Le grand blues des diplomates brésiliens
Por Bruno
Meyerfeld, publicado originalmente no Le Monde, 5/02/2020
Tradução de
Sylvie Giraud para o 247
O homem nos abre a porta e nos recebe com um sorriso.
Fecha-a em seguida e se deixa desfalecer sobre uma cadeira, desacorçoado. “Muitas pessoas aqui estão em depressão. Por
enquanto estou conseguindo levar sem tomar remédios, murmura, lágrimas
nos olhos, este diplomata de alto escalão do Ministério das Relações Exteriores
do Brasil. Antes, ia todos os dias trabalhar
cheio de adrenalina, enlevado. Hoje, só vou por obrigação. Até pensei em deixar
tudo. É infinitamente triste ... "Dele não revelaremos nem o nome
nem a função. "Desde que a extrema
direita de Jair Bolsonaro está no poder, qualquer pessoa que expresse
pensamento crítico é punida", deixa escapar. “É
um clima de caça às bruxas.” Ainda assim, meia dúzia de outros diplomatas
concordou em testemunhar ao Le Monde,
na maioria das vezes de forma anônima, sobre o que considera ser a
"destruição" em marcha de seu ministério. E com ele, da imagem do
Brasil no mundo.
Antes de mais nada, convém lembrar a importância neste
país do Ministério das Relações Exteriores, chamado de "Itamaraty",
este palácio de "pedras livres" na língua indígena. Um
"templo" de concreto projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e
inaugurado em 1970 sobre o eixo monumental de Brasília. Adornado com um jardim
aquático e cercado por altas colunas, possui salões de prestígio e, conduzindo
aos andares de cima, uma escada excepcional em forma de hélice, sem vigas ou
corrimão, como que num passe de mágica.
O culto ao
Itamaraty
Mas o poder do Itamaraty não se resume apenas à
arquitetura. Com 222 representações no exterior (entre embaixadas e
consulados), o país possui o oitavo maior serviço diplomático do planeta.
Melhor do que Itália, Espanha ou Reino Unido. "Poucos
países devem tanto à diplomacia", escreveu o embaixador e historiador
Rubens Ricupero (autor de “A Diplomacia na Construção do Brasil”, 2016, sem
tradução). Segundo ele, a instituição teria até forjado, ao longo do tempo, "certa ideia do Brasil": a de um gigante
“feliz (...), em paz (...), confiante no
direito e nas soluções negociadas (... ), força criadora de moderação e
equilíbrio”.
O embaixador
brasileiro deve ser charmoso, elegante, culto e especialista em tudo
O país, portanto, venera seus diplomatas. E seu Deus se
chama José Maria da Silva Paranhos Junior, Barão de Rio Branco - Ministro das
Relações Exteriores de 1902 até sua morte em 1912 - que elevou o Itamaraty à
justa medida de suas ambições. Esse homem refinado, bigode aparado no estilo
inglês, estabilizou as fronteiras, assinou tratados de paz com uma dezena de
países vizinhos, ampliou pacificamente o território em 190.000 km2 e legitimou
a jovem república aos olhos do mundo. Quando ele faleceu, em pleno carnaval,
até as festividades por foram adiadas por algumas semanas.Desde então, como o
“barão”, o embaixador brasileiro deve ser charmoso, elegante, culto e
especialista em tudo (“clones de Filipe II da Espanha; altivos, barbudos,
cultos, severos e desdenhosos" troça um diplomata europeu). Formados no
Instituto Rio Branco, em Brasília, tais funcionários são recrutados em um concurso
considerado o mais difícil da república: 6.400 candidatos para 20 vagas em
2019. Os “itamaratistas”, pelo menos
trilíngues, dominam também tanto os textos antigos como o direito internacional
e são frequentemente “emprestados” a outros ministérios, a gestões locais e até
às empresas públicas. “Nós somos o “estado
profundo””, resume um embaixador. Em outras palavras, aqueles que dão as
cartas no jogo brasileiro.
"Perseguição
ideológica"
Nessas condições, não é de surpreender que o Itamaraty
tenha se tornado o alvo de Jair Bolsonaro, modesto capitão de reserva, que
abomina essa "aristocracia" tão orgulhosa quanto letrada. Para piorar
a situação, o Itamaraty é visto pelo governo como um ninho de esquerdistas, "um dos ministérios onde a ideologia marxista
está mais arraigada", nas palavras de Eduardo Bolsonaro, filho
influente do presidente. A partir daí, um expurgo, acompanhado de um
sangramento, parecia aos novos donos do poder absolutamente obrigatório.
