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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

O país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos - Sergio Florencio (Interesse Nacional)

 O país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos.

 

Sergio Florencio, Interesse Nacional, 29/01/2024

 

O ciclo virtuoso da transição civilizada

Nos últimos trinta anos o Brasil tem sido o país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos. No início do século XXI soubemos aproveitar uma grande oportunidade. Vivemos o virtuoso reformismo econômico e social assegurado pela “transição civilizada” FHC-Lula. O tripé macroeconômico de FHC ( lei de responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante) assegurou estabilidade e modernização da economia, seguidas pelo aprofundamento de políticas sociais exitosas do primeiro mandato de Lula ( Bolsa Família). 


O desvirtuamento do bom caminho 

Esse ciclo virtuoso começou a se desvirtuar no meio do segundo mandato de Lula e se rompeu definitivamente com Dilma. Foi a primeira grande oportunidade perdida dos últimos trinta anos.  Mantega estendeu, para muito além do razoável, a política contracíclica, destinada a enfrentar, a curto prazo, a crise econômica internacional de 2008. O consequente descontrole das contas públicas e a turbulenta relação com o Congresso terminaram por cobrar seu preço político (impeachment) e econômico (violenta  queda de 7% do PIB no biênio 2015-2016). 

As energias desperdiçadas e os erros esquecidos. A Petrobrás endividada.

Além das oportunidades perdidas, o Brasil das últimas três décadas foi também o país das energias desperdiçadas e  dos erros esquecidos. O setor de petróleo e gás é revelador dessa trajetória. Em 1979, ano da Revolução Iraniana e do segundo choque do petróleo, o Brasil produzia apenas 15% da demanda doméstica de petróleo. Mas importantes investimentos no setor ao longo das décadas de 80 e 90 fizeram com que em 2006 o país alcançasse a autossuficiência em petróleo. Para isso, contribuíram de forma significativa as reformas realizadas no governo FHC: o fim do monopólio da Petrobrás; a abertura do setor; e a internacionalização da empresa, com o lançamento de ações na bolsa de valores de Nova York.  

Essa modernização ocorreu tendo como marco regulatório o modelo exploratório de concessão. Entretanto, em 2006, com o anúncio da descoberta das reservas extraordinárias do pré-sal, o governo Lula iniciou a transição para o modelo de partilha. No regime de concessão, a empresa concessionária é dona de todo o petróleo que produz, enquanto na partilha o dono é o Estado. 

O primeiro problema da mudança do modelo foi a inércia. Entre o anúncio da descoberta do pré-sal e o primeiro leilão, no campo de Libra, em 2013, se passaram longos sete anos, com elevado prejuízo para o país. Além disso, no novo marco regulatório, a Petrobrás assumiu a condição de única operadora do pré-sal, o que desestimulou a participação de empresas estrangeiras nos leilões e obrigou a Petrobrás a explorar campos com menor rentabilidade. 

 Dois outros fatores contribuíram para agravar os vultosos prejuízos da Petrobrás: o congelamento de preços dos combustíveis, destinado a conter a inflação; e os desastrosos projetos de construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ.  

As perdas resultantes da política de congelamento dos preços da gasolina agigantaram a dívida da Petrobrás, que atingiu seu pico de R$ 507 bilhões no terceiro trimestre de 2015. A título comparativo, a empresa registrou oficialmente perdas resultantes de corrupção no valor de R$6,19 bilhões, no período 2004-2012.

O COMPERJ, apesar de gastos elevados, praticamente nada avançou e o desperdício com a refinaria Abreu e Lima foi exponencial. Sua construção foi orçada em US$ 2,3 bilhões em 2005. Quatro anos depois esse valor se elevou para US$ 13 bilhões, e em 2015 o custo se aproximava de US$ 20 bilhões, quando as obras foram interrompidas, tendo sido concluída apenas metade da refinaria. 

Os projetos fracassados da refinaria de Abreu e Lima e do COMPERJ deverão ser retomados no atual governo, numa demonstração de que, além das oportunidades perdidas, o Brasil é também o país dos erros esquecidos.

 

O anunciado governo da união e da reconstrução perde seu rumo

 Com a vitória da extrema direita bolsonarista em 2018, o país despertou da ilusão generalizada de ter instituições sólidas e de ser uma democracia consolidada. Ao contrário, essa estava ameaçada como em 1964, mas  com uma engenharia de desconstrução política distinta. Dispensava os tanques na rua, os militares no primeiro plano e, por meio da falência dos órgãos vitais das instituições, planejava a morte da  democracia. Mas Bolsonaro não foi reeleito, a democracia se salvou, e a vitória de Lula se dava de forma distinta dos pleitos anteriores.  Repetia o apoio tradicional das regiões mais pobres (Nordeste e Norte), mas resultava  da combinação de dois ingredientes inéditos: o anti- bolsonarismo resultante da polarização/calcificação política; e o apoio de variadas correntes liberais democratas, temerosas da morte da democracia. 

Esses dois ingredientes na vitória de Lula criavam a  oportunidade de uma união nacional, destinada a superar a divisão entre  a extrema direita bolsonarista e a esquerda lulista.  Essa união nacional resultaria da aproximação entre a esquerda intervencionista e o centro liberal democrata. Esse cenário, obviamente difícil, parecia interessar não só ao centro – órfão político com o virtual desaparecimento do PSDB- mas também à esquerda, que precisava ampliar seus apoios, uma vez que a vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro  foi inferior a 2%. 

Mas esse cenário virtuoso de união nacional foi jogado fora. Mais uma vez, o Brasil se revelou o país das oportunidades perdidas. Logo após a eleição, Lula anunciou seu projeto de união e reconstrução do país, mas seguiu caminhos distantes de tal propósito. Em lugar de se aproximar do centro – decisivo na sua apertada vitória sobre Bolsonaro - Lula preferiu privilegiar o PT raiz. A retórica e a prática do novo governo o distanciaram do centro, com base na premissa de que a polarização beneficiaria o PT, porque repetiria o confronto lulismo  versus bolsonarismo(mesmo com Bolsonaro inelegível). Nessa ótica equivocada, qualquer gesto em direção ao centro deveria ser evitado, pois era visto como jogo de soma zero – o ganho para o centro equivaleria a perda  da esquerda. 

 

A política externa virtuosa de Lula I e II em contraste com os excessos de Lula III

A política externa é outro exemplo de oportunidades perdidas. A atuação internacional de Bolsonaro foi uma desastrosa sucessão de graves equívocos que aproximaram o país da condição de pária no mundo. O propósito declarado era desconstruir princípios e paradigmas que orientaram a diplomacia brasileira. Nesse contexto caótico, a eleição de Lula provocou profundo alívio e grandes esperanças no mundo.  Lula assumiu sob signo “O Brasil está de volta”. Apesar desse ambiente de calorosa receptividade, justificado pelo capital de credibilidade internacional construído ao longo dos dois mandatos anteriores de Lula, a política externa do atual governo vem contrastando com o padrão histórico de defesa profissional dos interesses nacionais.  

