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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 15 de julho de 2023

Book review: The Chile Project: The Story of the Chicago Boys and the Downfall of Neoliberalism, Sebastian Edwards - Richard Feinberg (Foreign Affairs)

Seria preciso especificar que o neoliberalismo da ditadura chilena só interveio depois de uma primeira fase de políticas autoritárias e dirigistas pelo próprio general Pinochet, um monstro humano e um ignorante em economia.


The Chile Project: The Story of the Chicago Boys and the Downfall of Neoliberalism

By Sebastian Edwards
Princeton University Press, 2023, 376 pp.
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At the height of the Cold War, the far-right economics department of the University of Chicago, with the support of the U.S. government, recruited students from then democratic Chile. When General Augusto Pinochet seized power in 1973, he hired these “Chicago boys” to apply their extreme free-market fundamentalism to the Chilean economy. Remarkably, the left-of-center democratic governments that succeeded Pinochet’s regime after 1990 maintained many of those market-friendly prescriptions. Edwards, a Chilean-born economist with a Ph.D. from the University of Chicago, narrates a fascinating insider intellectual history of the policies and personalities behind Chile’s economic development in recent decades. But he struggles to explain the unanticipated popular uprising in 2019 against this doctrinal “neoliberalism” with which he largely sympathizes. Although the economic model had generated strong growth, reduced extreme poverty, and expanded the middle class, Edwards now finds that many policymakers neglected stark, persistent inequalities; corporate collusion had eroded free-market competition; and public policy may have gone too far in interjecting market competition into education, health care, and retirement pensions. Looking forward, Edwards suggests that Chile may yet find a more sustainable middle road as a European-style social democracy, with less spectacular economic growth but greater social cohesion.

From Amazon.com: 

How Chile became home to the world’s most radical free-market experiment―and what its downfall suggests about the fate of neoliberalism around the globe

In 
The Chile Project, Sebastian Edwards tells the remarkable story of how the neoliberal economic model―installed in Chile during the Pinochet dictatorship and deepened during three decades of left-of-center governments―came to an end in 2021, when Gabriel Boric, a young former student activist, was elected president, vowing that “If Chile was the cradle of neoliberalism, it will also be its grave.” More than a story about one Latin American country, The Chile Project is a behind-the-scenes history of the spread and consequences of the free-market thinking that dominated economic policymaking around the world in the second half of the twentieth century―but is now on the retreat.

In 1955, the U.S. State Department launched the “Chile Project” to train Chilean economists at the University of Chicago, home of the libertarian Milton Friedman. After General Augusto Pinochet overthrew socialist president Salvador Allende in 1973, Chile’s “Chicago Boys” implemented the purest neoliberal model in the world for the next seventeen years, undertaking a sweeping package of privatization and deregulation, creating a modern capitalist economy, and sparking talk of a “Chilean miracle.” But under the veneer of success, a profound dissatisfaction with the vast inequalities caused by neoliberalism was growing. In 2019, protests erupted throughout the country, and in 2022 Boric began his presidency with a clear mandate: to end 
neoliberalismo.

In telling the fascinating story of the Chicago Boys and Chile’s free-market revolution, 
The Chile Project provides an important new perspective on the history of neoliberalism and its global decline today.

O Itamaraty lulopetista está ficando estranhamente parecido com o Itamaraty bolsonarista -Editorial do Estadão

 Confesso que não me surpreende: era até esperado, dado o registro do passado recente… (PRA)

Hora de mudar o tom com Maduro

Editorial, O Estado de S. Paulo, 15/07/2013

Governo informa que acredita em eleições livres na Venezuela, mas é preciso cobrar isso do ditador

O governo federal anunciou há poucos dias que pretende manter relações com a Venezuela, malgrado a ditadura de Nicolás Maduro cassar, sistematicamente, os direitos políticos de todos os opositores que representem ameaça à sustentação do caudilho no poder. A mais recente vítima das garras de Maduro foi a ex-deputada María Corina Machado, favorita para representar a oposição na eleição presidencial de 2024.

Ao Estadão, a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, anunciou que a posição do governo segue inalterada na relação com a Venezuela, mesmo após a ditadura inabilitar María Corina para o exercício de cargos públicos por 15 anos sem apresentar razões consistentes para a condenação. “Nossa posição não muda, de sempre buscar dialogar com a Venezuela, em favor de que no ano que vem haja eleições livres, transparentes e abertas”, disse a diplomata, reforçando que isolar a Venezuela “não resolve”.

De fato. Ninguém em sã consciência espera que o Brasil corte relações com a Venezuela, um país com o qual compartilha uma fronteira de mais de 2 mil km. Ademais, entre os dois países há interesses de Estado, perenes, e não só de governo, circunstanciais. Há questões políticas, comerciais e humanitárias nessa relação que, para serem bem encaminhadas, dependem fundamentalmente da existência de canais de diálogo desobstruídos. No entanto, se é importante para o Brasil não isolar a Venezuela, como disse a embaixadora com razão, a questão de fundo é saber sobre qual base e com qual objetivo se sustenta essa relação.

Lula sabe com quem está lidando. Sua condescendência com os desmandos do “companheiro” Maduro é notória. Tampouco há ingênuos no Itamaraty. Como esperar, então, que o mesmo regime que, entre outras barbaridades, cassa reiteradamente opositores por temer o escrutínio público e a supremacia da vontade popular seja capaz de promover “eleições livres, transparentes e abertas”? Ora, nem a ONU acredita nisso, haja vista o recente relatório de seu Conselho de Direitos Humanos atestando que a ditadura de Maduro “não cumpre, de maneira nenhuma, as condições mínimas para a realização de eleições livres e confiáveis” na Venezuela.

O Brasil não só pode, como deve manter o diálogo com a Venezuela, mas esse diálogo não pode ser fajuto nem, menos ainda, desrespeitoso aos princípios norteadores da política externa brasileira – sobretudo a defesa do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos. Fajutas serão as eleições de 2024 no país vizinho se aos candidatos de oposição não forem asseguradas as condições de competir com liberdade e paridade de armas. Ao que tudo indica, o pleito será apenas mais um simulacro, como tantos outros que têm eternizado Maduro no Palácio de Miraflores.

Qualquer relação do Brasil com a Venezuela que não sirva para ajudar aquele país a reencontrar o caminho da normalidade institucional e democrática é um desserviço ao povo venezuelano e uma violação da Constituição de 1988.

Trajetórias dignas de registro num sistema político de baixo desempenho geral - Paulo Roberto de Almeida

Trajetórias dignas de registro num sistema político de baixo desempenho geral

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a mediocridade geral do estamento político, com as possíveis exceções de JK e de FHC

  

Poucos presidentes na história do Brasil contemporâneo tiveram qualidades que os colocaram acima do marasmo geral do estamento político. O país sempre foi comandado por oligarquias civis ou militares, com poucos líderes combinando visão de estadista e conduta plenamente democrática. 

JK ocupou um nicho poucas vezes conhecido em nossa história: a de um hábil condutor de um processo de desenvolvimento no quadro de uma democracia em pleno funcionamento. 

A inabilidade de seus dois sucessores levou a uma crise múltipla que se desdobrou na mais profunda intervenção militar no sistema político da história militar e da história nacional. 

