segunda-feira, 11 de julho de 2016

Contra a antiglobalizacao: um texto de sucesso retardado (mas menos retardado do que os antiglobalizadores)

Este ensaio foi incorporado ao livro: Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Hartford, 2015), também disponível em Academia.edu. 
Ver a postagem anterior: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/contra-antiglobalizacao-um-trabalho.html
 

Contra a anti-globalização
Contradições, insuficiências e impasses do movimento anti-globalizador

Paulo Roberto de Almeida

Sumário:

I.   Uma longa (mas necessária) introdução metodológica e de princípios

II.  Contradições da anti-globalização: carência de fatos, de método, de análises

III. Pensando o impensado: existem idéias concretas sobre temas concretos?

1) Protecionismo agrícola e vantagens comparativas dos mais pobres
2) Dívida externa, movimentos de capitais e globalização financeira
3) Competição aberta contra mercados regulados e fechados
4) Instituições de solução de controvérsias em face do arbítrio comercial
5) Crescimento e pobreza, ou o que a globalização pode fazer por eles
6) Concentração da renda e desigualdades
7) Tecnologia proprietária e dependência tecnológica
8) Meio ambiente e mercado: um instável equilíbrio

IV. Diagnóstico de duas enfermidades precoces: autismo e esquizofrenia

Resumo:
Ensaio, de caráter contestador, das principais idéias e princípios ostentados pelo movimento anti-globalizador, discutindo seus fundamentos, demonstrando suas contradições teóricas e insuficiências intrínsecas e expondo sua falta de racionalidade econômica e a ausência de fundamentação histórica. Conclui afirmando que todos os marxistas, mas também os socialistas, os humanistas, os ecologistas, as pessoas de esquerda e os progressistas em geral deveriam adotar uma postura em favor da globalização, processo basicamente progressista de elevação dos padrões de vida dos povos mais pobres do planeta.
Brasília, 5 de julho de 2004.
 

I. Uma longa (mas necessária) introdução metodológica e de princípios

Se posicionar contra ou a favor de coisas em geral, sejam elas idéias, processos, movimentos, pessoas ou princípios, dá um pouco mais de trabalho do que simplesmente ser acomodado, passivo ou mesmo indiferente. Decidindo ser contra ou a favor de algo, o dono da posição tem, em geral, de se justificar perante outros, explicar os motivos de sua postura, defendê-la de ataques ou contestações que possa julgar equivocados, enfim, fazer qualquer coisa que torne suas idéias não apenas “melhores” do que outras, que são concorrentes ou alternativas, mas também compatíveis com os princípios pelos quais ele afirma pautar sua vida, sob risco, em não o fazendo, de ser acusado de inconseqüente ou, simplesmente, de contraditório.
Ser contra ou a favor de um conjunto de idéias dá, portanto, um certo trabalho, pois que em geral se é obrigado a deixar a acomodação monótona dos slogans rápidos ou o simplismo redutor das idées reçues – isto é, as velhas crenças, sem fundamentação empírica ou validade prática – para pesquisar sobre os fundamentos das posições que se está defendendo, investigar suas causas e conseqüências, examinar a validade dos argumentos em favor de posições opostas – do contrário como seria possível recusá-las, tão simplesmente? –, bem como destrinchar as “fortalezas” de suas próprias posições e tornar evidentes as “fragilidades” das idéias alternativas.
Isso parece complicado e trabalhoso demais? Seria preferível, talvez, a placidez de algum consenso geral? Isso não existe: concordância de opiniões não é uma realidade muito presente nas sociedades democráticas, sobretudo em relação a fenômenos ou processos que são inerentes à própria dinâmica social na qual se vive, como é o caso da globalização. É assim inevitável que sobre ela persistam tantos debates e tanta polêmica.
Não tenho, portanto, a mínima intenção de interromper esse fluxo enriquecedor, preferindo, ao contrário, alimentar o debate com meus próprios argumentos, que como indica o título deste ensaio, tende a colocar-me em oposição aos partidários da anti-globalização, cobrando-lhes consistência na idéias e racionalidade de propósitos. Sinto muito por trazer algumas angústias aos que têm suas causas a defender no partido da anti, mas este é o preço da coerência que deve existir entre as idéias gerais e as ações na vida prática: é preciso ter um mínimo de racionalidade e de consistência intrínseca, se se pretende fazer com que as idéias próprias, ou as do movimento a que se pertence, tenham aceitação geral, sejam triunfantes na vida social e sejam, não apenas adotadas pelos que nos governam, como implementadas na prática. Não é isso afinal o que pretendem todos os que têm idéias a defender?: que elas sejam disseminadas, o mais amplamente possível, e convertidas em realidade?
Creio que sim, e é isso também que me anima a escrever, em primeiro lugar para mim mesmo – afinal, trata-se de excelente método para afinar as próprias idéias –, em segundo lugar para alunos, leitores ocasionais ou os simples curiosos que freqüentam eventualmente as páginas de meu site, ou que podem ler o que escrevo em boletins eletrônicos. Como sabem alguns desses leitores, não sou de fazer concessões políticas, não costumo ceder a argumentos ilógicos, nem sou levado por modismos ideológicos. Apenas cultivo a modesta racionalidade dos argumentos que fazem sentido, que não ofendem os dados da realidade e que se conformam a testes de validação empírica. Meu único partido é a falta de partido, justamente.
Com o perdão dos leitores por esta longa digressão introdutória, eu escrevi tudo isto como forma de abrir um debate – que, sei, não terá seguimento – sobre um dos mais curiosos e surpreendentes fenômenos destes tempos de globalização e que conforma, ao mesmo tempo, um paradoxo: o fato de pessoas medianamente inteligentes – posto que, todas, da classe média para cima –, ou mesmo de indivíduos tidos como de inteligência superior – já que ostentando títulos universitários, livros publicados, espaços na imprensa, homenagens recebidas, enfim, credenciais reconhecidas pela mídia – se posicionarem de forma veementemente contrária ao processo de globalização (refiro-me, obviamente a “esta” globalização, que eles costumam chamar de “capitalista”). A curiosidade está em que, contra tantos argumentos contrários às suas posições, eles façam sucesso, e o paradoxo (ou a ironia) é que esse sucesso se deve inteiramente ao processo de globalização, que eles condenam com tanta veemência.
