terça-feira, 31 de agosto de 2010

Esses jornalistas curiosos: politica economica externa do Brasil

Recebi algumas perguntas de um jornalista sobre a política econômica externa do Brasil. Não sei se ele vai aproveitar tudo, provavelmente não. Já prevendo essa possibilidade, publico aqui minhas respostas.
Paulo Roberto de Almeida

1) Como o senhor vê a atual política externa do País?
Permito-me não responder diretamente a esta pergunta, uma vez que, sendo diplomata da ativa, a legislação em vigor demanda que eu obtenha autorização do Itamaraty para pronunciar-me publicamente sobre a política externa corrente, o que sempre implica em alguma avaliação pessoal sobre sua natureza, sobre sua eficácia, ou alguma opinião pessoal sobre seus resultados.
O que poderia fazer seria comentar a impressão que se tem, inclusive com base nas evidências existentes a partir dos debates a respeito da política externa, nos meios de comunicação do Brasil, de que ela parece dispor, atualmente, de duas avaliações fortemente contrastantes, quando não simetricamente opostas. Existem, por um lado, aqueles que acreditam que ela corresponde ao melhor dos interesses do país, nisso concordando com a opinião que o governo tem dele próprio, e aqueles, de outro lado, que afirmam possuir ela marcado viés partidário, representando mais as preferências políticas de um partido, no caso o PT, do que os interesses nacionais no sentido amplo da palavra. De fato, observando-se objetivamente as controvérsias a respeito da política externa, pode-se precisamente concluir que em nenhuma outra época essa política governamental despertou tantos debates contraditórios e gerou tanto apoio de um lado e tanta oposição de outro, quando antes ela se desenvolvia quase que na indiferença geral da população.

2) O desenvolvimento brasileiro fica comprometido ou tem uma oportunidade com o baixo crescimento nos países ricos é oportunidade ou obstáculo ao desenvolvimento brasileiro? Como enfrentar a situação em caso de comprometimento; e o que deve ser feito em caso de ser uma oportunidade?
Não resta nenhuma dúvida de que o Brasil não está imune aos ciclos de conjuntura da economia mundial e que seu processo de desenvolvimento pode, sim, ser afetado, pelo comportamento errático dos principais mercados internacionais: comércio global, fluxos de investimentos, oferta de capitais, volatilidade cambial, etc. Mas, sendo um país e uma economia bem mais fechados à economia mundial do que a média – com uma interface externa inferior a 20% do PIB – o Brasil sofre menos o impacto da conjuntura negativa nos principais mercados internacionais, embora esses impactos tenham de ser analisados setorialmente. Assim como nos beneficiamos enormemente com a elevação dos preços das principais commodities exportadas pelo Brasil no período que vai de 2003 a 2008, inclusive com a enorme demanda gerada pela economia chinesa – que tornou-se nossa principal parceira comercial desde o início deste ano – também sofremos o impacto de sua queda no período subsequente assim como a retração da oferta de crédito comercial que se manifestou logo após a série crise do sistema bancário americano.
Toda e qualquer retração da economia mundial sempre nos afeta negativamente, mesmo se a China ocupa hoje um espaço preeminente na estrutura geográfica de nossas exportações. Não podemos descurar que ela importa basicamente matérias primas, e que ela nos toma mercados de manufaturados, em outros continentes e na própria região. Como em toda em qualquer situação de riscos prováveis, seja na área comercial ou puramente financeira, a receita é sempre a mesma: diversificar mercados e clientes, ampliar a pauta de exportações, sofisticar sua composição pela agregação de valor e reduzir os riscos de impactos negativos. De certa forma já fizemos isso, ao preparar os bancos para enfrentar riscos sistêmicos, com o PROER; também já nos munimos de reservas suficientes para enfrentar uma retração mais severa do mercado de capitais e dos financiamentos externos.
Quanto ao processo de desenvolvimento, em si, ele não depende apenas de mercados externos – que como já se mencionou, representa parte relativamente pequena da economia brasileira – mas de uma dinâmica própria de investimentos produtivos que depende basicamente de nossas próprias políticas para criar um impulso auto-gerado de crescimento sustentado, com transformações produtivas e distribuição de renda. Ora, é notório que a taxa de poupança, e portanto de investimento, da economia brasileira se situa em patamares muito modestos, e isto depende basicamente de nós mesmos, não da conjuntura externa, que pode atuar, se tanto, apenas de maneira complementar nesse aspecto. Não que o Brasil não tenha condições de gerar poupança de modo relativamente satisfatório, mas é que atualmente ela é apropriada de maneira desproporcional pelo Estado e reverte muito pouco em benefício do investimento produtivo.

