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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Não foi a antidiplomacia de Bolsonaro que fez o Brasil voltar ao CSNU - Hussein Kalout (OESP)

O retorno do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU: é preciso contar a verdade; leia o artigo


Não foi o governo Bolsonaro que articulou a volta do Brasil ao Conselho de Segurança, e é um acinte dizer que este retrono é um 'eixo da política externa' de um Presidente que sempre desprezou a ONU
       
Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo
03 de janeiro de 2022

“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” – (Mateus 22:21). 

Sobre o retorno do Brasil ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), para o exercício de mandato de dois anos (2022-2023), é preciso contar esse conto por inteiro para preservar a verdade histórica e o apego aos fatos. Mais do que contar a verdade, compele irromper o festival de distorções apregoados pelo Presidente e seu governo em torno desse assunto.

Política externa é política pública complexa e multifacetada, de difícil compreensão pelo público em geral. Normalmente, o debate fica restrito a círculos muito específicos, que, se mal-intencionados, conseguem facilmente manipular e distorcer a natureza do jogo diplomático para fins politiqueiros.

Em vez de explicar os seus intrincados meandros, com a atenção necessária a períodos pretéritos capazes, ao percurso do processo decisório, ao conjunto de ações engendradas e à racional estratégica por trás de cada passo, pode-se facilmente criar percepções imprecisas com base num fato descontextualizado. O resultado é a subversão da verdade.

É direito inalienável do povo, do parlamento e dos centros de conhecimento saberem como se deu, verdadeiramente, o retorno o Brasil ao órgão mais relevante das Nações Unidas. Nesse sentido, urge reestabelecer a verdade, para que aqueles que trabalham com o tema (política externa) não caiam, enfim, em armadilhas retóricas, narrativas fabricadas e distorções interesseiras.

Descortinar a bizarra fábula que vem sendo sustentada pelo Presidente, pelos seus múltiplos auxiliares na área internacional e por alguns meios de comunicação, é imperativo para que as novas gerações saibam o que o Itamaraty fez pelo país no passado-recente – antes da chegada deste desgoverno.

Não foi o governo Bolsonaro que articulou a volta do Brasil ao Conselho de Segurança – clube de elite da cúpula geopolítica da ONU. É estapafúrdia e risível a tese espalhada pelos corredores da República de que o Brasil foi eleito para compor o CSNU como forma de reconhecimento “ao prestígio internacional” do governo de Jair Bolsonaro. É igualmente um acinte sem precedente dizer que a volta do Brasil ao CSNU é um eixo da política externa de um Presidente que sempre desprezou a ONU, tendo ameaçado até mesmo abandonar a organização.

A verdade histórica e os fatos são os seguintes, caros leitores:

1. A escolha de um país para integrar o Conselho de Segurança da ONU se dá por meio de uma “eleição negociada” e rotativa no âmbito de cada um dos cinco Grupos Regionais das Nações Unidas. O Grupo de Países da América Latina e Caribe, conhecido no jargão diplomático de GRULAC (criado em 1964 e formado por 33 Estados Membros), é o foro apropriado onde o Brasil apresenta a sua postulação. Após a escolha regional, a indicação segue para uma ratificação burocrática em votação no âmbito da Assembleia Geral da ONU.

2. Entre 2012 e 2014, no primeiro governo Dilma, o Brasil acabou não apresentando a sua candidatura no âmbito do GRULAC e isso fez com o que o país parasse, por assim dizer, no final da fila. O nosso turno de retornar o Conselho, somente, se daria, lá para 2033 – seria um hiato de 22 anos já que o Brasil ocupara uma das vagas rotativas no biênio 2010-2011.

3. No início do segundo governo Dilma, entre 2015 e 2016, o Itamaraty inicia um processo de diálogo com países da região com o objetivo de encurtar esse hiato. Nesse período, o então ex-chanceler Mauro Vieira, passou a prospectar quais países estariam propensos a ceder ao Brasil a sua vaga mediante apoio para outras posições-chave no âmbito do sistema das Nações Unidas. República Dominicana, São Vicente e Granadinas e Honduras foram identificados como potenciais países.

4. Abriram-se sondagens então com os três países em diferentes estágios e a partir de estratégias específicas. República Dominicana sinalizou que não pretendia ceder a sua posição – face a supostas pressões advindas de Washington. O foco prioritário passou a ser São Vicente e Granadinas. Porém, a crise política no Brasil interrompeu o ciclo de conversas e posteriormente, o país caribenho, que havia recebido forte apoio da Venezuela, decide seguir com a vaga. Restava como opção: Honduras.

5.  Em meados de 2016, o Embaixador Mauro Vieira é indicado pelo governo Temer para assumir o posto de Representante Permanente do Brasil junto à ONU, em Nova York. Assume o Itamaraty o Senador José Serra, por uns nove meses e, posteriormente, é sucedido pelo então Senador Aloysio Nunes Ferreira na chefia da Chancelaria brasileira. Com Aloysio Nunes Ferreira, o processo de negociação com parceiros caribenhos e latino-americanos avança – por volta de abril de 2017. Além de Honduras, outras possibilidades passam a ser estudadas.

6.  Em representação ao GRULAC estariam, a princípio, no CSNU, Bolívia (biênio 2017-2018), República Dominicana (biênio 2019-2020), São Vicente e Granadinas (biênio 2020-2021), México (biênio 2021-2022) e Honduras (biênio 2022-2023). Ao pisar em Nova York para assumir as suas novas funções, o Embaixador Mauro Vieira abre um diálogo direito nos bastidores com a Representante Permanente de Honduras na ONU, Mary Elizabeth Flores Flake, no intuito de testar a flexibilidade política de Tegucigalpa. Ao largo dos meses subsequentes, o diálogo entre Vieira e Flores Flake avança ao ponto em que, a parte hondurenha, revela a intenção do país centro-americano de postular a Presidência da 73˚AGNU.

7. Naquele momento, Honduras cogitava lançar a própria Flores Flake para a Presidência da Assembleia Geral da ONU – mandato que se estenderia de setembro de 2018 à setembro de 2019 – e, para que a empreitada hondurenha ganhasse robustez, o apoio do Brasil no âmbito da América Latina se caracterizava como indispensável.

8. No primeiro trimestre de 2018, o diálogo nos bastidores entre Brasil e Honduras ganha concretude e após intenso processo de negociação, a chancelaria brasileira decide franquear o seu apoio a Honduras em troca da vaga para o CSNU. Selado o acordo, em junho de 2018, Flores Flake disputa a Presidência da 73˚AGNU com a então chanceler do Equador, María Fernanda Espinosa, que acaba levando o pleito.

9. É importante sublinhar que o Brasil não teve que disputar com nenhum outro país do GRULAC a vaga para o CSNU para o biênio 2022-2023. O acordo selado entre Brasil e Honduras, em 2018, foi respaldado e respeitado por todos os países latino-americanos e caribenhos. Quando, em junho de 2021, o Brasil teve a sua indicação confirmada pela Assembleia Geral, o país era candidato único do GRULAC para a vaga. Tratava-se de um regresso ao Conselho de Segurança com o cronômetro rodando em contagem regressiva e com data certa para se concretizar. Ou seja, não se tratou de diretriz nenhuma do governo Bolsonaro.

Infinitas inverdades sobre supostas “conquistas da política externa” hão de emergir neste ano eleitoral – decisivo para o futuro do Brasil. No mercado da ilusão, a usina de mentiras venderá para quem quiser crer, uma “política externa equilibrada”, enquanto o Brasil segue implementando a mesma política destrutiva no campo das relações internacionais. O padrão de voto do Brasil nos foros multilaterais segue sendo hoje o mesmo do início do governo em praticamente todas as áreas. Afinal, o Presidente é o mesmo, o governo é o mesmo e a “política externa” é, portanto, a mesma (com retoques cosméticos aqui ou ali no discurso. Uma mudança na estampa e não na essência).

