Embaixador Marcos Henrique Camillo Côrtes
Blog Brasil Soberano e Livre, 13/05/2012
José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco
Rio de Janeiro, * 20 de abril de 1845 – † 10 de fevereiro de 1912
INTRODUÇÃO
“Na história dos povos, seus gigantes se apóiam nos ombros de grandes homens.”
A Diplomacia é uma Arte e, como tal, plena de paradoxos. Os que para ela têm
vocação sabem – sem que seja preciso ensinar-lhes – que estarão sempre
plantando sementes de árvores cujos frutos jamais verão e nem por isso se
empenham menos nessa faina. Aos que é dada a ventura de vê-los incumbe a enorme
responsabilidade de avaliar objetivamente se é chegado o momento da colheita e
a competência de efetuá-la sem comprometer a qualidade dos frutos. Assim
ocorreu com nossas fronteiras ...
Os Grandes Homens
Historicamente, a conformação jurídica do que viria a ser o perímetro do Brasil
se inicia no século XV, nas sempre difíceis negociações entre Portugal e
Espanha. Pode-se considerar que o primeiro documento internacional relevante
nesse contexto foi a bula Intercoetera, com a qual o Papa Alexandre VI, em
1493, dividiu entre os dois países o mundo ainda a ser “descoberto” pelos
europeus.
Logo se iniciam em Tordesilhas as conversações para definir onde se situaria a
linha divisória dessa partilha. Os portugueses, demonstrando dispor de
Inteligência Estratégica e possuir a percepção da assimetria dos Espaços Geopolítico
e Geoestratégico (séculos antes de que tais conceitos fossem definidos),
conseguiram que se adotasse o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo
Antão, no arquipélago de Cabo Verde. Por que essa distância? Por que não um
número “redondo”, como 350 ou 400? Não cabe aqui debater esse ponto, que fica à
curiosidade do leitor.
Ao longo dos séculos XVI e XVII, aproveitando a circunstância da união real de
Portugal e Espanha (1580 – 1640), as entradas e bandeiras organizadas por
lusitanos no subcontinente, especialmente a liderada por Antonio Raposo
Tavares, foram expandindo a presença portuguesa, sem cometer qualquer
ilegalidade visto que, estando sob o mesmo rei, não havia razão para levar em
conta a linha de Tordesilhas. Não obstante, parece-me válido pensar que os
portugueses jamais deixaram de ansiar pela restauração de um monarca nativo em
Lisboa e terá sido com esse “objetivo nacional” em mente que Pedro Teixeira, ao
empreender em 1616 a missão de explorar a calha do Amazonas, foi dando nomes de
cidades portuguesas às povoações que ia fundando nas margens do grande rio.
Com a brilhante negociação do Tratado de Madri, de 1750, o brasileiro Alexandre
de Gusmão ( *Santos, 1695 – †Lisboa, 1753) consegue a adoção do princípio do
Uti possidetis, com o que logra a preservação do status quo territorial como
garantia de paz e a fixação jurídica dos limites entre as terras das duas
coroas na América do Sul. É com total justiça que, no Itamaraty. o consideramos
o “Avô da Diplomacia brasileira”.
Numa certa ironia da História, os primeiros passos autônomos dos diplomatas
brasileiros se dariam nas complicadas negociações para o reconhecimento da
nossa independência nacional, a que se opunham tenazmente os representantes do
governo de Lisboa.
Simultaneamente, nossa diplomacia tinha de se empenhar nos meandros perigosos
da instabilidade crônica no Prata, com as animosidades herdadas do período
colonial e os desígnios de poder de vários caudilhos da região.
No norte também havia nuvens ominosas, com as ambições territoriais da
Grã-Bretanha e da França, que pretendiam estender as fronteiras de suas Guianas
até a margem esquerda do Amazonas. Na metade do século XIX surgiu ainda a
ameaça do projeto norte-americano de colonizar a calha desse rio com os
escravos que seriam transplantados do sul dos Estados Unidos (vide adiante).
É nesse período conturbado que se desenvolve o entrosamento entre a Diplomacia
brasileira e as nossas Forças Armadas, àquela época constituídas por Exército e
Marinha.
Paralelamente a essas tarefas ingentes, o Ministério dos Negócios Estrangeiros
trabalhava de forma constante para ir consolidando em acordos bilaterais as
sólidas bases jurídicas para a fixação definitiva de nossas fronteiras.
Sobressaem nessas décadas as figuras do Barão (Duarte) da Ponte Ribeiro, do
Visconde do Uruguai (Paulino José Soares de Souza), de Joaquim Caetano da
Silva, do Visconde do Rio Branco e, em especial, do Barão do Rio Branco.
Como é notório, a deposição do Imperador e a proclamação da República tiveram
no Brasil características sui generis no contexto de mudanças súbitas e
radicais de regime político. De todas essas peculiaridades, talvez a mais
significativa tenha sido a “permanência” natural do Serviço Diplomático,
demonstrando de modo insofismável que, na transição da Monarquia para a
República, se reconheceu e preservou o profissionalismo apolítico dos
diplomatas brasileiros.