3) Os países asiáticos crescem aceleradamente com base na indústria e nos serviços de informática, os países ricos apresentam perspectivas modestas de crescimento, e o centro do mundo desloca-se para a Ásia. Como esse quadro mundial se reflete no Brasil?
Não existe nenhum problema nisso, pois demanda externa é sempre um estímulo de mercado, de onde quer que ele venha. Mas é óbvio que os empresários brasileiros, em especial os exportadores, não podem se acomodar em mercados tradicionais e deixar de lado aqueles que estão crescendo de modo mais dinâmico, o que é o caso precisamente dos países emergentes, muitos deles asiáticos. Não é que o centro do mundo se tenha deslocado para lá, pois afinal de contas o chamado Ocidente desenvolvidos (América do Norte, Europa ocidental e o Japão) continua grande gerador de tecnologia, fornecedor de know-how e provedor importante de capitais de empréstimos e de investimentos; mas é que os emergentes asiáticos estão crescendo em ritmos inéditos na economia mundial e não se deve perder as oportunidades abertas para a ampliação de nossas exportações. Como sempre, é preciso arregaçar as mangas, fazer as malas, e sair pelo mundo abrindo novos mercados.

4) Nesse sentido, o Brasil deve seguir os passos dos países asiáticos, ou tem condições de crescer mantendo sua pauta de exportações concentrada em commodities como vem ocorrendo nos últimos anos?
Ser produtor de commodities não é necessariamente um atraso para o país, se ele possui capacidade “instalada” nessas áreas e vantagens comparativas na produção de produtos intensivos em recursos naturais. Mas seria recomendável – e qualquer pessoa inteligente diria isto –que o país possa passar, mais ou menos rapidamente, da simples exportação de commodities (que por definição possuem pouco valor agregado) para a exportação de produtos mais sofisticados a partir das mesmas commodities; que o Brasil, portanto, suba na escala tecnológica, para auferir mais renda do comércio internacional.
Ou seja, em lugar de minério bruto, produtos siderúrgicos; em lugar de soja em grãos, alimentos processados; em lugar de carne in natura, cortes finos; em lugar de café em grãos, solúvel e processados, ou cafés especiais. Todas, absolutamente todas as commodities oferecem possibilidades de elevação na escala tecnológica. O que não se pode fazer é se contentar com sua exportação indiferenciada como fizemos com o café durante 200 anos nos séculos 19 e 20. Não há porque recusar as vantagens comparativas do Brasil, que são enormes na área agrícola e mineral, mas não há que se contentar com isso, e sim buscar sempre as vantagens comparativas dinâmicas, e não ficar nas estáticas. Em qualquer hipótese, ninguém cresce simplesmente tentando imitar os outros, e sim descobrindo seus próprios nichos de mercado com base em sua dotação de recursos, em sua base produtiva instalada e na exploração de novas perspectivas de mercados que se ajustem ao perfil econômico do país, com base numa avaliação muito realista das possibilidades existentes.

5) O Brasil deve ter uma postura de maior enfrentamento na busca de novos mercados com a China e outros países asiáticos?
Se “enfrentamento” significa partir para a conquista de novos mercados, é óbvio que se deve adotar essa postura. Se, ao contrário, significar fechamento e confrontação com as realidades competitivas existentes, creio que não seria o bom caminho. Todo país interessado em crescimento com modernização tecnológica tem sempre de buscar mercados externos, o melhor terreno e um excelente laboratório de testes para comprovar, ou formar, excelência competitiva e empresas de primeira linha. Nunca podemos nos acomodar com as situações existentes, porque elas não são, justamente, permanentes e seguras. Sempre teremos de enfrentar competidores, em qualquer terreno que seja. Por isso, a melhor política é se antecipar, não esperar que algum desfecho desfavorável se apresente ante nós.