O Brasil é uma potência regional com interesses globais. Temos condições de influenciar os rumos de nossa região, mas não dispomos de capacidade militar, de poder político, nem de peso econômico capaz de mudar os grandes acontecimentos globais. Avaliar com realismo o lugar do Brasil no mundo é condição necessária para uma política externa destinada à defesa do interesse nacional e não à busca de protagonismo internacional. 

O atual governo está falhando nesse processo. As declarações de Lula sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia apoiaram, de forma irrefletida e contrária ao direito internacional, a agressão russa ao território ucraniano. Com hesitação, tentamos corrigir esse erro, sempre com a aspiração de influir num conflito que vai muito além de nossas forças. Repetiu o Presidente esse erro de avaliação na guerra Hamas-Israel, ao buscar repatriar os brasileiros na Faixa de Gaza recorrendo ao Presidente Raizi do Irã, em óbvio erro tático. 

A barbárie do Hamas ao invadir kibutzes em território israelenses, executar com requintes de crueldade 1200 cidadãos mereceu ampla condenação internacional. A barbárie israelense, mais devastadora ainda, com a tragédia humanitária do saldo de mais de 20 mil palestinos, cerca de 1% da população da Faixa de Gaza, e 70% da infraestrutura, merece condenação mais veemente ainda. A diplomacia brasileira, na presidência do CSNU agiu de forma equilibrada e coerente com princípios e paradigmas de nossa política externa. Entretanto, uma vez mais, a retórica presidencial, ao atribuir aos bárbaros crimes de guerra israelenses a controvertida classificação de genocídio, desvirtua nossa tradição diplomática. 

Na nossa região, onde temos um histórico de equilíbrio construtivo no convívio com mais de dez vizinhos, o saldo do atual governo é muito negativo, por apoiar de forma recorrente os regimes autoritários de Maduro e Daniel Ortega, e ao criticar, com arrogância, Daniel Boric, o representante de uma esquerda moderna na região. 

No plano global, nosso alinhamento quase automático a posturas e aspirações da China no âmbito do BRICS ampliado, composto em sua maioria por regimes antidemocráticos, nos distancia dos países que defendem  a democracia liberal. Nossa postura reflete um antiamericanismo pouco compatível com os interesses nacionais. 

Em síntese, os últimos trinta anos de nossa história revelam, na economia, na política e nas relações internacionais, o padrão de uma nação com enormes potencialidades. Mas, ao mesmo tempo, o país das oportunidades perdidas e dos erros esquecidos. 

 

Sergio Abreu e Lima Florencio

Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2024. 


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O que aguarda o Brasil em 2024? - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 Artigo mais recente publicado: 

1543. “O que aguarda o Brasil em 2024?”, revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531. 

Alguns trechos: 

O que aguarda o Brasil em 2024?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Prognósticos para o novo ano.

1543. “O que aguarda o Brasil em 2024?”, revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531. 

  

Os prognósticos eram quase todos promissores ao início de 2023, quando Lula iniciou seu terceiro mandato. Logo em seguida ocorreu o 8 de janeiro, a tentativa golpista dos adeptos do ex-presidente fugido, o que chocou o Brasil e o mundo, inclusive vários dirigentes estrangeiros que tinham vindo para a posse. Os economistas, por sua vez, faziam estimativas sombrias para o crescimento econômico, menos de 1% do PIB, com inflação e juros ainda nas alturas. A maioria conservadora do Congresso, do seu lado, se encarregou de reduzir as expectativas do governo quanto às grandes mudanças propostas pelo presidente eleito. A grande revelação foi o ministro da Fazenda, que conseguiu arrancar, a trancos e barrancos, algumas das medidas econômicas mais relevantes para o futuro do Brasil. 

(...)

Alguns dos principais desafios do terceiro mandato de Lula se situam no âmbito da política externa, uma vez que o Brasil estará, em 2004, no comando do G20, com propostas até bem-vindas no campo social e ambiental, mas também com a ilusória pretensão de uma grande reforma na estrutura da governança global, o que parece impossível, dado o aumento das tensões mundiais já identificadas a uma nova “Guerra Fria”. Nesse terreno, as opções de Lula se chocam com o seu tratamento leniente dos grandes violadores da paz e da segurança internacionais, por acaso proponentes de uma “ordem global não ocidental”, pela qual o presidente já manifestou diversas vezes sua predileção. Mais adiante virá a organização da conferência sobre aquecimento global na própria Amazônia, onde estarão em curso os novos projetos da Petrobras de exploração dos recursos eventualmente detectados in e off shore. No intervalo, continuarão as discussões com os parceiros do Mercosul e da União Europeia em torno dos projetos de reforma do bloco – no qual o Brasil estará relativamente isolado, em face de governos bem mais liberais – e da possibilidade de concluir um acordo que se arrasta penosamente em face dos protecionistas dos dois lados há mais de duas décadas. 

Surpresas certamente advirão no decorrer de 2024, tanto no plano interno, quando no cenário externo, para as quais o presidente e seu governo precisam estar preparados, pois sucessos e insucessos de alternarão ao longo dos próximos meses. Ainda não se tem um documento de governo claramente definido em função dos seus grandes objetivos, inclusive porque, tanto na arena da política doméstica quanto no teatro da política externa, o Executivo não dispõe de comandos suficientes para controlar a marcha e o conteúdo de suas propostas e reações aos desafios que inevitavelmente surgirão. O personalismo no ambiente interno e a diplomacia excessivamente presidencial no cenário internacional podem não ser as alavancas adequadas para uma governança efetiva em face da complexidade dos problemas que marcam o Brasil e o mundo na presente conjuntura histórica de transformação geopolítica. 

Os paradoxos de uma globalização fragmentada – crescimento, crise e concentração ao mesmo tempo – afetaram o funcionamento do multilateralismo contemporâneo e os grandes Estados (com a possível exceção da União Europeia) apresentam visível tendência a atuar unilateralmente, inclusive porque suas políticas internas também se encontram divididas em grupos ou lideranças mais radicais que disputam o poder. A atmosfera política e econômica do mundo é mais de névoa e de sombras do que de céu claro e caminhos desimpedidos. Lula terá algumas difíceis escolhas a fazer, num e noutro ambiente, daí a importância de se cercar de boas assessorias: econômicas, políticas e diplomáticas.

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Brasília, 4531, 26 dezembro 2023, 3 p.

Publicado na revista Crusoé (n. 297; 12/01/2024; link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Publicados n. 1543.

 


quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

A nossa extrema-direita – e as deles - Demétrio Magnoli (Interesse Nacional)

Uma única correção a este artigo de Demetrio Magnoli: o artigo de Ernesto Araujo, Trump e o Ocidente”. Cadernos de Política Exterior, v. 3, n. 6, IPRI/FUNAG, Brasília, é de 2017, não de 2018. Eu era editor dos Cadernos nessa época, mas retirei o meu nome do expediente, não por causa da bizarrice, mas de outra questão.