Com efeito, não há fenômeno mais disseminado, mediatizado e de maior sucesso público nos últimos anos do que o chamado alter-mundialismo, também chamado de anti-globalização, termo que prefiro e já explico por quê. O alter-mundialismo, como ele mesmo se proclama, é um movimento que defende que um outro mundo é possível, ou seja, um mundo diferente do atual, talvez oposto, ou em todo caso melhor do que o que agora temos: injusto, desigual, contraditório, cheio de misérias e tragédias, feito de exploração do homem pelo homem, de dominação política, de guerras imperialistas, mas também de guerras civis, guerras tribais, limpezas étnicas, degradação da natureza, esgotamento de recursos, bref, um mundo horrível, capitalista e desigual, que caberia eliminar, ou pelo menos substituir por outro melhor. Mas é um fato, também, que o mundo está sempre mudando: já não temos tantas guerras como antigamente, menos pessoas morrem de fome ou doenças, hoje temos penicilina, saneamento básico, um pouco mais de direito e, certamente, mais justiça e democracia também. Enfim, o mundo mudou, embora talvez não no ritmo e na extensão que seriam desejáveis, mas ele mudou, e para melhor, nos últimos dois ou três séculos de revolução industrial e de globalização capitalista (usemos este adjetivo que incomoda muita gente, mas que expressa a realidade que os alter-mundialistas querem recusar).
Se o mundo mudou, e continua mudando a cada dia, a caracterização usada pelos alter-mundialistas é, no mínimo, tautológica, ou redundante, motivo pelo qual devemos recusar esse conceito. Mas, há um motivo a mais pelo qual esse conceito é inoperante, pouco prático e no mínimo carente de significado. É porque ele promete coisas que é incapaz de entregar, ou seja, a própria definição prometida em sua caracterização enquanto grupo. Se esse movimento é a favor de um outro mundo, que já indica ser possível sem qualquer tipo de demonstração positiva, ele deveria dizer, de imediato, qual é, como se organiza, quais são os fundamentos materiais, espirituais, arquitetônicos e conceituais desse outro mundo que seus proponentes proclamam de modo contínuo na internet e nos encontros ruidosos nos quais eles martelam um pouco mais a idéia, sem desenvolvê-la de fato. Portanto, o conceito não nos serve, até que ele venha recheado de algo mais e, por isso, estou jogando-o na lata de lixo da história.
Fiquemos, portanto, na anti-globalização, que ela, sim, é um movimento de sucesso, aliás, muito mais ruidoso e organizado do que o dos alter-mundialistas (que são apenas um pequeno bando de irredutíveis gauleses), posto que constituído, o movimento anti-globalizador, para se opor a algo de concreto, a globalização que “está aí, aos nossos olhos”, e contra a qual se mobilizam todos aqueles que têm algumas idéias na cabeça (partimos da presunção de que todas são consistentes até prova em contrário). Também partimos do pressuposto de que os anti-globalizadores têm algumas soluções alternativas que eles gostariam de propor aos demais, esperando, em algum momento, que elas sejam aceitas pelos que decidem e que possam, assim, converter-se algum dia em realidade. Como vêem, parto do pressuposto de que os anti-globalizadores têm algo a dizer, que esse algo faz sentido, que seus argumentos merecem ser considerados e que vale a pena, a despeito do seu caráter heteróclito, debater com esse movimento ruidoso, ainda que ela me pareça marcado por uma certa cacofonia conceitual. Confesso, também, que tenho tido uma certa dificuldade em identificar precisamente as “idéias” dos anti, na medida em que eles parecem mais propensos a fazer manifestações do que em colocar no papel, de forma ordenada, seus argumentos anti, ou mesmo a favor de alguma coisa, qualquer coisa que permita substituir “esta” globalização por outra.
Rendendo modesta homenagem à minha tribo de origem, os sociólogos, considero, de minha parte, que o movimento anti-globalizador é uma ideologia, e que, como todas as ideologias, parte de uma certa concepção do mundo e da realidade, concepção que recusa o mundo como ele é e que pretende mudar-lhe os fundamentos ou o seu modo de funcionamento, de modo a torná-lo mais conforme aos princípios e idéias defendidos por esse movimento. Chamemos a esse movimento “ideologia da anti-globalização”, se me permitem o empréstimo de sabor levemente marxista. Não há nenhum preconceito nesta caracterização, pois eu aceito que chamem à minha própria concepção do mundo “ideologia da globalização”, com todas as conseqüências que isto implica, isto é, o desejo de fazer com o que o mundo também se conforme àquilo que eu julgo ser bom e desejável para seus habitantes, isto é, um pouco mais, ou bem mais, na verdade doses maciças de globalização, com todos os seus efeitos “devastadores” (no bom e no mau sentido).
Admitamos, portanto, que somos ambos “ideólogos”, eu e os adeptos da anti-globalização, e nisto não vai nenhum julgamento preliminar negativo; trata-se apenas de uma constatação. Há uma diferença, porém, entre eu e os anti-globalizadores: eu não pertenço a nenhum movimento, grupo, partido, seita, igreja, confraria, clã ou tribo; não costumo freqüentar fóruns pró- ou anti-globalização e não admito nenhum argumento de autoridade que se interponha entre a informação que busco e recebo – de todas as fontes possíveis – e minhas próprias reflexões independentes. Sou um ser livre, tanto quanto me permite a minha condição de assalariado do Estado e atividades acadêmicas à margem da jornada na burocracia pública. Sou eu e meu computador, apenas, no qual escrevo e no qual recolho as informações que me chegam de todas as partes sobre a globalização e o seu contrário, isto é, o quixotesco movimento anti-globalizador.
Faço aqui um último parágrafo introdutório para me desculpar pelo adjetivo usado acima, isto é, “quixotesco”, em relação aos adeptos da anti, mas é que considero, de verdade, esse movimento como sendo quixotesco, isto é, uma figura (neste caso coletiva) levantada de lança em riste contra alguns moinhos de vento que só existem na cabeça dos que esgrimem argumentos anti-globalização, como agora passo a discutir.