Culminando a obra secular das gestões para resolver pacificamente as questões
de limites com nossos vizinhos, o Barão do Rio Branco irá – ainda antes de ser
Chanceler e em seguida já no exercício do cargo – encerrar com maestria
inexcedível a fixação jurídica completa de nossas fronteiras.
De forma sintética, relaciono a seguir as questões de limites resolvidas a
partir da independência do Brasil:
Império do Brasil
1872 – Paraguai [Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley)]
República dos Estados Unidos do Brasil (com uma exceção, todas defendidas por
Rio Branco)
1895 – Argentina (Questão de Palmas)
1900 – França (Guiana Francesa) (Questão do Oiapoque)
1903 – Bolívia (Questão do Acre)
1904 – Equador
1904 + 09 – Peru
1904 – Grã-Bretanha (Guiana Britânica) (Questão do Pirara) [Joaquim Nabuco]
1905 – Venezuela
1906 – Holanda (Guiana Holandesa)
1907 – Colômbia
1909 – Uruguai
O Gigante
É amplamente conhecida, documentada e comentada a obra extraordinária de Rio
Branco: a conclusão do trabalho secular de fixação jurídica de nossas
fronteiras, que acrescentou 900.000 km2 ao território pátrio sem emprego da
força armada. Graças a ele, podemos hoje afirmar que, desde 1909, o Brasil não
tem problema algum DE fronteira, mas pode ter – e tem, como é normal no âmbito
internacional – problemas NA fronteira.
Esse trabalho hercúleo é bastante conhecido nos seus resultados, embora a meu
ver mereça atualmente, por parte de professores, historiadores e diplomatas,
estudos mais amplos e aprofundados. Rio Branco deixou-nos, porém, todo um
riquíssimo manancial de ensinamentos, de conceitos, de exemplos, de princípios
e de valores só conhecido das gerações funcionais que serviram no Itamaraty.
Esse é o legado intangível do Barão, do qual me ocuparei agora.
O legado intangível do Barão
Apesar de ser um escritor infatigável, Rio Branco não elaborou um “manual de
prática diplomática”. O que se segue é, na realidade, uma evocação de fatos
concretos para, a partir deles, definir algumas das linhas mestras que
balizaram sua atuação como diplomata e como Chanceler.
1) Acatamento erga omnes do Direito Internacional
Rio Branco já havia concluído a negociação com a delegação boliviana que
culminaria com o Tratado de Petrópolis, resolvendo integralmente a Questão do
Acre, na qual fizera valer nossos direitos para definir a linha de fronteira. A
essa altura, chegou-lhe a informação de que Plácido de Castro e seus valorosos
voluntários haviam ido muito além dela, estando portanto em território
boliviano. Provavelmente seria fácil deixar que essa situação trouxesse
vantagens para os brasileiros. O Barão, entretanto, coerente com seu respeito
pelas normas do Direito Internacional, insistiu para que Plácido de Castro
retrocedesse até cruzar de volta a nova fronteira. Tendo conseguido o
acatamento de sua determinação, Rio Branco foi alvo de algumas críticas nos
meios políticos no Rio de Janeiro, as quais, com dignidade e bom senso,
absteve-se de refutar.
2) A legítima “generosidade” na Diplomacia
O diplomata aprende, desde o começo de sua carreira, que “no relacionamento
internacional não há amigos nem inimigos. Existem apenas – e sempre –
interesses, conflituosos ou convergentes” .
O próprio Barão do Rio Branco enunciou de outra forma a mesma dura realidade:
“O sentimento de gratidão raros homens o possuem e mais raro ainda ou menos
duradouro é ele nas coletividades humanas que se chamam Nações.”
Por conseguinte, fazer unilateralmente concessão que prejudique algum interesse
nacional em nome de uma alegada “generosidade” é um contrassenso em Diplomacia.
Pior ainda se essa concessão for feita diante de ação ilícita da outra parte.
No entanto, há circunstâncias em que um ato de ostensiva generosidade é
perfeitamente compatível com os princípios da Diplomacia. Assim ocorreu na
negociação do Tratado de Limites com o Uruguai, em 1909. Para surpresa dos
negociadores uruguaios, Rio Branco ofereceu estabelecer o condomínio e a livre
navegação na Lagoa Mirim e no rio Jaguarão, que até então estavam inteiramente
em território brasileiro . Com isso, sem acarretar qualquer prejuízo para o
Brasil, o Barão eliminou, através de um gesto nobre, inevitável controvérsia no
futuro e prestou um grande serviço a ambos os países.
3) Na vitória diplomática, o ideal é que o outro lado também ganhe.
De maneira simplista, costuma-se dizer que, “na guerra, o objetivo é a
destruição total do inimigo”. Ora, na controvérsia diplomática, ao contrário,
busca-se a vitória na negociação, porém com o cuidado de que o resultado final
represente algum ganho para a outra parte. Isso não decorre de motivação
caridosa, mas sim da noção que a vivência das relações internacionais ensina
que a durabilidade e o pleno acatamento de um acordo dependem do grau de
satisfação dos seus signatários.
