (se beneficiando
ainda de mão-de-obra mais barata, eventualmente energia e outros insumos, que
podem contar à altura de 60% do custo de um produto), o que vale mesmo é que as
vantagens estejam todas pré-determinadas para um só lado. Trata-se, aqui
também, de um artigo de fé.
SPG: “E
acrescento que se este acordo acontecer, afetará outra instituição fundamental
do Mercosul, que é a Tarifa Externa Comum, fixada para terceiros países. Se isto
acontece, a união aduaneira é pulverizada, qualidade central do Mercosul.”
PRA: Supreendentemente,
só SPG se lembra da TEC, quando nenhum outro ator relevante sequer a mencione
nos seus planos estratégicos ou cálculos de abertura de mercados, uma vez que
ela é tão desrespeitada que parece uma colcha de retalhos, e ninguém parece dar
muita bola para ela. Em todos esses anos, nunca consegui obter de algum
economista dos quatro países membros – ou de algum funcionário da Secretaria do
Mercosul – uma informação completa, fiável e credível sobre o quanto do
comércio dos membros é feito ao abrigo da TEC, pois as entradas e saídas do
mecanismo são tão intensas, recorrentes e arbitrárias que esse cálculo seria
muito complicado, talvez impossível, de ser feito. E assim ficamos: ninguém
sabe qual a cobertura da TEC para o comércio efetivo do Mercosul, e SPG ainda
pretende defendê-la. Na verdade, como disse acima, não é certo que a TEC seja
desrespeitada num acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE, e se o for,
as mesmas vantagens passam a valer para todos, automaticamente, em virtude da
cláusula (essa sim, férrea) de NMF. De resto, nunca haverá um acordo de livre
comércio entre a UE e o Mercosul, mas sim um simples acordo de liberalização
comercial, o que é muito diferente.
SPG: “E uma
vez que chegarmos à hipotética assinatura do pacto de livre comércio com os
europeus, os Estados Unidos reaparecerão.”
PRA: É
surpreendente, mais uma vez, que SPG não saiba que os europeus só “apareceram”
porque havia a ameaça de um acordo de livre comércio entre os EUA e os países
da América Latina, que os companheiros, com SPG à frente, se encarregaram de
sabotar e de implodir rapidamente, uma vez chegados ao poder. Isso não porque
tenham feito cálculos e estimações econômicas sobre os eventuais efeitos
nefastos da Alca para os países latino-americanos, e sim por pura prevenção
ideológica, por simples anti-imperialismo primário, por antiamericanismo
infantil e paranoico. Tanto não foi assim que, uma vez implodida a Alca, vários
países da região correram para assinar acordos de livre comércio com os EUA:
eles o fizeram porque são todos submissos ao império, porque são vendidos ao
imperialismo, porque são entreguistas, ou por interesse próprio e de suas
economias? Tanto não foi assim que grande parte do Congresso americano – em
grande medida formado por protecionistas caipiras – e a quase a totalidade dos
sindicatos de trabalhadores americanos também eram contra a Alca: eles assim o
fizeram contra o interesse imperial de explorar outros países? Ou seja, de
obter vantagens unilaterais contra nossos próprios interesses? SPG parece
pensar que todos são ingênuos e desinformados, e apenas ele é clarividente e
sábio.
SPG: “Os
meios e os grupos de interesses brasileiros que se sentirem representados pela
Marina só falam de um acordo com a União Europeia por oportunismo, pela boa
imagem dos europeus, que seriam maravilhosos, educados, que nos abririam as
portas do primeiro mundo. Uma retórica para ocultar que o acordo será
prejudicial para nós. Quem quiser saber o que nos espera com esse acordo que
pergunte aos gregos e aos espanhóis como a velha Europa é tratada.”