II. Contradições da anti-globalização: carência de fatos, de método, de análises


Não é fácil, como disse acima, debater com o pessoal da anti, a começar pelo fato de que não se consegue saber direito o que pensam sobre os temas da globalização e o quê, exatamente, pretendem colocar no “lugar” desse processo. Por mais que eu tenha me esforçado na busca, navegando de site em site, de documento em documento, encontrei poucas propostas concretas desse movimento, alguma sistematização que contivesse as principais idéias, se alguma, sobre a “globalização realmente existente” e esse “outro mundo possível”. Slogans à parte, a consistência analítica esses “escritos” é deficiente, para dizer o mínimo, e sua adequação aos dados da realidade é inexistente.
Para dizer a verdade, existem inúmeros documentos, geralmente de caráter retórico, conclamando a manifestações antes e durante as datas e locais dos encontros oficiais da assim chamada globalização capitalista: o Fórum Econômico Mundial de Davos, em primeiro lugar, obviamente, considerado a bête noire do processo (mas agora que eles têm o seu próprio foro, Davos foi relegado a uma posição secundária), mas também as reuniões do FMI e do Banco Mundial, da OMC, da Alca, e até da UE e da UNCTAD. O tom geral é de indignação, de revolta, mas um exame ponderado dos fatos, que é o mínimo que se requer de qualquer trabalho universitário digno de nota (no sentido de pontuação, mesmo), é algo raro, senão inexistente nos textos da anti. Como, nessas circunstâncias, debater com o movimento?: seria preciso antes dispor da matéria-prima essencial a qualquer debate: idéias sistematizadas, claramente expostas, método.
Não só não é fácil, como na verdade não é permitido debater com esse pessoal, na medida em que, pelas próprias regras estatutárias dos anti, só participam dos encontros do Fórum Social Mundial – o arauto le plus en vue da anti-globalização (junto com a ATTAC e outros foros menores) – aqueles movimentos e entidades da sociedade civil que se declaram de acordo com sua Carta de Princípios. Ou seja, não é permitido ser a favor da globalização, ainda que eles o sejam, na prática, ao usarem e abusarem de todas as facilidades permitidas pela globalização para se informar, se reunir e debater. Qualquer outra pessoa física ou movimento, todavia, só pode participar se declarar-se a favor de um documento extremamente vago em seu conteúdo e definições.
Alguém que seja um anti da anti, como eu mesmo, não apenas está sumariamente excluído, ab initio, como jamais será cogitado para comparecer em algum foro. Registro aqui, ipsis litteris, o que figura nos procedimentos do FSM: “Poderão ser convidados a participar, em caráter pessoal, governantes e parlamentares que assumam os compromissos da Carta de Princípios.” Para participar, portanto, é preciso primeiro comprometer-se com posições dos próprios organizadores, o que não apenas configura um reducionismo absurdo, um verdadeiro cerceamento à liberdade de expressão, como também uma manifestação brutal de “pensamento único”, que eles dizem condenar.
Essa cláusula de participação restrita contradiz, portanto, o primeiro princípio do FSM, que afirma ser ele “um espaço aberto de encontro para o aprofundamento da reflexão, o debate democrático de idéias, a formulação de propostas, a troca livre de experiências…”, já que só se pode participar sendo a favor das idéias do movimento. E quais são essas idéias? Na verdade, muito poucas, e que já vem consignadas no seguimento desse primeiro princípio acima transcrito: o FSM visa “…a articulação para ações eficazes, de entidades e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo…”; isto pelo lado negativo. Pelo lado positivo, continua o texto: as entidades participantes “estão empenhadas na construção de uma sociedade planetária orientada a uma relação fecunda entre os seres humanos e destes com a Terra”.
Se eu fosse impaciente, eu diria: so what?, só isso? De fato é muito pouco para definir um vasto movimento que mobiliza centenas de milhares de pessoas, talvez milhões, em todo o planeta, e que se propõe a grandiosa tarefa de mudar esse mesmo planeta (não esqueçamos a “sociedade planetária”). Mas o 4º princípio – numa carta que alterna, de forma algo anárquica, procedimentos, regras e definições – vai um pouco mais adiante: “As alternativas propostas no Fórum Social Mundial contrapõem-se a um processo de globalização comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e instituições internacionais a serviço de seus interesses, com a cumplicidade de governos nacionais. Elas visam fazer prevalecer, como uma nova etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite os direitos humanos universais, bem como os de tod@s @s cidadãos e cidadãs em todas as nações e o meio ambiente, apoiada em sistemas e instituições internacionais democráticos a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos.”
Aqui chegamos um pouco mais perto do que seriam as propostas propositivas – com perdão pela redundância – do movimento. Para minha frustração, no entanto, não encontrei alternativas dignas desse nome, ou pelo menos não de forma sistemática e organizada, de maneira a permitir um diálogo racional com essas “alternativas”. Existem dezenas, provavelmente centenas, de documentos, na “Biblioteca das Alternativas”, mas, à diferença das bibliotecas normais, a dos anti não está classificada, não possui seções, nem “fichas catalográficas” que nos habilitem conhecer as idéias, as propostas e as alternativas apresentadas pelo movimento. Figuram nela tão somente os títulos e a indicação da língua em que se encontram os documentos: percorri vários, muitos deles e, com pesar, recolhi apenas uma sensação de déjà vu again.
De 2001 até os dias que correm, esses documentos são monotamente repetitivos: eles condenam sempre, em termos ásperos, a globalização capitalista, conclamam à mobilização ativa contra as reuniões das organizações internacionais que supostamente pretendem facilitá-la – aquelas mesmas já mencionadas – e terminam pelas promessas de sempre: os anti-globalizadores, por ocasião dos seus próprios encontros, “não vêm manifestar, nem protestar, mas sugerir correções e propor soluções para que, finalmente, de fato, um outro mundo seja possível” (“Anti-globalização”, Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, da ATTAC francesa e um dos “papas” do movimento, em texto de 4.09.2002). Busquei, em vários outros documentos, essas soluções, essas “correções” prometidas, mas confesso minha frustração: não encontrei nada digno desse nome.
Não que não existam propostas ou “idéias” a respeito da globalização, ou sobre como ela poderia ser mais humana, solidária, economicamente equitativa, socialmente justa e ecologicamente responsável. Mas é que, em minha análise, as propostas ou alternativas à globalização apresentadas pelos anti me parecem desumanas, muito pouco solidárias, economicamente desastrosas, socialmente catastróficas e ecologicamente poéticas, mas insustentáveis no plano prático. Talvez eu esteja sendo apressado demais, ao condenar as alternativas anti-globalizadoras, mas esta é a sensação que me deixou a leitura de praticamente todos os documentos do site www.forumsocialmundial.org.br.
Para ser honesto, comigo mesmo e com os representantes da anti, existe sim uma condição geral para que essa globalização deixe de ser tudo aquilo que ela aparenta ser, aos olhos dos anti: que ela deixe de ser capitalista. Isto, pelo menos, é o que eu deduzo do 11º princípio da Carta de Princípios, que define o fórum como sendo “um movimento de idéias que estimula a reflexão, e a disseminação transparente dos resultados dessa reflexão, sobre os mecanismos e instrumentos da dominação do capital, sobre os meios e ações de resistência e superação dessa dominação, sobre as alternativas propostas para resolver os problemas de exclusão e desigualdade social que o processo de globalização capitalista, com suas dimensões racistas, sexistas e destruidoras do meio ambiente está criando, internacionalmente e no interior dos países”. Em outros termos, se a dominação do capital fosse eliminada, metade (ou pelo menos grande parte) dos problemas da humanidade estaria resolvida.
Ou muito me engano, ou a reflexão não vem sendo muito estimulada nesses encontros, já que não consigo atinar como se pretende eliminar um dos mais poderosos fatores de produção criados com o processo civilizatório, desde a revolução agrícola: o capital (ou talvez mesmo desde o paleolítico inferior, uma vez que armas de pedra ou de madeira são uma forma de “capital”). Seriam os anti-globalizadores astronautas? São eles de outro planeta, ainda não tocado pelo modo de produção capitalista? Acredito que não, o que nos deixaria uma única conclusão: eles são simplesmente anti-capitalistas, o que tampouco é consenso entre eles. Com efeito, muitos proclamam não ser contra o modo de produção capitalista, apenas pretendendo melhorar o seu funcionamento.
De fato, ao ler os documentos da “Biblioteca das Alternativas”, constatei que alguns ostentam um anti-capitalismo visceral, ao passo que outros são apenas levemente anti-capitalistas. Seriam os anti-globalizadores marxistas, socialistas ou de alguma forma pessoas de esquerda? Dificilmente, pois nada existe de mais anti-marxista e de anti-socialista do que o pensamento nacionalista, chauvinista ou contrário ao saudável internacionalismo proclamado pelo autor do Manifesto Comunista e d’O Capital. Marx proclamava, antes de mais nada, as virtudes do capital enquanto redutor das diferenças entre sociedades, em suas diversas etapas de desenvolvimento: ele pretendia que o capital unificasse rapidamente as forças produtivas e as relações de produção nos cantos mais recuados do planeta para que o exército dos proletários pudesse, finalmente, não recusar o capitalismo, mas sim superá-lo a partir de seu acabamento enquanto modo de produção, cedendo lugar a uma etapa superior de organização social da produção. Mas isto eu não preciso relembrar, pois que constitui o “beabá” de qualquer marxista digno desse nome.
O que me surpreende, apenas e tão somente, é que, ao constatar a presença de vários “marmanjos” marxistas no movimento – com isso eu quero me referir aos mais velhos, que ainda leram Marx, já que os mais novos parecem simplesmente ignorar as obras do velho barbudo –, eles não tenham atinado para a existência dessa “contradição insuperável” em seu seio: um marxista conseqüente deveria estar lutando em favor de mais, não de menos, globalização, pois apenas ela é capaz de trazer para mais perto de nós o dia da derrocada final do capitalismo e sua superação pelo socialismo.
A posição da anti-globalização não é, portanto, marxista ou sequer socialista. O que de fato transparece nos muitos documentos compilados, como indicado no já citado 4º princípio, é um posicionamento dos anti contra o “processo de globalização comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e instituições internacionais a serviço de seus interesses, com a cumplicidade de governos nacionais”. Ou seja, o mal absoluto são as grandes empresas multinacionais, e quem não se posicionar contra elas fica proibido, portanto, de freqüentar os encontros do movimento.
No longo prazo, esse posicionamento pode representar uma contradição nos termos, na medida em que o movimento anti-globalizador já se transformou, de fato, em uma grande corporação multinacional, com representação em quase todos os países e com várias “instituições internacionais a serviço de seus interesses”. Assim, se ele, por acaso, numa hipótese não de todo irrealizável, conquistar governos – como parece que já conseguiu convencer alguns e dispõe de muitos aliados em outros, inclusive perto de nós –, ele se tornará uma força irresistível, capaz de mudar de verdade a face do planeta. Apenas não sei se para melhor, como uma análise de algumas de suas propostas alternativas pode demonstrar.