O Barão demonstrou essa preocupação na difícil negociação sobre o Acre. Embora
já convencido do êxito próximo e concordando com várias formas de indenização,
ele se esforçou para caracterizar a satisfação, mesmo que parcial, de certas
reivindicações territoriais da Bolívia, cedendo-lhe pequenos territórios
próximos à foz do rio Abunã (numa região próxima ao Acre) e na bacia do rio
Paraguai. Assim é que o popularmente chamado Tratado de Petrópolis tem o título
formal de Tratado de permuta de Territórios e outras Compensações.
4) A autêntica vitória diplomática é silenciosa.
O trabalho diplomático competente é primordialmente conduzido em silêncio. No
antigo Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, os jovens ouviam sempre dos
diplomatas veteranos que deviam, na medida do possível, evitar a divulgação de
seus nomes e fotografias nos jornais. O êxito da atuação diplomática se
caracteriza, em boa medida, pelo anonimato dos seus responsáveis fora dos muros
da Chancelaria.
Além disso, concluída a negociação, o excesso de louvor a um protagonista
inevitavelmente desagradará ao outro lado, o que pode ser nocivo até mesmo para
a implementação do que tiver sido acordado.
Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, dentre muitos aplausos – sem
qualquer dúvida merecidíssimos – o Barão recebeu entusiásticas felicitações do
prestigioso Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro. Com muita elegância e
sabedoria profissional, Rio Branco fez divulgar a seguinte resposta àquela
entidade:
“Sumamente penhorado pela nova manifestação de benevolência com que me
distingue essa ilustrada Associação, peço, entretanto, licença para discordar
quanto à ‘vitória diplomática’ que ela me atribui na conclusão do nosso acordo
com a Bolívia em 21 de março. Honroso e satisfatório para ambas as partes, ele
é, sobretudo, vantajoso para a Bolívia e novo atestado do tino político e
esclarecido patriotismo do seu Ministro das Relações Exteriores, Sr. Eliodoro
Villazón.”
5) Audácia calculada: Invocar a força armada como meio dissuasório em prol
do prosseguimento da negociação
O emprego da dissuasão tem sido analisado por muitos estudiosos de relações
internacionais, especialmente no contexto do gerenciamento de crise. Entretanto,
não se conhecem trabalhos específicos sobre a dissuasão como um dos recursos
que podem ser utilizados num âmbito de negociação diplomática. Neste caso,
talvez mais do que o aspecto da credibilidade, o negociador precisa ter a
habilidade de impedir que a ameaça, por mais equilibrados que sejam os termos
adotados, permita ao interlocutor inverter sua rota de colisão sem se sentir
humilhado.
O Barão deixou-nos um claríssimo exemplo da forma ideal de exibir firmeza sem
encurralar o oponente. Enquanto prosseguiam as negociações
boliviano-brasileiras, em Petrópolis, a propósito da questão do Acre, o
Presidente da Bolívia, General José Manuel Pando, ordenou o deslocamento para a
zona contestada de tropa numerosa , sob seu comando pessoal. Ao ser informado dessa
conduta, Rio Branco redigiu de próprio punho um despacho-telegráfico, datado de
03/FEV/1903, ao chefe da Legação do Brasil em La Paz, cujo trecho operacional
era o seguinte:
“(...) O governo brasileiro não quer romper as suas relações diplomáticas com o
da Bolívia, continua pronto para negociar um acordo honroso e satisfatório para
as duas partes e deseja mui sinceramente chegar a esse resultado. O sr.
presidente Pando entendeu que é possível negociar marchando ele com tropas para
o norte; nós negociaremos também fazendo adiantar forças para o sul, com o fim,
já declarado, no interesse das boas relações de amizade que o Brasil deseja
ardentemente manter com a Bolívia. É urgente que os dois governos se entendam
para remover rapidamente esta dificuldade do Acre, fonte de complicações e
discórdia. Se não for possível um acordo direto, restar-nos-á o recurso do
juízo arbitral. (...)”
Felizmente, para o restabelecimento do respeito mútuo necessário ao
prosseguimento da negociação, o General Pando optou por retornar com sua tropa
para La Paz.
6) A credibilidade da Ação Diplomática também requer Forças Armadas
capacitadas
Na fria realidade do relacionamento internacional, como já advertia Richelieu
no século XVII, “quem tem a força, sempre tem razão; quem é fraco talvez
consiga não ser culpado”. Há, em Coimbra, uma linda estátua representando a
Diplomacia, em que uma figura feminina, com semblante sereno, aponta um
pergaminho aberto com a mão direita, enquanto a esquerda segura uma espada com
a ponta pousada no chão. O simbolismo é perfeito: a Diplomacia se orienta
sempre pelas normas do Direito Internacional e dos acordos, porém não descura
da garantia que provém da força armada para fazer valer a Justiça.