Com exceção de Castelo Branco, os generais que se sucederam na presidência eram autocratas confirmados, cercados por oportunistas políticos, mas uma tecnocracia formada por mandarins bem-preparados conseguiu produzir algum crescimento, mas num processo de desenvolvimento deformado por uma visão autárquica da economia, predominante nas elites políticas, econômicas e militares.

Depois de políticos medíocres, FHC foi um presidente acidental, como ele mesmo se classificou: uma congregação excepcional e aleatória de fatores permitiu algo que jamais ocorreria no curso normal do estamento político. O Brasil teve uma sorte momentânea, algo fortuito e irrepetível. Mas a emenda da reeleição foi uma tragédia maldita, que deformou mais ainda os péssimos hábitos do estamento político.

Depois caímos na mediocridade habitual do estamento político, sem qualquer estadista digno desse nome, na sequência ou na prospectiva normal do sistema.

Não há perspectiva de sair do marasmo atual no futuro previsível: a mediocridade avançou no estamento político de forma disseminada e o mandarinato se concentrou na predação do Estado. 

Existem ilhas de excelência no setor privado, mas isoladas dos vetores de comando, sem chances de empolgar e guiar um processo nacional de desenvolvimento econômico e social no quadro de um regime democrático plenamente funcional.

Nossa trajetória é a de um declínio relativo, embora em marcha bastante lenta e com a preservação de uma democracia de muito baixa qualidade. A desigualdade é o traço estrutural e predominante da nação.

O Brasil continuará se arrastando em direção ao futuro, embora o progresso material seja uma fatalidade determinada pela marcha geral da comunidade planetária, globalizada a despeito de tudo.

O mundo melhorou, mas pequenas e grandes “guerras de Troia” nunca estão distantes, pois que paixões e interesses ofuscam momentânea e ocasionalmente o trajeto da racionalidade governamental.

Portanto, não cabe ser pessimista, nem muito otimista: melhor preservar um ceticismo sadio, como tento fazer.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4435, 15 julho 2023, 2 p.


sexta-feira, 14 de julho de 2023

III Cúpula CELAC-UE: much ado about almost nothing

Apenas como registro de um evento grandioso que não terá nenhum resultado, e que deixará as duas partes exatamente como são hoje: de um lado, uma região extremamente fragmentada, mas caracterizada quase que exclusivamente pela exportação de commodities, do outro, uma comunidade política, econômica, científica e tecnológica segura de si, e que caminha, embora a passos trôpegos, para uma união de política externa e de defesa mais afirmada.
Em relação ao assunto mais relevante do momento, a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, nada se fará, pois os latinos insistem numa neutralidade hipócrita.
Ou seja, muito barulho por nada.

Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social 

Nota nº 289

14 de julho de 2023

 

III Cúpula CELAC-UE

Será realizada, em 17 e 18 de julho, em Bruxelas, a III Reunião de Cúpula Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) – União Europeia (UE). A delegação brasileira será chefiada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e integrada pelo Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Foram convidados todos os 33 mandatários dos países da América Latina e Caribe e os seus 27 homólogos europeus, totalizando 60 países. A última reunião entre líderes das duas regiões ocorreu em 2015. 

As discussões estarão centradas em alguns dos principais desafios atuais, como mudança do clima; comércio e desenvolvimento sustentável; inclusão social; recuperação econômica pós-pandemia; transição energética, transformação digital justa e inclusiva; migrações; reforma da arquitetura financeira internacional; luta contra o crime organizado; e cooperação para o desenvolvimento. Serão abordadas diferentes iniciativas e projetos de cooperação, com vistas ao fortalecimento das relações birregionais.

A convite da União Europeia, o Presidente da República também participará da abertura da mesa de negócios União Europeia - América Latina e Caribe. A mesa reunirá líderes políticos, representantes de bancos de desenvolvimento e do setor privado para explorar oportunidades de investimentos em áreas como energias renováveis, transporte, infraestrutura, digitalização e conectividade.

A participação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na III Cúpula CELAC-UE dá-se no contexto da renovação do compromisso do Brasil com o fortalecimento da integração regional e da CELAC. O Brasil retornou ao mecanismo de diálogo político, concertação e cooperação entre os países da América Latina e do Caribe em janeiro passado, após um período de quase três anos em que se manteve afastado de suas atividades.

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/iii-cupula-celac-ue]

Para Eurásia, acordo Mercosul-UE é improvável a curto prazo (CB)

 Para Eurásia, acordo Mercosul-UE é improvável a curto prazo

Correio Braziliense, 14/07/2023

O Brasil acaba de assumir a presidência pró-tempore do Mercosul e, apesar das ambições geopolíticas e o compromisso político, será “improvável”, que o acordo de livre comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia (UE) avance a curto prazo, de acordo com o Eurasia Group. Contudo, o grupo vê algumas chances de avanços até o fim do ano ou no primeiro semestre de 2024

“Apesar de suas ambições geopolíticas e compromisso político para finalizar o acordo comercial UE-Mercosul, é improvável que os blocos cedam significativamente as demandas por salvaguardas adicionais sobre o meio ambiente, clima, trabalho e comércio sustentável; isso colocará o ônus do movimento para a conclusão do pacto no bloco comercial latino-americano formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai”, destacou o relatório de analistas, divulgado nesta terça-feira (13/7).

Na avaliação dos analistas, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocupa a presidência rotativa do Mercosul até dezembro, será “o ator mais importante no traçado do caminho a seguir”, pois sua resistência contra os pedidos da UE e as demandas de compras públicas “correm o risco de inviabilizar a ambição declarada de ambas as partes de finalizar o acordo este ano”.

De acordo com o relatório, é “improvável” que os líderes europeus e do Mercosul consigam avanços à margem de uma cúpula da UE com os países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Bruxelas, de 17 a 18 de julho. Contudo, a consultoria considera “chances ligeiramente superiores” de que o acordo pode ser finalizado “ainda neste ano ou durante o primeiro semestre de 2024”.

Na avaliação dos especialistas, funcionários e diplomatas da UE não estão muito otimistas com qualquer movimento significativo no acordo de livre comércio durante a as reuniões, na próxima segunda-feira na e terça-feira, à margem da primeira cúpula UE-Celac desde 2015. Há três fatores que tornarão “improvável um avanço na próxima semana”.

Primeiro, o Mercosul ainda não apresentou uma contraproposta à carta de acompanhamento da UE. Bruxelas vê seu anexo proposto como uma forma de superar as objeções de alguns membros da UE. O Brasil criticou o texto como um esforço para transformar metas voluntárias ambientais, de desmatamento e climáticas, em compromissos obrigatórios. “A UE discorda e aprova o anexo como uma reafirmação dos termos do acordo. Bruxelas provavelmente mostrará alguma flexibilidade ao reformular a carta paralela para tratar das preocupações do Mercosul – sempre que o bloco liderado pelo Brasil apresentar sua contraproposta”, destacou.

Em segundo lugar, a UE espera clareza de Lula sobre as demandas de compras públicas do Brasil. Diplomatas dizem que há disposição para mostrar alguma flexibilidade no acordo. Uma declaração declarativa sem influência real na substância do acordo de livre comércio poderia ser uma opção. Mas uma renegociação dos termos seria inaceitável – e quase certamente desencadearia demandas da UE para emendar o capítulo agroalimentar, particularmente nas altamente sensíveis exportações de carne bovina da América Latina.