III. Pensando o impensado: existem idéias concretas sobre temas concretos?


Para facilitar o debate e a confrontação de idéias, entre as minhas próprias e as que parecem defender os anti, resolvi organizar o restante deste texto em torno de algumas questões práticas que costumam concentrar o interesse do movimento. Escrevi “parecem” pois que o movimento não ostenta idéias oficiais, o que é compreensível, pois que não pretende ser ou parecer “autoritário”, e não consolidou suas propostas em um conjunto de alternativas que mereçam ter esse nome. O fato é que eles não apresentam os meios e modos pelos quais suas “idéias” poderiam ser testadas na prática, ou pelo menos ser objeto de simulações econométricas ou de elegantes equações de equilíbrio ao estilo de Keynes (um profeta freqüentemente invocado nesses meios).
Como os anti não apresentam esse corpus conceitual, fica muito difícil, o que já é pouco compreensível, considerá-los pelo que eles pretendem ser, um movimento, e não apenas um ajuntamento heteróclito de individualidades, ostentando um conjunto heterogêneo de idéias dispersas. Apresento minhas desculpas antecipadas aos autores de trabalhos dotados de idéias sensatas, mas a reunião de todos esses textos num mesmo barril de baixa coerência intrínseca dá uma horrível impressão de sopa de letras.
Arriscando-me, portanto, a ser injusto com os detentores de idéias menos estapafúrdias (mas, humildemente, eu os convido a me contradizer), aqui estão algumas “idéias” defendidas pelos anti-globalizadores e meus próprios comentários a respeito.

1) Protecionismo agrícola e vantagens comparativas dos mais pobres
Vários documentos dos anti insistem numa pouco definida segurança alimentar: segundo esses textos, se deve dar prioridade à alimentação do povo a partir da própria região ou país, e não às exportações ou importações. Para eles, a segurança alimentar e a sustentabilidade rural só podem existir quando um país é capaz de satisfazer uma parte significativa de suas própias necessidades alimentares. Esta posição transparece em vários documentos franceses, por exemplo, e eu mesmo assisti, pessoalmente, ao representante mais eloqüente desse tipo de proposta, Bernard Cassen, da ATTAC, defender esse absurdo na Câmara dos Deputados, em Brasília, sem que nenhum dos parlamentares brasileiros presentes ousasse responder a tamanha sandice econômica e a tão evidente atentado aos interesses exportadores do Brasil.
Parece evidente, aos observadores isentos, que não há qualquer “insegurança alimentar” no mundo como um todo. Desde os tempos de Malthus, a produção agrícola cresceu muito mais rápido do que a “produção” de indivíduos, e ainda que possa haver, ocasionalmente, carências produtivas numa região localizada – geralmente por motivo de guerra civil ou desastre natural –, elas podem ser rapidamente supridas via comércio internacional ou assistência alimentar de emergência. A tese da “segurança alimentar” e a da “multifuncionalidade agrícola” constituem disfarces canhestros do mais egoista protecionismo agrícola, que tanto mal faz aos povos mais pobres da Terra. Estes não podem utilizar-se de suas vantagens comparativas, que estão todas localizadas no setor primário, para alçar-se da miséria mais vergonhosa, mantida em grande medida graças à concorrência desleal de um punhado de ricos agricultores subsidiados dos países mais avançados. De resto, a indústria e ainda mais os serviços são muito mais “multifuncionais” do que a agricultura, já que estão presentes em todas e cada uma das nossas atividades diárias, não se podendo argumentar sobre sua localização espacial ou eventual isolamento do mercado externo, como se faz em relação à agricultura, sem cometer novos atentados pueris à mais simples racionalidade econômica.
Não tenho nada contra a existência da agricultura familiar, assim como nada tenho a opor a que os países ricos subsidiem suas populações da forma como desejarem, mas eles não podem fazê-lo opondo-se ao livre comércio de produtos agrícolas como vem fazendo e sabotando a comercialização externa da produção agrícola dos países mais pobres por meio de subvenções às suas próprias exportações não competitivas. O protecionismo hipócrita dos países mais ricos está assim roubando, literalmente, os mais pobres de oportunidades de desenvolvimento. A hipocrisia nesse terreno é inaceitável e o movimento anti-globalizador não poderia se fazer cúmplice desse vil atentado aos direitos humanos de milhões de pobres ao redor do mundo. Espero que pelo menos os anti-globalizadores brasileiros saibam desvencilhar-se dessa armadilha que os torna coniventes com um dos piores atentados aos direitos econômicos dos mais pobres.