É sabido que o Barão – com invulgar conhecimento da história militar – tinha a
mais profunda aversão à guerra e se empenhava pela solução pacífica das
controvérsias. Igualmente intensa era sua convicção da justiça das causas
brasileiras que lhe coube defender. Entretanto, tinha plena consciência de que
os argumentos morais e éticos, os princípios jurídicos e as provas documentais
com que alicerçava sua defesa dos direitos do Brasil seriam, em muitos casos,
de pouca eficácia se não contassem com o respaldo das nossas Forças Armadas.
Além disso, nosso próprio passado histórico confirmava o conceito de que a
eventual debilidade militar do Brasil estimulava certas ambições ao longo de
nossas fronteiras.
Por tudo isso, sobretudo durante a década em que foi Chanceler, Rio Branco
desenvolveu sistemáticos esforços em prol do reequipamento da Marinha do Brasil
e do Exército Brasileiro . É muito representativo dessa preocupação o trecho,
transcrito a seguir, de discurso que proferiu em 1910 e que, lamentavelmente,
continua muito pertinente:
“(...) Se hoje procuramos (...) melhorar as condições em que alguns anos de
agitações estéreis e conseqüentes descuidos colocaram nosso Exército e nossa
Armada (...) é unicamente porque sentimos a necessidade, que todas as nações
previdentes e pundonorosas sentem, de estarmos preparados para a pronta defesa
do nosso território, dos nossos direitos e da nossa honra contra possíveis
afrontas e agressões.
“(...) lembrar (...) a necessidade de, após (...) anos de descuido, tratarmos
seriamente de reorganizar a defesa nacional (...). ”
7) Quadros diplomáticos imunes a partidos e ideologias
Os biógrafos de Juca Paranhos são unânimes em ressaltar sua imensa admiração
pelo pai, o extraordinário estadista que foi o Visconde do Rio Branco.
Acompanhando de perto e depois colaborando com a atuação política e diplomática
do pai, era natural que ele absorvesse as convicções do modelo paterno como
monarquista e unitário convicto. Além disso, fora nomeado pela Regente para o
Ministério dos Negócios Estrangeiros e depois agraciado pelo Imperador com o
título de Barão. Nos últimos anos do segundo reinado, D. Pedro II estendera a
Rio Branco o privilégio de manter correspondência direta com ele, prática que
se manteve mesmo no exílio do Imperador deposto.
Apesar de todos esse laços com o regime substituído pela República, o Barão não
teve qualquer constrangimento em aceitar defender a causa brasileira na questão
das Missões ou de Palmas (contra a Argentina), convidado por Floriano Peixoto,
e na questão do Oiapoque (contra a França), instado por Prudente de Morais, bem
como, posteriormente, em ser Chanceler sob 4 Presidentes (de 1902 a 1912),
porque tinha a correta consciência de que servia ao país e não a qualquer
governo ou regime.
Nesse contexto, é interessante reproduzir aqui um episódio significativo. Ao
final de um despacho no Palácio do Catete, o Presidente Rodrigues Alves disse
ao Barão que vinha tendo de enfrentar queixas de que ele desrespeitava
ostensivamente a proibição legal do uso de título nobiliárquico, inclusive na
assinatura que apunha a documentos oficiais. Rio Branco serenamente respondeu:
“Presidente, não vejo problema algum: Vossa Excelência tem o Barão do Rio
Branco como Chanceler ou tem outro Chanceler ... ”
8) Isenção pessoal no interesse da Nação
Um dos grandes objetivos que se fixara o Barão à frente do Itamaraty era o
reconhecimento, pelas grandes potências da época, da real estatura do Brasil no
cenário internacional. Nesse sentido, Rio Branco considerou nossa participação
na 2ª Conferência da Paz, que se realizaria na Haia de 15 de junho a 18 de
outubro de 1907, como excelente oportunidade para projetar a desejada imagem do
nosso país.
Assim sendo, Rio Branco convidou para representar o Brasil nessa grande reunião
internacional o atuante político Ruy Barbosa apesar de, no âmbito da política
interna, ter este demonstrado sua desafeição pelo Chanceler.
O Barão prestou-lhe todo o apoio do Itamaraty e, além disso, montou um eficaz
esquema para projetar a figura de Ruy na imprensa dos EUA e da Europa. Nesse
contexto, aliás, atribui-se ao Chanceler a criação da alcunha de “Águia da
Haia”.
9) A negação da chamada “ Diplomacia presidencial ”
Muito antes do surgimento da prática da chamada “Diplomacia presidencial”, Rio
Branco deixou-nos uma lição magistral sobre a inevitável incompatibilidade
dessa forma de atuação do Chefe de Estado com uma política externa eficiente,
capaz de assegurar a obtenção e manutenção dos objetivos nacionais, tanto
permanentes como atuais.
Em 1909, exercia ele havia 7 anos o cargo de Chanceler e, por tudo que já
fizera pelo Brasil, era aclamado em todo o País. Foi convidado com insistência
para candidatar-se à Presidência da República. A vitória seria inevitável.
Porém, manteve-se firme na recusa, argumentando que aceitar sua eleição “ (...)
seria faltar eu ao programa de inteira abstenção nas lutas da política interna
(...). Estarei sempre pronto para servir a nossa terra na medida das minhas
forças, mas sinto que não posso e não devo ser um homem de partido, nem
combatente na política interna.”