Do ponto de vista da UE, Lula precisa ter cuidado para não esticar demais o acordo – para não quebrar. As consultas do Eurasia Group em Brasília sugerem que o Brasil não exigirá a reabertura do capítulo de compras públicas, mas esse é um risco a ser rastreado. Alguns formuladores de políticas do governo Lula estão usando a carta de acompanhamento da UE sobre o meio ambiente para pressionar por rejeições protecionistas.

E, por último, as diferenças UE-Celac em muitas “questões globais lideradas pela guerra Rússia-Ucrânia correm o risco de sequestrar a cúpula”. Segundo a consultoria, apesar de uma recente ofensiva de charme de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, na América Central e Latina – incluindo um pacote de investimento de 10 bilhões de euros, acordos sobre minerais críticos e promessas de expandir o comércio e uma cooperação mais ampla – a UE não está se aproximando politicamente de seus parceiros da Celac.

Declaração conjunta

O Ministério das Relações Exteriores reconhece que há divergência entre os países da América Latina e da União Europeia sobre a inclusão de uma mensagem de apoio à Ucrânia na declaração final da cúpula. Segundo a pasta, um texto prévio vem sendo negociado entre os diplomatas dos dois blocos e enfrenta resistências pelo teor do documento favorável à Ucrânia, na guerra contra a Rússia.

Amanhã, negociadores dos 60 países envolvidos na cúpula devem se reunir novamente em Bruxelas, para discutir o rascunho do documento, dias antes da realização da cúpula. O projeto de declaração ainda está sendo negociado, de acordo com o Itamaraty.

De acordo com a pasta, uma das mensagens que o Brasil levará à reunião é de que “a Celac é importante como foro da região, e o diálogo com UE ocorre em momento que coincide com a volta do Brasil ao grupo”, em janeiro quando o presidente Lula participou da Cúpula do bloco em Buenos Aires. Além disso, o governo brasileiro vai aproveitar o evento para falar com parceiros do Mercosul e da UE “também, sobre linhas gerais para o segundo semestre e o calendário das negociações técnicas”.

Técnicos do governo acreditam que, até começo da semana que vem, no máximo,  será concluída a resposta do Brasil, mas os demais países do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) precisarão de tempo para as consultas internas. A expectativa é que no fim de agosto e início de setembro, quando acabam as férias na Europa, os negociadores dos dois blocos possam se reunir.

 

Negociações longas

Em negociação desde 1999, o acordo de livre comércio UE-Mercosul abriria, pela primeira vez, o vasto e fechado mercado do Mercosul, “dando às empresas europeias uma vantagem competitiva contra rivais globais”.

“A importância do acordo UE-Mercosul aumentou ainda mais para Bruxelas, uma vez que a Europa decidiu diversificar seus laços comerciais após uma forte separação da Rússia após a invasão da Ucrânia e uma avaliação de risco sobre sua dependência de suprimentos chineses e acesso ao mercado. Dito isso, é improvável que essas considerações abrangentes levem a UE a mudanças materiais nos termos do tratado, que foram acordados em junho de 2019”, acrescentou o relatório do Eurasia Group, que destaca três etapas ainda para que o acordo seja firmado, entre elas o Mecanismo de Ajuste de Fronteiras de Carbono (CBAM) e a Lei de Desmatamento, além do acordo sobre acesso às compras públicas brasileiras.

“O Eurasia Group, no entanto, atualmente vê um pouco acima das chances de que o acordo UE-Mercosul seja assinado este ano ou no primeiro semestre de 2024, abrindo caminho para a implementação provisória”, afirmou o documento.

A guerra de agressão da Rússia à Ucrânia na pauta da reunião de cúpula Celac-UE - Eurasia Group

 A guerra de agressão da Rússia à Ucrânia na pauta da reunião de cúpula Celac-UE

A diplomacia lulopetista insiste em manter o Brasil do lado das ditaduras e, neste caso, apoiando um criminosos de guerra. Eu me pergunto como os diplomatas profissionais recebem esse tapa na cara ao ter de defender os interesses de uma ditadura reacionária, agressiva, expansionista e criminosa, como já declarado pela CIJ e pelo TPI.

Acham que o Brasil sai engrandecido diplomaticamente pela subserviência demonstrada em relação a um ditador, apenas para se opor aos “estadunidenses”? Poucas vezes na história do Itamaraty fomos levados a tal degradação no plano dos valores e princípios de nossa doutrina jurídica.

Paulo Roberto de Almeida

Trecho de relatório do Eurasia Group sobre o acordo Mercosul-UE:

“O Ministério das Relações Exteriores do Brasil reconhece que há divergência entre os países da América Latina e da União Europeia sobre a inclusão de uma mensagem de apoio à Ucrânia na declaração final da cúpula Celac-UE. Segundo a pasta, um texto prévio vem sendo negociado entre os diplomatas dos dois blocos e enfrenta resistências pelo teor do documento favorável à Ucrânia, na guerra contra a Rússia.

Amanhã, negociadores dos 60 países envolvidos na cúpula devem se reunir novamente em Bruxelas, para discutir o rascunho do documento, dias antes da realização da cúpula. O projeto de declaração ainda está sendo negociado, de acordo com o Itamaraty.”


O novo, e grande, capitalismo empresarial brasileiro - Vinicius Torres Freire (FSP)

 O Brasil é o agro, e o agro é o Brasil

Os grandes conglomerados brasileiros atuais em sua maioria tiveram sua origem no agro e na extrativa. Caminha estav certo ao afirmar que nesta terra em se palnatndo tudo dá. Notem que nesses conglomerados também existem empresas emsetores com alta intensidade de capital (CApEX) e razoável gasto em &D sobre vendas uma proxy ara os gastos em inovação. Enfim abre-se uma janela? A conferir.Os novos donos do capital no Brasil e a venda da Braskem

J&F tenta comprar petroquímica e dá outro exemplo da expansão do agro para o topo

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

Folha de S. Paulo, 13.jul.2023

A J&F quer comprar praticamente a metade da petroquímica Braskem. Quem não acompanha o mundo das empresas talvez não se dê conta do tamanho do negócio ou reaja à notícia com desinteresse entediado.

A transação pode ser mais um exemplo de como tem se desenvolvido o grande capital no Brasil e quem são seus novos donos. Trata-se mais uma história de uma empresa do "agro" se expandindo para outras frentes. Quando alguém falar em montadoras de veículos, convém lembrar que entre as maiores companhias do país estão negócios que se criaram a partir da cana de açúcar e da carne. Soja, milho e trigo vêm aí.

A J&F é a holding da família Batista, dos quais os mais famosos são Joesley e Wesley. É dona do JBS, segunda maior empresa do Brasil, por faturamento (segundo o ranking "Valor 1000" de 2022), a maior empresa de carnes do mundo. O BNDES, o bancão federal de desenvolvimento, tem 20,81% da JBS, informa a companhia.

A J&F também é proprietária da Eldorado (de celulose), da Flora (do ramo de farmacêuticos e cosmética) e da Âmbar (energia), entre as 600 maiores do país. Tem também o Banco Original, o aplicativo de pagamentos PicPay e o Canal Rural.

A Braskem é a maior petroquímica do país, 8ª maior empresa. A Petrobras tem 47% do capital votante da companhia; a Novonor tem outros 50%. A Novonor é a Odebrecht (trocaram o nome, por motivos óbvios). A fatia da Novonor é, na prática, dos bancos credores (Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, BNDES).