2) Dívida externa, movimentos de capitais e globalização financeira
Um traço que unifica as mais diversas correntes do movimento anti-globalizador é, sem dúvida alguma, sua oposição ao pagamento da dívida externa dos países mais pobres e, de modo geral, à livre movimentação de capitais financeiros. Outra medida, de caráter propositivo e não simplesmente negativo como a do cancelamento das dívidas – traduzidas na prática por “plebiscitos” tão canhestros quanto viciados em sua indução automática ao não-pagamento, sustentado de forma piegas na “miséria do povo” –, é a que apresenta uma taxação sobre a movimentação de capitais, dita Tobin Tax, como sendo o remédio milagre tanto à volatilidade financeira quanto ao problema do não desenvolvimento dos países mais pobres. Rejeitada pelo próprio economista, James Tobin, que sugeriu um modesto controle sobre as aplicações cambiais no momento da derrocada do sistema de Bretton Woods, essa taxa, patrocinada especialmente pela vertente gaulesa do movimento anti – de onde retira o acrônimo ATTAC –, não apenas não resolveria o problema da volatilidade e da especulação, como se colocaria frontalmente contrária aos interesses de países emergentes tomadores de recursos, como o próprioBrasil. Neste terreno das finanças internacionais, as simplificações dos anti são tantas e tão rizíveis que resulta difícil sequer “dialogar” com representantes desse movimento, que parecem não ter idéias mínimas sobre como funcionam os mercados financeiros e que partes de responsabilidade compartilhada devem ser atribuídas em momentos como os das graves turbulências financeiras dos anos noventa do século XX.
Já escrevi o suficiente sobre as crises financeiras – em especial em meu livro Os Primeiros Anos do Século XXI, em especial cap. 10, “O Brasil e as crises financeiras internacionais, 1929-2001” – para voltar agora em detalhe sobre seus determinantes, as conseqüências econômicas de curto prazo e as possíveis lições do ponto de vista da globalização financeira (inclusive quanto aos necessários cuidados que se há de ter em relação a esse aspecto da globalização, necessariamente diferente da liberalização comercial, que sempre provoca efeitos positivos). Não pretendo, em todo caso, contestar argumentos infantis e desprovidos de qualquer fundamentação histórica ou fatual, como os alinhados por organizações como o “Jubileu 2000”, que promove uma sistemática campanha em prol da eliminação da dívida externa dos países mais pobres. Registro aqui apenas um exemplo desse tipo de argumento:
“Resolver os problemas da dívida externa implica buscar saldar uma dívida histórica que os países do norte têm com os povos do sul como conseqüência do saque e da devastação que neles realizaram durante mais de 500 anos”. Como se diz: contra esse tipo de afirmação não há argumento. Sem dúvida que a dívida externa dos países mais pobres pode e deve ser diminuída ou mesmo eliminada, em certos casos, mas uma ação generalizada de cancelamento dessas dívidas faria mais mal do que bem ao conjunto dos países em desenvolvimento e emergentes, já que os retiraria dos mercados voluntários de capital por um tempo considerável, acumulando mais prejuízos do que benefícios.
Em relação aos movimentos de capitais puramente especulativos, vilipendiados tanto pelos anti-globalizadores como por alguns “globalizadores” – como por exemplo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – pode-se simplesmente relembrar que eles estão em todas as partes, em especial nos países mais avançados, mas são capazes de provocar prejuízos apenas naquelas economias que já enfrentam desequilíbrios, nas quais a volatilidade é um dado intrínseco, não extrínseco, ao sistema. Controles podem ser utilizados, mas não são certamente a panacéia que alguns apregoam, sobretudo na forma permanente de restrições às entradas e saídas, de suposta paternidade keynesiana. Movimentos mais livres de capitais, assim como maior grau de competição no sistema financeiro contribuem para o bom funcionamento de qualquer sistema econômico, mas níveis adequados de liquidez podem ser regulados por instrumentos tributários ao alcance de qualquer país. Apenas a ojeriza atávica em relação aos mercados financeiros ostentada em certos círculos esquerdistas pode justificar algumas das medidas propostas pelos grupos anti-globalizadores: elas pertencem mais ao reino da paixão política do que ao terreno da administração sensata das relações econômicas internacionais.

3) Competição aberta contra mercados regulados e fechados
Outro dos objetos mais freqüentes da demonologia dos anti-globalizadores é o livre-comércio, invariavelmente acusado de provocar perdas para os países mais pobres e de concentrar ainda mais as riquezas em escala planetária. Nada poderia estar mais distante da verdade. Se existe algum tipo de consenso entre os economistas, há mais de dois séculos, é justamente o que defende os efeitos benéficos do livre-comércio para todos os participantes da relação. Os argumentos são tão convincentes a esse respeito que não caberia insistir na argumentação em favor da liberdade de comércio, e sim aguardar provas mais evidentes, dos anti, de que ela provoca miséria e desigualdade.
Bastaria considerar os dados mais elementares da história e das estatísticas atuais confrontando níveis de renda e coeficiente de abertura externa (isto é, a participação do comércio no produto bruto) para constatar o óbvio: há uma nítida correlação entre renda per capita e abertura ao comércio. Como ocorre nesses casos, apenas dirigentes sindicais e agricultores dos países do norte, de um lado, e “intelectuais” do sul, de outro, atacam o livre-comércio: os primeiros estão, é claro, interessados nos empregos industriais ou nos mercados agrícolas protegidos em seus países, ao passo que os segundos defendem teses abstratas, em total contradição com os interesses de seus próprios trabalhadores.
Os argumentos em favor do livre-comércio são tão poderosos que mesmo o PT, no Brasil, aderiu à tese, como se deduz desta afirmação, do seu candidato presidencial em plena campanha de 2002: “Somos a favor do livre-comércio, desde que os países possam competir em igualdade de condições” (carta-compromisso de 23.07.02), Na verdade, a frase deveria receber um ponto final na primeira vírgula, já que a condicionalidade proclamada não tem nenhuma razão de ser: competição em igualdade de condições nunca existirá. Os países exibem assimetrias naturais ou criadas que se manifestam de forma recorrente e que sustentam justamente o comércio, sendo ilusório acreditar que elas serão eliminadas. Aliás, elas não podem ser eliminadas pois que constituem o que se chama de base estrutural das vantagens comparativas relativas, que é o fundamento do próprio ato de comerciar. O livre-comércio, de verdade, é sempre unilateral, nunca condicional e restrito ao princípio de reciprocidade.

4) Instituições de solução de controvérsias em face do arbítrio comercial
Não contentes em despejar sua fúria contra o FMI e o Banco Mundial, acusando-os de serem sustentáculos do neoliberalismo – quando as instituições de Bretton Woods são, na verdade, instrumentos que corrigem imperfeições dos mercados –, os anti-globalizadores ingênuos também pretendem eliminar ou paralisar a OMC, vista como mais uma defensora das grandes multinacionais e da liberalização selvagem, o que constitui, obviamente, outra grande bobagem. Longe de fazer pressão em favor de uma completa liberalização comercial – o que, aliás, seria um grande benefício para os países mais pobres – a organização de Genebra contribui, antes de mais nada, para administrar de modo relativamente imparcial as formas modernas de mercantilismo, que os países insistem em promover em lugar de aderir resolutamente aos princípios de Adam Smith.
Na verdade, se a OMC não existisse, seria preciso inventá-la, na medida em que ela constitui uma das poucas defesas, por meio do sistema de solução de controvérsias, de que dispõem os países menos poderosos para lutar contra o arbítrio dos mais fortes. A oposição consistente dos anti-globalizadores contra as rodadas multilaterais de negociação comercial da OMC – como de resto contra a Alca e outros processos em curso de escala mais restrita – afastam as possibilidades de que países mais pobres possam se integrar mais rapidamente à economia mundial e daí extrair crescimento e riqueza. Desse ponto de vista, os anti-globalizadores são altamente irresponsáveis.