10) Percepção correta da situação geopolítica
Num período em que havia na Argentina vociferantes e influentes setores anti-brasileiros
, Rio Branco empenhou-se por promover uma positiva aproximação entre os dois
países. Graças a esse paciente e hábil trabalho de persuasão, ocorreram as
emblemáticas visitas ao Brasil do ex-Presidente Julio Roca e do
Presidente-eleito Roque Sáenz-Peña. Aliás, este último pronunciou no Rio de
Janeiro a famosa frase indicativa do ambiente de amizade que o Barão conseguira
criar entre os dois países: "Tudo nos une, nada nos separa".
O Barão também propôs a criação do bloco ABC – Argentina, Brasil e Chile – que
operaria como indutor da paz no Cone Sul. As conversações nesse sentido
evoluíram lentamente e o pacto constitutivo só viria a ser firmado em 1915.
11) Visão geoestratégica
Como sói acontecer no planejamento e execução das ações diplomáticas, certas
concepções são postas em prática pelos diplomatas e só muito depois vêm a
receber um invólucro acadêmico. Em Tordesilhas, os negociadores lusos
orientavam suas proposições com base no que hoje se denominaria de percepção do
espaço geoestratégico. Analogamente, o Barão tinha muito nítida a importância
geoestratégica dos Estados Unidos da América. Para que se compreenda o
ineditismo dessa visão é necessário recordar que, na época, aquele país era, em
geral, considerado pouco relevante no cenário mundial, e a Grã-Bretanha era a
grande potência, que podia, inclusive, constituir-se numa ameaça para nossos
interesses.
Por outro lado, a nação norte-americana, embora já atuando vigorosamente no
Pacífico e na Ásia Oriental, bem como na América Central e no Caribe, ainda se
mostrava desinteressada para com o subcontinente sul-americano. Mas o Barão
soube persuadir os dirigentes norte-americanos das vantagens mútuas no
estabelecimento com o Brasil de um “relacionamento especial”.
Convém aqui assinalar que isso não implicava para nós qualquer tipo de
subserviência, acusação por vezes lançada por alguns adeptos de um certo
revisionismo histórico de inspiração esquerdista. Ao contrário, Rio Branco
sempre pautara sua atuação pela defesa invariável da dignidade e da soberania
do Brasil. Em relação aos Estados Unidos, isso fica claramente demonstrado pela
Nota por ele dirigida em 1903 à Legação norte-americana no Rio de Janeiro, em
que definia as normas que restabeleceram a plena soberania brasileira nos rios
amazônicos. Recorde-se aqui, muito sumariamente, que a partir de 1850, fora
desenvolvido o projeto de Matthew Fontaine Maury, brilhante oficial da Marinha
norte-americana, de promover a plena internacionalização da navegação no
Amazonas-Solimões-Marañon e seus afluentes, juntamente com a colonização da
calha do Amazonas, com o traslado dos escravos negros do sul do seu país.
Um dos primeiros resultados concretos desse “relacionamento especial” foi o
decisivo apoio de Washington para que a III Conferência Pan-Americana,
inicialmente prevista para se realizar em Buenos Aires, tivesse lugar no Rio de
Janeiro, em 1906, o que foi inegavelmente fator de prestígio para o Brasil no
hemisfério.
12) Importância crucial da documentação e do pessoal
O Barão sabidamente não era afeito a questões administrativas, mas pregava a
importância para a eficaz Ação Diplomática de sólida fundamentação documental e
de quadro de pessoal competente e inovador. Daí – apesar dos embates por
diferenças de opinião e estilo – seu respeito pelo lendário Visconde de Cabo
Frio (Joaquim Thomaz do Amaral), que exerceu por mais de 20 anos o cargo de
Diretor-Geral da Secretaria de Estado, assegurando com firmeza invariável a
organização e a disciplina dos quadros da nossa Diplomacia.
Apesar das queixas do Visconde pelos gastos das obras ordenadas (“Haja tostão,
Senhor Barão !”), Rio Branco fez construir as instalações para a guarda e a
consulta do arquivo central, da biblioteca e da mapoteca, preservando um acervo
riquíssimo posto a serviço do Brasil.
13) Preocupação com a qualidade dos diplomatas
Desde que assumiu a direção da nossa Chancelaria, Rio Branco procurou atrair
para o Itamaraty jovens dotados de determinadas qualidades. O Barão tinha
perfeita noção dos requisitos que deveriam satisfazer os que fossem ser
admitidos no Itamaraty. Por isso, incumbia-se pessoalmente da seleção, não
sujeitando sua escolha a recomendações ou pedidos de cunho político.
Esses requisitos – válidos até hoje – podem ser agrupados em três
categorias:
I. Vocação:
• Desejar servir à Nação (e não ao Governo, qualquer seja ele), o que,
evidentemente, pressupõe uma conduta apolítica e apartidária.
• Entender que o serviço diplomático é uma Carreira de Estado e estar disposto
a acatar as obrigações dela decorrentes.