Paulo Roberto de Almeida


A nossa extrema-direita – e as deles

Demetrio Magnoli

Interesse Nacional, janeiro de 2024

 

 Demétrio Magnoli é sociólogo, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, colunista dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, comentarista internacional na GloboNews.

 

 

O triunfo eleitoral de Donald Trump, em 2016, ativou os alarmes: as democracias ocidentais enfrentavam o desafio da ascensão do populismo de direita. Na Europa, partidos populistas de direita obtiveram, em 2018, perto de 15% dos votos totais, contra menos de 5% em 1998 – e alguns deles tinham forte presença nos gabinetes de governo. Por isso, naquele ano, a vitória do extremista Jair Bolsonaro parecia significar a inserção do Brasil numa tendência mais geral.

Sem surpresa, fixou-se uma narrativa predominante que inscreve a extrema-direita bolsonarista no panorama internacional do avanço da direita populista. O argumento deve ser divido em duas teses distintas: 1) o bolsonarismo articula-se politicamente com correntes internacionais da extrema-direita; 2) as raízes ideológicas do bolsonarismo são similares às das principais correntes internacionais da extrema-direita.

A primeira tese é factualmente comprovável – mas tende a superestimar a relevância dessas articulações. A segunda tese é basicamente equivocada: o bolsonarismo não é mera expressão nacional das ideias que movem o populismo de direita nos EUA ou na Europa.

 Deus e Pátria

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A invocação da fé religiosa pontilhou os discursos oficiais do governo Bolsonaro, do presidente à ministra dos Direitos Humanos, passando por Ernesto Araújo, seu primeiro ministro das Relações Exteriores. Paralelamente, o governo insistiu nos ícones da nacionalidade. Como esquecer a frustrada iniciativa do ministro da Educação de solicitar às escolas vídeos de professores e alunos entoando o hino nacional, durante o hasteamento do auriverde pendão da esperança? Ou a conclamação do porta-voz presidencial, general Otávio Rêgo Barros, para “toda a sociedade prostrar-se diante da bandeira ao menos uma vez por semana”?

É um equívoco transferir a ladainha carola e “nacionalisteira” para o arquivo morto dos anacronismos. Há um sentido mais profundo no recurso exaustivo a tais referências: nos EUA, primeiro, e no Brasil, depois, o populismo de direita encontrou uma refutação eficaz do multiculturalismo.

Há décadas, as elites políticas liberais e de esquerda substituíram o discurso universalista (cidadãos) pelo discurso multiculturalista (minorias). A diferença converteu-se em valor supremo, enquanto dissolvia-se a aspiração à igualdade (de direitos, de oportunidades). A nação deu lugar a uma miríade de grupos singulares (negros, mulheres, gays). A ideia de direitos universais (educação, saúde, previdência, transportes) deu lugar à chamada discriminação positiva (leis e regras específicas, cotas de gênero ou de “raça”). Deus e a pátria fazem seu caminho no espaço aberto por essa abdicação histórica.

A estratégia manipula poderosos signos de igualdade. O “Brasil acima de tudo” cumpre dupla função. Na sua face oculta, tenta identificar a pátria ao governo, um expediente autoritário clássico. Mas, na sua face pública, veicula uma mensagem inclusiva: todos – ricos e pobres, homens e mulheres, “brancos” e “negros” – pertencem igualmente à comunidade nacional. O nacionalismo da direita populista carrega as sementes da xenofobia (diante do imigrante) e da intolerância política (diante das oposições). Ao mesmo tempo, oferece um abrangente manto comum – e, com ele, a promessa de resgate dos fracos e humilhados.

As religiões monoteístas deitaram raízes pois ofereciam uma base pétrea de legitimidade aos governantes (um Deus no céu, um imperador na Terra) e, simultaneamente, a esperança de justiça aos desamparados (todos são filhos do mesmo Deus). O “Deus acima de todos” também desempenha dois papeis. Numa ponta, corrói a laicidade estatal e propicia o acesso das igrejas à mesa do poder. Na outra, apela ao sentido popular de igualdade: nenhuma ovelha do rebanho será deixada para trás.

Deus, a bandeira e o hino são chaves narrativas compartilhas por Trump, nos EUA, Vladimir Putin, na Rússia, Recep Erdogan, na Turquia, Viktor Orbán, na Hungria, e a coalizão Meloni/Salvini, na Itália. Nesse plano mais genérico, Bolsonaro participa do movimento geral da direita populista.

Num artigo de ressonâncias místicas, publicado em novembro de 2018, Ernesto Araújo encontrou no “Deus de Trump” o motor da história.[1] O “pan-nacionalismo”, a identidade cristã, Spengler e a xenofobia unem-se como escudos contra o “cosmopolitismo” e o “liberalismo”. Três meses depois, Eduardo Bolsonaro tornou-se o “representante na América Latina” do movimento de partidos populistas de direita articulado por Steve Bannon. Era o ensaio de uma “Internacional dos nacionalistas”, uma contradição em termos fadada ao insucesso.

A geringoça andou um pouco. Na visita presidencial aos EUA, em março de 2019, a comitiva brasileira ofereceu um jantar que teve Bannon como convidado especial. Depois, em abril, Eduardo Bolsonaro fez um giro europeu de encontros com líderes da direita nacionalista, iniciado por uma visita ao então co-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini. Mas o Movimento de Bannon logo desandou, esbarrando nas divergências entre os líderes da direita europeus e na resistência de vários deles a se submeterem ao ideólogo americano.

Sob o patrocínio de Trump e de Orbán, no lugar da “Internacional dos nacionalistas”, nasceu uma “Internacional cristã”: a International Religious Freedom (Belief Alliance).[2] Sob o manto da liberdade de crença, a aliança reuniu, além das lideranças políticas cristãs que a conceberam, correntes religiosas conservadoras hindus, muçulmanas e judaicas. Araújo participou de sua estruturação, em 2020.[3] Entretanto, suas atividades só deslancharam após a demissão do ministro, no início do ano seguinte. A articulação contou com a entusiasmada adesão do Brasil – mas basicamente a cargo de Damares Alves, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, com discreta participação do Itamaraty.[4]

O “Deus de Trump” produziu escassos frutos, do ponto de vista dos alinhamentos geopolíticos internacionais. A política externa bolsonarista, enunciada aos brados por Araújo, praticamente limitou-se a visitas, encontros e conferências sectárias, além de frequentes votos antiliberais em fóruns internacionais. Muita fumaça, pouco fogo.

 Ideia fora de lugar

O bolsonarismo foi descrito como expressão brasileira da onda nacionalista e populista que varre o Ocidente. No fundo, porém, o bolsonarismo é uma exceção.

A poesia épica do populismo de direita nasce na gramática do medo. Nos EUA e na Europa, a angústia, a insegurança diante do futuro alimentou a onda populista em curso, que ainda não dá sinais consistentes de retrocesso. Nesse sentido genérico, o Brasil acompanhou a tendência internacional. Bolsonaro foi catapultado ao Planalto por eleitores temerosos, inseguros, indignados. Mas, por aqui, os eleitores não foram seduzidos pela narrativa ideológica do bolsonarismo. O voto negativo, não a adesão política, definiu o triunfo de um líder carente de bases sociais sólidas. Aí reside nossa excepcionalidade.