5) Crescimento e pobreza, ou o que a globalização pode fazer por eles
A acusação, sempre freqüente nos manifestos do movimento anti, de que a globalização reduz o crescimento nos países mais pobres e aprofunda neles a pobreza, não é apenas rizível e desprovida de fundamentação empírica: ela é totalmente ridícula, em face dos exemplos mais conspícuos em sentido contrário. China e Índia, dois países pobres e dotados de instituições econômicas socialistas e dirigistas, foram os que mais cresceram quando, justamente, se inseriram no processo de globalização, explorando suas vantagens naturais (mão-de-obra barata) ou adquiridas (educação de qualidade, em certas categorias de trabalhadores, e facilidades logísticas e de comunicações). Nos dois, milhões de pessoas se alçaram de uma miséria ancestral e puderam desfrutar de uma primeira sensação de progresso social desde gerações imemoráveis.
Na outra ponta, os dois países mais abertos ao processo de globalização, de fato os promotores históricos desse processo desde a era da primeira revolução industrial, o Reino Unido e os Estados Unidos, são também aqueles que apresentaram as maiores taxas de crescimento de todos os desenvolvidos durante a terceira onda da globalização, nos anos noventa, ostentando igualmente as menores taxas de desemprego entre os países da OCDE. Por acaso são também os mais globalizados financeiramente e os que mantêm o menor número de restrições aos investimentos ou em termos regulatórios.
No que se refere aos investimentos diretos, justamente, observa-se uma virtual contradição entre, de um lado, a oposição retórica e o soberanismo vazio proclamado pelos anti e, de outro, os ativos esforços de atração de capitais de risco que vêm sendo feitos pelos países em desenvolvimento, que se mostram indiferentes ao discurso contra as multinacionais dos primeiros. Pode parecer razoável proclamar-se a intenção de reservar “espaços nacionais” para políticas de desenvolvimento, mas a menos de se dispor de políticas setoriais definidas e concretas, o alerta pode parecer inócuo  ou simples manifestão de prevenção contra o investidor estrangeiro, que ele vem em busca de objetivos muito objetivos: liberdade de ação e o maior lucro possível, nessa ordem.

6) Concentração da renda e desigualdades
A concentração e a desigualdade na distribuição da renda podem ocorrer mesmo na ausência do processo de globalização, como prova o Brasil na era do protecionismo industrial e de fechamento comercial. A globalização, ao contrário, ao provocar uma maior taxa de crescimento da economia em países menos avançados, tende a favorecer o crescimento e, portanto, a criação de riquezas. A distribuição da renda adicional assim criada pode não ser a mais equitativa possível, mas isso depende de um conjunto de fatores políticos e sociais que ultrapassam a capacidade operacional da globalização.
Esta questão, de toda forma, está ligada ao papel que o Estado desempenha no sistema econômico. Os anti-globalizadores costumam afirmar que não existe nenhuma experiência histórica que demonstre que o mercado, por si só, logre alcançar níveis satisfatórios de repartição de benefícios e muito menos justiça social, o que é no mínimo uma generalização indevida. Ainda que o Estado tenha sido importante ao administrar mecanismos tributários, compensatórios e de benefícios indiretos – escolas, hospitais e saneamento básico, por exemplo – em favor dos mais desfavorecidos, em praticamente todos os países, as evidências mais eloquentes em termos de crescimento da renda e de repartição equitativa das riquezas geradas no setor privado estão justamente naqueles países onde os mercados funcionaram de forma mais desimpedida e livre, não nos mais estatizados ou controlados pelo setor público. Privatizações podem tanto concentrar como desconcentrar a renda, dependendo da forma como são conduzidas, sem esquecer que uma das formas mais iníquas de concentração da renda em países pobres é aquela operada em favor de certas categorias de privilegiados estatais – funcionários da ativa ou pensionistas – que logram transferir para si uma parte substancial da riqueza social sob a forma de investimentos em empresas estatais ou pensões abusivas.

7) Tecnologia proprietária e dependência tecnológica
Da mesma forma como os capitais financeiros, patentes e direitos proprietários em geral têm o dom de despertar paixões exacerbadas nas hostes do movimento. Talvez seja porque aqui estão concentrados alguns dos símbolos considerados nefastos para os anti-globalizadores: grandes multinacionais lidando com segredos industriais, extração de lucros abusivos sobre determinadas categorias de produtos, a começar pelo remédios, enfim, monopólio tecnológico dos ricos e dependência dos mais pobres. As demandas, em conseqüência, vão da proibição de patentes em certas áreas (ligadas à vida e saúde), ao licenciamento compulsório de patentes devidamente registradas de remédios de larga utilização pública, passando pelo controle extensivo do setor pelo Estado.
De fato, o regime de patentes consagra o monopólio do detentor dos direitos durante um certo tempo, que vem sendo paulatinamente aumentado (atualmente de 20 anos para patentes e bem mais para direitos do autor) e estendido a novas áreas, até aqui inéditas, do conhecimento e da engenhosidade humanas. Pode-se, efetivamente, constatar um certo exagero na proteção patentária, atualmente, mas como disse uma vez Churchill em relação à democracia, trata-se do pior regime, à exceção de todos os demais. Sem a promessa de ganhos trazidos pelo regime “monopólico” das patentes, seria difícil assegurar os investimentos necessários à introdução de novos remédios nos mercados. A existência de um regime abrangente de proteção tornou-se, assim, uma condição do próprio desenvolvimento tecnológico nessas áreas de ponta, razão pela qual países dotados de “baixa cultura patentária” têm sido notoriamente deficientes no registro e na exploração de inovações, a despeito mesmo de seus progressos científicos, como parece ser o caso do Brasil.
A dependência tecnológica é um fato, mas ela não será sequer arranhada se os países em desenvolvimento seguirem os conselhos dos anti-globalizadores na condução de suas políticas tecnológicas e de propriedade intelectual. Ao contrário, é provável que a dependência se aprofunde caso suas “prescrições” sejam seguidas, uma vez que elas não correspondem ao itinerário real dos países capitalistas desenvolvidos, e sim são meras teses agitadas no mundo abstrato em que vivem os anti-globalizadores.

8) Meio ambiente e mercado: um instável equilíbrio
A degradação ambiental e a diminuição da diversidade biológica são fatos que acompanham a civilização humana desde tempos imemoriais: as sociedades devastaram a natureza e substituiram-na por paisagens humanas, assim como domesticaram animais e agora tentam interferir no próprio ato de criação de novos seres vivos, desta vez ao nível molecular, quando já o vinham fazendo há milhares de anos ao nível da seleção das espécies. Acreditar que tais fenômenos se reduzem a um problema de mercado ou que está ligado exclusivamente ao modo de produção capitalista é de um reducionismo atroz e, no entanto, é isso que vêm fazendo os anti-globalizadores ecológicos.
O que eles pedem, em essência, é o afastamento dos critérios de mercado das questões vinculadas ao meio ambiente – na OMC, por exemplo –, quando os sinais de mercado são os únicos capazes de, ao precificarem os custos relativos de utilização e de conservação, estabelecer um justo meio termo, por certo sempre instável, entre a preservação ambiental e o uso sensato dos recursos naturais. A experiência das últimas décadas, em especial nos ex-países socialistas, indica que a ausência de sinais de mercado e a presença avassaladora do Estado na regulação do uso de recursos comuns pode andar de par com os piores atentados ao meio ambiente de que se tem notícia. Parece claro que a livre disposição desses recursos também pode conduzir a abusos por parte das empresas privadas – sempre tentadas a atuarem segundo um comportamento free-rider –, mas justamente a combinação de mecanismos regulatórios com adequados estímulos de mercado parece mais condizente com as necessidades sociais do que um preservacionismo radical que parece impedir, atualmente, os povos dos países mais pobres de fazerem uso adequado de seus ainda vastos recursos naturais. Como também indicado pela experiência histórica, as piores degradações ambientais tendem a ocorrer nas regiões mais pobres dos países em desenvolvimento. Desse ponto de vista, as posições assumidas pelos anti-globalizadores tendem, na prática, a perpetuar miséria e degradação ambiental nesses países.