• Ter como uma de suas metas pessoais na profissão promover a harmonia entre os
povos.
• Estar disposto a arcar com os sacrifícios na vida privada que a carreira
diplomática inevitavelmente acarreta.
II. Aptidão:
• Ter o domínio operacional de certos idiomas.
• Ser capaz de estabelecer empatia, porém sem perder a objetividade.
• Pautar-se por uma conduta pessoal ilibada, tendo sempre em mente que o seu
comportamento, sobretudo no Exterior, se reflete sobre a própria imagem do povo
brasileiro.
• Respeitar o “anonimato com responsabilidade”. Isso significa não invocar ou
divulgar publicamente a autoria de trabalhos, que são impessoalmente atribuídos
“ao Itamaraty”, porém tendo a certeza de que internamente sabe-se quem fez ou
deixou de fazer o que.
III. Cultura:
• Dispor de conhecimento profundo nas áreas especificamente vinculadas à
atividade diplomática.
• Formar e manter atualizada uma ampla gama de informações variadas, sendo uma
espécie de “especialista em generalidades”, para estar habilitado a saber onde
buscar o assessoramento que eventualmente se faça necessário.
• Possuir ou desenvolver adaptabilidade a diferenças. O diplomata precisa se
abster de atribuir ab initio um valor positivo ou negativo ao que lhe apareça
como diferente ou incomum.
• Cultuar um nacionalismo firme porém desprovido de arrogância ou xenofobia. O
próprio lema escolhido por ele ao ser feito Barão já sintetizava esse
sentimento profundo e constante – Ubique Patriae Memor (Em todos os lugares, a
lembrança da Pátria).
14) Serviço da Pátria mesmo com sacrifício pessoal
Em 1911, Rio Branco estava padecendo de graves problemas renais e por isso
ofereceu seu afastamento ao Presidente Hermes da Fonseca. Este, porém,
argumentou que não podia prescindir da sua permanência à frente da diplomacia
brasileira. Ante essa recusa, o Barão concordou em permanecer no cargo. Sem
esmorecer no trabalho, sua saúde foi se deteriorando com mais rapidez e, poucos
meses mais tarde, após longa agonia no seu Gabinete, onde praticamente morava,
em 10 de fevereiro de 1912 morreu o grande brasileiro.
A morte de Rio Branco causou a maior consternação popular jamais vista no
Brasil. A cidade inteirou parou. Era sábado de Carnaval, que foi adiado. O
governo determinou que lhe fossem prestadas honras fúnebres de Chefe de Estado.
Foi instalada no salão nobre do Palácio uma câmara ardente, com permanente
guarda de honra por Oficiais da Marinha e do Exército. No dia 13, o cortejo
fúnebre saiu do Itamaraty para o cemitério de São Francisco Xavier, no bairro
do Caju, onde seria sepultado no mausoléu em que estavam os restos mortais do
seu pai, o Visconde. Uma multidão estimada em centenas de milhar acompanhou o
féretro, fazendo-lhe a escolta o 1º Regimento de Cavalaria (mais tarde
designado “Dragões da Independência”). Ao longo de todo o trajeto foram
postados efetivos da Marinha (uma Cia. de Marinheiros), do Exército (duas
Divisões, sob o comando geral do Gen Div José Caetano de Faria, Chefe do Grande
Estado Maior) e da Polícia Militar do Distrito Federal, num total de 3 a 4 mil
homens. No Caju, uma bateria do 1º Regimento de Artilharia de Campanha disparou
as 21 salvas cerimoniais enquanto, na baía de Guanabara, todas as belonaves
também disparavam seus canhões e faziam soar seus apitos incessantemente.
Tempos depois, no roda-teto de mármore escuro que existe naquela dependência do
velho Palácio Itamaraty, foi gravada em letras douradas a seguinte inscrição,
escandida pelos quatro lados da grande sala:
/ NESTA SALA, QUE FOI, POR MUITOS ANNOS, O SEU GABINETE /
/ DE TRABALHO, FALLECEU, A 10 FEVEREIRO DE 1912, O GRANDE /
/ MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DOS ESTADOS UNIDOS /
/ DO BRASIL, JOSÉ MARIA DA SILVA PARANHOS, BARÃO DO RIO-BRANCO /
Ali continuou funcionando o Gabinete do Ministro até a transferência da sede do
Ministério das Relações Exteriores para Brasília. Também ali se realizava a
cerimônia formal de posse dos aprovados nos concursos de provas e, após a
criação do Instituto Rio Branco, em 1945, dos novos servidores que ingressavam
no Quadro de Diplomatas.
Continuidade e adaptações
Como muito do que ocorreu na evolução da Diplomacia brasileira, esse “legado
intangível” de Rio Branco – por meios informais e espontâneos – veio a
constituir o que se poderia considerar a “Doutrina do Itamaraty”. Ela jamais
foi escrita mas, ao longo do século XX, era invariavelmente aprendida,
apreendida, admirada e praticada pelas sucessivas gerações dos nossos
diplomatas.
