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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Banco Central invadido pela policia! (calma pessoal, nao foi aqui); nao se respeita mais nada...

Ah, essa Argentina surpreendente: não existem mais instituições sagradas, se é verdade que algum dia existiram. Mas registre-se que quem invadiu o BC argentino foi a polícia de Buenos Aires, do prefeito opositor ao kirchnerismo e candidato (provavelmente vencedor) das eleições de domingo, em segundo turno.
Parece que, independentemente dessa invasão (que ela possa produzir outros efeitos em outros lugares), o novo presidente pretende introduzir mudanças significativas não apenas na política econômica esquizofrênica seguida nos últimos anos (não só lá, recordemos), mas também na política externa aloprada (ops, esse termo é suspeito) adotada pelos mesmos malucos do poder.
Parece que vem mais mudanças por ai, e o Brasil vai estar involucrado, como dizem por lá...
Paulo Roberto de Almeida

Argentina corrupción

Allanan Banco Central de Argentina por denuncia contra su titular por fraude

BUENOS AIRES (ARGENTINA) 17/11/2015. EFE/David Fernández
Vista de la sede del Banco Central de Argentina en Buenos Aires, donde la policía metropolitana allanó la sede por una denuncia contra el presidente de la autoridad monetaria, Alejandro Vanoli, por presunto fraude.
Infolatam/Efe
Buenos Aires, 17 de noviembre de 2015
Las claves
  • Bonadío investiga una denuncia presentada contra Vanoli y el resto del directorio del Banco Central por presunta defraudación pública en la venta del denominado "dólar futuro".
La policía metropolitana de Buenos Aires allanó la sede del Banco Central de Argentina por una denuncia contra el presidente de la autoridad monetaria, Alejandro Vanoli, por presunto fraude, confirmaron fuentes judiciales.La orden de allanamiento fue librada por el juez Claudio Bonadío, quien dispuso que el procedimiento sea realizado por la policía metropolitana, cuerpo de seguridad de la capital, que depende del gobierno encabezado por el candidato presidencial opositor, Mauricio Macri. Bonadío investiga una denuncia presentada contra Vanoli y el resto del directorio del Banco Central por presunta defraudación pública en la venta del denominado “dólar futuro”.
La investigación se inició por una denuncia presentada el pasado 30 de octubre por los diputados opositores Federico Pinedo, de Propuesta Republicana (Pro) y Mario Negri, de la Unión Cívica Radical.
El miércoles pasado, el fiscal que interviene en la causa, Eduardo Taiano, solicitó la imputación de Vanoli, acusado por los parlamentarios opositores de vaciar las arcas del Banco Central a través de la firma de contratos de dólar a futuro pendientes de ejecución.
Según los denunciantes, mediante estas operaciones la autoridad monetaria habría vendido los dólares a un precio que ronda los 10,65 pesos por unidad, por debajo del precio establecido en la Bolsa de Nueva York para este tipo de contratos (alrededor de 14 pesos por unidad).
Mediante estos contratos a futuro, el Banco Central se compromete a entregar dólares a 10,65 pesos por unidad al 31 de marzo próximo, frente a una cotización oficial actual de 9,64 pesos.
Si para marzo la cotización oficial está por encima del precio establecido en los contratos, el Banco Central debe entregarlos a ese valor pactado, con una millonaria pérdida para la entidad en caso de que el valor de la divisa en el mercado oficial alcance para entonces en torno a los 14 pesos por unidad.
El fiscal había pedido además al juez recoger pruebas, como informes al Banco Central, con el fin de averiguar desde cuándo se están operando estas ventas y con qué condiciones, entre otros documentos que podrían aportar información necesaria para la instrucción.
Bonadío dijo a una emisora local que el Banco Central, este martes, en horas de la mañana, hizo una presentación ante su juzgado por esta causa, cuando el magistrado ya había librado la orden de allanamiento.
El juez precisó a radio La Red que el jueves y el viernes pasado tomó declaración testimonial a Martín Redrado y Alfonso Prat Gay, expresidentes del Banco Central y actualmente dirigentes de oposición.
Redrado y Prat Gay “expusieron las razones técnicas que sostenían, según ellos, esta denuncia e indicaron determinados sectores del organigrama del Banco Central donde se encontraría documentación que era necesario analizar para determinar los extremos de la denuncia”, sostuvo el juez.
“Si se planteara que en realidad se vendió contratos de manera indiscriminada en un dólar que en realidad se sabía no podía resistir la ecuación económico, podría haber una defraudación a la administración pública”, sostuvo Bonadío, quien subrayó que para ese tipo de delito se prevé una pena de “mínimo de 6 años” de prisión.
El magistrado dijo que requirió a las autoridades del Mercado de Futuros de la ciudad argentina de Rosario, donde se operan los contratos de dólar futuro, para que presten declaración testimonial y aporten documentación.
El juez dijo que no tiene previsto citar a declarar a Vanoli hasta que no concluya con el análisis pericial de la documentación del caso.
La investigación al Banco Central coincide con la campaña en Argentina para la segunda vuelta presidencial del próximo domingo y en la que uno de los principales temas de discusión es qué hará el próximo Gobierno con el complejo mercado cambiario local, en momentos en que las reservas monetarias han tocado su mínimo en nueve años.

domingo, 1 de novembro de 2015

Argentina: da excelencia 'a decadencia e 'a...? - Mario Vargas Llosa

Uma esperança argentina
Mario Vargas Llosa
El País, 1/11/2015

Os resultados das eleições de domingo passado na Argentina desmentiram todas as pesquisas de opinião segundo as quais o candidato Daniel Scioli, apoiado pela chefa de Estado Cristina Fernández de Kirchner, ganharia no primeiro turno. E abriram a possibilidade de que o país, que já foi uma espécie de farol da América Latina, saia da decadência econômica e política em que se afundou há mais de meio século e recupere o dinamismo e a criatividade que no passado fizeram dele um país do Primeiro Mundo.

A condição é que no segundo turno eleitoral, em 22 de novembro, Mauricio Macri vença e o eleitorado confirme a rejeição frontal do primeiro turno ao kirchnerismo, um dos mais demagógicos e corruptos ramos dessa quimera indecifrável chamada peronismo, um sistema de poder semelhante ao antigo PRI mexicano, no qual cabem todas as variantes do espectro ideológico, da extrema direita à extrema esquerda, passando por todos os matizes intermediários.

A novidade que Macri encarna não consiste tanto nas ideias modernas e realistas do seu programa, na sua clara vocação democrática, nem na sólida equipe de plano de Governo que reuniu, e sim em que pela primeira vez o eleitorado argentino tem agora a oportunidade de votar por uma efetiva alternativa ao peronismo, o sistema que conduziu ao empobrecimento e ao populismo mais caótico e retardatário o país mais culto e com maiores recursos da América Latina.

Não será fácil, certamente, mas (pela primeira vez em muitas décadas) é de fato possível. A vitória de María Eugenia Vidal, de inequívocos créditos liberais, nas eleições para o Governo provincial de Buenos Aires, tradicional bastião peronista, é um indício claro do desencanto de um vasto setor popular com uma política que, por trás da aparência de medidas de “justiça social”, antiamericanismo e pró-chavismo, fez a inflação disparar, reduziu drasticamente os investimentos estrangeiros, abalou a credibilidade financeira do país em todos os mercados mundiais e deixou a Argentina à beira da recessão.

O sistema que a senhora Kirchner encarna vai se defender com unhas e dentes, como é natural, e já é um indício do que pode vir a acontecer o fato de, no domingo passado, o Governo ter permanecido mudo, sem anunciar os resultados, por mais de seis horas após conhecer o escrutínio, logo depois de ter prometido que o tornaria público imediatamente. A possibilidade de fraude está sempre aí, e a única maneira de esconjurá-la, para a aliança de partidos que apoia Macri, seria garantir a presença em todas as seções eleitorais de fiscais que defendam o voto genuíno e – se houver – denunciem sua manipulação.

Dois fatos notáveis das eleições de 25 de outubro são os seguintes: Macri aumentou seu cabedal eleitoral em quase 1,7 milhão de votos, e o número de eleitores cresceu de maneira espetacular, de 72% dos inscritos na eleição anterior para um pouco mais de 80% nesta. A conclusão é evidente: um setor importante do eleitorado, até agora indiferente ou resignado perante o status quo, desta vez, renunciando ao conformismo, se mobilizou e foi votar, convencido de que seu voto poderia mudar as coisas. E, de fato, assim foi. E discretamente, sem anunciar de antemão, por prudência ou temor a possíveis represálias do regime. Daí o pavoroso tropeço das pesquisas que anunciavam um triunfo categórico de Scioli, o candidato governista, no primeiro turno. Mas em 22 de novembro não ocorrerá o mesmo: o poder kirchnerista conhece os riscos que corre com um triunfo da oposição e acionará todas as alavancas ao seu alcance, que são muitas – a intimidação, o suborno, as falsas promessas, a fraude – para evitar uma derrota. Resta esperar que o setor mais saudável e democrático dos peronistas dissidentes, que contribuíram de maneira decisiva para castigar o kirchnerismo, não se deixe deslumbrar com os chamados à unidade partidária (que não existe há muito tempo) e não desperdice esta oportunidade de corrigir um rumo político que devolveu a Argentina a um subdesenvolvimento terceiro-mundista que ela não merece.