O grande tropeço da globalização, iniciado em 2008, deflagrou a ascensão do populismo nacionalista. Trump venceu no Colégio Eleitoral apoiando-se na baixa classe média branca submetida à corrosão da indústria tradicional. A crise do euro, seguida por longos programas de austeridade econômica, inflou o balão dos partidos da nova direita europeia. Dos megafones de Trump, Salvini, Le Pen, Farage, Orbán e tantos outros emanaram as conclamações antiliberais do nativismo, da xenofobia e do protecionismo.

No Brasil, Bolsonaro também emergiu do caos: a depressão econômica armada pelas estratégias fiscais do lulo-dilmismo. A campanha bolsonarista apertou as teclas sensíveis da corrupção e da criminalidade, mas o triunfo eleitoral derivou do colapso catastrófico do sistema político. Lá fora, uma corrente histórica profunda impulsiona a nova direita nacionalista. Aqui, um cruzamento de circunstâncias fortuitas colocou um político obscuro na cadeira presidencial.

A extrema-direita brasileira é uma ideia fora de lugar: a imitação sem disfarce de um discurso elaborado nos EUA ao longo de mais de dois séculos. Lá, a noção de liberdade foi moldada em oposição aos conceitos de democracia e igualdade perante a lei. A “liberdade dos estados” funcionou como oposição à existência de uma Constituição nacional, depois como alicerce do sistema escravista e, finalmente, como moldura das leis de segregação racial. Hoje, reciclada, a reivindicação fundamenta as legislações destinadas a restringir o acesso às urnas em estados controlados pelos republicanos.

No Brasil, uma semana antes do 7 de setembro de 2021, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) publicou o manifesto do bolsonarismo.[5] A Fiesp e a Febraban haviam ensaiado discurso da democracia, curiosamente definida como “harmonia entre os Poderes”. Em contraponto, a Fiemg intitulou sua declaração com a senha de combate da extrema-direita: Manifesto pela Liberdade.

Um centro de comando único, uma espécie de Comitê Central, esculpiu os discursos do bolsonarismo. Assim como o texto da Fiemg, as bandeiras dos atos bolsonaristas daquele 7 de setembro sofreram uma padronização, organizando-se em torno da senha principal. Tudo – os ataques ao STF, as injúrias contra governadores e parlamentares, a contestação das urnas eletrônicas – foi recoberto por uma mão de tinta fresca que exibia a palavra liberdade.

“Assistimos a uma sequência de posicionamentos do Poder Judiciário que acabam por tangenciar, de forma perigosa, o cerceamento à liberdade de expressão no país”, escreveram os industriais mineiros para condenar o inquérito das fake news – e, de passagem, oferecer um apoio implícito ao pedido de impeachment do juiz Alexandre de Moraes. Liberdade, desdobrada em “liberdade de expressão” e “liberdades individuais”, era esta a mensagem.

A senha emergiu, igualmente, em textos assinados pelo ministro da Defesa, Braga Netto, um expoente da agitação bolsonarista entre os militares. Na nota de repúdio às declarações do senador Omar Aziz (7 de julho), o general proclamou que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.[6] Duas semanas depois, em nota de desmentido de ameaças de golpe (22 de julho), expressou o compromisso das Forças Armadas com “a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”.[7]

A Constituição atribui às Forças Armadas as missões de “defesa da Pátria”, “garantia dos poderes constitucionais” e, por iniciativa de um deles, proteção “da lei e da ordem”. A “liberdade do povo brasileiro” era uma invenção (in)constitucional de Braga Netto –  ou melhor, dos mestres ideológicos que o controlavam. Mas, aqui, o que importa é registrar a consistência do discurso bolsonarista.

Liberdade – não democracia. A opção tem significado e implicações. O conteúdo da liberdade depende do ponto de vista do sujeito do discurso. Democracia, porém, tem conteúdo objetivo: o sistema de governo baseado na vontade da maioria filtrada por leis e instituições que limitam o poder dos governantes, asseguram os interesses permanentes da sociedade e protegem os direitos da minoria. Fora da democracia, liberdade é privilégio de uma minoria que tem poder. Os arautos bolsonaristas da “liberdade” são os saudosistas da ditadura militar que acalentaram o sonho de um golpe contra as liberdades democráticas.

 Aliança profana

Paulo Guedes, o superministro da Economia,  definiu o governo Bolsonaro como uma aliança entre conservadores e liberais.[8] Era, claro, um álibi destinado a justificar sua própria adesão ao presidente extremista – mas também um duplo equívoco conceitual. A extrema-direita bolsonarista não é conservadora, mas reacionária: defende uma ruptura com a democracia e um retrocesso à “idade de ouro” da ditadura militar. Já o liberalismo econômico do governo resumia-se a uma fantasia destinada a recobrir políticas fiscais populistas que desmoralizaram o teto de gastos e tentativas de subordinar a Petrobras às necessidades reeleitorais do presidente.

A “santa aliança” de Guedes deflagrou um debate público sobre as relações entre liberalismo e democracia. “É natural que a Fiesp assine um manifesto em defesa da democracia, já que não existe liberalismo, economia de mercado ou propriedade privada, valores tão caros à entidade e ao setor industrial, sem que exista segurança jurídica, cujo pilar essencial é a democracia e o Estado de Direito”, declarou Josué Gomes da Silva, presidente da entidade empresarial paulista no início da campanha eleitoral de 2022.[9]

O manifesto cumpria um papel positivo, mas a justificativa continha uma imprecisão conceitual: o liberalismo não precisa, necessariamente, da democracia.

O liberalismo tomou de assalto o Ocidente no século XIX, antes do advento das democracias contemporâneas. Os princípios liberais clássicos – os direitos individuais, as liberdades civis e políticas, o secularismo, o livre mercado – estabeleceram-se em regimes políticos aristocráticos ou oligárquicos. A democracia chegou depois.

Democracia supõe o direito universal de voto, algo que só se difundiu ao longo do século XX. Os sistemas pioneiros de governo liberais baseavam-se no consentimento de uma minoria que gozava do privilégio de plenos direitos políticos. Durante um longo período, massas de pobres eram excluídas do voto por muralhas ligadas à propriedade ou à renda e as mulheres simplesmente não tinham direito de voto.

O rótulo democracia liberal indica uma ruptura. O liberalismo sofreu uma revolução interna para adaptar-se ao advento da democracia de massas. Nesse passo, tornou-se menos “puro” na esfera econômica, pois teve que admitir as intervenções estatais destinadas a combater a pobreza extrema e as mais clamorosas desigualdades sociais.

Nem todos curvaram-se aos novos tempos. Uma corrente de economistas liberais, aferrada ao dogma da absoluta liberdade de mercado, enxergou na democracia liberal um malévolo disfarce do socialismo. Dessa crença nasceu uma atração por regimes autoritários dispostos a conduzir programas de radical liberalização econômica.