Do muito que herdamos do Barão talvez o principal valor tenha sido a dedicação
integral e constante ao serviço da Pátria, imune aos interesses
político-partidários e acima das conveniências pessoais. Até mesmo as mais
militantes correntes ideológicas do século passado não afetavam a conduta
profissional na nossa Casa. Nunca houve naquelas décadas patrulhamento
ideológico nem discriminações por supostas simpatias ou antipatias
político-partidárias, até porque o distanciamento dessas posturas era uma
característica amplamente predominante dos quadros diplomáticos e
administrativos do Itamaraty. Nele se sentia de forma natural a diretriz única
do patriotismo – tão acendrado quanto silencioso.
No início dos anos 1930 foi-se intensificando no Brasil uma tendência à
modernização da administração pública. Evidentemente, várias normas de
funcionamento burocrático tinham de ser adaptadas às novas modalidades de
organização instituídas no âmbito federal. Não obstante, em decorrência das
peculiaridades da atividade diplomática, mesmo isso tinha de ser feito à
maneira do Itamaraty.
A imensa reforma empreendida pelo poderoso Departamento Administrativo do
Serviço Público – DASP (criado em 1938) afetou todo o serviço público civil da
União – do qual os diplomatas na realidade jamais se sentiram parte comum. Na
prática, porém, no Itamaraty certas mudanças só existiam, por assim dizer, dos
portões para fora. Por exemplo: num documento oficial, alguém apareceria como
“Diplomata Classe K”, mas no seu cartão de visita continuava a constar o título
de Terceiro Secretário.
Convém aqui fazer algumas especificações terminológicas extremamente relevantes:
* O Itamaraty, muitas vezes chamado entre os diplomatas de “A Casa”, é a
instituição nacional dedicada ao exercício da atividade diplomática, guiada
exclusivamente pelos Objetivos Nacionais (tanto os permanentes como os atuais).
* O Serviço Exterior Brasileiro (SEB) é a estrutura orgânica sui generis
destinada a assegurar a funcionalidade da instituição nacional (Itamaraty).
* O Ministério das Relações Exteriores (MRE) é um órgão do Governo, cuja
atuação é condicionada pelos Objetivos Nacionais e pelos Objetivos de Governo.
No bojo das inovações implantadas na administração federal, a seleção dos
candidatos à carreira passou a obedecer aos mecanismos dos concursos públicos,
organizados e realizados pelo DASP. Porém, em 1945 foi criado o Instituto Rio
Branco, que requeria para ingresso a aprovação em severíssimos exames
intelectuais, exames médicos e – numa substituição engenhosa da avaliação
pessoal que fazia o Barão – uma entrevista por uma banca de 3 Primeiros
Secretários. Estes eram adrede escolhidos anualmente pelo Secretário-Geral (o
“Chefe da Casa”) e nomeados formalmente por Portaria do Ministro de Estado, a
quem submetiam diretamente seus pareceres. Da decisão deste (em geral após
ouvir o Secretário-Geral) não cabia recurso. Essa “banca” foi extinta em 1984,
em conseqüência de liminar concedida pelo STF, da qual o MRE não recorreu!
O curso do Instituto Rio Branco se estendia por dois anos letivos, em regime de
tempo integral, exigindo muita dedicação aos estudos para lograr aprovação.
Entretanto, tal como nos tempos do Barão, os jovens diplomatas egressos do
Instituto passavam por um verdadeiro aprendizado informal, conduzido de forma
não estruturada nas salas e corredores do velho palácio e seus anexos, bem como
nos pequenos restaurantes do Centro do Rio. Os ensinamentos eram transmitidos
pelos mais antigos, em relatos de suas experiências profissionais, às vezes
jocosos, e na descrição de episódios da “história diplomática que não se pode
escrever”. Pode-se dizer que ali se iniciava de fato o processo de formação e
aperfeiçoamento dos diplomatas brasileiros, que, como em todas as formas de
arte, só encerra com o fim da vida.
Paralelamente à introdução das grandes mudanças concebidas pelo DASP, a
disciplinada eficiência implantada pelo Visconde de Cabo Frio foi sendo
atualizada com novos métodos administrativos próprios da Chancelaria
brasileira. Nesse particular merece destaque o trabalho excepcional realizado
pelo Embaixador Maurício Nabuco quando Secretário-Geral, que empreendeu uma padronização
de procedimentos e de equipamentos única no Brasil e quiçá no mundo. Essa
uniformização abrangeu desde as formas de tramitação dos papéis, passando pelos
modelos de expedientes, até todo o mobiliário das repartições na Secretaria de
Estado e nas Embaixadas e Consulados pelo mundo afora.
Entretanto, com o traslado do Itamaraty para Brasília, muitas dessas
peculiaridades iriam – involuntariamente – desaparecer, como veremos a seguir.
Início auspicioso ...
Ao aceitar, em outubro de 1969, o convite do Presidente Médici para ser
Ministro das Relações Exteriores, o Embaixador Mario Gibson Barboza se
comprometeu a transferi-lo para Brasília no mais curto prazo possível. Assim,
em março de 1970, o Chanceler efetivou – com impecável eficiência – o traslado
integral e definitivo do Itamaraty para Brasília.