O fenômeno peronista é mais misterioso que o do povo alemão abraçando o nazismo
Não merece pela variedade e quantidade de recursos do seu solo, um dos mais privilegiados do mundo, pelo alto nível de integração da sua sociedade e por sua elevada cultura. Quando eu era criança, meus amigos do bairro de Miraflores, em Lima, sonhavam em se formar profissionalmente não nos Estados Unidos nem na Europa, e sim na Argentina. Esta ainda tinha na época um sistema de educação exemplar, que havia erradicado o analfabetismo – um dos primeiros países a conseguirem isso – e que o mundo inteiro tinha como modelo. A boa literatura e os filmes mais populares da minha infância boliviana e adolescência peruana vinham de editoras e produtoras argentinas, e as companhias de teatro portenhas percorriam todo o continente nos deixando a par das obras de Camus, Sartre, Tennessee Williams, Arthur Miller, Valle Inclán et cetera.

O empobrecimento sistemático do país multiplicou a desigualdade e as fraturas sociais
É verdade que nem sequer os países mais cultos estão imunizados contra as ideologias populistas e totalitárias, como demonstram os casos da Alemanha e Itália. Mas o fenômeno do peronismo é, ao menos para mim, mais misterioso ainda que o do povo alemão abraçando o nazismo, e o italiano, o fascismo. Não há dúvida alguma de que a antiga democracia argentina – a da república oligárquica – era defeituosa e elitista, e que eram necessárias reformas que estendessem as oportunidades e o acesso à riqueza aos setores operários e camponeses. Mas o peronismo não levou a cabo essas reformas, porque sua política estatista e intervencionista paralisou o dinamismo da sua vida econômica e introduziu privilégios e sinecuras partidárias junto com o gigantismo estatal. O empobrecimento sistemático do país multiplicou a desigualdade e as fraturas sociais. O surpreendente é a fidelidade de uma enorme massa de argentinos a um sistema que, claramente, só favorecia uma nomenclatura política e seus aliados do setor econômico, uma pequena oligarquia rentista e privilegiada. Os golpes e as ditaduras militares contribuíram, sem dúvida, para manter viva a ilusão peronista.

Recordo minha surpresa na primeira vez que fui à Argentina, em meados dos anos sessenta, e descobri que em Buenos Aires havia mais teatros que em Paris, onde vivia. Desde então acompanhei sempre, com tanta fascinação quanto pasmo, as vicissitudes de um país que parecia empenhado em ignorar todas as vozes sensatas que queriam reformá-lo e que, em sua vida política, não deixa de perseverar no erro. Talvez por isso, comemorei com entusiasmo juvenil no domingo, dia 25, os resultados deste primeiro turno. E, cruzando os dedos, faço votos para que em 22 de novembro uma maioria inequívoca de eleitores argentinos demonstre a mesma lucidez e valentia, levando ao poder quem representa a verdadeira mudança com liberdade.

Direitos mundiais de imprensa em todas as línguas reservados a Edições EL PAÍS, SL, 2015.

© Mario Vargas Llosa, 2015.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

BNDES: a mao invisivel da corrupcao na America Latina - Brio Watchdog


Estarrecedor, como diria alguém...
Um trabalho de dois anos com 17 pessoas (jornalistas, advogados, cientistas politicos).
Paulo Roberto de Almeida

Por Brio Watchdog

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está na boca do povo, mesmo que pouca gente saiba muito sobre ele. Nos protestos pelas ruas do Brasil, no Congresso Nacional, na selva amazônica do Peru ou nas terras baixas da Bolívia, em Buenos Aires ou nas reuniões das maiores empresas nacionais e estrangeiras, o dinheiro que sai dos cofres de um dos mais importantes financiadores do mundo está na pauta. Todos querem saber o que acontece com as verbas do contribuinte brasileiro usadas para bancar projetos em outros países. 
Para jogar luz no assunto, BRIO convidou 17 profissionais — entre repórteres, fotógrafos, infografistas e cineastas — na Argentina, Bolívia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela, países nos quais foi possível levantar documentos e dados de interesse público, em meio a uma cultura de sigilo. Engenheiros, advogados, diplomatas, economistas, cientistas políticos, antropólogos, entre outros, foram convidados para analisar os dados. Uma equipe de filmagens viajou mais de 9.000 quilômetros para registrar o trabalho dos jornalistas e especialistas.
Nas próximas páginas, as descobertas são relatadas em seis capítulos, um para cada país. Primeira constatação. Alguns dos projetos com financiamento do BNDES seguem primeiro critérios políticos, mas não levam em conta estudos sobre custos, impactos sociais e ambientais. Na definição de um documento do Itamaraty obtido por BRIO por meio da Lei de Acesso à Informação: "Conviria revisar cuidadosamente os parâmetros para a aprovação dos financiamentos".
Na Argentina, o BNDES financiou 85% da compra de 20 aviões da Embraer pela Austral, uma subsidiária da Aerolineas Argentinas. Foi um negócio de mais de US$ 700 milhões. Ocorre que, mesmo antes de o contrato ser assinado, funcionários do governo argentino apresentaram indícios de sobrepreços. Pilotos chegaram a se reunir com o então ministro do Planejamento para apresentar algumas planilhas de custos. Ouviram como resposta: "É um acordo entre Lula e Cristina".
Hoje, o contrato é investigado, sob suspeitas de superfaturamento, pela Justiça da Argentina, pelo FBI e pelo Departamento de Estado Norte-Americano. Segundo os investigadores, uma empresa de consultoria foi usada para receber propina. Há suspeitas de pagamentos no Brasil. Como provam documentos revelados por BRIO, também existem indícios de propina para um ex-ministro dos Transportes e um assessor informal do governo argentino. Foi esse assessor fantasma, que nunca foi oficialmente nomeado para nenhum cargo no governo, quem negociou com o BNDES.
Quando os interesses políticos desconsideram os critérios técnicos, os financiamentos do BNDES se envolvem em polêmica.
Na Venezuela, BRIO descobriu que o governo brasileiro tratou de uma mudança da lei local para garantir o aumento de endividamento e de financiamentos. Como escreveu um funcionário brasileiro em documento que agora se torna público: "As empresas reconhecem que, para a realização desses investimentos, tem sido fundamental o bom momento que se atravessa no plano político bilateral, impulsionado pela estreita relação entre os Presidentes".
Uma das obras com financiamento é considerada fundamental para resolver a crise de transportes na capital venezuelana. Trata-se da Linha 5 do metrô de Caracas, que teve seu orçamento aumentado em três vezes o valor inicial e está seis anos atrasada.
Não se trata de demonizar a política, necessária na definição de projetos e de políticas públicas. Mas regras claras e transparentes são necessárias justamente para que critérios técnicos sejam seguidos na aplicação dos recursos.
Como definem os cientistas políticos Gretchen Helmke e Steven Levitsky: instituições são regras e procedimentos que estruturam interações sociais ao restringir e incentivar comportamentos. Essas instituições podem ser formais, comunicadas por escrito ou leis, ou informais, muitas vezes criando comportamentos não oficiais. Na América Latina, não é raro que as instituições informais se sobreponham às formais.
Projetos financiados com dinheiro brasileiro também geraram crises diplomáticas e afetaram a imagem de empresas nacionais. É muito conhecida a história de como o governo do Equador expulsou a construtora Odebrecht e abriu uma disputa jurídica contra o BNDES em uma corte internacional, por conta de problemas em uma hidrelétrica financiada pelo banco. O que não se sabia foi como isso tudo se resolveu.
Após um pagamento de milhões de dólares por parte da Odebrecht, um acordo foi assinado para que todas as investigações envolvendo diretores brasileiros fossem engavetadas, assim como o caso envolvendo o BNDES em uma corte arbitral de questões comerciais. Nesse caso, dinheiro privado foi utilizado para ajudar o banco público. A construtora exigiu o fim da disputa entre o Equador e o BNDES como uma das condições para realizar o pagamento milionário. Ocorre que a Odebrecht é a maior beneficiária dos empréstimos do BNDES no exterior. Entre 2007 e 2014, a empresa ficou com 70% de todos os financiamentos desse tipo.
Por fim, são as populações mais vulneráveis justamente as mais afetadas. No Equador, milhares de famílias ficaram sem água e viram suas atividades econômicas sumirem. Na Bolívia, os índios que se opuseram ao projeto financiado pelo Brasil — que contrariava a própria Constituição Nacional — foram agredidos pela polícia, em um marco da democracia boliviana sob o presidente Evo Morales.
No Peru, uma rodovia serviu para turbinar o tráfico de drogas e contrabando de ouro, além de ser alvo de críticas por problemas ambientais. De acordo com diferentes organizações locais, parte da obra foi financiada pelo BNDES. Depois de anos de questionamentos, o banco negou ter financiado a obra. Os financiamentos no país vão para as empresas investigadas no Brasil. Documentos inéditos mostram suspeitas de pagamentos de propinas a políticos peruanos.
O fato é que os desembolsos fizeram parte de uma estratégia do governo federal, iniciada sob o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Entre 2001 e 2010 houve um salto nos financiamentos para empresas brasileiras atuarem no exterior. Ao mesmo tempo em que o governo apoiou a internacionalização de grandes empresas, o Brasil tinha o objetivo de fortalecer os países da América do Sul e sua relação com o mundo, o que seria feito por meio de uma infraestrutura mais eficiente. 
Um maior grau de transparência pode ajudar a melhorar a imagem das empresas brasileiras e do BNDES, afetada nos últimos anos na América Latina, o que abriu espaço para a concorrência, especialmente da China. Diz o economista Dante Sica, o mais reconhecido brasilianista da Argentina: "Nosso principal erro, em matéria de países, é que enfrentamos a erupção da China de maneiras separadas e com agendas individuais, e isso também tem que ser tema de debate".
No dia 2 de junho, o banco começou a divulgar dados sobre os financiamentos feitos no exterior. A partir de agora, haverá informações sobre os projetos, valores envolvidos, garantias e número de anos até o pagamento. A decisão coincide com esta investigação, iniciada por BRIO em 26/03/2013. Diz o pedido feito naquela data, por meio da Lei de Acesso à informação: “Solicita-se cópia ou acesso à tabela de financiamentos para exportação entre 2006 e 2013, separado por país de destino, empresa que recebeu o financiamento, valor do financiamento, ano da assinatura do contrato e projeto financiado”. As informações divulgadas agora são muito semelhantes.
Nesses dois anos, o BNDES e o governo brasileiros se esforçaram para manter as informações sob sigilo, mesmo que técnicos do próprio governo defendessem a divulgação dos dados, sob alegação de que o dinheiro é público e, portanto, o acesso a eles é garantido pela Constituição (nada muito diferente do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, segundo o documento). Mesmo assim, um conselho dos principais ministros do governo Dilma Rousseff (como Casa Civil e Justiça) se reuniu para garantir o sigilo das operações. Sete assinaram o documento.
O passo dado pelo BNDES é importante e louvável. Nem todos os dados foram divulgados, mas o banco se propõe a atualizar as informações. Mesmo assim, ainda existem dúvidas. Dados publicados pelo BNDES divergiam dos financiamentos informados oficialmente pelo governo venezuelano, por exemplo. É o caso da Linha 5 do metrô de Caracas, investigada neste trabalho. A diferença entre os valores oficiais do financiamento divulgados pelo Brasil e pelo país vizinho chegava a quase US$ 150 milhões. O BNDES alterou a informação no site.
Coordenado por Fernando Mello, cofundador de BRIO, Matheus Leitão, e na parte de vídeos, pela Olé Produções, este projeto tem o apoio da fundação Open Society. As respostas completas do banco e das empresas estão no último capítulo, além de estarem nos capítulos específicos de cada país. Para conhecer todos os resultados da investigação, a história começa a seguir. Basta se cadastrar no site.







sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

China, investimentos: nao tem Plano Marshall, e sim o imperialismo ocidental de um seculo atras

Interessante artigo do ex-diplomata Marcos Troyjo na FSP desta sexta-feira, consolidando os últimos dados sobre a exportação de capitais da China nos últimos anos.
Discordo, porém, fundamentalmente, da assertiva quanto a um Plano Marshall chinês. Isso não existe, e não há nada de equivalente entre o que fizeram os EUA entre 1947 e 1953 -- colaborando generosamente com a reconstrução europeia, e também japonesa em outro esquema -- e o que estão fazendo hoje os chineses, que nada mais fazem do que reproduzir o que fizeram europeus e americanos cem anos atrás em direção de toda a periferia integrada aos circuitos da divisão internacional do trabalho.
A China está cuidando dos seus interesses nacionais, com algumas prebendas aqui e ali, que se refletem na construção de hospitais e prédios públicos em países africanos (desde que feitos com mão de obra chinesa), para permitir o estabelecimento dos mesmos esquemas de extração de valor que faziam os "imperialistas ocidentais" no final do século 19 e início do 20.
A China está certa? Provavelmente.
Mas ela não está fazendo nenhum Plano Marshall, e isso precisa ficar muito claro.
Nunca existiu nada comparável aos dons generosos feitos pelos EUA, e mesmo antes do Plano Marshall. Os acordos de Lend-Lease (empréstimos e arrendamento), que permitiram a transferência de mais de 50 bilhões de dólares em equipamentos militares americanos para os britânicos, para os soviéticos e para outros aliados (inclusive o Brasil), foram absolutamente essenciais para resistir, desde 1940 no caso inglês, à máquina de guerra nazista, e vencer os monstros fascistas-militaristas da Segunda Guerra.
A China está longe, muito longe, de fazer qualquer Plano Marshall. Ela cuida dos seus interesses nacionais, o que certos países são incapazes de fazer.
O comércio bilateral Brasil-China, por exemplo, é bem mais "colonial" do que jamais o foi nossa relação diversificada com os "imperialismos" europeu e americano durante décadas.
O que acaba de fazer agora a Argentina abrindo-se aos capitais chineses senão submissão colonial?
Essa é a realidade.
Paulo Roberto de Almeida

Plano Marshall chinês?
Marcos Troyjo
Folha de S. Paulo, Sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Os astutos chineses já encontraram fórmula para explicar como sua expansão representa oportunidades

Quando o Muro de Berlim caiu, Brasil e China ocupavam fatias iguais do PIB global -- cada uma representava 3% da economia mundial.

Hoje, a participação brasileira permanece essencialmente a mesma, ao passo que a China já é responsável por quase 17% da riqueza global.

A dramática ascensão chinesa é mais destoante quando comparada à imobilidade brasileira. Embora inerte, o Brasil de 2015 ainda é a segunda maior economia emergente.

Essa corrida chinesa rumo ao status de superpotência econômica se deveu sobretudo ao extraordinário sucesso na aplicação de uma estratégia de nação comerciante.

Isso gerou perceptível desproporção da presença chinesa em diferentes âmbitos das relações econômicas internacionais.

O gigantismo comercial da China, que há dois anos converteu-se na maior exportadora -- e importadora -- do mundo, não se fez acompanhar do papel do país como grande fonte de investimentos estrangeiros diretos. Isso, porém, está mudando.

Uma comparação entre os perfis dos membros do "G2" (EUA e China) do mundo contemporâneo ilustra o ponto. A corrente de comércio exterior anual da China hoje é de US$ 4 trilhões. A dos EUA é de US$ 3,9 trilhões.

Já o estoque total de investimento no exterior demonstra grande disparidade. Na ponta receptora, a China ultrapassou os EUA em 2014 como principal destino mundial de investimento estrangeiro, (China US$ 127 bilhões, EUA US$ 86 bilhões). Na ponta emissora, a desproporção é brutal: EUA contabilizam US$ 6,5 trilhões e China menos de 10% disso, com US$ 614 bilhões.

Ainda assim, a tendência é de maior convergência. Nos últimos 10 anos os EUA aumentaram seu estoque de investimentos não-financeiros no exterior em "apenas" 75%, enquanto a China os multiplicou 12 vezes.

Será então, como questiona o economista Peter Nolan, da Universidade de Cambridge, que a "China está comprando o mundo"?

À semelhança do Japão nos 1980, a China realiza crescentes aquisições de empresas e propriedade imobiliária no exterior. Investe pesadamente em energia e, onde lhe permitem, em terra, subsolo, agricultura. E o faz globalmente. Se os investimentos chineses são particularmente visíveis na África, em volume os quatro principais destinos na última década são EUA, Austrália, Canadá e Brasil.

A China sabe que seu perfil cada vez mais alto como investidora no exterior gera agudas preocupações. Empresariado local teme competição e desindustrialização. Governos sensibilizam-se com eventual perda de soberania sobre recursos naturais. Trabalhadores ressentem-se do estilo supostamente abrasivo com que os chineses administram suas empresas.

Mas os astutos chineses já encontraram fórmula sútil de explicar como a expansão de seu papel investidor representa oportunidades para o mundo em desenvolvimento.

Classificam plataformas lideradas por Pequim como o Banco dos Brics, o Banco de Investimentos em Estrutura na Ásia ou o Fundo da Rota da Seda, juntamente com o investimento estatal e privado no exterior, como equivalentes a um "Plano Marshall chinês".

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcostroyjo/2015/02/1595596-plano-marshall-chines.shtml

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Argentina-China: eles so quelem complar aloz e petloleo? Humor pouco englacado da plesidente algentina...