IV. Diagnóstico de duas enfermidades precoces: autismo e esquizofrenia


Ao percorrer os inúmeros escritos – caóticos, desiguais, geralmente carentes de método e ainda menos apoiados em estudos empíricos – dos anti-globalizadores, a sensação que se retira é a de uma estéril e inócua anarquia mental. Aliás, uma única conclusão parece possível a partir da leitura (penosa) dos textos dos anti: o que os anima, na verdade, não é a criação de um “novo mundo”, ou a indicação de alternativas reais e credíveis aos problemas deste velho mundo em que vivemos, por certo desigual e iníquo, sob muitos aspectos, mas ainda assim infinitamente melhor do que aquele no qual viveram nossos avós e bisavós, e assim sucessivamente até tempos recuados, e bem mais sombrios, da história da humanidade. O que os mobiliza, de fato, são duas tomadas de posição que cabe aqui considerar: um anti-capitalismo visceral e, o que é mais grave, sua derivação sociológica, um anti-mercadismo filosófico.
Não tenho nenhum tipo de mandato para colocar-me na defesa do capitalismo, um sistema que me parece dispensar defensores pagos ou voluntários, já que vem, ao longo dos séculos, resistindo razoavalmente bem aos assaltos continuados de uma horda de bárbaros anti-capitalistas, desde os mercantilistas adeptos das reservas de mercado, aos monopolistas das companhias reais de comércio, a socialistas utópicos e soi-disant “científicos”, a coletivistas fascistas e planejadores comunistas, a estatistas disfarçados e outros dispensadores do “bem-estar social”. Pesa em seu favor o fato de não ter sido inventado por nenhum cérebro genial, à diferença de certas soluções “inovadoras” para minorar as misérias e sofrimentos humanos, emergindo de forma imperfeita e sempre incompleta de um processo impessoal, não administrado centralmente, não controlado e não controlável por nenhuma força social particular, mas resultando da combinação de milhares de ações e reações ao longo de uma cadeia de interações sociais que deita raízes em várias correntes constitutivas da civlização ocidental (pois é um fato histórico, não absoluto ou excludente, que o capitalismo emergiu primeiro nas formações sociais criadas a partir do substrato civilizatório comum do Ocidente medieval). Tal como ele existe, o capitalismo é certamente imperfeito e desigual, concentrador e indiferente às especificidades humanas, mas é também o sistema mais dinâmico de criação de riqueza e de disseminação de progresso técnico que já existiu na face da Terra. Não é eterno, certamente, mas vai evoluir gradualmente para formas diferentes – talvez não “superiores”, num sentido moral – de organização social da produção, sem que se possa predizer com alguma certeza como e em que condições ele vai continuar a moldar as sociedades modernas como o fez nos últimos cinco ou oito séculos.
É a esse sistema de remuneração pelo mérito, de prêmio pela astúcia individual, de retorno pela dedicação ao trabalho honesto, mas também de acumulação crua (e não raro violenta) de capitais, de genial inventividade e de brutal concentração de riquezas, que os anti-globalizadores pretendem substituir por algum sistema de organização social da produção e de distribuição de renda ainda indefinido, mas idealmente mais justo e menos desigual, feito de solidariedade e de respeito aos direitos humanos, assim como ao meio ambiente e à diversidade natural dos povos. Nada mais singelo e mais irrealista, pois que eles não conseguem sequer entender a lógica de funcionamento do capitalismo, quanto mais fazê-lo ser deslocado por um outro sistema inerentemente mais justo e mais eficiente (por fiat natural?).
A principal dificuldade para esse tipo de empreendimento benemérito – e aqui passo à segunda característica dos anti-globalizadores – é que no meio do caminho tinha um mercado. Ainda que eles não queiram ou não possam admitir tal realidade, o fato é que o mercado é muito maior do que o capitalismo, pois que perpassa todas as sociedades, em todas as épocas e lugares. Não há sociedade sem mercados, salvo talvez em povos muito primitivos, mas estes também conhecem formas de divisão social (e sexual) do trabalho, que já são, pelo simples fato de existirem, um embrião dos mercados potenciais. A economia de mercado sobreviverá ao capitalismo, quando este já não mais fizer parte do estoque de modos de produção à disposição dos “engenheiros sociais”, pela simples razão que ela funciona como uma espécie de sistema circulatório, sustentando o conjunto de funções numa sociedade complexa.
Que o mercado seja contraditório, incerto, caótico e inerentemente injusto, como parecia interpretar um espírito idealista como Marx, não implica em que possamos nos desvencilhar dele facilmente (ou impunemente). Todas as tentativas realizadas até aqui, a mais notória durante setenta anos, entre as planicies européias e as estepes asiáticas, redundaram em notórios fracassos, quando não em tragédias humanas incomensuráveis. A recusa filosófica, digamos idealista, do principio do mercado pela maior parte dos anti-globalizadores, sempre prontos a acusar a “mercantilização da vida” em qualquer relação envolvendo intercâmbio de renda ou ativos patrimoniais, é algo preocupante e, eu diria, sintomático de uma doença bem mais grave, que em psiquiatria recebe o nome de “esquizofrenia”.
A esquizofrenia, segundo os dicionários médicos, é uma psicose caracterizada pela desagregação da personalidade e por uma perda de contato vital com a realidade. Antigamente conhecida por “demência precoce”, ela afeta mais particularmente os adolescentes ou adultos até os 40 anos. Segundo o psiquiatra suíço que a estudou, Eugen Bleuler (1857-1939), essa doença apresenta-se como uma dissociação mental, ou “discordância”, acompanhada por uma invasão caótica do imaginário, podendo se traduzir por disturbios afetivos, intelectuais e psico-motores, sentimentos contraditórios em relação ao mesmo objeto (amor e ódio, por exemplo), ou então por incapacidade de agir, por autismo, delírio e até recusa de falar. O autismo, por sua vez, é uma ruptura entre a atividade mental e o mundo exterior e uma introversão mais ou menos total no mundo do imaginário e dos fantasmas (Larousse Médical, 1995).
Eu estaria sendo muito cruel e exagerado se acusasse os anti-globalizadores dessas duas enfermidades: esquizofrenia e autismo? Os sintomas e as reações, em todo caso, são muito parecidos. Como os esquizofrênicos, eles recusam ver o mundo como ele é, preferindo descrevê-lo em tintas sombrias e catastróficas, cujos componentes têm um único problema: o de não corresponderem à realidade dos fatos. Como os autistas, eles se reunem entre eles e recusam dialogar com o exterior, ou com quem não aceitar sua Carta de “Princípios”, tão confusa formalmente quanto desconexa substantivamente.
Acredito, pessoalmente, que – à parte um “núcleo duro” de anti-capitalistas profissionais, isto é, aqueles sobreviventes do grande desastre do movimento comunista do século XX e que ainda continuam a se perpetuar como uma seita religiosa, através de velhos ritos litúrgicos que só desaparecerão com o passamento do último representante da espécie – a maior parte dos integrantes do movimento anti-globalizador é composta de jovens idealistas que desejam sinceramente a correção da piores desigualdades que ainda dividem a humanidade em um punhado de países ricos e uma imensa periferia de pobres e miseráveis. Eles são devotados à causa e acreditam, por indução daqueles profissionais acima referidos ou por leituras apressadas ou enviesadas, que o velho capitalismo, o neoliberalismo (que muitos confundem com o chamado “Consenso de Washington”) e o sistema de mercado são efetivamente responsáveis pelas misérias do mundo, tal como o vemos de nossas janelas, nas ruas do Terceiro Mundo ou que aprendemos a conhecer em informações disseminadas pela internet. Esse mundo real é realmente inaceitável e algo deve ser feito para paliar suas carências mais gritantes e suas iniquidades mais brutais.