PRA: SPG
deveria perguntar aos gregos e espanhóis se eles se sentem explorados pelos
velhos imperialistas da Europa setentrional, e se eles pretendem realmente sair
da UE, já que essa integração seria prejudicial para eles. Mas aqui também é um
artigo de fé: SPG já sabe que um acordo seria prejudicial para o Brasil e o
Mercosul, e por isso ele o recusa por princípio, antes mesmo de fazer estudos a
respeito. Ele prefere que o Mercosul permanece soberanamente isolado do mundo,
ou só se relacione cm outros iguais a ele, ou seja, protecionistas e
introvertidos.
SPG: “Agora
tudo isso nos leva ao começo desta conversa, que são os Estados Unidos. Por
quê? Porque uma vez assinado o pacto UE-Mercosul, no outro dia, Washington vai
querer igualdade de condições comerciais que europeus conquistaram, exigindo de
nós um acordo de livre comércio. Os Estados Unidos nunca se esqueceram do
espírito da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).”
PRA: Ah, as
velhas obsessões nunca desaparecem: os imperialistas americanos (ou estado-unidenses?)
estão sempre sorrateiramente à espreita, prontos para abocanhar mais um pedaço
do continente se deixarmos. Ainda bem que SPG está vigilante. Mas, parece que
os EUA desistiram de vez dessa ideia de fazer uma Alca: muito complicado, aliás
inútil. Como deveria saber SPG, ao império convém melhor a estratégia “divida e
domine”. Para que se aborrecer com um esquema multilateral se é muito melhor
negociar separadamente com cada parceiro – ou conjuntamente com um bloco de
pequenos – e assim impor as condições que melhor lhes apetecem, do que ficar se
chateando com protecionistas históricos como Brasil e Argentina
SPG: “Tudo
me leva a pensar que o projeto norte-americano de integração hemisférica
comercial, de eliminação de barreiras, de sanção de um sistema de leis que
privilegiam suas multinacionais etc., continua em vigor. É preciso prestar
atenção na Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile).”
PRA: Engano
de SPG: os EUA já abandonaram essa ideia, que foi um mau passo dado por Bush
pai, querendo ser generoso para os pobres latinos, endividados (ao propor a “Iniciativa
para as Américas”), mau passo reiterado por Bill Clinton, com sua ideia de uma
Alca (mais uma vez querendo ser bonzinho). Os realistas dos EUA já chegaram à
conclusão que é muito melhor negociar separadamente, tanto é assim que
assinaram diversos acordos bilaterais de livre comércio com vários tipos de países.
Quanto à menção à Aliança do
Pacífico, não está muito claro o que SPG quis dizer com essa “atenção”. Seria
algo como: “atenção, eles são traiçoeiros, já se aliaram ao império, todos
eles, e agora vão querer seduzir o Mercosul também; não caiamos nessa, olha lá
hem!” Só pode ser isso. Pois do contrário o que poderiam esses quatro países
contra os poderosos dois grandes do Mercosul: obrigá-los a entrar num acordo iníquo
e desigual com o império? Mas a Aliança do Pacífico não tem tanto a ver com o
comércio regional – aliás nem entre eles, que é pequeno – e sim com uma estratégia
de negociação conjunta com a bacia do Pacífico, o grande eixo da integração
produtiva, comercial e tecnológica, que se desenha rapidamente naquela vasta
região, e que deve superar os fluxos e intercâmbios econômicos norte-atlânticos
dentro de mais alguns anos, superando, assim, o cenário geopolítico dos últimos
cinco séculos.
SPG: “suas
posições [de MS] sobre política externa refletem as aspirações se setores
empresariais, de banqueiros e grandes meios de comunicação que demonstraram
certa saudade da dependência colonial.”
PRA: Uau!
SPG não deixa por menos e não vai por quatro caminhos. Para ele, nossos empresários
e banqueiros, tão protecionistas e introvertidos, sentiriam saudades de uma
suposta dependência colonial. Mas seria possível? 200 anos depois? Ou seria a
dependência dos EUA ainda muito em voga nos anos anteriores à gloriosa era do
Nunca Antes? Não se sabe, exatamente, mas é bom ficar prevenido, alerta ele. Se
algum outro presidente se instalar, que não seja um companheiro, vai logo sacrificar
o Brasil nos braços do império.