O Blog World View do Washington Post comenta as tentativas canhestras de humor da presidente Cristina Kirchner, ou feitas em seu nome....
Paulo Roberto de Almeida

Argentina’s president sent out this strange, offensive, and frankly racist, tweet

The Washington Post, February 4 at 1:46 PM
The only thing worse than mocking an accent heard in another country is doing it publicly, via Twitter, when you're the president of Argentina, while you're in that other country on a high-stakes diplomatic visit.
Argentine President Cristina Fernandez de Kirchner made a strange attempt at humor Wednesday morning when she took to Twitter during a meeting with Chinese President Xi Jinping. Rather than chronicle the discussions, which were centered around the South American economy's need for foreign investment, Kirchner instead made light of the situation by poking fun at the Chinese accent.
"Vinieron solo por el aloz y petroleo," Kirchner wrote, replacing rs with ls in both instances. The English equivalent would look something like this: "Did they only come for lice and petloleum.Here's the full tweet, which, as you can see, has been eagerly retweeted and as of 12:30 p.m. still hadn't been deleted:
Kirchner, to be fair, did follow up with a half-apology, which blamed "ridiculousness" and "absurdity" for the need for humor. "If not, it's very, very toxic," it said.
But what Kirchner seems to misunderstand is that her sense of humor is questionable at best. It was in poor taste for her to mock an Asian accent, especially while sitting with the Chinese president, negotiating with him, no less, for money.
Argentina has been working with China to secure a currency swap, which will help Argentina boost its dwindling reserves. And that's on top of the billions Argentina already receives from China each year. Why make fun of the hand that feeds you? Who knows.
Kirchner's tasteless tweet comes on the heels of a separate and much more serious public relations problem. A leading prosecutor investigating the bombing of a Jewish Center in Argentina in 1994 turned up dead shortly after accusing the Argentine government of working to cover up the inquiry. Kirchner originally called the prosecutor's death a suicide before backtracking on her suggestion and saying instead that the death was part of a plot to undermine her government.
Kirchner's approval rating has fallen by seven points since November and now stands below 40 percent, according to a poll conducting Wednesday morning by Carlos Fara and Associates. It's hard to imagine this latest gaffe will help reverse that trend.
China welcomes Argentine president(1:13)
Argentine President Cristina Fernandez de Kirchner, who is in Beijing to bolster ties, attends a welcome ceremony hosted by her Chinese counterpart, Xi Jinping. (Reuters)
Roberto A. Ferdman is a reporter for Wonkblog covering food, economics, immigration and other things. He was previously a staff writer at Quartz.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Argentina: sao os peronistas que tem de chorar por ela; o pior e' que nao o farao...

Exatamente a minha impressão, ao ler o artigo abaixo.
Quando pela primeira vez fui a Argentina, como jovem mochileiro, no final dos anos 1960, antes portanto do Brasil começar o seu "milagre" da era militar -- que não foi milagre, apenas reformas que levaram a uma fase temporária de alto crescimento, até que o pessoal começou a fazer bobagem, porque os militares queriam a todo custo preservar altas taxas de investimento num ambiente já contaminado pelo primeiro choque do petróleo --, eu achei, ao percorrer as ruas de Buenos Aires e outras cidades do interior (Rosário, Córdoba, Mendoza, San Luiz), que estava em um país "desenvolvido", com todo mundo andando bem vestido nas ruas, sem todos aqueles pedintes e aé pobres andrajosos que sempre víamos no Brasil. Tudo limpo, organizado, prédios imponentes, de uma era que tinha começado lá atrás. Os argentinos sempre lembravam, que depois de Londres e Paris, foram eles que tinham as linhas de metro mais extensas.
Quando voltei pela segunda vez, no inicio dos anos 1990, vinte anos depois, e viajando pelo interior, descobri que eles tinham parado no tempo, e vi um país que me lembrou o Brasil do final dos anos 1950, quando se tinha ainda de esperar, no interior da Argentina, que a telefonista completasse um pedido de ligação telefônica para o Brasil.
Agora sabemos que a construção da decadência tinha começado bem atrás, ainda na primeira metade do século, e que nos anos 1960 eles estavam consumindo os últimos cartuchos da antiga prosperidade do início do século 20, quando chegaram a ter 73% do PIB per capita americano, à frente da França e da Austria. Hoje, eles não chegam a um terço da renda per capita americana. Cem anos atrás eram quase cinco vezes mais ricos que os brasileiros, hoje estão um pouco acima, menos de um terço de nossa renda per capita. E em educação, parece que recuaram sensivelmente, começando com os peronistas, claro.
Voltei lá várias vezes depois, com o crescimento e modernização da era Menem, mas percebi que eles tinham decaído sobretudo no plano mental, pois ainda tinha acadêmico defendendo o legado peronista, justamente o homem que começou a enterrar o país.
No início do século 20, se dizia "riche comme un Argentin".
Cem anos depois, talvez se possa  dizer: "atrasado como um argentino".
Paulo Roberto de Almeida
PS.: Grato a meu amigo e colega de Vocacional Ivo Xavier, por me mandar este artigo antigo, mas altamente ilustrativo para o caso brasileiro: aqui também temos peronistas, só que sem qualquer doutrina, apenas peronistas de botequim...

A incrível decadência argentina e suas  lições para o Brasil
Amilton  Aquino
O Mundo, 01/08/2014

 Existe uma piada que diz que o melhor  negócio do mundo é comprar um argentino pelo que ele realmente vale e revendê-lo pelo que ele acha que vale.  O pano de fundo desta piada é o orgulho argentino, conhecido em todo mundo.
 Basta imaginar que até o início dos anos 50, a Argentina era a sexta maior economia do mundo, com uma população escolarizada, recursos naturais abundantes e uma indústria pungente que disputava de igual para igual até mesmo em setores de alta tecnologia, como o automotivo.
 E não se tratavam de apenas filiais estrangeiras. A Argentina tinha sua própria marca de automóveis (SIAM), além de várias outras de eletrodomésticos.
 A riqueza argentina era tamanha que o país, em 1920, chegou a ter reservas em ouro superiores ao decadente império britânico, e ao emergente novo império norte-americano. Era praticamente um “europeu” latino americano. Não por acaso, o país tornou-se o destino preferido de milhões de refugiados das duas guerras mundiais, inclusive de carrascos nazistas acolhidos por Perón.
 Meio século depois, a Argentina não passa de mais um problemático país latino-americano, com as conhecidas mazelas que afligem o continente, como favelas, violência crescente, inflação galopante, analfabetismo e doenças epidêmicas, entre outros.
 A decadência da Argentina é tão evidente que o país virou um "case" internacional, citado como um caso raro de país que “involuiu” nas últimas décadas. Uma rápida comparação com o Brasil dá uma ideia da decadência dos nossos hermanos.
 A economia, que até os anos 50 era maior que a nossa, hoje é menor que a economia do estado de São Paulo. Agora imagine-se na pele de um argentino que viveu este apogeu, ver o país hoje em mais uma moratória, com uma inflação de 40%, dependente da economia brasileira.
 Mas, afinal, o que causou toda esta decadência? Como a Argentina conseguiu empobrecer justamente no momento em que tantos países asiáticos, antes miseráveis, ascenderam econômica e socialmente, a ponto de alguns deles integrarem hoje o clube dos ricos?
 A Argentina é vítima do que Hayek chamou de “caminho da servidão”, um processo lento e gradual de coletivização, aumento do intervencionismo estatal e polarização da sociedade em diferentes níveis.
 O início de tal processo tem uma data: 04/06/1946, dia da chegada de Perón ao poder. O simpatizante de Hitler e Mussolini iniciou uma tradição populista na Argentina que dura até os dias de hoje.