"Araújo quis
se cercar de pessoas inexperientes, que lhe devem tudo e não podem
contradizê-lo", disse um funcionário do ministério.
Em um ano, cinco embaixadas foram fechadas no Caribe e
espera-se que mais duas ou três sejam fechadas em breve na África. O número de
"secretarias" - equivalente às diretorias gerais do Quai d'Orsay na
França - foi reduzido de nove para sete, e todos os seus chefes eliminados de
seus cargos, substituídos por diplomatas de menor estofa e menor grau
hierárquico "O novo ministro Ernesto
Araujo queria se cercar de pessoas de confiança, justifica-se a
administração do Itamaraty. É natural,
no mundo inteiro é assim!" Mentira, respondem vários agentes do
ministério solicitados por Le Monde.
"Demitir todos os chefes de uma só vez é
sem precedentes", diz um deles. “Araújo
queria cercar-se de pessoas sem experiência, que lhe devem tudo e não podem
contradizê-lo.”
"Uma
reorientação estratégica do lugar do Brasil no mundo"
Segundo os diplomatas entrevistados, "perseguições ideológicas" estariam em
curso, orquestradas por um gabinete que “dissemina
o terror”, descrito como "totalitário"
ou "inquisitorial", visando
prioritariamente os "barbudinhos",
esses "pequeno barbudos" saídos
da esquerda, e ingressos no órgão durante as presidências de Lula (2003-2010) e
Dilma Rousseff (2011-2016). Dentre os casos citados, o do diplomata Audo
Faleiro: nomeado em outubro de 2019 à frente da divisão "Europa" do
ministério, ele foi demitido de suas funções apenas alguns dias depois de sua
nomeação, como consequência da pressão de grupos de extremos direita.
"A casa
ficou em silêncio"
Citando Luiz Alberto Figueiredo (no Catar), Mauro Vieira
(na Croácia) e Antonio Patriota (no Egito), uma fonte constata que "todos os ministros das Relações Exteriores de
Dilma foram enviados para embaixadas de segunda importância". Para
alguns, é um castigo. Para outros, uma escolha. "Não
ia representar esse governo de palhaços no exterior! Preferi dar um passo atrás",
diz um diplomata, conhecido por sua visão mais à esquerda, que aceitou uma
posição subalterna no exterior.Em Brasília, “realocados
para cargos inferiores ou deixados sem encargos específicos” os
ex-chefes de serviço, vêm ao ministério
para tomar um café, sentar em uma cadeira, olhar para as paredes. É muito
humilhante", comenta-se. Dentre esses funcionários ociosos, Paulo
Roberto de Almeida é um dos poucos a testemunhar com o rosto descoberto.
Ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), ele foi
demitido em março de 2019 por conta de postagens críticas ao Ministro,
publicadas em seu blog. Desde então, esse homem de 70 anos foi
"relegado" aos arquivos do ministério. "Não
me foi atribuída nenhuma função específica ... por isso, venho preenchendo meu
tempo da melhor maneira possível: passo o dia na biblioteca, leio, escrevo
livros ...", diz ele.Enquanto isso, o Sr. Almeida - embora conhecido
por suas posições à direita - diz ter perdido sua "gratificação", um
complemento salarial para os chefes de departamento: "Minha
renda caiu um quarto, de 26.000 [5.490" euros] para 21.000 reais [4.430
euros]”, detalha ele, denunciando um clima de “perseguição,
intimidação, acrescido de vingança pessoal”. "Ninguém
ousa falar livremente, os corredores estão vazios. As pessoas se trancam em
seus escritórios. A casa mergulhou no silêncio."
Trump,
"Salvador da Alma do Ocidente"
No Itamaraty, em um dos salões decorados com obras de
arte e tapeçarias, estava até recentemente o busto de um cavalheiro austero,
calvo, dotado de fino bigode: San Tiago Dantas, ministro das Relações
Exteriores no início da década de 1960. Na época, ele fora o defensor de uma
política externa independente, solidaria aos países em desenvolvimento e
crítica dos Estados Unidos. Segundo a imprensa, sua estátua teria sido removida
discretamente.
