Paulo Guedes prepara 'perestroika' de liberalização do mercado
Após 20 anos de ditadura e 30 de social-democracia, a virada para a direita é saudável, diz guru de Bolsonaro
Nova York
Financial Times, 11/02/2019
Paulo Guedes leva o dedo à têmpora. "As pessoas da esquerda têm cabeças moles e bom coração", ele diz. "As pessoas da direita têm cabeças duras, e..." Ele busca a frase correta. "Corações não tão bons".
É um momento de franqueza para o "superministro da economia" do Brasil, já que o presidente para quem ele trabalha, Jair Bolsonaro, é um capitão reformado do exército, direitista, e visto internacionalmente como uma espécie de protofascista com um fraco por ditaduras militares.
A declaração também é indicativa da amplitude das posições de Guedes, e de sua crença de que Bolsonaro não é o monstro extremista que muita gente no exterior acredita. "Estamos criando uma sociedade aberta ao modo popperiano", ele diz, em uma das diversas menções que fez ao filósofo austríaco Karl Popper –proponente de uma democracia liberal dinâmica– em uma conversa ampla com o Financial Times em seu escritório em Brasília.
"Se os modos de Bolsonaro são bruscos, isso é só aparência. Ele vai ser duro com os bandidos", acrescenta Guedes, citando os 64 mil homicídios acontecidos no Brasil em 2017. Que Popper também seja um dos heróis de George Soros, filantropo liberal odiado por alguns dos etnonacionalistas no séquito de Bolsonaro, é uma ironia que parece escapar a Guedes.
"A ideologia é o verdadeiro inimigo", ele diz. "Já eu sou apenas um cientista fazendo meu trabalho. Cada um tem seu papel". Guedes, economista educado na Universidade de Chicago e bem sucedido administrador de fundos de investimento no Rio de Janeiro, pode ser considerado como o segundo homem mais poderoso do governo brasileiro, com cinco ministérios –fazenda, comércio, trabalho, indústria e desenvolvimento– em sua pasta. E certamente é o mais ativo.
Em contraste, a equipe econômica de Guedes já começou o trabalho em ritmo acelerado, com propostas ambiciosas de reforma. "O Brasil é a oitava maior economia do planeta, mas está em 130º lugar em grau de abertura, perto do Sudão. Também está em 128º lugar em termos de facilidade de fazer negócios. Quero dizer... Jesus Cristo!", ele diz, saltando da cadeira.
Guedes –bronzeado, intenso em sua conversação, e movendo as mãos nos gestos largos característicos dos moradores do Rio de Janeiro– diz que deseja cortar essas posições pela metade em apenas quatro anos, por meio de cortes de gastos, reforma do bizantino código tributário brasileiro, eliminação de burocracia e privatização de ativos estatais.
Nascido em uma família de classe média baixa, Guedes bancou sua educação por meio de bolsas de estudo e conquistou um doutorado em economia pela Universidade de Chicago. Mais tarde, trabalhou no Chile durante a ditadura de Pinochet, e só saiu de Santiago com sua mulher depois de ter surpreendido a polícia secreta revistando seu apartamento.
"O Chile que encontrei era mais pobre do que Cuba e a Venezuela hoje, e os 'Chicago boys' consertaram o país. Hoje o Chile é como a Suíça", ele diz, desconsiderando custos sociais como o desemprego de 21% que o país registrava em 1983. "Isso é asneira", ele diz. "O desemprego já estava lá. Mas estava escondido dentro de uma economia destruída". É uma opinião contenciosa.
De volta ao Brasil, ele se tornou administrador de investimentos, "day trader" ocasional, e colunista prolífico na imprensa. Ele diz ter sido apresentado a Bolsonaro "exatamente um ano e um dia atrás", e que rejeitou diversos convites anteriores para postos no governo; Guedes recorre ao jargão dos operadores de mercado para justificar sua escolha de aceitar o convite do presidente.
"Passei a vida gerando alfa [desempenho superior ao mercado] e vendo sucessivos governos destruírem beta", ele diz. "Agora quero melhorar o beta do Brasil", acrescenta, usando a letra grega que descreve o desempenho subjacente do mercado.
Depois de 20 anos de ditadura e 30 anos de social-democracia, a virada do Brasil para a direita é saudável, ele diz. "Quando os liberais chegam ao poder, isso é boa notícia, não má notícia".
Ainda restam dúvidas, no entanto. E quanto à política social, se considerarmos a desigualdade gritante do Brasil? Será que sua magia do livre mercado se manterá compatível com o liberalismo político, dadas as inclinações aparentemente autoritárias de Bolsonaro?
"Certamente. A Rússia e o Brasil tiveram a glasnost antes da perestroika", ele diz, se referindo a políticas de abertura ou liberalização política e econômica, respectivamente. "As duas coisas são necessárias. Com isso você tem crescimento, e uma classe média que traz estabilidade". O caminho alternativo tomado pelo Brasil conduz a um Estado de rentistas, caracterizado pela corrupção.
"Somos uma democracia perneta", ele diz. "O sistema é corrupto. Por que outro motivo Lula, o político mais popular do Brasil, seria condenado a 13 anos de prisão por acusações de corrupção?"
Ele aponta para um televisor, no qual um noticiário acabava de informar sobre a mais recente condenação do ex-presidente. Luiz Inácio Lula Silva já tinha sido sentenciado a 12 anos de prisão. Os críticos dizem que isso foi obra de um Judiciário manipulado pelos políticos, que queriam excluir o líder esquerdista da eleição e abrir caminho à vitória de Bolsonaro.
Guedes aponta que em lugar disso foi o sistema de compadrio profundamente enraizado na política brasileira que o enredou. A receita para corrigir esse problema é "uma economia propelida pelo mercado e não a economia dirigista fracassada que corrompeu a ordem política". Poucos brasileiros discordariam desse diagnóstico, se levarmos em conta que o país continua a sofrer as consequências da pior recessão e do maior escândalo de corrupção de sua história.
A visão econômica de Guedes é mais Ronald Reagan que Donald Trump, e ele parece realista quanto às limitações políticas. "O presidente [sempre pode dizer] não, os votos são meus". Economista teórico que planeja chegar às estrelas, Guedes aparentemente se satisfaria com atingir a lua, e sabe que a viagem será complicada. "Sim, a economia vai crescer mais rápido. Mas não podemos ser ingênuos. Há muitos danos a consertar".
Financial Times