É preciso esclarecer que, independentemente da vontade ou da relutância dos
servidores do MRE em mudar-se do Rio de Janeiro para a nova capital, a forma
pela qual funcionavam suas unidades operacionais impedia que essa transferência
fosse sendo realizada por partes, como havia sido feito com outros Ministérios,
inclusive os militares.
Foi feito meticuloso e complexo planejamento logístico, cuja eficácia ficou
demonstrada pelo fato de que o expediente foi encerrado no Rio de Janeiro às
17hs de uma 6ª-feira e reaberto em Brasília às 09hs da seguinte 2ª-feira.
Outro aspecto emblemático das dificuldades que tiveram de ser superadas foi o
transporte dos arquivos, inclusive os de documentos sigilosos. Cogitou-se de
empregar um Hércules C-130 da FAB mas, por maior precaução, optou-se pela
rodovia, em comboio com proteção armada do Exército Brasileiro. Finalmente,
numa decisão que sem dúvida agradaria ao Barão, foi solicitado à Marinha do
Brasil que provesse os efetivos necessários de Fuzileiros Navais para a guarda
externa do novo Palácio Itamaraty.
Numa Casa onde a tradição e a inovação sempre foram características
paradoxalmente de igual relevância, o Chanceler Gibson Barboza intuiu que se
devia marcar com grande simbolismo essa transferência histórica. Com essa
intenção obteve a aprovação do Presidente Médici para três iniciativas.
A primeira foi a criação do Dia do Diplomata, instituído no dia 20 de abril –
data do nascimento do Barão do Rio Branco – pelo Decreto Nº 66.217, de
17/02/1970.
A segunda foi a primeira comemoração dessa data naquele mesmo ano de 1970 com a
inauguração solene do novo Palácio Itamaraty em Brasília pelo Chefe de Estado.
Finalmente, a terceira foi a cerimônia, nesse mesmo dia, da primeira formatura
de egressos do Instituto Rio Branco na nova sede do nosso Serviço Diplomático,
ocasião em que o Presidente fez um longo pronunciamento sobre as diretrizes da
Política Externa do Brasil.
... e fatores nocivos imprevisíveis
Quase imperceptivelmente, embora os valores éticos e diplomáticos não se
alterassem com a mudança para Brasília, começou um processo de gradual
inviabilização ou erosão de muitos aspectos que até então haviam assegurado a
eficácia da seleção de candidatos, da qualidade do aprendizado informal e da
exatidão na avaliação subjetiva do merecimento para promoções e lotação dos
funcionários diplomáticos e administrativos. Apenas a título de exemplo,
podem-se citar dois aspectos físicos. O primeiro surgia do fato de as novas instalações
serem muito espaçosas, ficando muito além das necessidades imediatas, numa
sensata previsão do crescimento do pessoal do MRE. O segundo decorria da
circunstância de que não havia então na cidade, ainda pequena, o ambiente dos
antigos restaurantes do Centro do Rio de Janeiro. Com esses dois óbices, foi
logo desaparecendo o ambiente em que, na velha capital, se desenvolvia o
aprendizado informal dos jovens herdeiros de Rio Branco.
Em suma, por esses e vários outros motivos, muitas das peculiaridades do nosso
serviço diplomático não se coadunavam com certas características de Brasília,
eram incompatíveis com o semi-árido do Planalto Central.
Conclusão
Fora do Serviço Diplomático, quase ninguém se dá conta de uma notável realidade
histórica: durante todo o século XX, no âmbito mundial, a região com a menor
ocorrência de conflitos armados entre lindeiros foi a América do Sul. A
explicação para esse fenômeno não está no domínio misterioso de forças
esotéricas. Na realidade, a atuação profissionalmente silenciosa dos diplomatas
brasileiros – acompanhando diuturnamente a conjuntura, desativando conflitos em
potencial, promovendo entendimentos e convergências – foi o principal fator da
paz regional nesse último século.
Em todo esse período, sobressaem dois gigantes – o Barão do Rio Branco e o
Embaixador Mario Gibson Barboza – os dois maiores Chanceleres que o Brasil teve
até hoje !
Os que conhecem e estudam objetivamente o que ambos fizeram pelo Brasil e pela
convivência pacífica entre as nações os reverenciam como numes tutelares da
nossa Diplomacia. De outra parte, as inverdades e deturpações que um
tendencioso revisionismo histórico procura difundir apenas confirmam a antiga
máxima: “Há serviços tão grandes que só a ingratidão os pode pagar.”
Não obstante, subsiste a esperança nos jovens que ainda buscam a Carreira
Diplomática e as Carreiras Militares movidos pela nobre vocação de servir à
Pátria – acima de governos – seguindo o rumo legado por Caxias e Rio Branco.
A eles será dada a ventura de ver nossas Forças Armadas elevadas ao patamar de
capacidade adequado para respaldar uma Diplomacia profissional na busca e na
manutenção dos Objetivos Nacionais!