6) O que o País deve fazer para enfrentar a concorrência da China na área industrial?
Sobretudo não seguir as recomendações de certo empresário, por acaso presidente de uma grande entidade patronal, que pretende “fechar o Brasil”, cercear as importações, viver na base de proteção tarifária, subsídios setoriais, créditos facilitados a um pequeno grupo de industriais privilegiados e outras medidas absolutamente inócuas e sobretudo deletérias no plano da competitividade interna e externa. Desafios devem ser enfrentados, e os principais se encontram aqui mesmo, dentro do país. Se os empresários, em lugar de ficar reclamando do câmbio e da concorrência estrangeira, e de ficar pedindo proteção e subsídios, se organizassem para atacar as verdadeiras causas da baixa competitividade brasileira já seria um grande progresso.
Ora, não se pode pretender vencer uma corrida, ou melhor, enfrentar uma maratona, que é o comércio internacional e a concorrência estrangeira nos próprios mercados nacionais, com uma bola de ferro amarrada nos pés. Essa bola de ferro tem um nome, e ele responde pelo genérico de “custo Brasil”. Se formos analisar do que ele é composto, é fácil de identificar um sem número de impostos, taxas e contribuições – aliás inacreditavelmente alto para os padrões de qualquer país do mundo –, uma selva emaranhada de dificuldades burocráticas – basta ler os relatórios Doing Business do Banco Mundial para comprovar isso – e um custo do capital penosamente muito alto para os que desejam investir. E se formos à origem desse cenário pavoroso para o empresário ele também tem um nome: Estado brasileiro.
Se os empresários brasileiros desejam de verdade “enfrentar” a China, eles devem partir da constatação de que a carga fiscal na China se situa na faixa de 20% do PIB, o que representa a metade, em termos reais, da carga tributária total no Brasil. Mais ainda, uma entidade insuspeita de viés pró-China, a Freedom House, um think tank comprometido com uma visão liberal do mundo, coloca a China bem à frente do Brasil em termos de liberdade econômica, o que é absolutamente inacreditável, mas é verdade. Um Estado que ainda se proclama socialista, e que certamente não é o modelo democrático que pensamos construir no Brasil, oferece mais liberdade econômica a seus empresários do que o Brasil.

7) Quais iniciativas devem ser adotadas pelo governo brasileiro nos planos industrial, financeiro e cambial com vistas a ampliar a capacidade de competição dos produtos brasileiros?
Essas políticas setoriais só fazem sentido, se é verdade que elas podem ser adotadas isoladamente de outras, compondo um cenário econômico favorável aos negócios de modo geral, se elas forem integradas a políticas universais, e não seletivas, de construção de um bom ambiente macroeconômico para a realização de investimentos, com regras de jogo iguais para todos, sem privilégios setoriais. Essas políticas deveriam ser as mais horizontais possíveis, contemplando os interesses de produtores e consumidores em seu conjunto, e não apenas um grupo especial de favorecidos pelo Estado. O Brasil já fez isso durante muito tempo, e o resultado não foi bom.
Como regra geral, em lugar de me fixar nesse tipo de política seletiva, que acaba beneficiando quem já é rico, eu preferiria privilegiar um conjunto de políticas de amplo espectro que possam ser suscetíveis de contribuir para um processo de crescimento sustentado com base nas seguintes premissas:
1) Macroeconomia estável, transparente e uniforme: políticas de controle da inflação, de equilíbrio fiscal, de câmbio e juros alinhados com parâmetros do mercado e não distorcidos por um Estado voraz ou orientado apenas para contemplar interesses setoriais; estrutura tributária simplificada e se possível enxuta.
2) Microeconomia competitiva, sem cartéis e setores protegidos, que distorcem preços e a concorrência; financiamento das empresas via mercado de capitais e não bancos estatais, que na verdade subtraem poupança do setor privado.
3) Alta qualidade dos recursos humanos, o que começa sobretudo pela educação de base, a de maiores retornos produtivos; concentração em matérias de base (português, ciências e matemáticas elementares) e avaliação constante da qualidade do ensino, que deve privilegiar o mérito profissional dos professores, acabando com o falso igualitarismo da isonomia, que mantém a mediocridade atual.
4) Boa governança, com reforma dos procedimentos judiciais, eliminação da justiça trabalhista (ela mesma criadora de conflitos, podendo ser substituída pela arbitragem); eliminação progressiva da estabilidade no setor público, fonte de baixa produtividade.
5) Maior abertura econômica, liberalização comercial, atratividade ao investimento estrangeiros, fontes de modernização tecnológica e melhorias no perfil produtivo nacional.