No ponto de partida, o pensamento liberal enxergava as liberdades políticas e econômicas como partes indissociáveis de uma mesma doutrina. Milton Friedman, pai-fundador da Escola de Chicago, desafiou essa tradição ao operar como conselheiro do ditador chileno Augusto Pinochet e do regime totalitário chinês. A liberdade, imaginava Friedman, floresce na esfera econômica, alastrando-se mais tarde pela esfera política.

A dissociação teórica entre as duas esferas propiciou um álibi político à corrente de liberais que enxergam a democracia como valor secundário ou mesmo como obstáculo à promoção irrestrita da liberdade de mercado. A adesão de significativa parcela do empresariado brasileiro à candidatura de Bolsonaro em 2018 encontra aí uma base ideológica.

Guedes falou em “democracia responsável”, conectando-se a uma extensa tradição autoritária de adjetivação da democracia.[10] Nesse passo, reuniu-se com personagens como Oliveira Salazar (“democracia orgânica”), Erdogan (“democracia conservadora”) e Putin (“democracia soberana”). Os falsos liberais brasileiros, sempre dispostos a conciliar com o populismo econômico, aliaram-se aos reacionários saudosistas da ditadura militar. A aliança profana entre Bolsonaro e Guedes ilumina a singularidade brasileira: nos EUA e na Europa, a direita nacionalista e a extrema-direita abominam o liberalismo.

A atual direita republicana nos EUA, ainda liderada por Trump, deita raízes no nativismo, na xenofobia e no isolacionismo. Contudo, no plano econômico, prega o protecionismo comercial e aponta a globalização (às vezes, nas formas da China e do México) como responsável pelas agruras que afligem o “americano esquecido”.

Os partidos da direita populista europeia que ascenderam recentemente deitam raízes em correntes profundas das histórias nacionais. A Reunião Nacional francesa deriva tanto da nostalgia do regime colaboracionista de Vichy quanto do neocolonialismo poujadista. O Vox, na Espanha, nutre-se da memória do franquismo. O Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni, engaja-se na atualização do mussolinismo. Todos eles, porém, encontram-se no pátio da “democracia iliberal” pregada por Orbán.

Aliança entre liberais de araque e reacionários saudistas. A extrema-direita bolsonarista é, em parte, uma imitação. Mas, no fundo, é uma colcha de retalhos incongruentes e um fenômeno singular.   n


[1]. “Trump e o Ocidente”. Cadernos de Política Exterior, v. 3, n. 6, IPRI/FUNAG, Brasília, 2018.

[2]. https://bit.ly/3xMH3Hk

[3].  https://bit.ly/3ZdmdMZ

[4]. https://bit.ly/3ZcVbFD

[5].  Manifesto pela Liberdade, FIEMG. https://bit.ly/3KEK3NI

[6].  Nota Oficial – Ministério da Defesa, 7/7/2021. https://bit.ly/3Z2TQRW

[7]. Nota Oficial – Ministério da Defesa, 22/7/2021. https://bit.ly/3ZnzYci

[8]. O Estado de S. Paulo, 22/2/2022. https://bit.ly/3SroO3T

[9]Folha de S. Paulo, 4/8/2022. https://bit.ly/3ZmKJeU

[10]Valor, 26/11/2019. http://glo.bo/41ugLaH

 

 

Marcos Troyjo: *Um Brasil mais leve para a concorrência global* - Assis Moreira (Valor)

 Um Brasil mais leve para a concorrência global

O Brasil precisa ficar mais ágil na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas geopolíticas.

Assis Moreira, de Genebra

Valor Econômico04/01/2024  


Após deixar em março a presidência do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics, para dar lugar à Dilma Rousseff, Marcos Troyjo passou a lecionar na Universidade de Oxford, na cátedra antes ocupada por Iván Duque, ex-presidente da Colômbia, e também no Insead (França). Nesse período, ele visitou 18 países em contatos com autoridades, investidores e acadêmicos, e os questionamentos sobre o Brasil foram inevitáveis.

Para Troyjo, a convergência de crises atualizou a noção de policrise, com a pandemia mais grave que o mundo experimentou desde a gripe espanhola, depois a situação geopolítica mais delicada na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e uma economia mundial que ainda não se recuperou na esteira de frouxidão fiscal e monetária que levou o centro macroeconômico mundial a fortes turbulências inflacionárias.

Essa situação acaba sendo muito exacerbada porque vem acompanhada de aumento do protecionismo no mundo, do que ele chama de recessão da globalização. Sua análise é de que a globalização não parou, mas há menos fluxos de mercadorias e capitais do que há 20 anos, e isso acaba por se converter em força de pressão inflacionária.

Olhando pela ótica do Brasil, Troyjo considera que esse é um cenário perigoso, mas que traz também muitas oportunidades para o país. Ele destaca a questão demográfica. Nota que nos próximos 25 anos a população mundial vai saltar de 8 bilhões para 10 bilhões de habitantes. Observa que no ano em que Jesus Cristo nasceu a população mundial era estimada em 150 milhões de habitantes. E calcula que nos próximos 25 anos teremos o mesmo acúmulo de população ocorrido em 1.929 anos. É como se enormes naves descessem na Terra trazendo uma nova Rússia, depois outro EUA, com 350 milhões de pessoas, e uma nave bem maior que deposita uma nova China com 1,5 bilhão de pessoas. É muita gente.

As características de aumento populacional ficam mais positivas para as grandes economias emergentes, com o maior potencial do que no caso do G7 industrializado (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Canadá). A expectativa é de a Índia crescer em média 5% ao ano, a Indonésia, 6%, e a China, por volta de 4%, a partir de renda per capita ainda baixas. E quando vão crescer num intervalo tão curto, a tendência é que essas rendas adicionais sejam direcionadas a alimentos, energia e infraestrutura.

Significa que o mundo terá de responder à pergunta de onde virão os alimentos, energia e insumos, também para fortalecer a economia verde. E o que Troyjo repete no exterior é que o Brasil tem resposta para isso: é um dos quatro maiores produtores mundiais de alimentos, é o país que tem o mais facilmente renovável estoque de acesso a recursos hídricos, por exemplo. Em comparação, se o chinês tomar um copo de água a mais por dia, a zona desértica do mundo chega à periferia de Pequim. Na Índia, de 10 litros de água, 8,5 vão para agricultura, o que mostra uma situação de esgotamento. EUA e Europa também têm recursos limitados. Quem tem esses recursos abundantes é o Brasil.

Portanto, esse crescimento populacional brutal é promissor para o Brasil nesse jogo. Haverá inevitavelmente maior participação das exportações brasileiras no PIB. O trem já saiu da estação, e não apenas do ponto de vista comercial, mas também infraestrutural.