O negócio da Braskem em si é enrolado e assunto de especialistas em empresas e no setor. O interesse aqui é em mais uma história de expansão do "agro". Parece folclórico lembrar, mas não muito: a JBS começou como um açougue em Goiás, em 1953.

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A terceira maior empresa do país é a Vale, criada pelo Estado e privatizada. A quarta é a Raízen, sociedade entre a Cosan e a Shell, dominante no açúcar e no etanol, na distribuição de combustíveis, lubrificantes, com expansão forte em outras energias renováveis (como solar e biogás).

Alguém aí pensou em "transição verde" e novas tecnologias em energia? Pois então. Essas empresas já estão no centro do negócio e devem ser centrais na mudança.

A Cosan, grosso modo da família Ometto, é a 6ª maior empresa. Criou-se com o negócio de açúcar e álcool. Muito além disso, controla a Compass, que é dona da Comgás, da Sulgás, da ex-Gaspetro (que era da Petrobras) e tem participação em mais de dúzia de distribuidoras de gás. Tem também a Rumo, maior administradora de ferrovias, com terminais portuários e de outras logísticas.

Das dez maiores empresas, cinco são do setor de petróleo e gás: Petrobras, Raízen, Vibra (ex-BR Distribuidora), Cosan (que tem atuação ampla, como se viu), Ultrapar (Ultragaz, Ipiranga etc.). Três são do agro: JBS, Cargill (múlti americana de processamento, fabricação e comercialização de produtos do agro) e Marfrig (carnes). Completam a lista a Vale (mineração) e a Braskem. A siderúrgica Gerdau é a 11ª. A primeira montadora aparece no 19º lugar, a Fiat Chrysler —a próxima é a Volkswagen, em 41º.

As empresas dominantes ou que se tornam cada vez dominantes estão no setor de energia; ou estão e se fizeram no setor de alimentos, no "agro". Várias se expandiram também com a compra de partes do setor estatal de petróleo e combustíveis (na distribuição, na maior parte), são multinacionais, brasileiras ou não, e dominantes em seus mercados. Valem-se ou valeram-se de vantagens absolutas e comparadas do Brasil. Outras ramificações do agro virão. Se vier de fato uma política de "transição verde", é razoável esperar que elas estejam no núcleo da conversa e dos negócios. Convém prestar atenção.


Como lidar com Vladimir Putin - Nicholas Kristof (OESP)

 Como lidar com Vladimir Putin, segundo especialistas no assunto 

Nicholas Kristof
O Estado de S. Paulo, 14/07/2023

VILNA, Lituânia — Muitos americanos e europeus trocam lisonjas por perceber a guerra na Ucrânia através de um prisma falso. Com bastante frequência nós pensamos que estamos nos sacrificando pelos ucranianos, trocamos tapinhas nas costas por fornecer armas caras e pagar contas de gás mais altas para ajudar os ucranianos a lutar por sua liberdade — e nós desejamos que eles alcancem seu objetivo.

Mas na realidade, o que fica claro aqui nos Países Bálticos é que ocorre o inverso: os ucranianos que estão se sacrificando por nós; são eles que nos fazem um favor ao desgastar o Exército russo e reduzir o risco de uma guerra na Europa que consumiria vidas de nossos soldados.

“Por meio do apoio à Ucrânia, estamos defendendo a nós mesmos”, afirmou Egils Levits, que concluiu este mês seu mandato como presidente da Letônia. Ele usou sua última entrevista antes de deixar a função para argumentar que o Ocidente deveria fornecer à Ucrânia mais armas para garantir que Kiev recupere todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, para que a agressão de Vladimir Putin seja absolutamente descreditada.

A cúpula da Otan em Vilna, esta semana, movimentou-se para adicionar a Suécia ao jogo, manteve todos os membros unidos e, em geral, foi bem. A única perdedora é a Rússia. Mas o teste verdadeiro não é conseguir oferecer palavras lustrosas diante das câmeras, mas se os países ocidentais irão aumentar ou não as transferências de armas para a Ucrânia e melhorar a perspectiva de que a guerra possa realmente se encerrar.

“Todos nós temos de fazer mais”, disse-me a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas. Ela está correta, mas eu não tenho certeza se todos no Ocidente compreendem isso. O presidente Joe Biden tem feito um ótimo trabalho em administrar a aliança — uma das razões que explica a cúpula ter ido tão bem — mas eu acredito que ele tem sido cauteloso e reativo demais no fornecimento de armas que a Ucrânia necessita, como mísseis precisos de longo alcance e caças de combate.

Considerando as duas décadas recentes, muitos na Alemanha e em toda a Europa Ocidental e EUA foram enganados com a ficção de que a Rússia pós-comunista seria um urso mais gentil. Em contraste, os Países Bálticos — Lituânia, Letônia e Estônia — foram os primeiros a expressar alertas a respeito de Putin, portanto nas preparações para a cúpula eu viajei aos três países para colher suas impressões sobre Ucrânia e Rússia.

Francamente, eles ainda pensam que nós somos algo ingênuos.

“Nós deveríamos dar mais apoio agora, para que a Ucrânia possa vencer”, insistiu Levits, alertando que seria um grande erro pôr fim à guerra com um pacto que dê à Rússia a Crimeia ou outras regiões ucranianas. “Isso é uma péssima ideia, porque provocaria a guerra seguinte”, afirmou ele. “A conclusão para Moscou seria clara: o Ocidente é fraco.”

Os Países Bálticos são lúcidos a respeito da Rússia em razão de sua história. Os soviéticos se apoderaram das três nações durante a 2.ª Guerra e as governaram com pulso de ferro até sua independência, em 1991. A mãe da primeira-ministra Kallas foi deportada para a Sibéria num vagão de gado.

Mas a Rússia nunca acertou as contas com esse passado, o que pode explicar por que 70% dos russos afirmaram em uma pesquisa de 2019 que aprovam Stálin — e por que eles afirmam hoje em pesquisas que aprovam Putin.

Se Putin terminar a guerra com uma fatia da Ucrânia, afirmou ela, ditadores receberão a mensagem de que agredir vale a pena, e “Ninguém mais poderá se sentir realmente seguro”.

Os Estados Bálticos são motivados por temer que, se a Ucrânia cair, eles poderão ser os próximos a ser derrubados. A Estônia contribuiu mais para o esforço de guerra ucraniano em relação ao próprio PIB do que qualquer outro país — fornecendo obuses e até saunas móveis (os estonianos adoram suas saunas). Kallas lamentou que outros países não tenham se esforçado mais para acelerar envios de armas para os ucranianos, em vez de optar por fornecer-lhes gradualmente os equipamentos.

“Às vezes eu penso que o desfecho poderia ter sido diferente se nós tivéssemos lhes dado já em março do ano passado toda a ajuda militar que estamos lhes dando agora”, refletiu Kallas. “Porque a Rússia poderia ter percebido mais cedo que estava cometendo um erro.”

Uma razão para Biden demorar para enviar mísseis de longo alcance e caças de combate para a Ucrânia é a preocupação a respeito de motivar Putin a usar armas nucleares táticas. Levits e Kallas rejeitam esse argumento e, dado seu histórico recente em estar corretos, vale a pena lhes dar ouvidos.