8) A política externa do Brasil muda a partir do pré-sal?
Nenhuma política externa pode ser definida a partir de um único recurso natural, por mais importante que este possa ser na estrutura produtiva da economia. São notórios e conhecidos os casos de “maldição do petróleo”, capaz de levar toda uma sociedade a comportamentos rentistas absolutamente inaceitáveis do ponto de vista da busca de maiores ganhos de produtividade e de aperfeiçoamentos constantes no sistema produtivo, que se pretende amplo e diversificado, não deformado pela existência de um “maná petrolífero” que pode ser inclusive negativo do ponto de vista dos comportamentos coletivos. O pré-sal pode ser positivo se ele libertar o Brasil da dependência de fontes externas de energia, o que era o caso até os anos 1980, mas deve-se dizer que se alcançou essa situação atual, de relativo conforto, no plano das pesquisas, das reservas e das possibilidades de exploração e de produção, com base numa reforma modernizante do setor do petróleo, que o abriu à participação estrangeira e à concorrência de novos produtores. Mudar a legislação de volta ao velho perfil estatizante, apenas para atender a cacoetes patrioteiros de políticos rentistas, não me parece o melhor padrão para continuar no caminho da modernização econômica e tecnológica. Isso inclusive impõe um custo à Petrobras, que deveria ser livre para decidir o que fazer com base numa análise puramente técnica e econômica das possibilidades de exploração, não com base em injunções políticas.
O pré-sal não muda a política externa, embora alguns acreditem que sim. Ele não pode ser motivo para arrogância e falsas suficiências, que não têm razão de ser no plano das relações internacionais do Brasil.

Shanghai, 1 setembro 2010.
Transcrito parcialmente, sob o título “Brasil sofre menos impacto de crises mundiais porque economia é mais fechada” no site gaúcho PortoGente (7.09.2010).

Agricultura, sempre ajudando o Brasil - Carlos Alberto Sardenberg

A coluna do conhecido jornalista, que desta vez cita meu amigo professor em Brasília Carlos Pio:

O Brasil deles é melhor
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 30 de agosto de 2010

A agricultura brasileira, incluindo a criação de gado, sofre dois tipos de crítica por aqui: 1) destrói o meio ambiente, especialmente a Amazônia; e 2) por seu caráter capitalista-global, concentra renda, não emprega nem garante comida para os brasileiros.

A exportação de alimentos, em especial, é vista não como uma virtude, mas como um tipo de atraso econômico. Neste ponto de vista, o País não poderia ou não deveria ocupar no mundo o papel de "mero" exportador de comida e de matérias-primas (commodities) como o minério de ferro.

Tratados no exterior, esses temas viram de ponta-cabeça. Na edição desta semana, a revista The Economist não mede palavras. Em editorial e reportagem, observa que a agricultura brasileira é um milagre e sugere que outros países adotem o mesmo modelo para "alimentar" o mundo.

Ou seja, o caráter exportador de alimentos aparece como uma virtude global, especialmente neste momento em que, diz a revista, prolifera mundo afora um "agropessimismo" - a sensação de que não há como, a humanidade não consegue se alimentar a não ser destruindo o planeta. O Brasil, diz a respeitada publicação, seria a alternativa: como produzir sem destruir.

Ter comida para exportar é, pois, um fator extremamente positivo neste ambiente global. O Brasil poderia alimentar o mundo pelas próximas décadas.

O mesmo tema, com abordagem parecida, surgiu durante um debate promovido na semana passada pelo HSBC brasileiro. O banco trouxe seus principais executivos da Ásia e um representante do governo chinês para debater as perspectivas de negócios Brasil-China, nas duas direções. Todos os participantes trataram de uma "complementaridade": a China desesperadamente em busca de recursos naturais e o Brasil com abundância desses recursos.

Obviamente, a questão seguinte do debate estava posta: mas é essa a posição brasileira esperada, de fornecedor de alimentos e minério de ferro e importador de manufaturados e máquinas?

O representante do governo chinês Chen Lin, diretor do Ministério do Comércio, não entendeu. Mas qual problema existe aí? - foi sua primeira reação.

Explicados os contornos do tema, respondeu com franqueza. O ponto principal: recursos naturais estão escassos, especialmente para um país de 1,35 bilhão de habitantes que desejam produzir e enriquecer. Ter esses recursos é uma vantagem estratégica espetacular no mundo de hoje. E a prova disso, acrescentou, é que os preços dos produtos exportados pelo Brasil subiram extraordinariamente nos últimos anos. (Lembram-se dos reajustes de até 100% que a Vale conseguiu para seu minério de maior qualidade, o de Carajás?) E os produtos industrializados chineses, ao contrário, tiveram quedas de preços.