Existe o discurso de que no Brasil as empresas do agro e energia são muito boas da porteira para dentro, mas enfrentam dificuldades da porteira para fora. Ocorre que, quando o mundo tem problemas de segurança enérgica e alimentar, as dificuldades brasileiras são problema global. Para Troyjo, daí uma parte da explicação para o nível persistente de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para o país.

A doutrina do que ele chama de geoeconosegurança beneficia o Brasil na prática. Mas a concorrência é fortíssima. O capital humano é essencial nesse jogo. Hoje, o México forma mais engenheiros por ano que os EUA, e isso o torna um polo de atração, exemplifica o ex-presidente do Banco do Brics. Ou seja, o Brasil precisa ajustar as prioridades, para extrair o máximo de benefícios como protagonista comercial em alimentos, energia e como destino de investimentos.

Para Troyjo, o Brasil precisa ficar mais leve na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas geopolíticas. Antes, se falava que o mundo era plano, no qual a maioria dos concorrentes, com exceção da mão de obra, teria oportunidades iguais. Agora o mundo, ainda mais com inteligência artificial, está ficando muito mais rápido. Ele pergunta: nesse cenário, quem vai atrair mais IED, país com carga tributária de 20% ou de 35% do Produto Interno Bruto (PIB)? Quem tem Banco Central independente ou vinculado a objetivos políticos? Quem trata as empresas públicas pela lógica da eficiência ou quem vai transformá-las em departamento de fisiologia política? Quem fica mais leve é quem está sempre trabalhando para melhorar o país no ambiente de negócios ou quem acha que isso não é importante?

Assis Moreira é correspondente em Genebra e escreve quinzenalmente

E-mail: assis.moreira@valor.com.br

https://valor.globo.com/google/amp/brasil/coluna/um-brasil-mais-leve-para-a-concorrencia-global.ghtml

sábado, 30 de dezembro de 2023

Síndromes diplomáticas no Cone Sul - Paulo Roberto de Almeida

Síndromes diplomáticas no Cone Sul

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre as inclinações ideológicas das diplomacias do Brasil e da Argentina.

 

A política externa do peronismo era em grande medida ideológica. Mas a de Milei é muito mais, excessivamente ideológica, apesar de uma sensata chanceler. 

A diplomacia petista também é tristemente ideológica, ao preferir alianças com ditaduras antiocidentais, nessa miopia da “nova ordem global”, ao ingresso na OCDE, cujos propósitos têm muito mais a ver com a nossa trajetória de desenvolvimento econômico e político: economia de mercado e democracia. 

Quando Brasil e Argentina vão deixar essas errâncias ideológicas de lado e passar a ter diplomacias normalmente pragmáticas e universalistas na política externa? Parece que não é para já. 

O alinhamento de Milei aos EUA e Israel, suas críticas ao “comunismo” chinês, são novamente ridículos, como eram as antigas “relações carnais” com os EUA.

A simpatia de Lula por certas ditaduras na região e fora dela é mais do que ridícula, é totalmente contraproducente para a própria inserção global do Brasil e para sua participação equilibrada na agenda global. A visão de que duas grandes autocracias focadas num projeto antiocidental são aliadas naturais de um mirífico “Sul Global” não é apenas equivocada; é também ridícula e contrária a nossos interesses.

Brasil e Argentina se perdem em pequenas confusões ideológicas, que são puramente retóricas. Até quando?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4537, 30 dezembro 2023, 1 p.


 

 

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Brasil reitera vontade de receber Putin no G20 apesar da ordem de detenção internacional (Lusa)

Brasil reitera vontade de receber Putin no G20 apesar da ordem de detenção internacional

Lusa, 28/12/2023


O Governo brasileiro reiterou hoje, através do ministro das Relações Exteriores, a sua vontade em receber o Presidente da Rússia na cimeira do G20 de 2024 e desvalorizou a ordem de detenção internacional

Se ele quiser vir, nós ficaremos muito contentes que esteja presente nas reuniões no Brasil”, disse Mauro Vieira, referindo-se ao Presidente russo, Vladimir Putin, em entrevista à BBC Brasil.

O chefe da diplomacia brasileira desvalorizou ainda as responsabilidades que o país tem perante o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Em março de 2023, um ano após a invasão russa da Ucrânia, o TPI emitiu um mandado de detenção contra Vladimir Putin por crimes de guerra relacionados com a deportação forçada de crianças ucranianas.

O mandado fez com que o Presidente russo não participasse, por exemplo, presencialmente na reunião dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que se realizou na cidade sul-africana de Joanesburgo, em agosto passado.

Mauro Vieira, questionado sobre a possibilidade de Putin ser preso no Brasil, atirou: “não sei. Acho que não. Espero também que não. Não sei. Nós não tomaremos nenhuma iniciativa para que isso aconteça”.

Sobre se é “obrigado a cumprir?” disse que “não. Tem que haver a ordem”, insistiu.

No início do mês, o Presidente brasileiro, Lula da Silva, confirmou que vai convidar o homólogo russo para a cimeira do G20 no Rio de Janeiro, mas avisou que o seu país tem responsabilidades perante o Tribunal Penal Internacional.

“Putin vai ser convidado, venha ou não, ele tem um processo [no TPI], tem de avaliar as consequências. Não sou eu quem pode dizer isso. É uma decisão judicial e um Presidente da república não julga decisões judiciais, cumprindo-as ou não”, disse Lula da Silva, citado pelo jornal O Globo.

“Se [Putin] vier, sabe o que vai suceder. Pode acontecer ou não. Ele não faz parte desse tribunal, não é signatário, nem os Estados Unidos. O Brasil faz. Como o Brasil é signatário, o Brasil tem responsabilidades”, acrescentou o Presidente brasileiro.

Já antes, em setembro, o Lula da Silva anunciou que convidaria Putin para a cimeira do G20, em novembro no Rio de Janeiro, garantindo-lhe também que não seria detido, enfrentando de seguida fortes críticas sobre o desrespeito da separação entre o poder político e judicial.

O Brasil, que exerce a presidência do G20 desde o primeiro dia de dezembro, convidou Portugal, Angola, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega e Singapura para observadores da organização

 

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Sandra Utsumi: 'O Brasil ainda está longe do crescimento sustentado' -Vicente Nunes (Correio Braziliense)

 A melhor ebtrevista sobre a economia brasikeira e a global nos ultimos meses: completa, ponderada, abrangente.

ENTREVISTA

Sandra Utsumi: 'O Brasil ainda está longe do crescimento sustentado'

Diretora executiva do Haitong Bank em Portugal, Sandra Utsumi afirma que, depois do salto de 3% do PIB neste ano, o país deverá avançar entre 1,5% e 2% em 2024, resultado muito aquém do necessário para atender as demandas da população.

Para a economista, muito do quadro positivo que se vê hoje no Brasil é resultado do trabalho feito pelo Banco Central, que manteve uma política monetária restritiva a ponto de levar a inflação para dentro das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A estabilidade dos preços, no entender dela, é fundamental para que os agentes econômicos, empresas e população, se sintam confortáveis para investir e consumir. Ela vê com preocupação a situação fiscal no país, mas acredita que a continuidade da redução da taxa básica de juros (Selic), que já caiu de 13,75% para 11,75% ao ano, dará um alívio nos gastos com a dívida, ajudando, consequentemente, no cumprimento das metas.