Apenas considero que essas misérias, injustiças e iniquidades não se devem, em absoluto, à globalização: elas preexistem, inclusive, ao capitalismo e podem talvez continuar a existir se, por acaso, em uma bela manhã de sol, o mundo decidisse deixar de ser “capitalista” para ser qualquer outra coisa, proposta ou não pelos anti-globalizadores. Os anti se enganam singularmente de inimigo, provavelmente por falta de leituras honestas, de um estudo mais atento da realidade histórica, de um conhecimento mínimo sobre como funcionam os sistemas econômicos e, também, porque se deixam levar por um discurso simplista e simplificador, por parte daqueles já mencionados acima.
Não tenho nenhuma restrição mental em acusar os “defensores do culto”, tanto porque eu também já fui um deles, embora de uma vertente não religiosa, muito dada a leituras de todo tipo, onde Marx era combinado a Raymond Aron, Engels a Fernand Braudel e Lênin a Tocqueville. Derivei minha reavaliação dos capitalismos realmente existentes por meio de um conhecimento não apenas teórico, mas sobretudo prático de todos os socialismos realmente existentes (e suas pequenas e grandes tragédias sociais). Aprendi, em especial, a reconsiderar minha análise do sistema de mercado – tal como absorvida precocemente n’O Capital, de Marx – pelo estudo das tribos mais primitivas do planeta, numa antropologia comparada das sociedades que em muito contribuiu para relativizar as críticas mais candentes que os modernos socialistas faziam às iniquidades percebidas e reais desse sistema na moderna economia capitalista.
Quero crer, com base nesses estudos e na reavaliação pessoal conduzida ao longo dos anos, que os assim chamados “marxistas” contemporâneos – e que ainda continuam a perpetuar ritos e instrumentos de um culto tão ultrapassado quanto inócuo, do ponto de vista da moderna sociedade globalizada – não merecem na verdade esse epíteto, e sim o de reacionários, pois querem fazer girar para trás a roda da história, segundo a fórmula consagrada de Marx. Aliás, eu me considero marxista e nem por isso deixo de ser “globalizador”, como aliás Marx o seria, se por acaso vivesse atualmente. Por isso acredito, com base em todas as considerações que efetuei neste ensaio, que não só os marxistas, mas também os socialistas de todas as espécies, os humanistas, os ecologistas, as pessoas de esquerda e os progressistas em geral deveriam adotar, sincera e devotamente, uma postura em favor da globalização – atualmente inseparável, mas não para sempre, do capitalismo –, da qual um balanço honesto saberia nela reconhecer o único sistema progressista realmente existente. Por progressista eu entendo, está claro, um sistema capaz de incorporar, progressivamente, contingentes sempre crescentes de pessoas em patamares mais elevados de produtividade, de renda e de bem estar social, não um sistema que atenda a todas as necessidades culturais, educacionais ou de justiça social de todas as sociedades por ele tocadas. Isto a globalização é capaz de fazer, mas ela não poderá, obviamente, dispensar o igualitarismo social com que sonham alguns de seus arautos ou de que a acusam vários, ou maior parte, de seus críticos.
Quero crer, também, que a maior parte dos participantes do movimento anti-globalizador seja composta de indivíduos idealistas, que se esforçam sinceramente por encontrar respostas aos problemas do mundo atual, por definirm como proclamado no seu 4º princípio, as chamadas propostas alternativas para uma “nova etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite os direitos humanos universais, bem como os de tod@s @s cidadãos e cidadãs em todas as nações e o meio ambiente, apoiada em sistemas e instituições internacionais democráticos a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos.”
Concordo basicamente com esse objetivo geral, idealista, contentando-me talvez, tão simplesmente, em retirar o adjetivo “solidária” do conceito de globalização, não por discordar da intenção, mas por considerá-la inócua e absolutamente irrelevante do ponto de vista do processo histórico. A globalização seguirá sua marcha impessoal, indiferente às vontades e intenções daqueles que pretenderiam atribuir-lhe qualquer caracterização particular ou específica.
Atores sociais e líderes políticos intentarão, obviamente, moldar o processo de globalização, tentando adaptá-lo às suas necessidades nacionais, às suas concepções filosóficas ou a seus projetos políticos. Todas essas ações poderão, ou não, desviar, ainda que de forma moderada, o traçado impessoal e aparentemente indomável do processo de globalização, mas não conseguirão determinar seu curso básico, que é o da unificação progressiva do planeta numa sociedade singular, não totalmente integrada ou dotada de padrões uniformes (como pretendem os defensores do nacionalismo cultural), mas tampouco fechada em arquipélagos nacionais como ocorreu até os nossos dias. As ameaças de eliminação das diferenças culturais entre os povos, devido à importação de bens e serviços de “cultura de massas” do atual centro imperial, são carentes de maior substância efetiva e não deveriam ser consideradas por todos aqueles que trabalham com a identidade nacional desses povos, como a própria experiência brasileira já o demonstrou amplamente.
Uma leitura realista das possibilidades e limites da globalização nos permitiria visualizar, sem paixões ou esperanças irrazoáveis, o potencial de realizações que esse processo contraditório e indomável contém no sentido de uma transformação positiva, e progressista, da maior parte das formações sociais integradas, de uma ou outra forma, ao grande caudal da economia mundial. Sempre haverá aqueles que preferirão combater moinhos de vento, em lugar de se lançar, modesta e pragmaticamente, nas pequenas e grandes tarefas vinculadas necessariamente ao processo de globalização: a educação das massas, a qualificação técnica e profissional dos trabalhadores, a melhoria contínua dos padrões culturais e científicos da população, de maneira a prepará-la para usufruir plenamente dos benefícios desse processo irreversível, bem como para fazê-la participar com seus próprios instrumentos dessa grande dinâmica multiforme.
Os anti-globalizadores da atualidade me parecem ter adotado, por enquanto, a atitude do avestruz, o que é próprio daqueles que se sentem fragilizados frente a uma realidade que não dominam e que parece dominá-los por sua vez. As manifestações ruidosas que conduzem nos locais e eventos típicos da atual globalização constituem um típico combate de retaguarda, e suas teses estão condenadas a se esvair na vacuidade das idéias mal pensadas, mal conduzidas e mal direcionadas. É de toda forma reconfortante saber, de acordo com Marx, que a humanidade nunca deixa de oferecer soluções aos problemas que ela mesma se coloca. Daí a razão de meu otimismo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1297: 5 de julho de 2004.

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