Meio século de reflexões sobre o Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Deve ser um pouco mais do que isso, uma vez que, ainda adolescente, rapidamente politizado pelo golpe militar de 1964, comecei a ler intensamente sobre o Brasil e seus problemas. Vários anos antes de ingressar na Universidade, eu já estava lendo algumas de nossas “vacas sagradas”, isto é, os clássicos da teoria social brasileira: Caio Prado Jr., Celso Furtado, Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Nelson Werneck Sodré e, claro, muita literatura marxista e socialista. Em torno dos 16 anos eu já estava fazendo um resumo de uma edição resumida do Capital: creio que deu umas cinquenta páginas cuidadosamente datilografadas, a partir das 250 páginas da edição brasileira.
Mas deve ter sido um pouco mais tarde, já no circuito universitário, que comecei realmente a escrever sobre os problemas brasileiros e suas possíveis soluções, previsivelmente socialistas, como era o espirito da época, o meu pelo menos. O verdadeiro Zeitgeist eu o conheci logo depois, ao sair, com pouco mais de vinte anos, do nosso capitalismo subdesenvolvido para o socialismo real (talvez mais surreal) da Europa oriental, em plena era do brejnevismo senil. Saí em menos de três meses da mediocridade material e da miséria moral do socialismo realmente existente para uma vida de trabalho e retomada dos estudos universitários no capitalismo mais ou menos ideal da Bélgica, onde passei quase sete longos anos de intensas leituras e reflexões, no período mais sombrio da ditadura militar no Brasil.
Preenchi inúmeros cadernos de leituras e notas de trabalhos, sempre confiando em que, na volta ao Brasil, participaria de intensas atividades de correção das nossas mazelas mais gritantes, já não mais num sentido socialista, mas simplesmente na modéstia reformista da socialdemocracia.
Pois foi assim: quase não tive tempo, na volta, e ainda na ditadura, de exercer-me nas atividades acadêmicas, para as quais eu sempre estive vocacionado, pois logo ingressei na carreira diplomática e desviei um pouco minhas leituras e reflexões da sociologia política para as relações internacionais e a política externa do Brasil, mas sempre com uma orientação para as relações econômicas internacionais do Brasil (terreno no qual me exerci mais frequentemente na diplomacia e para onde foram dirigidos a maior parte dos meus livros).
Em nenhum momento dessas várias décadas de leituras, reflexões, escritos e participação em debates públicos, presencialmente ou por meio de meus trabalhos escritos, eu abandonei a ideia, ou renunciei ao envolvimento ativo, de estar totalmente engajado na transformação, para melhor, do Brasil, e da vida dos brasileiros, sobretudo a dos que, como eu, vieram de uma condição extremamente modesta, mas que se fizeram pela educação e pelo trabalho.
Essa atitude fundamental, esse otimismo básico quanto ao sentido da minha ação, quanto à importância da participação na análise, discussão e proposição de políticas públicas condizentes com esse objetivo incontornável do desenvolvimento nacional, num ambiente político democrático e aberto a tidas as competências reformistas, eu os mantive até há pouco e, de certa forma, ainda mantenho, a despeito de algum pessimismo temporário, neste mesmo momento.
É passageiro, eu sei, mas não posso me impedir de pensar, como o grande Roberto Campos — a quem dediquei dois livros, nos seus cem anos, depois de ter sido um “inimigo cordial” na minha juventude— que “o Brasil é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades”.
Ao contemplar o espetáculo gigantesco da corrupção nas mais altas esferas da vida pública, na verdade em todas as esferas e em tidos is níveis da federação, ao acompanhar a sucessão de esforços frustrados de reformas racionais e modernizante, ao constatar a continuidade deletéria de nossas elites predatórias e medíocres, não posso evitar essa sensação de desalento em face da enormidade da tarefa que ainda nos espera se pretendemos fazer do Brasil primeiro um país normal, depois uma nação melhor do que a indignidade corrupta e anacrônica que temos hoje.
Vamos melhorar, eu sei, mas isso vai durar mais um pouco, talvez bem mais do que os poucos anos que eu estimava necessários para “consertar” o Brasil, como eu imaginava na minha juventude otimista quanto à capacidade do socialismo democrático de cumprir essa grandiosa tarefa.
Nunca desistir, nunca desesperar, jamais renunciar à missão fixada ainda na adolescência de entregar aos filhos e netos um Brasil melhor do que o que recebemos de nossos pais e avós. Essa é a tarefa, vamos continuar na luta.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de setembro de 2020
2 comentários:
Parabéns amigo Paulo.
Seu texto denso e verdadeiro bem reflete uma dedicação e um trabalho incansável de reflexão sobre o Brasil. Belo exemplo. Parabéns.
Sergio Florencio
Belo texto. Uma mensagem final muito importante.
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