Convém não esquecer que o governo Bolsonaro desmoralizou até a medula o nome do Brasil no sistema multilateral ao longo de seus três anos de governo – não apenas por atacar as próprias instituições do sistema das Nações Unidas, mas, por tentar, permanentemente, desacreditá-las.

Política de Estado não se faz com retóricas vazias, distorções dos fatos ou via “marquetagem infanto-juvenil”, seja para subverter a verdade, a história ou para contar um monte de contos da carochinha – sobre este e tantos outros temas. O fato é que a antecipação do retorno do Brasil ao CSNU abrangeu dois governos (Dilma e Temer) e foi realizado de forma meticulosa, silenciosa e estratégica, ao largo de quatro anos (2015-2018), em defesa do interesse nacional. Diga-se de passagem, aliás, que a agressividade do governo Bolsonaro contra o multilateralismo e especialmente contra vários países da América Latina colocaram todo o trabalho feito sob enorme risco. O Brasil acabou eleito porque os demais países respeitam acordos firmados e tradições, ou seja, fomos eleitos não por causa do atual governo, que nada teve a ver com a história, mas apesar desse governo.

No charlatanismo diplomático do governo apenas acredita quem quer!

* HUSSEIN KALOUT, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais, e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018).

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,o-retorno-o-brasil-ao-conselho-de-seguranca-da-onu-e-preciso-contar-a-verdade-leia-o-artigo,70003940455

Há uma guerra civil no horizonte dos EUA? - David H. Freedman (Newsweek)

 Newsweek, Nova York – 29.12.2021

Millions of Angry, Armed Americans Stand Ready to Seize Power If Trump Loses in 2024

David H. Freedman

 

Mike Wompus" Nieznany is a 73-year-old Vietnam veteran who walks with a cane from the combat wounds he received during his service. That disability doesn't keep Nieznany from making a living selling custom motorcycle luggage racks from his home in Gainesville, Georgia. Neither will it slow him down when it's time to visit Washington, D.C.—heavily armed and ready to do his part in overthrowing the U.S. government.

Millions of fellow would-be insurrectionists will be there, too, Nieznany says, "a ticking time-bomb" targeting the Capitol. "There are lots of fully armed people wondering what's happening to this country," he says."Are we going to let Biden keep destroying it? Or do we need to get rid of him? We're only going to take so much before we fight back." The 2024 election, he adds, may well be the trigger.

Nieznany is no loner. His political comments on the social-media site Quora received 44,000 views in the first two weeks of November and more than 4 million overall. He is one of many rank-and-file Republicans who own guns and in recent months have talked openly of the need to take down—by force if necessary—a federal government they see as illegitimate, overreaching and corrosive to American freedom.

The phenomenon goes well beyond the growth of militias, which have been a feature of American life at least since the Ku Klux Klan rose to power after the Civil War.Groups like the Proud Boys and the Oath Keepers, which took part in the January 6thriot at the Capitol and may have played organizational roles, have grown in membership. Law enforcement has long tracked and often infiltrated these groups. What Nieznany represents is something else entirely: a much larger and more diffuse movement of more-or-less ordinary people, stoked by misinformation, knitted together by social media and well-armed. In 2020, 17 million Americans bought 40 million guns and in 2021 were on track to add another 20 million. If historical trends hold, the buyers will be overwhelmingly white, Republican and southern or rural.

America's massive and mostly Republican gun-rights movement dovetails with a growing belief among many Republicans that the federal government is an illegitimate tyranny that must be overthrown by any means necessary. That combustible formula raises the threat of armed, large-scale attacks around the 2024 presidential election—attacks that could make the January 6insurrection look like a toothless stunt by comparison. "The idea that people would take up arms against an American election has gone from completely farfetched to something we have to start planning for and preparing for," says University of California, Los Angeles law professor Adam Winkler, an expert on gun policy and constitutional law.

Both Democrats and Republicans are rapidly losing faith in the integrity of U.S. elections. Democrats worry that voter suppression and election interference from Republican state officials will deny millions of Americans their say at the polling booths. A PBS NewsHour/ NPR/ Marist poll in early November reported that 55 percent of Democrats saw voter suppression as the biggest threat to U.S. electionsRepublicans claim, contrary to the evidence, that Democrats have already manipulated vote counts through fraud to steal a presidential election. An October CNN poll found that more than three-quarters of Republicans falsely believe Joe Biden's 2020 election win was fraudulent.

According to the Constitution, Congress and the Supreme Court are supposed to settle those sorts of dueling claims. Given the growing intensity and polarization of political life, would either side accept a decision that handed a contested 2024 election result to the other?

Such a decision would more likely bring tens of millions of protesters and counter-protesters into the streets, especially around the U.S. Capitol and possibly many state capitols, plunging the country into chaos. Although many Democrats might be inclined to demonstrate, a larger percentage of Republican protesters would almost certainly be carrying guns. If the Supreme Court ruling, expected in mid-2022, on New York State Rifle & Pistol Association v. Bruen establishes an unrestricted right to carry a gun anywhere in the country, bringing firearms to the Capitol in Washington, D.C. could be perfectly legal. Says Winkler: "The Supreme Court may be close to issuing the ruling that leads to the overthrow of the U.S. government."

If armed violence erupts the 2024 elections, quelling it could fall to the U.S. military, which may be reluctant to take arms against U.S. citizens. In that case, the fate of the nation might well be decided by a simple fact: a big subset of one of the two parties has for years been systemically arming itself for this very reason.

"I hope it's just too crazy to happen here," says Erica De Bruin, an assistant professor of government at Hamilton College, who studies coups around the world. "But it's now in the realm of the plausible."

Enemy at the Gates

Many Republicans are increasingly coming to see themselves less as citizens represented by the federal government, and more as tyrannized victims of that government. More than three-quarters of Republicans reported "low trust" in the federal government in a Grinnell College national poll in October; only a minority of Democrats agreed. From this point of view, peaceful elections will not save the day. More than two out of three Republicans think democracy is under attack, according to the Grinnell poll, which echoes the results of a CNN poll in September. Half as many Democrats say the same.

Mainstream news publications are filled with howls of protest over political outrages by Republican leaders, who are reflecting the beliefs of the party mainstream. But the small newspapers in the rural, red-state areas that are the core of the Republican party's rank and file are giving voice to a simpler picture: Politics are dead; it's time to fight. "Wake up America!" reads a September opinion piece excoriating Democrats in The Gaston Gazette, based in Gastonia, N.C. "The enemy is at our gates, God willing it is not too late to turn back the rushing tide of this dark regime." The piece goes on to quote Thomas Paine's exhortation to colonists to take up arms against the British. "We are in a civil war," a letter published in September in The New Mexico Sun likewise warns Republicans, "between the traditional Americans and those who want to impose socialism in this country and thus obtain complete government control of its citizens."

Evidence that a significant portion of Republicans are increasingly likely to resort to violence against the government and political opponents is growing. More than 100 violent threats, many of them death threats, were leveled at poll workers and election officials in battleground states in 2020, according to an investigation by Reuters published in September—all those threat-makers whom Reuters could contact identified as Trump supporters. In October 2020, 13 men were charged with plotting to kidnap Michigan Governor Gretchen Whitmer, a Democrat; all of them were aligned with the political right. Nearly a third of Republicans agree that "true American patriots may have to resort to violence in order to save our country," according to a September poll conducted by the Public Religion Research Institute, a non-partisan group. That's three times as many as the number of Democrats who felt the same way.

Guns are becoming an essential part of the equation. "Americans are increasingly wielding guns in public spaces, roused by persons they politically oppose or public decisions with which they disagree," concludes an August article in the Northwestern University Law Review. Guns were plentiful when hundreds of anti-COVID-precaution protestors gathered at the Michigan State Capitol in May 2020. Some of the armed protesters tried to enter the Capitol chamber.