“A Rússia ou Putin são motivados pela fraqueza, não pela força”, afirmou Levits, notando que, mesmo que não saibamos ainda da história completa, ao que parece o chefão mercenário Ievgeni Prigozhin cruzou todos os limites e desafiou diretamente Moscou — e a resposta de Putin foi negociação, conciliação e desescalada.

Kallas, da mesma forma, quer ver o Ocidente fornecer mais armamentos — incluindo bombas de fragmentação — para ajudar a Ucrânia a vencer.

“Se dermos sinais de que nos ameaçar com uma bomba nuclear realmente lhe dará o que ele quer, todos os ditadores vão querer uma”, acrescentou ela. “Isso faria despertar um mundo muito mais perigoso.”

Nós estamos certos em celebrar uma cúpula da Otan bem-sucedida. Mas especialmente se a Ucrânia tiver dificuldades para recuperar grandes fatias de território nesta contraofensiva haverá indivíduos irresponsáveis resmungando nas capitais ocidentais a respeito do preço que nós estamos pagando e dos favores que nós estamos fazendo pela Ucrânia. Qualquer um tentado a pensar desta maneira deveria escutar os líderes bálticos, porque eles aprenderam do modo mais difícil como lidar com ursos indomáveis. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Lula, que já implodiu a Alca, ameaça agora implodir o acordo Mercosul-UE - Beatriz Bulla (OESP)

 Insistência do Brasil em debater compras públicas ameaça acordo Brasil- UE

Insistência do Brasil em debater compras públicas ameaça acordo Mercosul-UE, diz ala do governo

Setores apontam que texto encabeçado por Casa Civil e Itamaraty traz itens tecnicamente desnecessários, que remetem a outro texto de dez anos atrás e que podem atrapalhar negociação
Por Beatriz Bulla
O Estado de S. Paulo, 12/07/2023

A contraproposta que Brasília pretende fazer à União Europeia, se avalizada pelos demais parceiros do Mercosul, para avançar no acordo comercial entre os dois blocos, pode ter efeito contrário e travar as negociações, segundo uma ala do próprio governo. O texto deve ser apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por integrantes do Itamaraty e da Casa Civil ainda nesta semana. Com a permissão de Lula sobre a nova proposta, o documento será compartilhado com Argentina, Uruguai e Paraguai para, então, ser levado aos europeus.

O texto que foi elaborado e que parte do governo diz ser fruto de um consenso entre todos os ministérios envolvidos está longe de ter agradado a ala que se diz mais liberal na Esplanada. A insistência de ministros mais próximos a Lula em reabrir as discussões com os europeus sobre o capítulo relativo a compras governamentais que poderão ser feitas após o acordo UE-Mercosul coloca, de acordo com fontes insatisfeitas com as negociações, o acordo em risco.

O acordo União Europeia-Mercosul abarca uma série de temas, como bens, serviços, facilitação de comércio e compras governamentais. No capítulo relativo às compras do governo, a intenção do acordo UE-Mercosul é permitir competitividade de estrangeiros em contratações públicas e limitar aquelas feitas sem licitação. Assim, empresas europeias não poderiam ser discriminadas nos processos de licitação no Brasil, por exemplo, salvo em determinados casos. Essa disposição é alinhada com a lei de licitações de 2021, que prevê que estrangeiros devem poder participar das contratações.

Antes de assinar o acordo de 2019, o Brasil negociou com os europeus situações e áreas em que o governo poderia se isentar dessa obrigação assumida com os europeus e usar as compras governamentais para promover políticas públicas. Estatais, por exemplo, podem ter preferência na contratação pelo governo. Compras de pequenas e médias empresas, para incentivar empreendedorismo social, compras para o setor de defesa e compras que sejam consideradas estratégicas para a área de saúde já estão entre as exceções previstas.

O debate sobre reabrir a discussão a respeito do tema colocou, de um lado, os ministérios da Indústria e Comércio, Planejamento, Defesa e Agricultura, e, de outro, Casa Civil, Itamaraty, Saúde e Gestão. Interlocutores do primeiro grupo disseram, internamente, que parte das exceções pleiteadas pela Casa Civil para serem incluídas na contraproposta é tecnicamente desnecessária, remete a um texto de dez anos atrás e atrapalhará o processo de negociação com europeus, podendo inclusive inviabilizar uma conclusão rápida do acordo.

Um dos debates mais recentes girou em torno da possibilidade de incluir, no acordo, exceção para o governo contratar empresas nacionais para serviços de construção civil. O governo Lula tenta estimular o setor através de um novo PAC. Técnicos com conhecimento do texto já assinado em 2019, no entanto, ponderam que esse tipo de debate é infrutífero, pois o acordo não afetaria políticas do PAC por oito anos. O pedido de Lula para proteger pequenas e médias empresas, de acordo com os mesmos técnicos, também já faz parte do acordo e pode ser feito sem novas alterações ou pedidos adicionais.

De outro lado, no entanto, a ponderação feita no governo é a de que é preciso incluir no desenho final do acordo UE-Mercosul temas caros para a atual administração, como ampliar o espaço para o governo poder usar as compras públicas para induzir uma política nacional de industrialização em setores importantes, como o da saúde. O principal argumento, aqui, é o de que o cenário mundial mudou desde 2019, quando o texto foi fechado, para cá. Pandemia e guerra na Ucrânia fizeram os países repensarem suas cadeias de produção para torná-las mais próximas e menos dependentes de China e Índia, por exemplo, no tema da saúde.

O Estadão ouviu pessoas de cinco ministérios, que pediram para não ser identificadas.

Parte do setor industrial, que seria beneficiado com a maior flexibilização no capítulo sobre compras governamentais, no entanto, também não acha boa ideia estender a discussão. Em entrevista recente ao Estadão, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, defende que o governo se empenhe em aprovar com celeridade o acordo, em vez de insistir em ampliar possibilidades de exceção para compras governamentais (um ponto que poderia beneficiar a indústria).

“O acordo já foi discutido por muitos e muitos anos, é o momento de virarmos essa página. Precisamos urgentemente desse acordo. A questão das compras governamentais, que envolve principalmente a micro e pequena empresa, tem formas de desenvolvermos no Brasil sem interferência com o que está no acordo Mercosul-UE. Precisamos avançar no acordo, é fundamental para a economia toda do País. Não temos mais tempo para ficar discutindo e gastar mais anos e anos”, defende Andrade.

A crítica principal que vem da ala considerada liberal é a de que argumentos técnicos foram desconsiderados no texto final e que a Casa Civil, ao lado do Itamaraty, acabou liderando esse debate sem participação ampla como havia sido prometido. Afirmam, também, que o Brasil já tem acordos de comércio com as cláusulas incluídas no UE-Mercosul, como o assinado com o Chile. A outra ala do governo, no entanto, considera que é importante que Lula deixe seu DNA no acordo, que foi assinado pela gestão passada, de Jair Bolsonaro.

O desconforto e a divisão de opiniões foram colocados às claras dentro do governo, embora, com o texto considerado fechado, haja agora uma tentativa de minimizar a cisão interna por parte do entorno do presidente.

Nesta quarta-feira, 12, Lula mostrou, mais uma vez, resistência às imposições da União Europeia e afirmou que o Brasil não irá abrir mão das compras governamentais no acordo. “Nós vamos ter que ter uma disputa”, disse.

