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Finalmente um editorial da revista Época, recém publicado:
Olavo
viu a uva
Editorial
da edição 1072 de ÉPOCA
ÉPOCA
17/01/2019
- 13:30 / Atualizado em 17/01/2019 - 13:32
Em
duas semanas de governo Jair Bolsonaro, ficou claro que o novo chanceler,
Ernesto Araújo, quer promover um rodopio de 180 graus na política externa
brasileira, rompendo com alguns dos princípios que têm guiado a presença
internacional do país. Esses princípios, que constituem também bases
operacionais da política externa, incluem a valorização do multilateralismo, o
respeito ao Direito Internacional e a prática de tentar manter boas relações
com praticamente todos os países do mundo. No lugar dessa política externa
tradicional, Araújo, segundo pode se depreender de seu intrincado e confuso
discurso de posse no Itamaraty, quer promover outra que seja a expressão de uma
forte identidade nacional.
O
fortalecimento da identidade brasileira, de acordo com o pensamento do
chanceler, passaria pela recuperação de valores baseados em Deus, na nação e na
família e pela rejeição do “globalismo” pelo Itamaraty. O “globalismo” é como
Araújo e outros seguidores, aqui no Brasil, do polemista ultratradicionalista
Olavo de Carvalho batizaram o que eles chamam de um projeto político de
imposição de um governo mundial pela ONU, pelas ONGs e por diferentes governos
considerados progressistas. Com suas pautas de defesa do feminismo, do ambientalismo,
da abertura das fronteiras às migrações, o “globalismo”, segundo a visão
defendida com fervor missionário por Araújo — o que já lhe valeu no Itamaraty o
apelido de Beato Salu —, estaria corroendo os tradicionais valores
judaico-cristãos que fizeram a grandeza do Ocidente.
Há
vários problemas nessa guinada no Itamaraty. Uma política externa consistente e
eficiente deve buscar objetivos de longo prazo para o país, o que recomenda que
ela seja previsível e executada com prudência e pragmatismo. Como observou
recentemente o cientista político Guilherme Casarões, da Fundação Getulio
Vargas, ninguém mais tem certeza sobre como o Brasil de Bolsonaro e Araújo
jogará no tabuleiro mundial. O discurso ultraconservador do novo chanceler, que
colocou o Brasil no mesmo eixo político de democracias iliberais como a Hungria
e a Polônia, com as quais temos pouquíssimos pontos em comum, já está custando
danos à reputação e à imagem do Brasil no exterior e poderá ter consequências
políticas negativas.
O
país poderá sofrer também com custos econômicos. Bolsonaro parece querer emular
o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em tudo. Copia Trump não só na
atividade intensa nas redes sociais, mas também no ataque à ONU e à ordem
internacional, na defesa estridente de Israel e nas críticas à China. Ainda a
maior potência econômica e militar do mundo, apesar da crescente sombra que a
China começa a lhe fazer no cenário internacional, os EUA são capazes de
suportar, sem danos irremediáveis, a diplomacia errática de Trump, equiparado à
salvação para o Ocidente por Araújo — outra bizarrice, vinda de um chanceler. O
Brasil, potência média, sem força militar e com economia repleta de
vulnerabilidades, não pode fazer o mesmo jogo dos EUA, pois depende da ONU, do
Direito Internacional e do multilateralismo para fazer avançar seus interesses
na arena internacional, onde quem costuma ter a força impõe as próprias regras.
Uma
atitude subserviente em relação aos EUA pode ser boa para os americanos, mas
não para o Brasil, cada vez mais dependente dos investimentos e das compras dos
produtos nacionais pelos chineses. A história registra como o Brasil, em outros
momentos em que se alinhou aos EUA, se frustrou na expectativa de benesses, que
não vieram, apesar das concessões feitas. As tradições da diplomacia brasileira
foram construídas ao longo do tempo por uma burocracia competente e
profissional formada na escola do barão do Rio Branco. Seria melhor para o país
que Araújo as revisitasse com cautela, em vez de tentar reinventá-las sob o farol
de Olavo de Carvalho, um grande sofista que nada sabe de relações
internacionais.
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