A exemplo de Getúlio Vargas no Brasil, que instituiu os direitos trabalhistas inspirados na Carta del Lavoro de Mussolini e se tornou o “pai dos pobres”, Perón dividiu a Argentina entre seus apoiadores (o bem, o povão, os “trabalhadores”) e seus adversários (o mal, os “exploradores capitalistas”, a velha “elite colonial”- lembra alguém? ). E como sempre acontece nestes casos, os discursos inflamados dos “pais dos pobres” conquistaram os eleitores da base da pirâmide.
 Começou então uma simbiose entre a nova elite governante trabalhista/socializante, que precisa dos votos da massa para continuar oferecendo-lhes novas “conquistas”, e a massa, que descobre o poder do voto e passa a endeusar seus ídolos. A conquista da hegemonia da opinião publica passa a moldar também os políticos.
 Com medo de se colocarem “contra os pobres”, até mesmo políticos da antiga aristocracia migraram para a base do governo peronista. Aos poucos, a oposição foi minguando, ao mesmo tempo em que a Argentina transformava-se numa república sindicalista.
 E, mais uma vez, como sempre acontece, no começo tudo é festa. Aumento do salário mínimo acima da inflação, aumento do crédito, crescimento recorde, nacionalização de multinacionais, grandes obras, políticas de transferência de renda e tudo o mais que já nos é bem familiar.
 Mas todo crescimento artificial tem um preço. A fatura vem com o tempo e com ela os efeitos negativos decorrentes do intervencionismo governamental. Ao final do primeiro mandato de Perón, a Argentina já dava claros sinais de crise, com as exportações caindo pela metade, reservas se esvaindo e aproximando a balança comercial de um déficit histórico, uma vez que até então a Argentina tinha sempre grandes superávits.
 Apesar de todos estes sinais, o caudilho conseguiu mudar a legislação que lhe deu mais cinco anos de mandato.
 O segundo mandato foi ainda pior, abrindo espaço para o primeiro de uma sequência de golpes militares só interrompido nos anos 70 com um breve período de redemocratização onde, mais uma vez, o peronismo voltou ao poder.
 E, como da primeira vez, em pouco mais de um ano de governo, Perón já multiplicou a inflação que chegou a 74% em 1974. Dois anos depois, chegaria à casa dos 954%!
 Para completar a tragédia argentina, Perón morreu em pleno mandato, o que o elevou ainda mais à categoria de mito.
 Sua terceira mulher, “Isabelita”, assumiu então o governo e continuou seu projeto populista, afundando ainda mais a economia argentina. E, como sempre acontece na América Latina, os militares estão sempre prontos para um novo golpe. E foi o que aconteceu.
 Em 1976, começava um dos regimes mais truculentos da América Latina. A esta altura, além de Perón e Evita, a segunda esposa que quase vira santa, a Argentina já tinha um novo mito para cultuar: Che Guevara.
 Agora, além dos adversários peronistas, os desastrados militares argentinos tinham também como novos inimigos os diversos movimentos de esquerda que se organizavam em toda a América Latina e que tentavam chegar ao poder pela via armada.
 Paralelamente, a exemplo do que aconteceu no Brasil e em todo mundo, o marxismo cultural passou a dominar os meios acadêmicos e culturais, avançando gradativamente por todas as demais áreas estratégicas para a construção da “nova mentalidade” gramisciana.
 No campo econômico, o segundo período militar argentino herdou a época do choque do petróleo que culminou com o aumento expressivo dos juros em 1982, os quais elevaram substancialmente as dívidas dos países do chamado Terceiro Mundo.
 A nova redemocratização veio em 1983 com Raul Alfonsín que, a exemplo de Sarney, no Brasil, fracassou redondamente no combate à inflação.
 A nova esperança surgia na figura populista de um novo peronista, Carlos Menem, em 1989. Os tempos agora eram outros. Não havia mais espaço para novas “conquistas trabalhistas” como no passado.  A grave crise dos anos 90 levou Menem a ser pragmático, aderindo ao Consenso de Washington, a odiada “cartilha neoliberal”.
 Suas raízes populistas peronistas, no entanto, não lhe permitiram executar bem as dez recomendações do Consenso de Washington (confira aqui o nosso post que compara os governos argentino e brasileiro na execução das tais recomendações).
 Apesar disso, Menem passou a ser apontado pelos esquerdistas como o maior exemplo de fracasso das políticas “neoliberais”. Um dos seus principais erros foi desobedecer à diretriz que recomendava câmbio flutuante.
 Ao invés disso, ele dolarizou a economia argentina, instituindo a paridade entre o peso e o dólar. E, como previsto por diversos economistas, ao longo dos anos a situação da Argentina foi se agravando paulatinamente, a ponto de quebrar duas vezes em um intervalo de quatro anos.
 Em meio à mais profunda crise da história da Argentina, que culminou com mais uma moratória em 2002, eis que surge um novo salvador da pátria, também peronista: Néstor Kirchner.
 E, assim como no Brasil, quando Lula assumiu justamente no início do ciclo de maior crescimento do capitalismo desde o final da II Guerra Mundial, Kirchner começou a contar com o aumento expressivo das receitas decorrentes do aumento dos preços dos seus principais produtos de exportação.
 E assim Kirchner surfou na onda da globalização chinesa, esquecendo, no entanto, de fazer reformas estruturais para tornar o crescimento sustentável nos próximos anos.
 Terminado o período do boom de crescimento global, as mazelas da economia argentina começaram a reaparecer.  E o  governo dos Kirchner, que começou com um calote da dívida externa, vai terminar da mesma forma, com um novo calote, com uma inflação galopante.
E mais uma vez a história se repete. A Argentina não aprende com os próprios erros, tornando-se cada vez mais refém da mentalidade populista que asfixia a economia e produz políticos mais interessados no poder do que realmente resolver os problemas argentinos.

Qualquer semelhança não é mera coincidência!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Argentina: uma historia tragica de divisoes e decadencia - Fabio Giambiagi

Um historiador já disse que “la ley del odio ha sido una constante en la Historia de los argentinos”. No século XIX, a guerra civil entre unitários e federales dividiu o país vizinho entre Buenos Aires e o interior. No começo do século XX, o choque entre uma aristocracia que se vangloriava de acompanhar as grandes tendências da Europa — então o centro do mundo — e uma classe operária que começava a se fazer presente com força gerou alguns episódios sangrentos, com destaque para a “semana trágica” de 1919, com sua sequela de centenas de mortos. Anos depois, a eclosão do peronismo foi marcada desde o início pelo rancor profundo entre peronistas e antiperonistas, com os bombardeios a Buenos Aires de 1943. Depois, houve a implantação de um governo com claros traços autoritários nos dez anos da Presidência de Perón; os fuzilamentos — na época da Revolução Libertadora que proscreveu o peronismo — de José León Suárez, que Rodolfo Walsh imortalizaria no livro “Operación Masacre”; e, já no “segundo peronismo” nos anos 70, o sequestro e morte do ex-presidente Aramburu pelos Montoneros; os assassinatos em massa em Ezeiza (200 mortos) no dia do retorno de Perón ao país; e a origem da Aliança Anticomunista Argentina (a temível “Triple A”) tramada nos gabinetes oficiais naqueles anos de horror.

As três Presidências do casal Kirchner reintroduziram essa polarização da política

Esse banho de sangue foi a culminação de uma tendência à crispación que foi num crescendo ao longo de décadas e que se espelhava em ações que não se limitavam aos conflitos resolvidos a bala. A leitura da biografia de Raúl Prebisch — talvez o argentino mais ilustre aos olhos do resto do mundo por algumas décadas, mas figura abominada por muitos na sua própria terra — oferece um panorama de como, na raiz do fracasso de nosso vizinho como país, encontra-se a incapacidade de convivência com a diferença, do reconhecimento do dissenso, do direito à existência de quem pensa de outra forma.

O escritor Octavio Paz, tentando extrair algo de graça de uma história no fundo lúgubre, dizia com humor que “pensei que não havia nada mais apaixonante que uma corrida de touros, até que vi dois argentinos discutindo sobre política”.

Talvez as expressões emblemáticas mais representativas de certo jeito de ser da política local sejam os símbolos de dois partidos que eram, teoricamente, forças que ocupavam o centro político argentino nos anos 70: a União Cívica Radical — o radicalismo — e o partido que foi criado a partir de uma dissidência do antiperonismo. O lema da UCR era “se rompe pero no se dobla”, fazendo alusão a um galho que pode ser “quebrado, mas não vergado”, toda uma apologia da inflexibilidade, que é o oposto do que se espera do diálogo — ou seja, flexibilidade! Por sua vez, a agremiação criada pelos dissidentes tinha como nome “Partido Intransigente”, o que carregava no nome a própria negação da política. Por isso, Nicolás Schumway, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Texas e autor de “La invención de la Argentina”, concluiu depois de uma longa reflexão que “no imaginário dos argentinos, a intransigência converteu-se num valor moral”. Quem tiver visto alguns filmes da safra argentina dos últimos 20 anos identificará essa cizânia até nos atos mais singelos, como uma reunião de um clube de bairro. A base da argumentação é sempre a desqualificação do interlocutor.

Os anos de Alfonsín e, de certa forma, também de Menem tinham ajudado a mitigar esse tipo de espírito, tornando o país um pouco mais normal e gerando um debate político mais assemelhado ao de outras nações, em que pesem os problemas econômicos da época, alguns bastante dramáticos. Já as três Presidências do casal Kirchner — a de Néstor e as duas de Cristina — reintroduziram essa polarização da política, talvez a herança mais nefasta que deixam esses anos para a Argentina. As questões econômicas, por mais difíceis que sejam, podem ser resolvidas. Porém, quando um filho julga que seu pai é um “oligarca”, um parente que o seu primo é “entreguista” ou alguém faz o pior dos julgamentos morais do seu amigo de infância porque ele pensa diferente, um país é bem mais difícil de consertar. A Argentina de hoje é uma Síria sem sangue. Pacificar os espíritos será o desafio mais difícil para quem vencer as eleições em 2015.