O presidente quer que a contraproposta esteja pronta e seja enviada aos parceiros do Mercosul antes de embarcar, no final de semana, para Bruxelas, onde participará de encontro da Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac) com a União Europeia. Ele não irá apresentar o documento aos europeus, mas quer indicar que o Brasil já fez a sua parte e aguardará o retorno dos parceiros regionais para dar andamento às tratativas. Na Europa, Lula também deve fazer comentários sobre parte das propostas brasileiras apresentadas para Uruguai, Paraguai e Argentina.

A expectativa de negociadores é que a rodada de tratativas com europeus aconteça entre agosto e setembro, já com o Brasil na presidência pro tempore do Mercosul.

O Ministério da Fazenda tem tentado colocar panos quentes na divisão. A despeito de, internamente, o ministro Fernando Haddad ter dado sinais de que é favorável a uma conclusão rápida do acordo, a pasta não tem encabeçado um movimento mais crítico às sugestões da Casa Civil.

A leitura de assessores de Haddad consultados pela reportagem do Estadão é a de que as condições políticas para assinatura do acordo de forma rápida não estão presentes — e não é por causa do Brasil, mas sim da Europa. Resistências públicas do governo francês ao acordo e a possibilidade de eleição de um governo de direita ou extrema direita na Espanha, no fim de julho, estão entre os desafios no cenário internacional.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e UE foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências, um prazo que não será cumprido. Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental.

O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia. Do outro lado, Brasília quer aproveitar a negociação aberta para incluir a possibilidade de mais exceções para manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido publicamente por Lula.

Procurada, a Casa Civil não retornou contatos feitos pelo Estadão até a publicação desta reportagem. O Itamaraty informou que quem se pronuncia sobre o acordo é a Presidência da República./Com Sofia Aguiar e Bruno Luiz

O novo Gulag do criminoso de guerra Putin - Lori Hinnant, Hanna Arhirova, Vasilisa Stepanenko

 O novo Gulag do criminoso de guerra Putin: civis ucranianos detidos nas regiões ocupadas obrigados a construir trincheiras defensivas com uniformes militares russos, o que os torna virtuais vítimas da contraofensiva.

A New Gulag is emerging

https://t.co/sEyAohC8xy

ZAPORIZHZHIA, Ukraine (AP) — The Ukrainian civilians woke long before dawn in the bitter cold, lined up for the single toilet and were loaded at gunpoint into the livestock trailer. They spent the next 12 hours or more digging trenches on the front lines for Russian soldiers.

Many were forced to wear overlarge Russian military uniforms that could make them a target, and a former city administrator trudged around in boots five sizes too big. By the end of the day, their hands curled into icy claws.

Nearby, in the occupied region of Zaporizhzhia, other Ukrainian civilians dug mass graves into the frozen ground for fellow prisoners who had not survived. One man who refused to dig was shot on the spot — yet another body for the grave.

Thousands of Ukrainian civilians are being detained across Russia and the Ukrainian territories it occupies, in centers ranging from brand-new wings in Russian prisons to clammy basements. Most have no status under Russian law.

And Russia is planning to hold possibly thousands more. A Russian government document obtained by The Associated Press dating to January outlined plans to create 25 new prison colonies and six other detention centers in occupied Ukraine by 2026.

In addition, Russian President Vladimir Putin signed a decree in May allowing Russia to send people from territories with martial law, which includes all of occupied Ukraine, to those without, such as Russia. This makes it easier to deport Ukrainians who resist Russian occupation deep into Russia indefinitely, which has happened in multiple cases documented by the AP.

Many civilians are picked up for alleged transgressions as minor as speaking Ukrainian or simply being a young man in an occupied region, and are often held without charge. Others are charged as terrorists, combatants, or people who “resist the special military operation.” Hundreds are used for slave labor by Russia’s military, for digging trenches and other fortifications, as well as mass graves.


Top Ten from The Globalist about the war in Ukraine - series of articles

 Global Conflict

Understanding the Ukraine Conflict: The Globalist’s Top Ten

The Globalist, July 11, 2023

As Putin’s war in Ukraine rages on with no end in sight, we present our top ten features exploring the conflict, it’s causes and effects.

https://theglobalist.us4.list-manage.com/track/click?u=fe900a29e67b9f5bd30ac3091&id=92530fbc64&e=23ed0dfe5f

Globalist’s Top Ten

As Putin’s and Russia’s war in Ukraine rages on, we present our top ten features exploring the conflict, it’s causes and its effects.

July 11, 2023

By The Globalist

1. End of the Ukraine War?

Reflections on the possible benefits of Prigozhin’s March to Justice – and an important precedent from modern Chinese history.

By J.D. Bindenagel

2. Putin’s Perverted Genocidal “Logic”

The international community should pay much closer attention to the completely perverted reasoning behind Putin calling for a “de-Nazification” of Ukraine.

By Gunnar Heinsohn

3. War In Ukraine: Putin Can’t Win — But the US Can Lose

The destruction of the Kakhovka dam demonstrates that Russia is resorting to increasingly desperate measures. The question is how the West will respond.

By Alexei Bayer

4. Bringing Russian Oligarchs to Justice

Why we need to worry that the current zeal of Western authorities to go after the Russian oligarchs will decline over time.

By Frank Vogl

5. How the War in Ukraine Affects Africa

Poor countries bear a disproportionate brunt of Putin’s war. But the fundamental reshaping of energy policies also offers seeds of hope for Africa.

By Ayesha Kajee

6. The New Cold War Era

How Vladimir Putin’s actions in Ukraine are altering many previously long-held assumptions. Being criminal – and monstrous — is what Russia’s presumed “greatness” has been reduced to.

By Andrés Ortega

7. Erdogan’s Balancing Act Between Russia and Ukraine

Turkey’s strongman leader has expressed support for the besieged country. He has also joined Putin’s assault on the Western media.

By Aykan Erdemir

8. The World and Russia After Putin

Even if Russia were to still “win” the war, it will lose the peace. Regime change in Russia is not on the official agenda of the Western Alliance, but it seems a likely result.

By Stephan Richter and Uwe Bott

9. Russia-Ukraine: A Last Chance for Peace

Ukraine could offer to suspend its NATO candidacy for some time, but only in return for Russia’s withdrawal from Donbas.

By Colin Cleary

10. The Evasive Mr. Scholz

On Ukraine and Russia, Germany’s Chancellor Olaf Scholz is not acting thoughtfully and with a cool head. Rather, he is damaging Germany’s reputation – and his own party.

By Thomas Hanke


Reforma fiscal: mais uma década perdida? - Paulo Roberto de Almeida

As bases estruturais de uma escolha pelo baixo crescimento via aumento da carga fiscal

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre uma possível década perdida em função de uma reforma fiscal que aumente a extração tributária.

 

Minha opinião de leigo, mas observador da marcha da carruagem econômica, sobre as amarras que estão sendo construídas neste momento pela reforma tributária e pelo Arcabouço Fiscal.

O Brasil de Lula 3, com a ajuda interessada do estamento político, está montando um modelo de baixo crescimento, pois que baseado em mecanismos perversos de aumento inevitável da carga fiscal, já atualmente elevada para os padrões de um país de renda média e de baixa produtividade geral da economia. 