Isso se explica porque, liderada pelo ministro Ernesto
Araujo, e visando a própria tradição histórica das relações exteriores do país,
é lançada uma ofensiva de ordem ideológica em paralelo. Climático-cético
assumido, fazedor de complôs notório, este diplomata um tanto quanto esdrúxulo,
capaz de citar no mesmo discurso, Proust e uma réplica da novela, defende a
construção de um eixo mundial "cristão-conservador", liderado pelo
americano Donald Trump, "Salvador da
alma do Ocidente". Consequência: no Itamaraty, foi criada uma nova
secretaria de "soberania nacional e
cidadania", enquanto que aquela o dedicada ao meio ambiente
simplesmente desapareceu.
Até então motor da integração regional, o Brasil anunciou
no início de 2020 sua saída da Comunidade dos Estados da América Latina e do
Caribe (Celac). Anteriormente líder em negociações climáticas, participou
ativamente do desastre da COP25 em Madri. Investido pesadamente no passado na
defesa dos direitos humanos nas Nações Unidas, hoje bloqueia numerosas
discussões sobre migração, gênero ou direito ao aborto.
"Vamos parar
com essas besteiras!"
"A nova diplomacia
brasileira é o fim do Fórum de São Paulo [organização que reúne
partidos de esquerda sul-americanos] e
do desalinhamento automático com os Estados Unidos", comemora Luis
Fernando Serra, nomeado em 2019 embaixador do Brasil em Paris. Esse diplomata
em ascensão, pressentido em determinado momento para dirigir o Itamaraty
bolsonarista, evoca um simples "reequilíbrio":
"Agora, com Jair Bolsonaro, temos uma
diplomacia pragmática e aberta. Não estamos submetidos aos Estados Unidos e não
estamos renunciamos à Europa.”
“Bolsonaro
coloca em questão a integração do Brasil no mundo e os fundamentos de nossa
diplomacia", decifra
Hussein Kalout
Para os especialistas, o viés é óbvio: "Há um ano que o alinhamento com Washington é
total e incondicional", analisa Hussein Kalout, professor de relações
internacionais da Universidade de Harvard, citando o recente voto de Brasília
contra o fim do embargo americano a Cuba ou o apoio de Jair Bolsonaro ao
assassinato do general iraniano Soleimani. "Bolsonaro
coloca em questão a integração do Brasil no mundo e os fundamentos de nossa
diplomacia, fundada no multilateralismo, na resolução pacífica de conflitos e
no respeito à soberania nacional. É sem precedentes", diz Kalout.Mas
Araujo não dispõe do poder total. Em várias ocasiões, sob a pressão combinada
do agronegócio e do exército, ele teve de recuar, interromper seus ataques à
China comunista, renunciar a sair do MERCOSUL ou a mudar a embaixada do Brasil
de Tel Aviv para Jerusalém e, foi obrigado, acima de tudo, a permanecer no
Acordo de Paris sobre o Clima. “Em
questões-chave, forças externas ao ministério estão se levantando para dizer:
“Vamos parar com essas loucuras!’’’, observa um diplomata europeu.
"Antidiplomacia!"
"Chamo isso de
antidiplomacia!”, se enfurece Celso Amorim, 77 anos, antigo grande chefe da
diplomacia de Lula. Para este refinado "itamaratista",
que nos recebe em seu apartamento com vista para a praia de Copacabana, cheio
de livros em francês e obras de arte, “a
diplomacia é resolver os problemas por meio do diálogo. Hoje, temos um discurso
belicista, pode-se dizer guerreiro. Por mais que tente me recordar, mesmo
durante a ditadura, nunca senti tanta vergonha na política externa do meu país",
entristece-se, observando as ondas à distância, essa lembrança viva de outros
áureos tempos.Mas quando a onda se for, o que restará na costa brasileira, além
de um navio do Itamaraty encalhado? Antes de reabrir a porta e dizer adeus,
nosso primeiro diplomata confidencia uma última vez: "É
uma patrimônio nacional que está sendo dilapidado. Nosso país não é um líder
natural, como a França ou os Estados Unidos. Nossa influência é relativa.
Tivemos que conquistá-la. Um dia acordaremos desse pesadelo e nos
perguntaremos: onde está o soft power brasileiro? Ele terá desaparecido."
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