Fonte: O Globo, 08/12/2014.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Mercosul: sua destruicao pela Argentina - Dr. Alejandro Perotti

Quem envia esta mensagem, pela lista do Mercosul da qual sou membro, é um famoso advogado internacionalista argentino, que já foi, por três anos, Consultor Jurídico da Secretaria do Mercosul, em Montevidéu, eleito pelo Conselho do Mercado Comum em concurso público internacional; também foi escolhido como o primeiro secretário do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, eleito pelo próprio Tribunal mediante concurso público internacional (ainda que lamentavelmente não tenha podido assumir o cargo por oposição da Chancelaria argentina).
O que ele relata é estupaciente, se me permitem a expressão.
O Tribunal Superior argentino considera compatível com o Tratado de Assunção a cobrança de direitos de exportação no comércio intra-bloco.
É o fim do fim do Mercosul. Não é o começo do fim porque ele já tinha começado lá atrás, quando a Argentina começou a aplicar restrições de diversos tipos e o governo brasileiro, em lugar de contestar as medidas -- seja no próprio Mercosul, pelo sistema de solução de controvérsias, seja diretamente no Gatt-OMC -- foi leniente com os argentinos, que então usaram e abusaram de medidas ilegais.
O resultado está aí...
Os países começam a fazer o que desejam. Não existe mais política comercial comum, nada.
Paulo Roberto de Almeida

Estimados colegas y amigos,

Hoy 11/12/14 no será un día para el recuerdo en el MERCOSUR.

La Corte Suprema [da Argentina] – por voto de tres de sus miembros – ha sostenido que la aplicación de derechos de exportación intra bloque es compatible con el Tratado de Asunción.
Link directo: http://www.csjn.gov.ar/documentos/verdoc.jsp?ID=91371

Mucho de uds. saben que, en el ámbito profesional, desde 2007 he defendido empresas que han resistido judicialmente el cobro de estos tributos, sin embargo mi opinión no debe ser teñida de interesada pues ya en 2003, y siendo exclusivamente profesor universitario, doctrinariamente sostuve la absoluta incompatibilidad de estos tributos en el comercio intra bloque (artículo publicado en “El Derecho” de Argentina). Y desde esta última perspectiva, va esta opinión.

La libre circulación de mercaderías es un principio jurídico que no sólo está en el Tratado de Asunción, sino que casi “tiñe” todo el Tratado. Y esa libre circulación se refiere a la prohibición de derechos de importación y de exportación. Y ello surge con tal evidencia que así lo han sostenido los propios negociadores “argentinos”, el Grupo de Expertos del Sistema de solución de controversias bajo el Protocolo de Brasilia y el Tribunal del MERCOSUR.

Los argumentos de la Corte Suprema son fácilmente contestables, desde la interpretación que se hace del propio Tratado, su artículo 2 y el Código Aduanero del MERCOSUR. No por casualidad, el fallo no menciona el artículo 2, inciso “a”, del Anexo I del Tratado de Asunción, pues dicha disposición es lapidaría en cuanto a la prohibición de derechos de exportación.

Conocen todos mi abnegada defensa de nuestro MERCOSUR, idealista y casi fundamentalista en ocasiones, por ello comprenderán fácilmente que hoy escribo con “marcada” tristeza.

Lo acontecido con Paraguay y Venezuela, los continuos chiporroteos con Uruguay, y fallos como el presente son “cuentas” del Rosario que parece ir encaminándose hacia la terminación del MERCOSUR.

Si concluimos que el Tratado de Asunción estipula que es legal en el comercio intrazona establecer derechos de exportación, creo, queda poco por hacer por el MERCOSUR….!!!

Esperemos que, a pesar de este fallo adverso, alguna empresa, contando con la complicidad justicieramente integracionista de un juez o tribunal argentino, decidan elevar una opinión consultiva al Tribunal Permanente de Revisión para que sea el órgano superior jurisdiccional del bloque el que ponga las cosas en su lugar (no en vano ya existen jueces argentinos que ponen en duda que las opiniones consultivas sean no obligatorias ni vinculantes).

Una vez más, resulta evidente que sin una Corte de Justicia regional, que a semejanza de la vivencia europea, se “ponga” la integración sobre los hombros, el MERCOSUR va decididamente al fracaso.

Un amigo, excelente ex alumno, hoy me consultó, este fallo es “El certificado de defunción del MERCOSUR que faltaba?”… esperemos que no!!.

Esta sentencia de la Corte Suprema argentina, lamentablemente, hace retroceder más de 20 años la jurisprudencia del propio máximo Tribunal; hace precisamente esa cantidad de años (un 13/10/94), la Corte Suprema de Justicia de la Nación argentina – en especial en el voto concurrente del juez Boggiona – escribía lo que hasta la fecha ha sido una de las mejores sentencias en materia de Derecho de la integración, el conocido precedente “La Virginia” (para los nostálgicos, va el link:
http://scw.pjn.gov.ar/scw/viewer.seam?id=PO8%2B60Vbqn9aL7p8Ctjn3%2BHb4LuGfb6ofoU8ujNuEqM%3D&tipoDoc=sentencia&cid=1297561
o
http://scw.pjn.gov.ar/scw/document.seam?id=PO8%2B60Vbqn9aL7p8Ctjn3%2BHb4LuGfb6ofoU8ujNuEqM%3D&tipoDoc=sentencia&download=true 

Cordiales saludos,
Dr. Alejandro D. Perotti

domingo, 19 de outubro de 2014

O que podemos aprender da experiencia de outros paises? - Paulo Roberto de Almeida (Ordem Livre)

Descobri, recentemente, que o site Ordem Livre esta reproduzindo textos que eu havia elaborado em 2010 para o mesmo site, e que estão sendo agora novamente disponibilizados, em outro formato e com outros links.
Passo a anotar os dados dessa republicação, e de imediato reproduzo aqui um dos textos preparados naquela ocasião.
Paulo Roberto de Almeida 

O que podemos aprender com a experiência dos demais países?