Todos estão aparentemente satisfeitos com a “simplificação contábil”, até o aumento da carga fiscal aparecer lá nas voltas de 2024. Vai ser difícil evitar o aumento da dívida e das exações fiscais, por estados e municípios, na forma de taxas adicionais. Os municípios de baixa densidade eleitoral vão sofrer, pois ficarão órfãos dos tais deputados com “emendas orçamentárias” na casa dos milhões (com um bom percentual para a corrupção ou o péssimo “investimento”).

 Junto com a continuidade do protecionismo, por “desinserção” deliberada da economia global, o modelo de não crescimento que está sendo construído agora vai levar o Brasil a patinar na mediocridade econômica por mais alguns anos, se não forem décadas.

Trata-se de uma opinião subjetiva esta minha, mas baseada em uma observação muito atenta da marcha da economia brasileira nos últimos quarenta anos, ou seja, desde a “década perdida” dos anos 1980. Podemos estar construindo uma economia estruturalmente de baixo crescimento e deliberadamente organizada à margem da economia global. Os instintos estatizantes e mercantilistas das elites econômicas e políticas nos levam a isto. 

Sorry pelo pessimismo realista, que no meu caso é apenas o reflexo de meu ceticismo sadio: preferia que o Brasil seguisse o caminho da abertura econômica com liberalização comercial e desestatização acelerada, ou seja inserção na economia global, mas é o contrário que vejo sendo construído.

Azar o nosso, mas não foi por falta de aviso.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4433, 13 julho 2023, 1 p.


terça-feira, 11 de julho de 2023

Defesa Nacional: desafios externos e internos - Rubens Barbosa (OESP)

 DEFESA NACIONAL: DESAFIOS EXTERNOS E INTERNOS


Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 11/07/2023


O cenário internacional vem passando por profundas transformações que terão impacto nos esforços brasileiros para alcançar objetivos relacionados ao seu desenvolvimento econômico e social e, também, à preservação de sua soberania e projeção externa. 

A geopolítica voltou a ocupar o centro das atenções das grandes potências. Os principais atores com capacidade militar e vontade para usá-la, como a OTAN, liderada pelos EUA, a Rússia e a China, encontram-se claramente em rota de colisão. Os EUA deixam cada vez mais claro a intenção de conter os avanços da China no cenário internacional, apesar de atitudes táticas de estabilizar as relações bilaterais e reduzir as tensões. A perspectiva de um conflito entre esses atores não deve ser descartada. A confrontação entre os EUA e a OTAN com a Rússia, por meio da guerra na Ucrânia dividiu o mundo. O Brasil, nas duas crises, definiu sua posição como de autonomia estratégica, de equidistância ativa entre os dois lados. Deve ser lembrado que os países ocidentais estão adotando uma posição muito proativa em questões de clima, inclusive no contexto da Defesa, como evidenciado por declaração da OTAN em sua última reunião na Espanha em 2022. O Brasil tem sido alvo da atenção desses países e reiteradamente criticado pela política ambiental e pela devastação da Amazônia.

Por outro lado, cabe apontar que uma nova era de operações bélicas com o uso de alta tecnologia já começou tornando obsoletos os sistemas de armas usados nos conflitos e os sistemas de defesa para a proteção das fronteiras. Se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar meios robóticos e de inteligência artificial estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seu território, sua extensão marítima ou seu espaço aéreo.

Em qualquer desses cenários, o Brasil necessitará de uma capacidade militar crível e muito superior à que hoje possui, para dissuadir possíveis ameaças e para aumentar sua projeção externa. As três áreas ressaltadas na END (cibernética, energia nuclear e espaço) deveriam merecer estímulos, como ocorre nos EUA e na OTAN, para que a produção nacional supere as vulnerabilidades cada vez maiores de nossos materiais bélicos e responda aos novos desafios da inteligência artificial. Nenhum país de grande porte, como o Brasil, pode prescindir de uma capacidade industrial, tecnológica e de inovação própria para manter FFAA modernas e capazes de enfrentar qualquer tipo de ameaças. O Brasil possui uma base industrial de defesa muito pequena e incapaz de atender às necessidades de suas FFAA. Quase todos os meios existentes, e/ou os seus principais componentes e tecnologias críticas, são fornecidos por países da OTAN. É necessário atentar para a qualidade dos investimentos em Defesa já que mais do que 3/4 dos gastos são com bens e serviços de origem estrangeira. É fundamental criar condições para aumentar o conteúdo nacional dos sistemas de Defesa de forma a potencializar a reindustrialização e a geração de empregos. Esta dependência de meios e tecnologias dos países da OTAN se constitui em enorme vulnerabilidade, especialmente no momento que estamos atravessando. Nesse contexto, parece claro que o Brasil necessita começar imediatamente um grande e continuado esforço para desenvolver, da forma mais autônoma possível, sua capacidade militar. É necessário estabelecer uma agenda positiva para a Defesa de curto, médio e longo prazo, que inclua a Defesa como uma das vertentes da reindustrialização do país. A agenda de curto prazo deveria incluir, entre outros aspectos, o fortalecimento da Base Industrial da Defesa por meio de sua crescente nacionalização, da atuação do BNDES e Banco do Brasil para o financiamento do comprador de produtos da BID e outorga de performance bonds e para a criação de empresas críticas de defesa.

Os acontecimentos político-militares recentes e as desconfianças criadas no mais alto nível do atual governo, é importante ressaltar, estão sendo contrabalançados pelo fato de   que, apesar das tentativas da presidência anterior e do envolvimento de militares da ativa em ações político-partidárias, as FFAA, como instituição, nos últimos quatro anos, reafirmaram seu profissionalismo e evitaram qualquer interferência que colocasse em risco a democracia.

Dentro desse contexto, torna-se urgente discutir dois temas: uma grande estratégia para o Brasil, uma estratégia de segurança nacional de médio e longo prazo, a exemplo dos documentos recentes da Alemanha, EUA e Reino Unido. Nesse contexto, deverão ser levadas em conta as atuais vulnerabilidades das FFAA e estimulada, no âmbito das políticas de reindustrialização, o fortalecimento da indústria de defesa. E, com base na nova atitude profissional das FFAA, examinar, de forma transparente, a normalização do relacionamento entre civis e militares com a definição de regras e práticas de um efetivo controle do executivo, legislativo e judiciário sobre os militares, como em muitos países.

Com a palavra a sociedade civil e o Congresso Nacional.

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN)

 

segunda-feira, 10 de julho de 2023

Sobre a verdadeira natureza do atual Estado russo - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre a verdadeira natureza do atual Estado russo

Paulo Roberto de Almeida

Lula ainda não parece ter compreendido que o Estado russo de Putin é uma cleptocracia governada no mais puro estilo mafioso (como era, aliás, a República de Weimar governada, entre 1933 e 1945, pelos criminosos do partido nazista chefiados por Hitler). Ele tem certeza de pretender colocar a diplomacia brasileira, via Brics, ao lado desses gangsters? 

Como se sentem os diplomatas brasileiros profissionais? 

Lourival Sant'Anna deveria dedicar uma de suas colunas a essa questão. Recomendo primeiro ler o livro de Karen Dawisha: Putin’s Kleptocracy: Who Owns Russia?


O significado maior da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida

O significado maior da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia

 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre as implicações da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia para a Rússia, a China e o Brasil.