Executivos do HSBC da Ásia, Anita Fung e Che-Ning Liu observaram ainda que o Brasil simplesmente deveria aproveitar a bonança, os preços elevados de alimentos e commodities, em boa parte puxados pela voracidade da China. É um bônus do momento, notou Che-Ning Liu. E se o País acha melhor para o futuro produzir máquinas e tecnologias, o.k., exporte commodities hoje e junte os recursos para desenvolver novos setores.

Pagamos mais caro. Sobre o artigo da semana passada, Pagamos mais caro. E agora?, recebi esta colaboração do professor Carlos Pio, da Universidade de Brasília:

"1) A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelas diferenças de preços de produtos globais. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil, enquanto custa o dobro aqui.

2) Os formuladores de políticas de desenvolvimento e os políticos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil... Ora, a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, falta de liberdade para importar tecnologia e insumos), que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário leva um subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm de comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso, perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.

As empresas de aluguel de veículos têm de optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade e os carros "nacionais" de luxo mais caros do que no resto do mundo. Com a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.

O burocrata acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.

3) Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem."

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Agricultura, industria, servicos - valor agregado e preconceitos bobos

Um leitor deste blog, Felipe Xavier, comentando sobre o post (abaixo) da "economia política da idiotice", formulou-me a seguinte pergunta"

Na sua opinião, professor, existe algum motivo razoável para essa preterição da agricultura em favor da indústria? O Sr. concorda com a visão de que ser um produtor de commodities representa um atraso para o país??

Respondo rapidamente, por falta de tempo, mas recomendo que o Felipe leia mais sobre a repartição setorial da economia -- eu mesmo já escrevi a respeito, em meu livro O Brasil e o Multilateralismo Econômico -- e sobre as noções de valor agregado e de produtividade em economia, que são simples, mas é preciso entender exatamente do que se está falando.

O preconceito contra a agricultura é tão velho quanto a revolução industrial, ou seja, tem mais de 250 anos; isso a despeito do fato que a agricultura movimentou todas as sociedades nos últimos 10 mil anos, continua fazendo seu dever de alimentar a humanidade e contribui também para os equilíbrios ambientais (quando administrada de forma correta, no plano ambiental e ecológico).

Os fisiocratas tinham a agricultura em alta conta, e acham que ela era a verdadeira criadora de riqueza. Não, não é, mas pelo menos eles não cometeram a bobagem de considerar, como Marx, que os serviços era "improdutivos", porque eles supostamente não agregavam valor ao produto (segundo sua concepção totalmente equivocada de basear a extração de mais-valia no ato físico da transformação da mercadoria.

É certo que o crescimento da produtividade apresenta taxas mais altas na indústria do que na agricultura (que é mais lenta a reagor a melhorias nos processos e nos produtos), mas os serviços também são de difícil mensuração metodológica, e nem por isso deixam de representar a maior parte da criação de valor em praticamente todas as sociedades. É certo também que a industria apresenta maiores efeitos em cadeia -- backward and forward linkages -- do que a agricultura, mas isso não é motivo para desprezá-la, ou achar que ela não pode desenvolver um país.

Pode. Não só pode, como o fez, com sociedades que se desenvolveram basicamente sobre a base de uma agricultura de alta produtividade, como a Dinamarca, a Nova Zelândia, a própria Holanda, assim como a Inglaterra de antes da revolução industrial. O Brasil, aliás, é uma prova disso, ainda que de maneira não convencional.
Nossa agricultura foi um setor muito atrasado da economia durante mais de 4 séculos, por deficiências estruturais e outras características que não vem ao caso, agora, explicitar.
Mas é um fato que a agricultura no Brasil tornou-se um setor bastante avançado, com muita agregação de valor, e incorporação plena de insumos e produtos da indústria e dos serviços. É ela praticamente que sustenta nosso saldo de transações correntes, é ela que nos projeta no mundo com tal força que seremos, pela primeira vez em cinco séculos, um país verdadeiramente estratégico, o que NUNCA fomos. E isso não apenas pela agricultura de alimentação, mas também pela produção de combustível de biomassa, os renováveis substituindo os fósseis, tão denegridos nestes tempos de preconceitos contra o aquecimento global...