Those who carry arms to a political protest may in theory have peaceful intentions, but there's plenty of reason to think otherwise. An October study from Everytown for Gun Safety and the Armed Conflict Location and Event Data Project (ACLED) looked at 560 protests involving armed participants over an 18-month period through mid-2021, and found that a sixth of them turned violent, and some involved fatalities.

One indication of how far Republicans may be willing to go in violently opposing the government is their sanguine reaction to the January 6 insurrection at the U.S. Capitol. Republicans by and large see no problem with a mob of hundreds swarming and forcing their way into the seat of American government. Half of Republicans said that the mob was "defending freedom," according to a CBS/YouGov poll taken just after the insurrection. Today two-thirds of Republicans have come to deny that it was an attack at all, according to an October survey by Quinnipiac University. "There's been little accountability for that insurrection," says UCLA's Winkler. "The right-wing rhetoric has only grown worse since then."

Most Republican leaders are circumspect when it comes to supporting violence against the government, but not all. Former Milwaukee County Sheriff David Clarke, a controversial character who remains popular among many Republicans, reportedly told an enthusiastic gathering of Trump supporters in October that if and when a "serious" insurrection springs up, "there's very little you're going to be able to do about it."

 

Georgia Representative Marjorie Taylor Greene, another prominent Republican popular with the rank and file, opined that the January 6insurrectionists were simply doing what the Declaration of Independence tells true patriots to do, in that they were trying to "overthrow tyrants." The real threat to democracy, she added, are Black Lives Matter protesters and Democratic "Marxist-communist" agents. Greene and Representative Madison Cawthorn, a Republican from North Carolina, have referred to some of the insurrectionists as "political prisoners."

Trump himself, of course, has nurtured a constant undercurrent of violence among his supporters from the beginning of his first presidential campaign. In 2016 he publicly stated he could shoot someone in the street without losing any of his political support, and he went on to encourage attendees at his rallies to assault protesters and journalists. When demonstrators at a rally in Miami were being dragged away, Trump warned that next time "I'll be a little more violent." At a 2016 rally in Las Vegas, he openly complained to the crowd that security wasn't being rough enough on a protester they were removing. "I'd like to punch him in the face, I'll tell you," he said.

 

Para acessar a íntegra:

https://www.newsweek.com/2021/12/31/millions-angry-armed-americans-stand-ready-seize-power-if-trump-loses-2024-1660953.html

Daria para acelerar a marcha da história? - Paulo Roberto de Almeida

 Começo o ano de 2022, desejando, na verdade, já estar em 2023. 

Qualquer coisa que aconteça doze meses adiante, qualquer gajo que assuma a presidência, um ano à frente, não conseguirá, mesmo que tente, reproduzir os anos loucos dos novos bárbaros, em especial este último ano do degenerado. Acelera máquina do tempo!

Vamos apressar o término da boçalidade ambiente, da miséria cultural, da estupidez cultuada como governança, da notória incompetência erigida por ineptos como se fosse política de Estado, do retrocesso generalizado como norma, do adesismo oportunista da milicada aproveitadora, da destruição do ensino e da pesquisa e da crueldade evidente no lugar das políticas de saúde pública.

Quero fazer rodar mais rápido o relógio do tempo, para fazer cessar o sofrimento mental de ter uma cavalgadura, cercada por meliantes da política, no comando da nação. Nada é mais humilhante para um diplomata do que ter um sujeitinho tão desprezível conspurcando a imagem do Brasil no plano internacional.

Paulo Roberto de Almeida

3/01/2022


segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

O amor é uma falácia - Max Schulman

 

segunda-feira, junho 14, 2010

O amor é uma falacia -- Max Schulman

Tenho escrito e publicado uma série de ensaios, de caráter normalmente econômico e sociológico, sobre o que se pode chamar de "falácias acadêmicas", ou seja, equívocos conceituais e erros de avaliação cometidos por representantes da academia, bem mais, obviamente, nas áreas de humanidades e ciências sociais aplicadas do que nas de ciências naturais e exatas, para as quais não estou habilitado.
Nas áreas de humanas, contudo, é enorme o número de erros -- deliberados e involuntários -- cometidos por pessoas mal informadas (sempre se pode desculpar a ignorância, ainda que um professor universitário tenha a obrigação de pesquisar e de se manter bem informado; é o mínimo que se espera dele) ou de má fé (o que é, evidentemente, indesculpável, pois já revela disposição em enganar os outros, em nome de não se sabe qual interesse material ou ideológico).
Essas minhas falácias "sérias" -- se ouso dizer -- podem ser encontradas neste link de meu site: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/FalaciasSerie.html

O que segue abaixo é bem diferente, e se trata apenas de uma brincadeira, ainda que uma brincadeira séria (se existe seriedade nas coisas do amor, sempre tão associadas a angústias e preocupações de não correspondência), mas cujo único propósito é o de distrair um pouco os leitores da aridez de muitos textos que se apresentam por aqui...
Paulo Roberto de Almeida 