 

Nem Putin, nem Xi Jinping, contavam com um conflito prolongado no caso da Ucrânia, com uma terrível sangria humana (eles só pensam, claro, nos soldados russos) e consequências desastrosas no comércio e outras interações com o Ocidente. 

Devem estar preocupados com o custo econômico e diplomático. Até quando as duas autocracias vão sustentar o embate com a Otan (no campo militar) e com parte do Ocidente (no campo econômico)?

Para Putin, o custo maior é simplesmente o seu poder pessoal, e o custo imposto à Rússia no plano econômico. No caso de Xi, deve estar pensando no custo bem maior de uma aventura militar no estreito de Taiwan. Terá de refazer o se planejamento para o término (se houver) de seu terceiro mandato no novo Celeste Império.

E o que faz o famoso e diáfano “Sul Global”? Faz cara de paisagem? Sinal de que não existe de fato como suposta entidade diplomática.

Essa guerra de agressão, que se pensava rápida e terminativa, já deixou sua marca nos livros de História e nos manuais militares (a serem escritos).

O Brasil de Lula 3 tampouco sairá engrandecido de uma postura considerada como objetivamente pró-Putin no terreno diplomático de suas relações com o que se poderia chamar de “Ocidente global”.

Os atuais dirigentes brasileiros já pensaram seriamente no impacto maior dessa guerra, a todos os títulos desastrosa para contendores e “espectadores”?

Não se trata de uma proxy war como outras no contexto dessa “segunda Guerra Fria”, agora sim, oficialmente declarada…

Os processos militares, econômicos, diplomáticos e geopolíticos ainda estão em desenvolvimento…

 

Paulo Roberto de Almeida

Uberaba, 4432, 10 julho 2023, 1 p.


domingo, 9 de julho de 2023

Bric-Brics e agora Brics+: onde está o interesse nacional brasileiro? - Paulo Roberto de Almeida e Oliver Stuenkel


O BRIC-BRICS SEMPRE FOI RUIM PARA O BRASIL: O BRICS+ SERÁ PIOR

Paulo Roberto de Almeida

 O BRIC (2006-2009) foi uma decisão equivocada, estrategicamente destruidora da autonomia em política externa, objetivo perseguido pela diplomacia brasileira desde sempre, adotada por um governo, o de Lula 1, claramente antiamericano e antiocidental, praticante de uma diplomacia partidária, sectária, enviesada e contrária aos interesses nacionais maiores do Brasil; já o ingresso da África do Sul (em 2011) representou uma imposição chinesa, que tende a se reproduzir agora na ampliação do BRICS, que só interessa à China e à Rússia. 

A decisão errada adotada entre 2006-2009, depois ampliada em 2011, agora ameaça de vez a pretensa autonomia da política externa do Brasil. O “bebê” acalentado de forma excessivamente otimista ao inicio, agora se transformou num “jovem” problemático, que serve a outros interesses que não os do Brasil. 

Não sei como Oliver Stuenkel ainda não percebeu isso. Meu livro sobre A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira (Kindle Amazon, 2022) aprofunda esse debate. 

Paulo Roberto de Almeida

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AMPLIAR O BRICS É RUIM PARA O BRASIL!

Oliver Stuenkel

Analista político e professor de relações internacionais da FGV em São Paulo

 O Estado de S. Paulo, 3/07/2023

No próximo dia 22 de agosto, os líderes do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul se reunirão em Joanesburgo para a 15ª cúpula do Brics. Por vários motivos, será o encontro mais importante da história do bloco, que se transformou em um grupo geopolítico em 2009, ano de sua primeira cúpula.

Em primeiro lugar, o anfitrião precisa lidar com uma situação diplomática delicada: como signatária do Tribunal Penal Internacional (TPI), a África do Sul tem a obrigação de prender o presidente russo se ele comparecer à reunião, pois o TPI emitiu, em março, mandado de prisão contra Vladimir Putin pela deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia.

Nos últimos meses, o governo sul-africano até considerou transferir a cúpula para a China – que não é signatária do TPI. Afinal, como o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki apontou recentemente: “Não podemos dizer ao presidente Putin, ‘por favor, venha para a África do Sul’ e depois prendê-lo. Ao mesmo tempo, não podemos dizer ‘venha para a África do Sul’ e não o prender – porque estamos violando nossa própria lei”.

Porém, ao que tudo indica, é justamente isso que o governo sul-africano fará, atitude que não apenas representaria um triunfo diplomático para Putin, mas também fortaleceria o grupo Brics: afinal, o país se mostraria disposto a violar sua própria legislação para preservar a tradição diplomática das cúpulas do Brics, às quais até hoje nenhum presidente deixou de comparecer.

Em segundo lugar, em Joanesburgo o grupo estará diante da decisão mais importante de sua história: criar ou não um processo formal para admitir novos integrantes. Em 2010, a China conseguiu convencer o Brasil, a Rússia e a Índia a agregar a África do Sul, argumentando que incluir um país africano dava ao Brics mais legitimidade para falar em nome do mundo em desenvolvimento.

Parte da motivação, porém, provavelmente foi o desejo chinês de tornar supérfluo o IBAS – grupo criado em 2003 composto por Índia, Brasil e África do Sul – pois a consolidação de um agrupamento de três grandes democracias no Sul Global não era do interesse de Pequim. De fato, em 2013, o IBAS, uma das principais inovações da política externa do primeiro mandato Lula, perdeu relevância.

Desde 2017, a China promove sua visão de um Brics ampliado, e perto de 20 países – entre eles o Egito, o Irã, a Argentina e a Arábia Saudita – sinalizaram o interesse em aderir. Como a China, cujo PIB é maior do que de todos os outros integrantes somados, sempre será vista como líder do grupo, a expansão faz sentido para Pequim, e um Brics com dez ou vinte integrantes pode ajudar a formalizar a enorme influência econômica e política que a China já exerce globalmente. Para a Rússia, a expansão também faz sentido para se proteger do crescente isolamento diplomático.

Para a Índia e o Brasil, porém, ampliar o grupo teria um custo estratégico significativo: um Brics diluído dificilmente traria o mesmo prestígio, status e exclusividade que oferece hoje. É em parte graças ao Brics que o Brasil ainda é visto como uma potência em ascensão, apesar de estar em estagnação há uma década. Enquanto Nova Deli e Brasília têm a capacidade de vetar decisões em um agrupamento de cinco países, é bem mais difícil exercer a mesma influência em uma aliança de dez ou vinte, onde o maior objetivo dos novos integrantes é fortalecer laços econômicos com a China.

Além disso, é importante lembrar que vários dos países que buscam aderir ao grupo adotam uma estratégia explicitamente anti-ocidental, contrária à estratégia brasileira e indiana de articular uma postura de não-alinhamento no contexto das crescentes tensões entre os EUA e a China. Um Brics que inclua a Venezuela, o Irã e a Síria dificultaria garantir que as declarações finais das cúpulas tenham um tom moderado.

A participação brasileira do grupo Brics, do jeito que está, produz vantagens concretas para o Brasil, trazendo prestígio diplomático e facilitando o diálogo com quatro atores-chave no sistema internacional com os quais o País não tinha relação estreita há apenas duas décadas. Aceitar um Brics ampliado equivaleria a abrir mão desses benefícios.