Ser produtor de commodities não é necessariamente um atraso para o país, se ele possui capacidade "instalada" e vantagens comparativas nessa área. Mas se recomenda -- e qualquer pessoa inteligente diria isto -- que o país abandonne rapidamente as commodities (que possuem pouco valor agregado) e subam na escala tecnológica, para auferir mais renda do comércio internacional.
Assim, em lugar de minério bruto, produtos siderúrgico; em lugar de soja em grãos, alimentos processados; em lugar de carne in natura, cortes finos; em lugar de café em grãos, solúvel e processados, ou cafés especiais. Enfim, a agricultura NÃO tem por que ser atrasada, pois ela não é.
Quem são atrasados são os homens...
Isso dá para mudar...

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 30.08.2010)

Tem economista que continua a beber demais...

Semana passada, ao deparar com um artigo alucinado deste mesmo economista, eu afirmei que ele andava bebendo demais, e lhe dei um crédito de confiança, ou seja, disse que seria preciso aguardar o próximo artigo para uma segunda verificação.
Eu realmente gostaria de lhe aplicar o teste do bafômetro, para ver se ele continua tão bêbado quanto da primeira vez, como evidenciado neste artigo:

Economistas tambem tem o direito de ficar bebados...
Aug 22, 2010
Só pode ter sido por efeito da bebida, ou de algum remédio que o tenha deixado eufórico, não sei exatamente o que pode ter sido. O que ele escreve, da primeira até a última linha, não só não faz nenhum sentido econômico, ...

Bem, parece que ele continua bebendo. Não sei o que dizer. Não é o caso de internação para desintoxicação, pois pode ser passageiro. Também não é o caso de recomendar os Alcólicos Anônimos da Associação dos Economistas Brasileiros, se uma ou outra entidade existe de fato. Vamos ter mais um pouco de paciência.
Se ele continuar a falar de moeda comum, vamos tentar a psiquiatria econômica, se é que tal coisa existe...
Não sei o que acomete pessoas normais, economistas até sensatos, a de vez em quando degringolar tão rapidamente para a insanidade. Deve ser o clima reinante no país, nunca antes tínhamos observado tantas loucuras econômicas, pode ser que um mosquito do Planalto central o tenha picado, vai lá saber...
Só sei dizer que ele não está em seu estado normal...
Paulo Roberto de Almeida

O eixo da integração continental
Paulo Guedes
O Globo, 29.08.2010

Nunca é demais insistir no aprofundamento da integração econômica latino-americana em direção ao peso-real, a moeda comum continental, como o passaporte para a modernização institucional de toda a região. A forte valorização dos preços dos recursos naturais na primeira década do século XXI permitiu um afrouxamento das crônicas restrições de balanço de pagamentos sobre as possibilidades de crescimento das economias latinoamericanas. Esse alívio nas amarras antes exercidas pelo elevado grau de vulnerabilidade externa retirou as crises cambiais dos noticiários, permitiu uma aceleração do crescimento e do consumo, mas deu margem também a abusos demagógicos na condução da política econômica por alguns países.

E são exatamente esses países que praticam agora graves retrocessos institucionais, como o ataque à independência dos poderes, a desmoralização de suas moedas e a tentativa de restringir a liberdade de imprensa. É importante que se descubra uma agenda positiva para a região, antes que o esgotamento de um longo ciclo expansionista global resulte no fracasso econômico, caldo cultural para o retrocesso político das democracias emergentes.

Cuba precisa ser salva de si mesma.
Desconhece o caminho para a redemocratização.

A Venezuela mergulhou no abismo do socialismo bolivariano, rota anárquica para o caos, desembocando na supressão da liberdade de opinião e na busca de um bode expiatório externo — a ameaça de conflito armado com a Colômbia — para os fracassos internos. A Argentina segue também por caminhos equivocados, embora com grau de retrocesso institucional mais moderado.

É impossível não ter simpatia pela impaciência de Evo Morales, Rafael Correa e do próprio Hugo Chávez com a insensibilidade e a incompetência das elites políticas conservadoras de seus países.

Mas é trágico vê-los se afogando em um turbilhão de conhecidos experimentos que já empobreceram materialmente e oprimiram politicamente populações inteiras ao redor do mundo.

Eu não teria a presunção de colocar o Brasil inequivocamente à frente de países como o Chile, o Peru e a Colômbia na corrida para o futuro rumo à Grande Sociedade Aberta. Mas, por sua dimensão continental, pelas fronteiras comuns a quase todos, pela diversificação de sua economia e pela força de sua moeda, o Brasil será o eixo dessa integração econômica regional, em sua marcha para a moeda comum.