O AMOR É UMA FALÁCIA
Adaptação de um texto de Max Schulman

Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto – era tudo isso – e acreditem - modesto. Tinha o cérebro poderoso como um motor de Fórmula 1, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha - imaginem só - apenas 18 anos. Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Peter Johnson.
Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma vaca. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar-se a alguma idiotice só porque os outros a seguem, isto, para mim, é o cúmulo da insensatez. Peter, no entanto, não pensava assim.
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: Apendicite!
- Não se mexa. Não tome laxante. Vou chamar o médico.
- Marmota... - balbuciou ele.
- Marmota? - disse eu interrompendo minha corrida.
- Quero um casaco de pele de marmota - gemeu ele.
Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.
- Por que você quer um casaco de pele de marmota?
- Eu devia ter adivinhado - gritou ele, dando tapas na própria cabeça. 
- Devia ter adivinhado que esta moda ia voltar. Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar um casaco de pele de marmota!
- Quer dizer - perguntei incrédulo - que estão mesmo usando casacos de pele de marmota outra vez?
- Todas as Pessoas Importantes da Universidade estão. Onde você tem andado?
- Na biblioteca, lógico! - respondi, citando um lugar não muito freqüentado pelas Pessoas Importantes da Universidade.
Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto.
- Preciso conseguir um casaco de pele de marmota. - Preciso!
- Por que, Peter? Veja a coisa de maneira racional. Pense! Casacos de pele de marmota são anti-higiênicos. Soltam pêlos. Cheiram mal. Juntam ácaros. Juntam pó. São pesados, são feios, são...
- Você não compreende - interrompeu ele com impaciência. - É o que todos estão usando. Você não quer andar na moda?
- Não - respondi sinceramente.
- Pois eu, sim! - declarou ele. - Daria tudo para ter um casaco de pele de marmota. Tudo!
Aquele instrumento de precisão, meu poderoso cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
- Tudo? - perguntei, examinando seu rosto com os olhos semicerrados.
- Tudo! - confirmou ele, em um tom dramático.
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar um casaco de pele de marmota. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora esquecido dentro de um baú, no porão de nossa casa. E, também por acaso, Peter tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua pequena, Polly Stein.
Eu há muito desejava Polly Stein. Apresso-me a esclarecer que meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvidas, despertava paixões. Era daquelas que decretavam feriado nacional por onde quer que passasse. Todos paravam para vê-la passar. Até mesmo (ou principalmente) as mulheres, se corroendo de inveja... mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Polly para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais.
Cursava eu o primeiro ano de Direito. Dali a algum tempo estaria me iniciando na profissão. Eu sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Polly preenchia perfeitamente todos esses requisitos.
Ela era linda. Graciosa também era. Por graciosa, quero dizer, cheia de graças sociais. Finíssima! Tinha o porte ereto, a naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. À mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a especialidade da casa - um sanduíche que continha pedaços de carne assada, molho, castanhas e repolho - sem nem sequer umedecer os dedos.
Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava que, sob minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos, valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita.
- Peter! - perguntei - você ama Polly Stein?
- Acho-a uma boa garota - respondeu - mas não sei se chamaria isso de amor.
Por quê?
- Você - continuei - tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro?
- Não. Ficamos juntos, quase sempre, mas saímos os dois com outros também. Por quê?
- Existe alguém - perguntei - algum outro homem de quem ela goste de maneira especial?
- Que eu saiba, não. Por quê?
- Fiz que sim, com a cabeça, satisfeito.
- Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isto?
- Acho que sim, bolas. Que papo estranho é esse?
- Nada, nada - respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário.
- Onde é que você vai? - quis saber Peter.
- Passar o fim-de-semana em casa.
Atirei algumas roupas dentro da mala.
- Escute - disse Peter, apegando-se com força ao meu braço - em casa, será que você não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar um casaco de pelo de marmota?
- Posso até fazer mais do que isso - respondi, piscando o olho misteriosamente. Volto na segunda.
Fechei a mala e saí. O final de semana demorou a passar. Eu estava ansioso para encontrar Peter na segunda.
- Olhe - disse a Peter, ao voltar na segunda-feira pela manhã.
Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara em seu tempo de universidade.
- Santo Pai! - exclamou Peter, com reverência. Mergulhou as mãos no pelo do casaco, e depois o rosto.
- Santo Pai! - repetiu umas quinze ou vinte vezes.
- Você gostaria de ficar com ele? - perguntei.
- Sim, sim! - gritou ele, apertando a coisa sebosa contra o peito. 
Em seguida, seus olhos tomaram um ar precavido. 
- O que você quer em troca?
- A sua namorada - disse eu, não desperdiçando as palavras.
- Polly? - sussurrou Peter, horrorizado. - Você quer a Polly?
- Isto mesmo... Ele jogou o casaco para longe. - Nunca! - declarou resoluto.
Dei de ombros.
- OK. Se você não quer andar na moda, o problema é seu...
Sentei numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Peter, com o rabo dos olhos. Aquele era um homem partido em dois. Primeiro olhava para o casaco, com a expressão de uma criança de rua à porta de um Mc Donalds. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois, voltava a olhar para o casaco, com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois, virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo aumentando, a resolução “despencando”. Finalmente não se virou mais; ficou olhando para o casaco com pura lascívia. O desejo falara mais alto.
- Não é como se eu estivesse apaixonado por Polly - balbuciou. - ou mesmo a namorando, ou coisa parecida.
- Isso mesmo - murmurei.
- Afinal, Polly significa o que para mim, ou eu para ela?
- Nada - respondi.
- Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco, só isso... ficamos, às vezes.
- Experimente o casaco - disse eu.
Ele obedeceu. O casaco cobria as orelhas e caía até os sapatos. Ele parecia um monte de marmotas mortas. Pensando bem, não tinha jeito das marmotas estarem vivas.
- Serve perfeitamente. - disse, contente.
Levantei da cadeira e perguntei, estendendo a mão:
- Negócio feito?
- Feito - disse ele engolindo em seco e apertando a minha mão.
Saí com Polly pela primeira vez na noite seguinte. O primeiro programa teria o caráter de uma pesquisa preparatória. Eu desejava avaliar o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para um jantar.
- Puxa, que jantar bacana! - disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao cinema.
- Puxa, que filme bacana! - disse ela, quando saímos do cinema. 
Levei-a para casa.
- Puxa, foi um programa bacana. - disse ela ao me desejar boa noite.
Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça parecia aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento a que eu me propusera era simplesmente gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Peter. Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos, no olhar de inveja que ela despertava nos homens e mulheres quando “desfilava” pelos corredores da universidade, na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca e um garfo, e aí, decidi tentar novamente.
Procedi, com sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de Lógica. Acontece, que como estudante de Direito, eu freqüentava na ocasião aulas de Filosofia e de Metodologia Científica, e portanto, tinha tudo na ponta da língua.
- Polly - disse eu, quando a fui buscar para o nosso segundo programa. Esta noite iremos até o parque conversar.
- Oh, que bacana! - respondeu ela.
Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo.
Fomos até o parque, o local de encontros da Universidade, nos sentamos debaixo de um velho carvalho, e ela me olhou cheia de expectativa.
- Sobre o que vamos conversar? - perguntou.
- Sobre Lógica.
Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou:
- Bacana! Bacana!
- A Lógica - comecei, limpando a garganta - é a ciência do pensamento. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos abordar hoje.
- Bacana! - exclamou ela, batendo as palmas de alegria, com a mesma expressão de perspicácia que se esperaria de uma foca diante da possibilidade de ganhar um peixe. Fiz uma careta de desânimo, mas segui em frente, com coragem.
- Vamos primeiro examinar uma falácia chamada Dicto Simpliciter.
- Vamos - animou-se ela, piscando os olhos com animação.
- Dicto Simpliciter quer dizer um argumento baseado numa generalização não qualificada. Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.
- Eu estou de acordo - disse Polly, fervorosamente. - Quer dizer, o exercício é maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.
- Polly - disse eu, com ternura - esse argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é ruim. Muitas pessoas têm ordens de seus médicos para não se exercitarem. É preciso qualificar a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom pra maioria das pessoas. Senão, está se cometendo um Dicto Simpliciter. Compreendeu?
- Não - confessou ela. - Mas isto é bacana. Quero mais. Quero mais! Fala! Fala!
- Será melhor se você parar de puxar a manga do meu casaco - disse eu e, quando ela parou, continuei... 
- Em seguida, abordaremos uma falácia muito comum chamada Generalização Apressada. Ouça com atenção: você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Peter Johnson não sabe falar francês. Devo portanto concluir que ninguém na Universidade sabe falar francês.
- É mesmo? - espantou-se Polly.- Ninguém? Nem uma pessoa?
Reprimi a minha impaciência...
- É uma falácia, Polly. Essa generalização foi feita de maneira apressada. Não há exemplos suficientes para justificar essa conclusão. 
Ela sorriu, encantadora... mas que cara de retardada - pensei.
- Você conhece outras falácias? - perguntou ela, animada. - Isto é até melhor do que dançar!
- Esforcei-me por conter uma onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava conseguindo nada com aquela moça. Absolutamente nada! Mas não sou outra coisa senão persistente. Quase teimoso. Continuei ...
- A seguir, vem o Post-Hoc. Ouça: não vamos levar Bill conosco ao piquenique. Toda vez que ele vai junto, começa a chover.
- Eu conheço uma pessoa exatamente assim. - exclamou Polly. Uma moça da minha cidade, Eula Becker. Nunca falha. Toda a vez que ela vai junto a um piquenique...