Unbenannt
Normalmente, pessoas e países procuram se guiar pelos bons exemplos, pelas experiências de sucesso, pelos modelos que produziram mais crescimento, maior bem-estar e trouxeram um incremento de "felicidade" às pessoas (seja lá como medir essa felicidade). Não existem, ou pelo menos não se proclamam, modelos de fracasso. A história econômica registra apenas os casos de sucesso: os milagres japonês e alemão do pós-guerra, o milagre brasileiro do início dos anos 1970, a fantástica ascensão (ainda em curso) da China, precedida por vários exemplos de crescimento rápido entre os "tigres asiáticos". Ninguém fala, et pour cause, de modelo africano ou latino-americano de desenvolvimento: poderia parecer gozação...
Pois bem, vou inverter o exercício e falar, justamente, dos casos de fracasso, dos exemplos de insucesso total e completo, dos modelos patéticos, que servem, uma vez não é costume, para demonstrar exatamente o que não se deve fazer em matéria de políticas econômicas, para não acabar como essas experiências mal sucedidas ao longo da história. Isto por uma razão muito simples: como se diz em linguagem popular, o sucesso tem muitos pais, o fracasso não tem nenhuma mãe. Assim sendo, creio, sinceramente, ser muito melhor aprender com o fracasso do que com o sucesso, pois este pode ter múltiplas causas, por vezes difíceis de serem detectadas, ao passo que aquele tem a virtude de nos indicar, precisamente, aquilo que não se deve fazer, sob risco de entrar em decadência ou suportar fracassos, como certos países por aí...
Os economistas Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin, na introdução ao livro Economic Growth (2a edição; Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2004), sublinham a importância do crescimento para o desempenho de longo prazo das economias e, portanto, para a prosperidade e o bem-estar das pessoas. O PIB per capita real nos EUA cresceu dez vezes, em dólares atualizados, entre 1870 e 2000, passando de US$ 3.340 a US$ 33.300, o que corresponde a um crescimento médio anual de apenas 1,8%; nada de excepcional, como se vê. Para avaliar como as coisas poderiam ter sido diferentes, eles calculam, retrospectivamente, como teria sido esse desempenho se os EUA tivessem crescido apenas 1% a mais, ou seja, 2,8% ao ano, cumulativamente: pois bem, o cidadão americano teria chegado ao ano 2000 com a fantástica renda (média, recorde-se, pois o valor já pode ser encontrado em Manhattan) de US$ 127.000, 38 vezes o valor de 1870 e 3,8 vezes maior do que o valor real do ano 2000.
Mas suponhamos o exercício inverso, ou seja, que os EUA tivessem crescido apenas 0,8% ao ano, algo tampouco excepcional, pois correspondeu ao crescimento do PIB per capita da Índia de 1900 a 1987 (0,64% ao ano), do Paquistão no mesmo período (0,88% ao ano) e das Filipinas (0,86%). Nesse caso, o cidadão americano teria chegado ao ano 2000 com uma renda disponível de apenas US$ 9.450, apenas 2,8 vezes maior do que o valor de 1870 e 28% da renda efetivamente realizada em 2000, o que aproximaria o americano do seu vizinho mexicano. Nada de muito glorioso, não é mesmo? E qual a diferença disso? Bem, digamos que os americanos não seriam muito numerosos a passar suas férias em Acapulco, com o que os mexicanos seriam provavelmente ainda mais pobres, comparativamente, do que eles são efetivamente, posto que uma parte da renda do México deriva de suas relações com a economia do poderoso vizinho ao norte.
Esse simples exercício de simulação nos demonstra como o crescimento é importante para fins de bem-estar e disponibilidade de bens e serviços, que por vezes podem fazer a diferença entre a vida e a morte, simplesmente (pensemos em serviços hospitalares e maternidades eficientes, provavelmente o fator explicativo para as diferentes taxas de mortalidade nos EUA e no México). Mas eu vou tratar de outro caso, ainda mais dramático, e muito perto de nós: a Argentina. Sorry, caros vizinhos, mas não pretendo chorar por vocês, apenas usar o seu caso como exemplo do que não se deve fazer para não conhecer uma decadência similar, ou pior.
Cem anos atrás, os EUA já eram o país mais rico do mundo, exibindo uma renda per capita de US$ 5.017, segundo dados atualizados (dólares de 1990) pelo economista Angus Maddison (ver, em seu siteStatistics on World Population, GDP and Per Capita GDP, 1-2006 AD). A Argentina dispunha, então, de uma renda per capita de US$ 3.699, ou seja, 73,7% do valor americano, ao passo que o Brasil era um pobretão, com apenas US$ 776 de renda, ou seja, 15% do PIB per capita americano e pouco mais de 20% do argentino.
Pois bem, retomando os mesmos dados para o ano de 2006, como registrados por Maddison, constatamos que a Argentina, com US$ 9.679, já não fazia mais do que 31,7% do PIB per capital americano (estimado em US$ 31.049). O Brasil continuou relativamente pobre, mas sua renda individual já tinha saltado para US$ 5.835, correspondendo a 18,8% da renda americana (um progresso modesto, reconheçamos), mas já tinha avançado para 60,3% da renda argentina. Neste caso, não fomos nós que progredimos fantasticamente em relação aos EUA; foi a Argentina que recuou espetacularmente na escala da riqueza global, de fato uma das mais gloriosas decadências de que se tem notícia em toda a história econômica mundial.
Estamos, agora, no ponto onde eu queria chegar: o exemplo do fracasso, o modelo do insucesso, o itinerário mais espetacularmente desastroso de que se ouviu falar nas comparações de desempenho relativo para países capitalistas. A Argentina tem direito a um Guiness, a um Prêmio Nobel (talvez Ignóbil) da decadência econômica, ainda mais "brilhante", se ouso dizer, do que a trajetória da Grã-Bretanha, que também foi o outro exemplo de insucesso completo nos primeiros oitenta anos do século XX. Como é que se consegue chegar a esse estado falimentar?
As receitas são simples, e devem ser aprendidas por todo estadista que desejar evitar a decadência e, ao contrário, promover o crescimento e a prosperidade. Comece por destruir a legalidade de um estado, o que pode ser facilmente obtido por meio de golpes, revoluções, quarteladas, ditaduras personalistas, enfim, por todos esses casos de caudilhismo pretoriano a que nos acostumamos tão bem na América Latina; pois foi o que a Argentina conheceu a partir de 1930, e com muito maior intensidade a partir da Segunda Guerra Mundial. Continue pela aplicação de uma série de medidas econômicas que, no conjunto, contribuem para retirar as fontes de crescimento e, inversamente, produzem desinvestimento, desincentivo ao espírito empresarial, fuga de capitais, inflação, desemprego e perda completa de confiança na moeda nacional. Também é relativamente fácil: implante controles de preços, taxe pesadamente a produção, redistribua os “lucros” – e se possível o controle das empresas – aos trabalhadores, passe a gestão de órgãos públicos a sindicalistas mafiosos, penalize as exportações pelo controle cambial, os investimentos por juros elevados (derivados da dívida pública, sublinhe-se), emita moeda para cobrir as despesas do governo, enfim, promova a nacionalização e a estatização de "setores estratégicos" e depois proteja-os da concorrência estrangeira por tarifas altas e outras medidas protecionistas. A Argentina também praticou tudo isso com grande desenvoltura; aliás, ainda o faz...
Pronto: a receita está dada. Mas parece que os argentinos não aprenderam nada dos erros do passado, pois, a cada ano, continuam fazendo tudo sempre igual. Querem outro exemplo, atual e corrente? Basta olhar a Venezuela. Gracias pelas aulas de economia, professor Chávez: sabemos, agora, exatamente o que não se deve fazer, para não afundar o país...
As digressões acima respondem exatamente à pergunta deste ensaio: o que podemos aprender com a experiência de outros países, ainda que pelo lado negativo, o que pode ser relativamente frustrante. Ou seja: sabemos o que temos de evitar – e Chávez está ai mesmo para nos demonstrar, praticamente todos os dias – e o que existe de receitas para o fracasso. Elas nada nos dizem, contudo, sobre o que devemos fazer para seguir as experiências de sucesso, aquelas que produziram crescimento e bem estar em certo número de países, o que também existe.
Sinto decepcionar os leitores, mas não existem – pelo menos não acredito que existam – “modelos de sucesso”: todo e qualquer “modelo” nada mais é do que uma consolidação a posteriori de percepções sobre as supostas razões do sucesso de um empreendimento, expressa a um nível de generalidade que pretende abarcar toda uma experiência complexa em poucas fórmulas aparentemente inovadoras. Cada país deve criar sua própria fórmula, com base em suas vantagens comparativas – sim, elas existem, por mais que alguns identifiquem nelas uma predestinação permanente e um congelamento das possibilidades produtivas, o que é absolutamente falso – e certa engenhosidade de que são capazes todos os seres livres e sujeitos à competição, em condições “normais” de mercado (as aspas significam que quando os estados passam a interferir, os mercados deixar de atuar “normalmente”).
Sem pretender ser repetitivo, volto aqui às minhas simples regras de boa governança econômica que podem significar a diferença entre o sucesso e o fracasso num processo de crescimento econômico sustentado, base indispensável a qualquer evolução gradual para patamares mais avançados de desenvolvimento social:
1) macroeconomia estável, acompanhando a dinâmica dos mercados;
2) microeconomia competitiva, com total liberdade de entrada nos mercados;
3) instituições públicas capazes de reduzir os custos de transação;
4) alta qualidade de recursos humanos, para maiores ganhos de produtividade;
5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros.
Não chega a ser, exatamente, um modelo, sendo mais bem um simples manual sobre o que fazer, num plano altamente genérico e não totalmente operacional. Mas não deixa de ser, também, um conjunto de lembretes sobre o que não fazer para não incorrer em fracassos continuados.

* Publicado originalmente em 22/11/2010.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

ONU condena fundos abutre: oh, que tragedia!; os especuladores vao arrancar os cabelos...

Esse pessoal, inclusive o Brasil, não percebe que os abutres, como os abutres do mundo real, cumprem uma função útil num campo cheio de carniça, como são os processos de endividamento excessivo de governos irresponsáveis: eles obrigam os governos a se conterem, e a não comprometer o futuro de seus cidadãos com endividamento exagerado e depois calote, num ciclo infernal.
Todos os abutres, e os especuladores, desempenham um papel positivo, no sentido de conter as políticas erradas dos governos. Se especuladores pudessem especular com contas equilibradas, câmbio formado pelo mercado (e não como resultado da manipulação dos governos) e situações monetárias conformes à realidade das forças econômicas, não distorcidas pelos governos.
Abutres cumprem um papel profilático na natureza; o mesmo acontece com os dos mercados financeiros. Eles limpam os campos de governos apodrecidos, como era a Argentina, aliás...
Paulo Roberto de Almeida