SPG: “No
segundo mandato, a presidenta [Dilma] deveria ter como objetivo reduzir a
vulnerabilidade externa do país, a dependência de capitais especulativos para o
pagamento da dívida e tudo isto cria um círculo vicioso que aumenta as taxas de
juros. É falso, é um mito que as taxas sobem para combater a inflação.”
PRA: Surpresa:
em 12 anos os companheiros, dispondo de um Congresso submisso, de uma oposição
castrada e inoperante, e de toda a simpatia de gregos e goianos, vale dizer, de
toda a comunidade acadêmica, empresarial e banqueira, não conseguiram diminuir
a tal de vulnerabilidade externa, nem a dependência de capitais especulativos,
nem a dívida externa, nem os juros, nem a inflação? Incompetentes eles são, não
é mesmo? Mas o que eles fizeram exatamente? Durante anos, seus economistas
esquizofrênicos, os seus keynesianos de botequim ficaram azucrinando nossos
ouvidos, acusando os neoliberais tucanos de terem feito tudo aquilo, e quando
chega a vez deles, necas de pitibiribas, não conseguem fazer nada? Aliás, seria
preciso dizer ao Banco Central para abaixar os juros, pois isso não serve para combater
a inflação. Inflação se combate com produção, com oferta, com investimentos, não
é mesmo? O resto é conversa de economista neoliberal, ou monetarista...
SPG: “...em
um segundo governo a presidenta Dilma terá que trabalhar para diversificar
nosso comércio exterior, para reduzir nossa vulnerabilidade comercial devido ao
crescimento das exportações de produtos primários cujos preços não somos nós
quem decidimos. Quando digo diversificar penso em base para reforçar
exportações industriais porque o Brasil corre o risco de seguir rumo a uma
especialização regressiva na produção agropecuária e mineral, acompanhada de
uma contração do setor industrial, aliada a uma atrofia de sua capacidade
tecnológica.”
PRA: Mas,
tudo isso não foi construído justamente sob os três governos lulo-petistas? SPG
quer agora que um quarto governo lulo-petista faça exatamente o contrário do
que eles fizeram até aqui? Mas que contradição! Eles tiveram doze anos para
fazer tudo isso, implementaram cinco ou seis políticas industriais, inventaram
uma fabulosa teoria da “nova geografia do comércio internacional” – comércio
Sul-Sul, que era Sul-Sul só para o Brasil, não para os outros do Sul – e assistiram
passivamente à nova dominação das exportações primárias sobre o conjunto do comércio
exterior brasileiro, e agora SPG vem dizer que vão fazer tudo ao contrário! Dá
para acreditar?
Será que o tal banco dos Brics, mais
o Banco do Sul, proposto por Chávez, vão ajudar nessa reconquista? Mas será que
o problema do comércio ou dos investimentos é falta de dinheiro? Não parece!
Dinheiro abunda no mundo, e cada vez mais concentrado (se acreditarmos num tal
de Piketty), e o que faz falta são projetos consistentes e sólidos para fazer
jus aos capitais produtivos.
Não parece que os companheiros sejam
capazes de reconhecer o que fizeram de errado, e que levou o Brasil justamente
a esses impasses mencionados por SPG. Se eles mesmos não reconhecem o que está
errado, como e por que deveríamos dar-lhes novo crédito de confiança para que
continuem especulando com as políticas econômicas? Eles merecem isso? Se até
SPG aponta o que está errado, por que é que nós, que não temos nada a ver com o
que foi feito de errado, deveríamos renovar o contrato? Não é melhor mudar a direção
do barco? Com a palavra o sábio, o profeta Samuel...
Paulo
Roberto de Almeida
Portland, 7
de setembro de 2014.
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