- Polly, interrompi com energia. – Isso é uma falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva. Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendo em Post-Hoc se puser a culpa na Eula Becker.
- Nunca mais farei isso. - prometeu ela contrita. - você está bravo comigo?
- Não, Polly. - suspirei - não estou bravo.
Talvez fosse mais fácil ensinar Lógica a um chimpanzé – pensei...
- Então conte outra falácia – pediu Polly.
- Muito bem. Vamos experimentar as Premissas Contraditórias. Se Deus pode fazer qualquer coisa, então pode criar uma pedra tão pesada que Ele mesmo não conseguirá levantar!
- É claro. - respondeu ela imediatamente.
- Mas, se Ele pode fazer tudo, então Ele também pode levantar a pedra - exclamei.
- É mesmo - disse ela pensativa. 
- Bem, então, acho que Ele não pode fazer a tal pedra.
- Mas Ele pode fazer tudo - lembrei-lhe.
Ela coçou sua cabeça linda e vazia. Aquele cérebro poderia ser vendido como “Zero Quilômetros”... jamais fora usado!
- Estou confusa - admitiu.
- É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu?
- Não – mas conte outra destas histórias bacanas. Estou adorando! - disse Polly entusiasmada.
Consultei o relógio.
- Acho melhor pararmos por aqui. Levarei você para casa, e lá você pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã à noite. 
Depositei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente bacana, e voltei completamente desanimado para o meu quarto. Peter roncava sobre sua cama, com o casaco de pele de marmota encolhido a seus pés como um enorme animal cabeludo. Por alguns segundos, brinquei com a idéia de acordá-lo e dizer que podia ter sua namorada de volta. 
Era evidente que meu projeto estava condenado ao fracasso. Aquela moça tinha, simplesmente, uma cabeça totalmente à prova de lógica.
Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido, que era a mente de Polly, algumas “brasas” de inteligência ainda estivessem vivas? Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejassem... As perspectivas não eram das mais animadoras, mas acabei decidindo e tentei outra vez.
Sentado sob o mesmo carvalho, na noite seguinte, disse:
- Nossa primeira falácia desta noite se chama Ad Misericordiam.
Ela estremeceu de emoção.
- Ouça com atenção - comecei. 
- Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais são as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e seis filhos em casa, que a mulher é aleijada, as crianças não têm o que comer, não têm o que vestir, nem o que calçar, a casa não tem camas, não há carvão no porão e o inverno se aproxima.
Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Polly.
- Isso é horrível, horrível! – soluçou, quase chorando.
- É horrível - concordei - mas não é argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre suas qualificações. Em vez disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia do Ad Misericordiam. Compreendeu?
- Você tem um lenço? - pediu ela, entre soluços.
Dei-lhe o lenço e fiz o possível para não gritar de desespero, enquanto ela enxugava os olhos.
- A seguir - disse, controlando o tom da minha voz - discutiremos a Falsa Analogia. Eis um exemplo: deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante as provas. Afinal, os cirurgiões levam radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas e projetos que os orientam na construção de uma casa. Por que, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?
- Pois olhe - disse ela entusiasmada - esta é a idéia mais bacana que eu já ouvi na minha vida! Você é um gênio!
- Polly - disse eu com impaciência - o argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo testes para ver o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas. Não tem jeito de comparar uma situação com a outra, entendeu?
- Continuo achando a idéia bacana. - disse Polly.
- Bolas! - murmurei. E prossegui, persistente (fazendo uma meia careta) . A seguir, tentaremos a falácia Hipótese Contrária ao Fato.
- Ah! Essa parece ser boa - foi a reação de Polly.
- Ouça: se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa gaveta junto com uma pitada de pechblenda, nós hoje não saberíamos da existência do elemento químico Rádio. Graças a essa descoberta, hoje sabemos o que é radioatividade!
- É mesmo, é mesmo! Brilhante! - concordou Polly, sacudindo vigorosamente a cabeça. 
- Você viu o filme? Eu fiquei louca com aquele filme. Aquele ator, o Walter Pidgeon é tão bacana! Ele me fez vibrar!
- Se você conseguir esquecer o Sr. Pidgeon por alguns minutos - disse eu friamente - gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie poderia ter descoberto o Rádio de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa poderia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese baseada no acaso e tirar dela qualquer conclusão lógica.
- Eles deveriam botar o Walter Pidgeon em mais filmes - disse Polly. Eu quase não o vejo no cinema. Ele é lindo!
A impaciência voltou a me torturar. Como um ser humano pode ser tão ignorante? – pensei. Mais uma tentativa! - decidi. Mas só mais uma. A ultima! Há um limite ao que um homem pode suportar.
- A próxima falácia é chamada Envenenar o Poço.
- Que bonitinho! - deliciou-se Polly.
- Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levanta e diz: "Meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só palavra do que ele disser". Agora, Polly, pense bem. O que está errado?
Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência - o primeiro que eu vira - surgiu em seus olhos.
- Não é justo! - disse ela com indignação – Isso não é nada justo. Que chance tem o segundo homem se o primeiro diz que é um mentiroso, antes mesmo dele começar a falar?
- Exato! - gritei exultante. - Cem por cento exato! Não é justo. O primeiro homem envenenou o poço antes que os outros pudessem beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar... Polly, estou orgulhoso de você! 
- Ora - murmurou ela, ruborizando de prazer.
- Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo que aprendemos até agora.
- Vamos lá - disse ela, com um abano distraído de mão. Animado pela descoberta de que Polly não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo que dissera até ali. Sem parar, citei exemplos, apontei falhas, martelei “lógica” sem dar tréguas. Era como cavar um túnel. A princípio, apenas trabalho, suor e escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz, ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, cavouquei até com as unhas, e finalmente fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que, finalmente, o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo. Polly finalmente parecia ter sido apresentada ao “conhecimento”.
Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Polly em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Somente agora ela estava apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões, uma mãe adequada para meus filhos privilegiados.
Não se deve deduzir que eu não sentisse amor pela moça. Muito pelo contrário. Na mitologia grega, Pigmalião amava a mulher perfeita que moldara para si; eu também amava a minha doce Polly, que moldei com o suor do meu conhecimento. Decidi comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar nossas relações, de acadêmicas para românticas.
- Polly - disse eu, na próxima vez em que nos sentamos sob aquele mesmo carvalho – hoje não falaremos de falácias.
- Puxa! - disse ela, desapontada.
- Minha querida - prossegui, favorecendo-a com um sorriso - hoje é a sexta noite em que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.
- Generalização Apressada - exclamou ela alegremente.
- Perdão - disse eu.
- Generalização Apressada - repetiu ela. - Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?
Dei uma risada, divertido. Aquela criança adorável aprendera bem suas lições.
- Minha querida - disse eu, dando um tapinha tolerante em sua mão – cinco encontros são o bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.
- Falsa Analogia - disse Polly prontamente - Eu não sou um bolo, sou uma pessoa. Não se pode comparar duas situações completamente diferentes e chegar à uma conclusão análoga!
Dei outra risada, mas agora já não tão divertida. Essa criança adorável talvez tivesse aprendido sua lição bem até demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto meu cérebro privilegiado selecionava as palavras adequadas. Depois comecei:
- Polly, eu a amo. Você é tudo no mundo para mim... é a lua e as estrelas... as constelações no firmamento. Por favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão minha vida não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei a comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma de olhos vazios... 
Pronto! - pensei, está liquidado o assunto. Agora ela cai em meus braços!
- Ad Misericordiam - disse Polly.
Cerrei os dentes. Eu não era mais o Pigmalião da mitologia; era o Dr. Frankenstein, e o monstro que eu havia criado me tinha pela garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava me invadir. Era preciso manter a calma a qualquer preço.
- Bem, Polly - disse eu, forçando um sorriso. - não há dúvidas que você aprendeu bem as falácias.
- Aprendi mesmo - respondeu ela, inclinando a cabeça com vigor.
- E quem foi que as ensinou a você, Polly?
- Foi você.
- Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia...
- Hipótese Contrária ao Fato - disse ela sem pestanejar. Eu poderia descobrir através de outra pessoa, ou até mesmo sozinha, algum dia. Não se pode tirar conclusões definitivas baseadas em acasos.
Enxuguei o suor do rosto, já lívido – o desespero afigurava-se nítido em meus olhos.
- Polly - insisti, com voz rouca - você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.
- Dicto Simpliciter. - brincou ela, sacudindo o dedo na minha direção. Quer que eu diga o porquê?
Foi o bastante! Levantei-me num salto, berrando como um touro indomável.
- Você vai ou não vai me namorar? - trovejei.
- Não, eu não vou - respondeu ela.
- Por que não? – exigi uma resposta.
- Porque hoje à tarde prometi a Peter Johnson que seria a namorada dele.
Quase caí para trás, fulminado por tamanha infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos negócio, depois de apertar a minha mão!
- Aquele rato! - gritei chutando a grama. - Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. Um traidor. Um rato.
- Envenenar o Poço - disse Polly. E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia.
Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei minha voz.
- Muito bem - disse. Você é uma lógica. Vamos olhar as coisas de maneira lógica então. Como pode preferir Peter Johnson? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um homem com o futuro assegurado. E veja Peter: um maluco, um boa-vida, um sujeito que nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Peter Johnson?
- Posso, sim. - declarou Polly. 
- Ele usa um casaco de pele de marmota.