FMI: a dificil reforma da representacao proporcional (proporcional a que, exatamente?)

Disputa entre EUA e Europa no FMI ameaça Brasil
Alex Ribeiro, de Washington
Valor Econômico, 30/08/2010

Novo equilíbrio: Número de diretorias deve cair de 24 para 20 para forçar europeus a abrir mão de poder

O Brasil e outros países emergentes importantes estão sob ameaça de perder as suas representações dentro da diretoria executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI), no mais recente capítulo na disputa pela redistribuição do poder no organismo multilateral.

Esse desfecho, embora politicamente bastante improvável, tornou-se teoricamente possível depois que os Estados Unidos tomaram uma medida que, na prática, reduz de 24 para 20 o números de membros na diretoria executiva do FMI.

O movimento americano teve como alvo países europeus, para forçá-los a abrir mão do poder desproporcional que detêm no organismo multilateral. Mas as cadeiras na diretoria executiva lideradas por Brasil, Argentina, Índia e Ruanda entraram na linha de tiro porque são os grupos com menor poder de voto no organismo e que, em tese, estariam mais vulneráveis a perder seus assentos caso não haja acordo para redistribuir as diretorias do Fundo Monetário Internacional.

"Os Estados Unidos jogaram uma bomba atômica", afirma um técnico que acompanha as negociações. "Ninguém acredita que o FMI seja viável sem duas letras dos BRICs nem sem as suas cadeiras da América Latina, por isso os europeus terão que negociar." Amanhã, os países europeus vão se reunir para discutir o impasse, e alguma solução deve ser encontrada até 31 de outubro, quando termina o atual mandato dos diretores do FMI.

Depois da atual crise econômica mundial, os países reunidos no G-20 decidiram que era hora de redistribuir o poder dentro dos organismos multilaterais, dando mais voz para economias que crescem rapidamente, como China, India, Brasil e Rússia. Mas, para tanto, será necessário que economias hoje menos importantes no cenário mundial, como Bélgica, abram mão de poder.

Numa primeira rodada, 2,5% das cotas foram transferidos para países em desenvolvimento, e o Brasil teve seu poder de voto elevado de 1,4% para 1,7%.

Até novembro, quando ocorre a próxima reunião de cúpula do G-20, na Coreia do Sul, devem ser redistribuídos mais 5% dos votos. As negociações, porém, chegaram a um impasse, com grandes chances de fracasso.

O ponto central da discórdia é o critério para distribuir cotas. Hoje, a fórmula dá um grande peso para o grau de abertura da economia, o que faz, por exemplo, com que Bélgica e Holanda tenham mais votos que o Brasil. Os países emergentes querem que seja dado mais peso para critérios como o tamanho da economia, pelo conceito de paridade do poder de compra (PPP). Se o FMI der mais peso ao volume de reservas, o Brasil também pode sair ganhando.

Há algumas divisões também entre os países em desenvolvimento. O G-20 declarou que deve ser dado mais poder para as economias dinâmicas. Nesse conceito, estão seguramente Brasil e China, mas há disputas sobre a inclusão da Argentina, por exemplo, nesse clube.

Para forçar um acordo, os Estados Unidos exerceram seu poder de veto sobre as regras eleitorais. Uma das consequências disso é que o número de diretores-executivos do FMI cai de 24 para 20. Nos estatutos do FMI, estão previstos apenas 20 diretores. Com o fim do bloco soviético, novas economias foram agregadas ao fundo, que teve o número de vagas ampliado temporariamente para 24. Essa ampliação deve ser renovada a cada eleição.

Os Estados Unidos, que estão alinhados com os países emergentes na questão da redistribuição das cotas, deixaram claro em conversas com negociadores brasileiros que sua intenção é forçar os europeus a uma negociação - e não levar à perda de cadeira para os grupos com menos votos.

Há outros pontos da agenda de reforma do FMI, porém, em que Brasil e Estados Unidos estão de lados opostos. O Brasil quer eliminar o poder de veto dos Estados Unidos, que têm 16,74% dos votos no organismo. Os negociadores brasileiros também querem acabar com um acordo informal que sempre dá o comando do FMI a um europeu, e o do Banco Mundial, a um americano.

Chegou a hora de reler Kafka...

Recomendo O Processo, sobre um indivíduo processado não se sabe bem por que, ou por quem.
Ideal para certos países das redondezas.