Na avaliação de Sandra, o mundo vive hoje uma situação complexa, com guerras e disputas geopolíticas que acabam desviando a atenção do capital estrangeiro do Brasil. Há, contudo, um fator que ajuda o país: a queda dos juros nos Estados Unidos e na Europa, que mantém o apetite por riscos “Com isso, a cotação do dólar deverá se manter próxima da atual, de R$ 4,90”, afirma. Para atrair mais capital externo, a executiva recomenda a continuidade de reformas, como a tributária, aprovada na última sexta-feira pela Congresso. “A simplificação dos impostos beneficia a todos e torna o sistema mais justo”, acrescenta. “Agora, a alíquota do IVA, o Imposto sobre Valor Agregado, não pode ser tão elevada como se tem falado, de 27,5%.”

A diretora do Haitong Bank assinala que a extrema-direita, com Javier Milei, só chegou ao poder na Argentina porque os governos anteriores fracassaram em atender aos anseios da população, o principal deles, o controle da inflação. Diz ainda que o Brasil deve buscar novos parceiros comerciais e não se envolver em disputas políticas com o país vizinho. Assinala que o fim do uso dos combustíveis fósseis está longe, por serem mais baratos, e recomenda ao Brasil correr com os projetos para a transição energética. Veja os principais trechos da entrevista de Sandra Utsumi, que participará, nesta terça-feira, do seminário Desafios 2024: o Brasil no rumo do crescimento sustentado, promovido pelo Correio.

Como avalia o primeiro ano do governo Lula? O crescimento da economia foi maior que o esperado e o desemprego, a inflação e os juros caíram. 

O Brasil teve um desempenho econômico positivo pela consistência de uma política monetária que permitiu a queda da inflação, dos juros e um crescimento forte das exportações pelo segundo ano consecutivo. Sem a atuação firme do Banco Central, que retomou a confiança dos agentes econômicos, certamente o quadro atual não seria o mesmo. A inflação é o que há de pior para uma economia, pois desestrutura tudo e mina o crescimento econômico, o emprego e a renda.

Apesar desses bons resultados, ainda há muitas incertezas no meio do caminho, especialmente, quanto à questão fiscal. Por quê?

A queda de qualidade do desempenho fiscal no Brasil não tem sido ressaltada pelo fato de a maioria dos países, incluindo os desenvolvidos, ter apresentado deslizes desde a pandemia. Daí o fato de o rating soberano do país, medido pelas agências de classificação de risco não ter sofrido alterações. A boa notícia é que a continuidade da queda dos juros em 2024 deverá reduzir um pouco o ônus dos serviços da dívida, ou seja, o Tesouro Nacional terá uma conta menor de juros a pagar aos detentores de títulos públicos. Isso acaba ajudando o ajuste fiscal. É importante deixar claro ainda que, se, de um lado, a vantagem do Brasil é o baixo endividamento externo, de outro, o elevado estoque interno de dívidas acaba sempre por dilapidar a capacidade de financiamento doméstico da economia. Isso, no fim das contas, impede um crescimento maior da atividade.

É possível esperar um 2024 melhor que 2023?

O próximo ano será ainda de crescimento abaixo do potencial do Produto Interno Bruto (PIB) global, e isso deverá afetar também o Brasil, sobretudo, no primeiro semestre, quando há o risco de recessão na Europa e de uma estagnação nos Estados Unidos. A queda dos juros no Brasil não deverá ser suficiente para permitir um crescimento à semelhança de 2023, que foi surpreendente, próximo de 3%. Esperamos um avanço do PIB em 2024 entre 1,5% e 2%.

Quais são, na sua opinião, os maiores desafios do Brasil?
Os maiores desafios do país são os mesmo de sempre: aumentar a competitividade da economia e melhorar o ambiente de investimentos de longo prazo. Reformas que simplifiquem a estrutura fiscal, o desenvolvimento da infraestrutura, a formação de capital humano e outras mais são essenciais. O Brasil ainda está entre os 10 piores países do mundo em termos de distribuição de renda (índice de Gini), e a melhora depende, em grande parte, do investimento em educação e capacitação profissional.

Qual o impacto da reforma tributária aprovada pelo Congresso na economia brasileira? 

O princípio da reforma é promissor, porque acaba com os impostos em cascata no Brasil. Reduz muito a complexidade, com apenas dois impostos, um federal e um estadual, sobre o consumo. Agora, será preciso evitar que o IVA dual seja tão alto, como se tem falado, podendo chegar a 27,5%. As negociações entre governo e estados serão fundamentais para não prejudicar o setor produtivo e os consumidores. Outro ponto positivo é o imposto seletivo sobre produtos que afetam a saúde e o meio ambiente. Agora, é preciso que a reforma seja implementada o mais rapidamente possível, pois o prazo definido pelo Congresso me parece longo diante das necessidades do país de ter um sistema tributário mais simples e justo.

A situação política no Brasil está pacificada? Até que ponto isso preocupa os investidores?

Os investidores deverão estar mais atentos ao contexto geopolítico global do que ao brasileiro em 2024. As eleições municipais devem indicar qual o grau de alinhamento ou não do eleitor com o governo federal, mas não deve influir, significativamente, na percepção do investidor estrangeiro.

O país está no radar do capital estrangeiro? Por quê?

O Brasil não é prioridade para o capital estrangeiro neste momento. Existe, em curso, uma mudança no padrão dos fluxos de investimento. Os recursos de curto prazo deslocam-se com os fatores de curto prazo, como o cenário doméstico e o custo de oportunidade, com base nas taxas de juros dos Estados Unidos. O investimento estrangeiro direto no mundo tem sido afetado pelos atritos comerciais e geopolíticos.

Neste contexto, as multinacionais têm promovido movimentos denominados de ‘reshoring’ (retorno ao país de origem), ‘friend shoring’ (deslocamento para regiões com menor risco de atritos comerciais e geopolíticos) e ‘near shoring’ (estratégia de estar mais próximo do mercado consumidor final). Em termos de competitividade, não têm sido de grande atração para os investidores os avanços que o Brasil tem promovido para melhorar os indicadores de transparência, para simplificar o enquadramento regulatório dos diversos setores da economia, para ampliar a produtividade, com melhora da infraestrutura, da educação e da capacitação da mão de obra, e para tornar a legislação fiscal mais consistente.

A combinação da mudança de estratégia de posicionamento global dos investidores com a lenta evolução dos índices de competitividade fez o Brasil perder posições significativas no ranking de confiança dos investidores nos últimos 10 anos. No exemplo da Kearney FDI Confidence Index, o Brasil, que sempre esteve entre os 10 primeiros destinos de investimento direto até 2015, passou para 22º em 2020, 24º em 2021 e 22º em 2022. O movimento de ‘reshoring’ fez com que os Estados Unidos passassem de terceiro para primeiro destino de investimento direto entre 2015 e 2022, enquanto a China caiu de segundo para o décimo no mesmo período. Dos 25 destinos mais atrativos em 2005, 11 eram países emergentes. Em 2022, somente seis emergentes (China, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Tailândia, Arábia Saudita e Brasil) faziam parte dessa lista.