FIM.

Itamaraty nomeia braço direito de Ernesto para cargo nos EUA em manobra à la Weintraub - Guilherme Seto (FSP)

 O tal chefe de gabinete do patético ex-chanceler acidental, e o seu chefe submisso ao Rasputin de Subúrbio foram responsáveis por grandes desatinos no Itamaraty, o segundo por desvios inaceitáveis na política externa, sob as ordens do inacreditavelmente estúpido chefe antidiplomático.

Paulo Roberto de Almeida

Itamaraty nomeia braço direito de Ernesto para cargo nos EUA em manobra à la Weintraub

Pedro Wollny, criticado por diplomatas, não participará mais do dia a dia do ministério
Guilherme Seto 
Folha de S. Paulo, Painel, 2.jan.2022 às 22h35

O Itamaraty nomeou o braço direito do ex-chanceler Ernesto Araújo, Pedro Wollny, para o cargo de chefe do escritório financeiro em Nova York. 
Ele foi chefe de gabinete de Araújo e, com Carlos França, tornou-se secretário de gestão administrativa, um cargo importante na hierarquia da pasta e que deixou em setembro.

A mudança de Wollny para os EUA, oficializada no Diário Oficial em 30 de dezembro, foi interpretada como saída similar à que o governo deu a Abraham Weintraub, que deixou o Ministério da Educação e ganhou cargo no Banco Mundial.

Afastado do núcleo decisório, Wollny não terá mais influência no dia a dia do ministério, lidará com questões burocráticas e não deverá receber autoridades internacionais em Nova York.

Um dos diplomatas ouvidos pela Folha descreveu a função como "prebenda de luxo".

A atuação de Wollny como chefe de gabinete foi bastante criticada por diplomatas e foi descrita como autoritária.

Em dezembro de 2020, por exemplo, ele cobrou por meio de mensagens de WhatsApp a presença física de diplomatas no Ministério das Relações Exteriores durante a pandemia da Covid-19, como mostrou o jornal O Globo.

https://www.google.com.br/amp/s/www1.folha.uol.com.br/amp/colunas/painel/2022/01/itamaraty-nomeia-braco-direito-de-ernesto-para-cargo-nos-eua-em-manobra-a-la-weintraub.shtml


José Murilo de Carvalho sobre o Bicentenário

 Basicamente correto, com alguns deslizes econômicos: a desigualdade certamente é uma das tragédias brasileiras mais relevantes, consequências do regime oligárquico transformado, no qual vivemos há 509 anos. Mas a desigualdade seria certamente menor se tivéssemos mais educação e menos pobreza e oligarquias.

Alta taxação sobre os rendimentos dos muito ricos pode não significar maior redistribuição de renda e menor desigualdade social se o padrão oligárquico-corporativista do Estado brasileiro continuar como é hoje o nosso caso, no qual o antigo patrimonialismo de extração lusitana se converteu praticamente num patrimonialismo gangsterista.

Paulo Roberto de Almeida 

200 anos de Independência do Brasil: pouco a celebrar, muito a questionar 

JOSÉ MURILO DE CARVALHO 

O Estado de S. Paulo,  2/01/2022


Olhando para a frente, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza      

O Brasil não tem sorte com seus centenários. O primeiro, em 1922, teve de conviver com os restos da devastação causada pela gripe espanhola, chegada ao País em 1918. Calculam-se em cerca de 35 mil as mortes causadas no País, concentradas no Rio de Janeiro e São Paulo. Entre elas não estava, como se costuma afirmar, o presidente eleito, Rodrigues Alves, embora tenha morrido antes de assumir. O ano de 1922 foi ainda marcado pela primeira revolta tenentista e pela decretação do estado de sítio pelo presidente Epitácio Pessoa, destinada a garantir a posse do presidente eleito, Artur Bernardes. Nas celebrações, destacou-se a Exposição Internacional de que participaram 14 países. O segundo centenário, a ocorrer ano que vem, virá na cauda de outra pandemia, a da covid-19, chegada ao País em 2020 e que já matou cerca de 620 mil brasileiros, embora também sem matar presidente. Junto com a pandemia, temos hoje um país às voltas com um tumultuado mandato presidencial que gerou dúvidas sobre a solidez de nossa jovem democracia e, mais ainda, com o imenso drama social do desemprego, da desigualdade, da exclusão, da fome. Até agora, não há indicação de que haverá alguma importante celebração oficial, ficando os registros da efeméride a cargo da mídia, das instituições e do meio acadêmico.

Nesses registros, naturalmente, haverá retomadas de temas estritamente históricos, mas é importante que sejam também usados como oportunidade para uma avaliação dos 200 anos de nossa vida independente. Quero dizer com isto examinar a natureza do percurso feito, verificar onde acertamos, onde erramos e como chegamos à situação atual. Baseados neste exame podemos também perguntar sobre o que nos pode esperar no futuro próximo. Mao Tsé-tung dizia ser ainda cedo para avaliar adequadamente o impacto da Revolução Francesa. Para nós, no entanto, que sofremos de Alzheimer coletivo, dois séculos já são tempo suficiente para fazermos um balanço do que fizemos e perscrutarmos nosso futuro próximo.

As mudanças nesses 200 anos foram enormes. Passamos de um país de cerca de 5 milhões de habitantes, dos quais um milhão de escravos e 800 mil indígenas, para outro de 214 milhões; de um país com cerca de 10% de população urbana em 1822 para outro de 85% hoje; de um país de economia totalmente agrícola em 1822 para outro com larga participação industrial hoje; de uma população formada exclusivamente por indígenas, africanos e lusos para outra muito mais diversificada pela entrada de italianos, espanhóis, alemães, sírios, libaneses, japoneses; de uma população concentrada na região costeira para outra que cobre todo o território nacional. No entanto, todos os analistas que se encarregaram do tema de nossa trajetória, como Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Viana, Nestor Duarte, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre, Roberto DaMatta, entre outros, reconhecem que há mais continuidades do que rupturas. Somos um país sem revoluções. O que chamamos de revolução, como a de 1930, não passou de ajustes entre grupos dirigentes. O povo só entrou no sistema político a partir da segunda metade do século 20, tendo sido logo contido por uma ditadura.

Quando falo do drama social que desautoriza celebrações me refiro, naturalmente, ao problema da  desigualdade, que é de todos conhecido, mas sobre o qual, a meu ver, mais se fala do que se faz. Lembro alguns dados de amplo conhecimento. Segundo dados do IBGE, o auxílio emergencial criado para atender os mais necessitados, adicionado aos recursos do agora extinto Bolsa Família, abrangeu cerca de cem milhões de pessoas, quase a metade da população. Somos o oitavo país mais desigual do mundo e ocupamos a 84.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2010, o 1% mais rico da população detinha 44% da riqueza nacional. Ao mesmo tempo, há três décadas, estamos crescendo a taxas medíocres incapazes de gerar os empregos necessários e viabilizar políticas sociais mais substanciais. No entanto, apesar de termos uma das mais altas franquias eleitorais do mundo ocidental (16 anos), temos sido incapazes de aprovar no Congresso medidas redistributivas de renda, como o aumento do imposto sobre heranças, a taxação de dividendos, a alteração nas faixas do Imposto de Renda. Distribuímos, mas não redistribuímos.