Por uma dessas ironias da história, eu o li pela primeira vez em espanhol, numa dessas edições da Casa de las Américas, de Cuba, feitas no início dos anos 1960, que posso apostar que NUNCA mais foi reeditada na ilha kafkiana...
Et pour cause...

Paulo Roberto de Almeida

Brasil: a economia em trajetoria inviavel

Por estas e por muitas outras razões. Nunca antes neste país a economia foi submetida a uma crônica de um esgotamento anunciado.
Poderia fazer uma aposta com os aqui presentes: até o final do próximo governo, a carga fiscal terá passado de 40% do PIB no novo conceito do IBGE...
Paulo Roberto de Almeida

GOVERNOS MAIS INCHADOS
EDITORIAL - O ESTADO DE S. PAULO
29/8/2010

Quanto mais se perde receita, mais é preciso gastar. Esta parece ser a inexplicável lógica predominante na administração pública, em todos os níveis, quando a questão é o funcionalismo público. Em 2009, ano em que a crise mundial mais afetou a atividade econômica no Brasil e, por isso, fez cair, em termos reais, o total de impostos arrecadados pela União, pelos Estados e pelos municípios, o número de novos empregos no setor público quadruplicou em relação a 2008. Desse modo, a administração pública se tornou o segundo setor da economia que mais contratou naquele ano.

A crise provocou uma brusca redução do ritmo de atividade da economia no ano passado. Em 2008, o PIB cresceu 5,1%, mas, em 2009, encolheu 0,2%. As finanças públicas foram claramente afetadas. No ano passado, a União, os Estados e os municípios arrecadaram R$ 1,09 trilhão, valor 3,4% maior do que o total de impostos arrecadados em 2008, em termos nominais. Como a inflação em 2009 ficou em 4,31%, em valores reais a arrecadação encolheu, fato que já era previsto desde o início do ano.

O impacto da forte desaceleração da economia sobre o mercado de trabalho no ano passado, no entanto, foi mitigado por diversos fatores, entre os quais os estímulos fiscais oferecidos pelo governo para alguns setores escolhidos e a ampla oferta de crédito para o consumo. A temerária decisão dos administradores públicos de contratar funcionários em massa, num período de notórias dificuldades para todos e de queda das receitas tributárias em termos reais, contribuiu muito para preservar o nível de emprego no País - a um custo altíssimo, porém.

Os governos contrataram tanto que, de um ano para outro, conseguiram mudar a composição dos empregos abertos no País, como constatou um estudo da economista Luiza Rodrigues, do Banco Santander, citado em reportagem do jornal Valor. Em 2008, com a contratação, em seus três níveis, de 112 mil funcionários, a administração pública ocupava a quarta posição como geradora de empregos, entre cinco setores econômicos. Ficou atrás do setor de serviços, do comércio e da indústria, e à frente apenas do setor agropecuário. No ano passado contratou 454 mil servidores, 305% mais do que em 2008, e passou a ocupar a segunda posição, superada apenas pelo setor de serviços.

O efeito das contratações do setor público não foi detectado pelo registro mais conhecido dos empregos formais do País, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Esse cadastro leva em conta apenas as contratações pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não as admissões pelo regime estatutário dos funcionários públicos, predominantes na área pública. Assim, o Caged registrou apenas 18 mil novos empregos no setor público em 2009. Já a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) é mais completa - a de 2009 foi divulgada há pouco, e foi nela que se baseou o estudo.

Entre os casos extremos está o do Estado de Roraima, onde, no ano passado, o total de funcionários públicos (federais, estaduais e municipais) foi duplicado. Até janeiro de 2009, havia no Estado 19,8 mil funcionários públicos; ao longo do ano, foram contratados nada menos de 20,1 mil novos servidores, o que elevou o total para praticamente 40 mil.

É difícil justificar o crescimento da folha de pagamentos do setor público como medida anticíclica, adotada para conter os efeitos negativos da crise econômica mundial sobre a economia brasileira. Embora discutíveis, por causa de seu caráter seletivo, as reduções tributárias oferecidas pelo governo ao longo de 2009, algumas das quais chegaram até este ano, podem ser classificadas como medidas anticíclicas, que são mantidas apenas durante um certo tempo.

A contratação de funcionários públicos não é medida de efeito temporário. Ela produz gastos permanentes, que terão de ser cobertos pelos contribuintes. Ela significa, em resumo, o inchaço adicional e permanente da administração pública, que já é pesada, grande e cara demais.

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