Até que ponto a decisão do Federal Reserve, o BC dos Estados Unidos, de manter os juros inalterados ajuda o Brasil?

A decisão do Fed de manter os juros veio com uma mudança nas projeções para os próximos três anos, que inclui o início de um corte em 2024. Essa mudança das projeções é o fator que deve beneficiar o Brasil do ponto de vista do custo de oportunidade para os investidores que queiram ter exposição a ativos brasileiros. Favorece também a manutenção da cotação do real ante o dólar próxima dos níveis atuais, de R$ 4,90, mesmo com a redução dos juros promovida pelo Banco Central do Brasil.

Há, realmente, espaço para os Estados Unidos e mesmo a Europa começarem a cortar juros? 

Haverá espaço a partir do último trimestre de 2024 tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. O Banco Central Europeu, no entanto, tende a enfrentar mais desafios com a sua política de meta de inflação, pois uma possível recessão no primeiro semestre do próximo ano ainda deve ser acompanhada de inflação acima dos 2%, devido ao fim dos incentivos e estímulos fiscais para reduzir o impacto na inflação da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Os Estados Unidos podem, eventualmente, antecipar os cortes nos juros no caso de um tombo da economia, também no primeiro semestre, devido ao duplo mandato do Federal Reserve, de crescimento do PIB próximo do potencial e de inflação em torno de 2% ao ano.

O pior da inflação global ficou para trás?

Muito provavelmente. O duplo choque no pós-pandemia, de falhas na cadeia produtiva (supply chain) e de volta repentina do consumo, foi dissipado em grande parte por conta do aperto monetário em 2023. Segundo as últimas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação global deve desacelerar de 8,7%, em 2022, para 6% em 2023, 4,4% em 2024 e 3,5% em 2025, próxima, portanto, à média observada antes da crise sanitária.

O que representa para o mundo a desaceleração da economia chinesa?

A China representa, atualmente, um grande mercado consumidor e um grande investidor na economia global. A desaceleração do crescimento chinês para um patamar próximo de 5% reduz o ritmo de consumo e a capacidade de internacionalização. Entretanto, acreditamos que o investimento estratégico deva avançar, com foco em mercados emergentes, em matérias-primas e na geopolítica. Essa estratégia pode favorecer países como o Brasil. Para o mundo, a China ainda está entre os três maiores parceiros econômicos individuais da maioria dos países e a sua desaceleração teve reflexos diretos na balança comercial e na atividade industrial no mundo.

Como vê a guinada da Argentina à direita? Até que ponto isso influencia as relações com o Brasil?

As mudanças de direção política em todas as democracias, seja para a direita, seja para a esquerda, têm sido acompanhadas pela incapacidade dos governos em promover um ambiente de crescimento e de melhora do padrão de vida dos eleitores. Os eleitores argentinos reprovaram a incapacidade do governo anterior de estabilizar a situação fiscal, a falta de consistência na gestão das políticas macroeconômicas e a consequente inflação crônica, que supera os dois dígitos há uma década, passando de 100% neste ano, precarizando a vida das pessoas, especialmente as mais vulneráveis. O Brasil tem lidado com relações comerciais fragilizadas com a Argentina nas mais de duas décadas em que o país vizinho enfrenta crises frequentes. No caso de mais atritos por questões de posicionamento político, o Brasil tende a reduzir a exposição ao risco econômico e deve buscar alternativas com outros parceiros comerciais. A Argentina, sem reservas internacionais e a depender das linhas de financiamento do FMI, tem mais necessidade de manter relações de comércio com o Brasil que o inverso.

O mundo enfrenta hoje uma série de conflitos, dois deles nas franjas da Europa. As guerras se tornarão mais frequentes? Qual o impacto para a economia global?

O impacto do aperto monetário na Europa e nos Estados Unidos, em conjunto com a lenta recuperação da economia chinesa, ainda deve prevalecer no primeiro semestre de 2024. O risco de mais fragilidade na economia global tende a manter o desequilíbrio fiscal de boa parte dos governos no mundo pós-pandemia e, consequentemente, tensionar a geopolítica.

A COP28 não conseguiu selar o fim dos combustíveis fósseis? Como o clima vai impactar as economias, sobretudo, as de países produtores de alimentos, como o Brasil?

O fim do uso dos combustíveis fósseis na escala global ainda é uma realidade distante. Mesmo nos países desenvolvidos é uma discussão não consensual e com elevados custos de transição. O acordo da COP28 foi somente o que se pode dizer de um compromisso em debater o fim do uso dos combustíveis fósseis. Não estabelece datas, metas e, tampouco, obrigatoriedade e responsabilidade. O aquecimento global leva à maior imprevisibilidade dos fenômenos meteorológicos e a possibilidade de catástrofes naturais de maior escala. Essa incerteza prejudica, principalmente, a agricultura, as atividades costeiras, por causa da elevação do nível de água dos oceanos, e a população que depende delas. Alguns setores já refletem os custos dessas alterações climáticas, incluindo o das apólices de seguros nos Estados Unidos e na Europa.

O Brasil realmente tem condições de liderar a transição energética no mundo?

Não acredito que haja um país que, individualmente, seja capaz de liderar a transição energética no mundo. Além de uma vontade coletiva, há uma grande necessidade de investimento em novas tecnologias que possam proporcionar a transição energética. Cada país tem uma característica particular de matriz energética, recursos naturais e grau de desenvolvimento. Todos irão precisar de mais energia elétrica de fato, mas não existem ainda fontes sustentáveis e na escala necessária para o crescimento global esperado, próximo de 3% do PIB mundial ao ano.

Algumas atividades como o transporte marítimo também não conseguem ser eficientes com energia elétrica de baterias. Daí a dificuldade de se negociar uma transição energética. Infelizmente, o Brasil não tem acompanhado o ritmo de geração de novas tecnologias no sector de energia como na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, na China e no Japão. Nessas regiões, o compromisso de transição energética está numa fase mais avançada por uma questão de estratégia de longo prazo na geração de energia voltados à independência, principalmente, do petróleo e gás, e sustentabilidade ambiental.

O uso de fontes de energia que emitem gases de efeito estufa ainda são muito mais baratos para o Brasil do que o uso de energia sustentável. Os recursos naturais existem com alguma abundância no país na forma de fontes hídricas, solar, eólica, reaproveitamento de recursos existentes, como biomassa, possibilidade de tecnologias ligadas ao uso do hidrogênio na forma sustentável, sem emissão de gases de efeito estufa, entre outros. Portanto, o Brasil também terá de planejar essa transição e investir nas tecnologias que possam ser adotadas de forma viável do ponto de vista econômico e ambiental.