Nossa faixa mais alta de Imposto de Renda é de 27,5%. Nos Estados Unidos, ela é de 37%, no Chile, é de 40%, em Portugal, de 48%, no Japão, de 56%. Estamos acumulando uma enorme massa de desempregados, subempregados e não empregáveis sem perspectiva realista de solucionar o problema. Olhando agora para a frente, mesmo que em prazos mais curtos do que os dos chineses, digamos uns 30 anos, podemos nos perguntar se ainda somos um país viável no sentido de sermos capazes de formarmos uma sociedade includente, sem a enorme marginalização que hoje a caracteriza.

A hipótese pode soar apocalíptica, mas talvez estejamos a brincar, ou a brigar, na praia, alheios ao tsunami que se delineia no horizonte.


Eleições presidenciais de 2022: uma possível plataforma de Ciro Gomes - Nelson Marconi (FSP)

 Ciro Gomes é o candidato que, no momento, apresenta o melhor, talvez o único, programa econômico estruturado e racional. 

Mas, como sabemos, o papel aceita tudo. Seria preciso que não apenas o eleitor comum, mas sobretudo os donos do capital, os representantes do poder político e a classe média comprassem as promessas bonitinhas e aparentemente factíveis do candidato, para que ele tivesse, pelo menos uma vez, a chance de colocar suas ideias em prática.

 Não tenho certeza de que o candidato — mais conhecido por sua metralhadora giratória verbal — seja capaz de convencer gregos e goianos, ou seja, os setores relevantes da opinião pública, para crescer nas preferências eleitorais. Em todo caso, ele deveria ter direito a uma chance nos debates eleitorais, tanto porque é um candidato sério e já provou ser bom administrador. Adelante!

Meu comentário puramente circunstancial ao artigo de Nelson Marconi sobre um possível programa econômico de Ciro Gomes, da série de economistas de candidatos, da FSP.  Merece aprofundamento analítico, mas tem certo estilo Ha-Joon Chang revisitado.

Paulo Roberto de Almeida 


É preciso coragem para mudar o modelo econômico fracassado

Um plano nacional de desenvolvimento pactuado entre os setores público e privado abriria uma nova rota para o crescimento 

Folha de S. Paulo, 2.jan.2022 às 23h15

Nelson Marconi

É professor da FGV-Eaesp, foi coordenador do programa de governo de Ciro Gomes em 2018


A economia brasileira está comendo poeira há muito tempo. Em 1980, nosso PIB per capita era 15 vezes maior que o chinês e 1,6 vez superior ao sul-coreano; em 2020 equivalia, respectivamente, a apenas 79% e 26% do observado nestes países.

O que fizeram os asiáticos? Perceberam que os países mais bem-sucedidos incentivam a indústria e os setores importantes ao redor; logo, ampliaram sua participação no mercado internacional via exportações de manufaturados, usando e abusando de planejamento, boas práticas macroeconômicas, políticas de desenvolvimento científico e tecnológico e educação, focando em áreas estratégicas e sempre defendendo os interesses de seus países.

Por aqui, entregamos nosso mercado interno, de mão beijada, via moeda apreciada, aos produtores de outros países, sem expandir as exportações de manufaturados; enquanto as vendas no varejo, descontada a inflação, hoje são o dobro do que eram em 2003, a produção industrial está no mesmo patamar de 2005.

Criaram-se todas as dificuldades possíveis para os produtores locais eficientes atuarem nos mercados interno e externo: além do câmbio, juros altos, estrutura tributária distorcida, políticas industriais ineficazes, investimento insuficiente em educação e ciência e tecnologia e má qualidade dos gastos públicos.

Como resultado, nos desindustrializamos e hoje sentimos a pior consequência deste processo: deixamos de gerar bons empregos e as pessoas estão tendo que se virar na informalidade, em ocupações muito mais precárias, e o PIB per capita do Brasil atual é igual ao de 2010. Perdemos 11 anos.

É possível reverter esse cenário e voltarmos a gerar bons empregos, que é um de nossos objetivos principais, e estimular o real empreendedorismo? Certamente que sim! Precisamos investir mais em educação? Lógico, e o Ceará de Ciro Gomes e seus sucessores é um exemplo mundial. Precisamos participar mais do comércio internacional? Sim, mas estimulando as exportações, e não aniquilando os produtores locais. Como fazer?

Primeiro, é necessário estruturar um cenário macroeconômico favorável a quem produz: devemos equacionar a questão fiscal a médio prazo, tornando a trajetória da dívida pública sustentável, via redução de subsídios e isenções, da mudança da lógica orçamentária —que premia quem gastou mais no passado, da instituição de tributação progressiva sobre lucros e dividendos, heranças e patrimônio, desonerando compensatoriamente a produção, e da melhoria na qualidade do gasto público. Assim, neutralizam-se as pressões contrárias à queda da taxa de juros, viabiliza-se a manutenção da taxa de câmbio em um patamar competitivo e os investimentos públicos que necessitamos para retomar o crescimento neste momento. Também são fundamentais ações para reduzir a inflação e o endividamento privado.

Do ponto de vista estratégico, vemos que EUA, Alemanha e França criaram planos para recuperar suas indústrias e seu espaço na economia mundial, incluindo elevados gastos em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento. Não há como agirmos de outra forma.

Um plano nacional de desenvolvimento pactuado entre os setores público e privado, nos moldes defendidos por Ciro, é essencial, prevendo tanto o desenvolvimento científico e tecnológico como a redução de desigualdades e a melhoria de indicadores sociais, que se recuperarão com a melhoria na qualidade dos empregos, o avanço educacional e políticas específicas para os mais desfavorecidos. A gestão pública deverá ser reorientada para o alcance das metas deste plano, atuando de forma matricial, monitorando e cobrando resultados e premiando o bom desempenho.

A pauta ambiental constitui uma oportunidade de investimentos: o desenvolvimento de novas fontes de energia, a reorientação do uso do petróleo, as alterações na forma de produzir carnes e outros alimentos, a implantação de uma infraestrutura de baixo uso de carbono e os necessários avanços tecnológicos na área da saúde, por exemplo. Todos esses fatores estimularão a inovação e sofisticação tecnológica, incluindo a microeletrônica, softwares e inteligência artificial. E pensemos em todos os serviços que serão demandados por estas atividades.

Há, sim, muito espaço para retomar o crescimento, os bons empregos e a dignidade do povo brasileiro. Mas é necessária disposição e coragem para mudar o modelo econômico fracassado que impera há décadas.


SÉRIE PENSAMENTOS ECONÔMICOS DOS PRÉ-CANDIDATOS

Artigos de economistas dos pré-candidatos à Presidência discutem principais temas para as campanhas

Domingo (2)

Ciro Gomes (PDT), por Nelson Marconi

Segunda (3)

João Doria (PSDB), por Henrique Meirelles

Terça (4)

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por Guido Mantega

Quarta (5)

Sergio Moro (Podemos), por Affonso Celso Pastore



Apenas imaginando um roteiro machadiano - Paulo Roberto de Almeida

 Apenas imaginando um roteiro machadiano

Paulo Roberto de Almeida 


Se Machado fosse vivo teria farto material para um novo O Alienista

Uma familia de alucinados conduz toda uma população ao asilo de alienados, pretendendo estancar o mal imaginário do “comunismo”, tal como proclamado por um guru expatriado, o subsofista da Virgínia. 

Até o dia em que povo, desperto da ilusão de um populista farsante, os encerre num asilo de loucos e pervertidos, como merecem. 

Seria apenas um exercício de ficção?

Um novo enredo, mais na categoria do “terror político”, já está pronto para a minha série de “clássicos revisitados”.