 ONU adota resolução que condena fundos abutres
Agência Brasil, 29/09/2014

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU)  adotou hoje (26), em Genebra, uma resolução que condena os chamados fundos abutres - como são chamados os fundos especulativos que compraram títulos da Argentina. O texto aprovado por 33 votos a favor, 5 contra (incluindo o voto dos Estados Unidos) e 9 abstenções.
O texto "condena as atividades dos fundos abutres pelos efeitos negativos diretos que exercem sobre a capacidade dos governos de cumprir suas obrigações em matéria de direitos humanos - sobretudo os direitos econômicos, sociais e culturais e o direito ao desenvolvimento - e o pagamento da dívida a esses fundos em condições predatórias".
O chanceler argentino, Héctor Timerman, disse, em coletiva de imprensa, que "a Argentina está muito orgulhosa de ter conseguido uma extraordinária vitória a favor dos direitos humanos". Ele acrescentou que os fundos abutres não vão parar até que sejam impedidos de continuar. "Os bilhões que os fundos abutres levam do Sul, traduzem-se em fechamento de escolas, em hospitais sem medicamentos, em famílias revirando o lixo para comer", acrescentou.
Brasil, Chile, Cuba, Rússia, Venezuela, Peru, Uruguai, Paraguai, El Salvador e Bolívia acompanharam a Argentina na apresentação da resolução. Os Estados Unidos justificaram o voto negativo com o argumento de que a discussão deveria ser técnica. "Se  esse debate não for feito adequadamente, isso pode criar incertezas e elevar o custos dos empréstimos, levando inclusive ao corte de financiamento aos países em desenvolvimento".
A resolução também convoca os países a "participar nas negociações encaminhadas para estabelecer um marco jurídico multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana", previstas na Resolução 68/304 da Assembléia Geral da ONU.
A resolução, proposta por Argentina e G77+China, foi adotada pela Assembléia Geral da ONU no dia 9 de setembro com o objetivo de "elaborar e adotar, por meio de um processo de negociações intergovernamentais, um marco legal multilateral que permita reestruturações da dívida soberana". Segundo o texto, o marco legal será votado antes do fim do ano.
Buenos Aires mantém uma disputa legal com fundos especulativos, que classifica de "abutres", porque compraram os títulos da dívida desde 2001 e agora exigem 100% de seu valor, apesar de 93% dos credores da dívida argentina terem aderido à renegociação.
Os fundos conseguiram nos tribunais dos Estados Unidos o bloqueio dos pagamentos de 93% dos credores que aderiram à reestruturação em 2005 e 2010, o que levou a Argentina à moratória parcial em junho.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Argentina: noticias (frescas) de los hermanos, desafiando a sentenca da corte de NY - Bob van Joris (Bloomberg)

Los hermanos --agora um pouco menos hermanos, e mais primos incomodos, que não pagam o que nos devem -- sempre vão nos surpreender com sua indefectível capacidade de achar que os problemas sempre estão com os outros, não consigo mesmo.
Nisso são muito parecidos com certa personagem que frequenta estas paragens (vcs devem saber quem é...).
Paulo Roberto de Almeida 

Argentina Found in Contempt of the Court Fight in N.Y.
Bob van Joris
Bloomberg, 29/09/2014
Argentina was found in civil contempt of court by a U.S. judge as it prepares to shift control over payments of its restructured debt from New York to Buenos Aires.
U.S. District Judge Thomas Griesa inManhattan, who is overseeing lawsuits over bonds the South American nation repudiated in 2001, said today that such a move is “illegal and cannot be carried out.” He said the plan violates his orders and the rights of defaulted bondholders, led by Paul Singer’s Elliott Management Corp.
Griesa said he will rule later on a penalty. Elliott Management’s NML Capital and other hedge funds that hold the defaulted bonds asked the judge to fine the country $50,000 a day until it complies.
The case stems from Argentina’s record $95 billion default in 2001, which roiled international markets and has since limited the government’s access to international credit.
Holders of about 92 percent of the repudiated debt agreed to take new bonds, at a discount of about 70 percent, in restructurings in 2005 and 2010. Some individual investors and hedge funds, including NML Capital, sued for full payment in New York, the forum selected by Argentina in the original bond agreements.
Carmine Boccuzzi, a lawyer for Argentina, declined to comment on Griesa’s decision.

State’s ‘Dignity’

Argentina argued against the contempt finding, claiming today that it would undermine “the dignity of foreign states.”
“The decision by Judge Griesa has no practical effects beyond providing new elements in the defamation campaign being waged against Argentina by vulture funds,” the foreign ministry said in a statement after the ruling.
NML lawyer Robert Cohen argued that Argentina has disobeyed Griesa for at least a year by trying to set up a payment mechanism outside his jurisdiction.
Griesa ruled in 2012 that Argentina can’t make payments on its restructured debt as long as it continues to refuse to pay holders of the nation’s defaulted debt. The U.S. Court of Appeals in New York upheld the decision and it took effect after the U.S. Supreme Court declined to hear the case in June.
Griesa’s order triggered a default on Argentina’s performing debt when Bank of New York Mellon Corp., the bond trustee, refused to forward a $539 million payment on July 30.
Argentina responded by saying it’s removing the bank as trustee. Griesa today cited Argentina’s attempt to drop Bank of New York as the latest violation of his orders in the case.
Argentina faces a deadline tomorrow to make a $200 million payment to holders of the bonds issued in the 2005 and 2010 restructurings. An official from Argentina’s monetary authority said it will deposit that amount in a state-run bank account tomorrow. It isn’t clear how investors will be able to collect the payments.
The case is NML Capital Ltd. v. Republic of Argentina, 08-cv-06978, U.S. District Court, Southern District of New York (Manhattan).
To contact the reporter on this story: Bob Van Voris in federal court in Manhattan atrvanvoris@bloomberg.net
To contact the editors responsible for this story: Michael Hytha atmhytha@bloomberg.net Joe Schneider, Andrew Dunn

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Argentina: outra companheira que culpa o mundo pelos problemas criados por sua propria politica economica esquizofrenica

Parece que aquela coisa de "eu sou você amanhã", ou o chamado "efeito Orloff", funciona, pelo menos para os mentecaptod...
Paulo Roberto de Almeida 

Argentina tem demissões em massa


ARIEL PALACIOS

O Estado de S. Paulo, 25/09/2014


Levantamento da consultoria Mercer mostra que 33% das maiores companhias do país começaram a cortar pessoal para baixar custos

BUENOS AIRES - Uma pesquisa elaborada pela consultoria Mercer indicou que, afetadas pela crise, 33% das 165 principais empresas instaladas na Argentina admitiram que estão demitindo funcionários. Do total, 24% afirmam que já cortaram horas extras, enquanto 18% começaram a aplicar planos de aposentadorias antecipadas.
O motivo das demissões, segundo as empresas, é que não existe trabalho suficiente. Além disso, alegam questões de baixa lucratividade no contexto de recessão que afeta o país. "Neste cenário de estagflação, se a economia não cresce, as vendas e a receita das empresas tampouco cresce, e neste contexto, reconsideram a mão de obra".
Outra pesquisa, da SEL Consultores, indica que os empresários consideram que a crise continuará em 2015, ano de eleições presidenciais, de parlamentares e de governadores das províncias. Do total de empresas pesquisadas, 17% afirmam que demitirão no ano que vem.
Um dos sinais da crise é a queda de 20% nas importações do país em agosto, em comparação com o mesmo mês de 2013, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec).
Culpa. O vice-ministro da Economia, Emmanuel Alvarez Agis, declarou que a culpa do esfriamento da economia na Argentina é "do mundo" e não do governo Kirchner. "Esta situação internacional coloca significativos desafios à política econômica argentina", afirmou Agis em sabatina na comissão de orçamento na Câmara de Deputados.
Ontem o governo acrescentou outro integrante das personalidades e entidades internacionais que supostamente "conspiram" contra a presidente Cristina Kirchner: o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, que havia declarado que a Argentina é "um exemplo de falta de solidez".

Segundo ele, "a Argentina viveu durante décadas acima de suas possibilidades, não paga suas dívidas e por isso está cada vez mais isolada do tráfego internacional de pagamentos".
O chefe do gabinete de ministros, Jorge Capitanich, reagiu irritado às declarações de Schäuble, afirmando que o governo da primeira-ministra alemã Angela Merkel "sempre foi hostil" com a Argentina.
Nos últimos dois meses o governo Kirchner também acusou de tramar manobras contra a Argentina a companhia American Airlines, o encarregado de negócios da embaixada americana em Buenos Aires, o juiz federal de Nova York Thomas Griesa e os credores dos títulos da dívida pública que não aceitaram as reestruturações dos bônus. No sábado, a presidente Cristina também acusou o Estado Islâmico, que, segundo declarou, a ameaçou de morte.

Dólar paralelo dispara na Argentina


Cotação chega a 15,95 pesos no paralelo. Em NY, presidente ataca "abutres"

Janaína Figueiredo - Correspondente - Buenos Aires

O Globo, 25/09/2014


O mercado cambial argentino voltou a viver um dia de profundo nervosismo ontem, com um novo recorde do dólar paralelo: a cotação subiu 0,53 centavos de peso em relação ao dia anterior, chegando a 15,95 pesos nas chamadas cavernas (cuevas) espalhadas pela capital do país. Membros da equipe econômica pediram à população que não entre "na psicose da falta de dólares". Em Nova York, a presidente Cristina Kirchner voltou a dizer que seu país é vítima de um ataque especulativo, liderado pelos "fundos abutres" que estão litigando contra a Argentina nos tribunais de Nova York.
- O câmbio oficial é o único e legal que existe - afirmou o vice-ministro da Economia, Emmanuel Álvarez Agis.
Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, Cristina disse que seu país está disposto a saldar a dívida com os fundos especulativos, mas não nas condições impostas pelos tribunais de Nova York, onde o caso é tratado. Ela ofereceu aos "abutres" as mesmas condições da reestruturação da dívida em 2005 e 2010:
- São especuladores que atuam como fatores de desestabilização da economia dos países. São verdadeiros terroristas econômicos.