Mas, como não sou romancista, abro o copyright para candidatos voluntários a esse tipo de escrito.

Paulo Roberto de Almeida

3 de janeiro de 2022


domingo, 2 de janeiro de 2022

José Genoino e a esquerda do PT que se opõe aos ukases do chefão de todos eles - Paulo Roberto de Almeida

José Genoino e a esquerda do PT que se opõe aos ukases do chefão de todos eles

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com) 

 

Leio o seguinte na coluna do sempre bem-informado e levemente irônico jornalista Carlos Brickmann (1/01/2022):

 

Claro, claro

Tudo bem, cada petista pode pensar o que quiser, desde que faça o que seu ídolo máximo, o ex-presidente Lula, determina que seja feito. Mas vale como curiosidade: José Genoíno é um dos petistas que mais resistem à união entre Lula e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Tem prestígio no partido, do qual foi fundador e presidente; quando enfrentou dificuldades enfrentou-as sozinho, não delatou ninguém.

Sem dúvida o partido fará o que Lula quiser. É interessante ler os argumentos de Genoíno (expressos numa live com gente do PSOL) e, mais interessante ainda, entendê-los: "O que está em jogo é se a esquerda socialista será protagonista do enfrentamento do neoliberalismo ou se a esquerda será domesticada, domada para um projeto de melhorismo por dentro de um neoliberalismo com feição progressista”.”

 

PRA: José Genoíno sempre foi e continua sendo um grande quadro da esquerda, não necessariamente por uma vocação política esquerdista e mais por sua postura digna e consequente, em relação ao despotismo pouco esclarecido do grande chefe de todos os petistas e pretendente a líder tirânico de todas as esquerdas e, agora, de todas as vias opostas ao grande psicopata.

Mas ele demonstra, igualmente, uma visão estreita e sectária não só do jogo político — que ele pretende situar limitadamente no campo exclusivo de uma esquerda também sectária —, mas sobretudo no terreno da política econômica, que ele pretende que seja oposta a um “neoliberalismo” que jamais existiu no Brasil, a não ser como slogan totalmente equivocado de uma esquerda que jamais conseguiu renegar sua adesão a um estatismo que sempre serviu maravilhosamente bem aos interesses da burguesia e os de todos os donos do grande capital, na indústria, na agricultura e nos serviços (especialmente os do setor financeiro e bancário). 

Essa esquerda que José Genoíno representa revelou-se incapaz de realizar um aggionamento ao estilo do Bad Godesberg do SPD alemão, do PSF sob Mitterrand e do Labour sob Blair e sempre conduziu o Brasil ao velho estatismo das esquerdas anacrônicas que subsistem no mundo, em especial na AL. 

José Genoíno faz muito bem em se opor aos decretos autoritários e personalistas do chefão mafioso, mas sua visão política e econômica é ainda mais embotada e equivocada do que a do Guia Genial dos Povos, que pelo menos demonstra certo realismo — e evidente oportunismo — com relação ao processo, atualmente em curso no Brasil, de oposição consequente ao horror que representa o projeto bolsonarista para o Brasil. José Genoíno pretende ancorar o PT e as esquerdas ao mundinho limitado dos grupelhos de esquerda, que ainda por cima são totalmente ignorantes em matéria de políticas econômicas avançadas e em relação ao funcionamento da economia global. Eles são o que eram o SPD, o PSF e o Labour antes de suas bem-sucedidas conversões a uma socialdemocracia moderna, arejada e sobretudo destituída dos cacoetes do passado estatista.

Se adesão ao estatismo capitalista funcionasse — em total conluio das esquerdas tradicionais com os mais belos representantes do capitalismo industrial e agrícola— o Brasil e a maior parte da AL seriam exemplos de potências econômicas e de prosperidade social no contexto da economia global, não da miséria social e campeões da desigualdade que efetivamente são e foram, no passado, no presente e no futuro previsível. Essas esquerdas são tudo o que o capitalismo mais predatório e o corporativismo mais exacerbado sempre desejaram para si e para os seus objetivos continuístas limitados ao campo das desigualdades distributivas. Ironicamente e paradoxalmente, elas pensam como o equivocado representante do distributivismo igualitarista que é o economista socialista francês Piketty, para quem a solução da desigualdade social consiste em taxar mais os ricos para distribuir o maná do 1% dos bilionários aos pobres e remediados, como se essa fosse a solução do problema distributivo. É o contrário do que seria a mais nobre missão dos economistas, que seria conceber maneiras eficientes de enriquecer os mais pobres, e não propor formas equivocadas e não funcionais para empobrecer os mais ricos.

 

Paulo Roberto de Almeida

2 janeiro 2022, 2 p.

 

sábado, 1 de janeiro de 2022

A última notícia do ano de 2021 é também a primeira de 2022: ameaça de invasão da Ucrânia pela Rússia

 Biden e Putin alertam para rompimento de relações

Folha de S.Paulo | Mundo
31 de dezembro de 2021


Presidente dos EUA, Joe Biden, fala ao telefone com mandatário da Rússia, Vladimir Putin Adam Schuw/Casa Branca/Reuters
Por telefone, líderes mantiveram tom incisivo em meio a tensões na Ucrânia
WILMINGTON (DELAWARE) E MOSCOU | Reuters 

Em meio ao aumento das tensões em torno da Ucrânia, os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da Rússia, Vladimir Putin, conversaram por telefone nesta quinta-feira (30) e alertaram para um possível rompimento na relação entre os dois países em decorrência da da escalada de ânimos no leste europeu.

EUA e Rússia passam por um dos momentos de maior tensão da história recente depois que Kiev e Washington acusaram Moscou de planejar um ataque contra a Ucrânia após posicionar dezenas de milhares de soldados próximos à fronteira da ex-república soviética. Na ligação, que durou 50 minutos, Biden "deixou claro que os EUAe seusaliadose parceiros responderão de forma decisiva se a Rússia avançar na invasão da Ucrânia", informou a Casa Branca, por meio de um comunicado.

A Rússia anexou em 2014 a península da Crimeia, em resposta a uma revolução pró-Ocidente, que derrubou um presidente alinhado ao Kremlin. Os russos também são acusados de apoiar separatistas ucranianos que lutam contra o governo de Kiev no leste do país. Biden voltou a ameaçar a Rússia com sanções econômicas em caso de ataque, o que Putin chamou de "um erro colossal".

"Nosso presidente respondeu imediatamente [à ameaça] que se o Ocidente decidir, nesta ou em outras circunstâncias, impor estas sanções sem precedentes que foram mencionadas então, isso poderia levar a um rompimento total dos laços entre nossos países e causar o dano mais sério para relações entre a Rússia e o Ocidente ", disse assessor do Kremlin, Iuri Ushakov.

Apesar das tensões de ambos os lados, Ushakov disse a repórteres que o Kremlin estava satisfeito com a conversa e que os os dois líderes pareciam prontos para avançar diplomaticamente.

Moscou nega que esteja preparando uma invasão à Ucrânia, apesar da movimentação militar na fronteira. "Esta não é a nossa escolha [preferida], não queremos isso", disse Putin na semana passada. A Rússia alega que tem direito de mover suas tropas como quiser em seu território.

O Kremlin, porém, não descarta uma resposta militar se a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), à qual a Ucrânia deseja se integrar, persistir com sua expansão para o leste. O presidente russo ameaçou adotar medidas "militares e técnicas" caso suas reivindicações não sejam atendidas.

Putin quer garantias de segurança no leste europeu por parte do Ocidente, o que foi mencionado no telefonema nesta quinta. Segundo o Kremlin, Biden concordou que Moscou precisa de tais garantias para avançar nas negociações, mesmo que ainda haja diferenças entre os dois países.

As tensões com Kiev levaram as relações Leste-Oeste ao seu pior momento nas três décadas desde o colapso da União Soviética.