segunda-feira, 13 de maio de 2024

Discurso de posse de Miguel Reale na ABL - Arnaldo Godoy

Direito e literatura: o discurso de posse de Miguel Reale na ABL

Miguel Reale (1910-2006) tomou posse na Academia Brasileira de Letras em 21 de maio de 1975. Foi recebido por Cândido Mota Filho, reminiscente da Semana de 22 e que foi ministro do Supremo Tribunal Federal. Ocupou a cadeira nº 14, naquele ensejo ocupada por Reale, e hoje ocupada por Celso Lafer. Reale, Mota e Láfer formam uma linha de juristas literatos com visão universal dos problemas da existência. São originariamente vinculados a São Paulo, na política, no magistério e na vida cultural.

O patrono da cadeira é Franklyn Távora (1842-1888), autor do “Cabeleira” e destacado membro da “Escola do Recife”, vinculada a Tobias Barreto (1839-1889). Não se pode esquecer que Reale influenciou o jurista italiano Mário Lozano, que estudou Tobias (e sua biblioteca), tema que explorei na biografia intelectual que redigi sobre o jurista sergipano.

Desconcertante

O discurso de Reale chama a atenção pelo conjunto de coincidências então evocadas. O fundador da cadeira foi Clóvis Beviláqua, também jurista e personagem central do Código Civil de 1916, como Reale o fora em relação ao Código Civil de 2002. Reale não pode tratar dessa coincidência, por óbvio, porque o novo Código era apenas um projeto que se arrastava ao longo dos anos. Reale e Beviláqua também compartilhavam ascendência italiana.

Ao se referir a Beviláqua, Reale citou a impressão que Pedro Calmon tinha sobre os méritos do jurista cearense, escritor de “clareza solar” e de “simplicidade sem plebeísmo”. Reale lembrou também a impressão de Beviláqua segundo a qual “o estudo do direito não é uma simples volúpia da mente; é antes a religião austera e grave do justo”

. caso e causalidade dão o pano de fundo desse desconcertante discurso, que se pode intitular de “O Círculo Hermético”. Os eventos humanos interagem em um contexto de forças, que refletem também leis naturais, ao mesmo tempo em que revelam padrões de previsibilidade. Esses últimos, no escopo da previsibilidade, substancializam as leis de causalidade. O acaso, não menos importante, é o nicho do imprevisível e do incontrolável. O impacto sob nossas vidas, no entanto, é tanto do acaso quanto da causalidade.

Destinos cruzados

A sucessão dos ocupantes da cadeira 14 ilustraria essa relação entre acaso e causalidade. Reale sucedia Fernando Azevedo, também conectado com a Universidade de São Paulo. Reale referiu-se a Fernando Azevedo como um “conciliador de antinomias”, afinado com a reconstituição histórica dos nossos ciclos culturais. O sucessor de Reale, Celso Láfer, a par de jurista, e vinculado à Universidade de São Paulo, realça ainda mais esse traço de aproximação.

A ilustração das relações entre acaso e causalidade justificariam um conceito de “círculo hermético”; isto é, o círculo é fechado, pautado por padrões previsíveis. Por outro lado, esse fechamento não é absoluto, porque sobre todos nós impera também a força indomável do acaso. Reale parece intrigado com o imprevisível: um dos volumes de sua autobiografia denomina-se “Destinos Cruzados” (outro é “A Balança e a Espada”).

Acaso e causalidade seriam os dois lados de uma ordem (em forma de propósito) que a superficialidade de nossa compreensão das coisas talvez não consiga alcançar. Nesse sentido, do ponto de vista filosófico (e Reale é um filósofo) o discurso possa ser compreendido como uma problematização da teoria do conhecimento.

Ao mesmo tempo, Reale enfrenta um problema historiográfico: há causalidades imanentes que fixam os acontecimentos históricos, em relação aos quais não contemplamos nenhum domínio: somos filhos de nosso tempo. Nossas opções registram a nossa compreensão das épocas em que foram tomadas. Há um presenteísmo do qual não conseguimos nos livrar.

Não que acaso e causalidade revelassem uma suspeita tensão entre razão e imaginação. E se haveria alguma crise entre o pensamento lógico e rigoroso e o pensamento fantasioso, há um conjunto de asserções verificáveis que apontam para uma tentativa de compreensão entre os desacertos entre intelecto e alma.

Amálgama

Como jurista, Reale preocupa-se com a justiça. Como filósofo e como esteta Reale ocupa-se com a beleza. Como literato, Reale busca a clareza. Essas grandezas se completam, e penso (agora a ideia é minha) que o amálgama pode se dar na literatura.

A reflexão que Reale fez em relação à intersecção entre Direito e Filosofia, a partir de sua experiência pessoal aponta para uma conexão instrumentalizada pelo culto às humanidades (de que foi um ferrenho defensor, inclusive como educador) e, ao mesmo tempo, pela interdependência desses campos do conhecimento.

Reale registrou que não sabia se era recebido na Academia como jurista ou como filósofo, mas tinha certeza de que em seus escritos constatava-se uma “ardente devoção aos valores estéticos e literários”. Segundo Reale:

 Como será possível bem servir às Ciências Humanas sem procurar conciliar o rigor dos conceitos com a beleza da forma? Como não reconhecer que uma lei bela já é meio caminho andado para a realização da Justiça, e que uma frase clara reflete a transparência mesma de uma ideia conscientemente amadurecida? Sem ser necessário reduzir a Ciência à linguagem, nas pegadas de Wittgenstein e dos neo-positivistas contemporâneos, é inegável que o pensamento autêntico já é um esboço de ação, e que a verdade guarda em si mesma, na raiz de sua revelação, a força de seu enunciado”.

O discurso termina com uma reflexão sobre a noite. Segundo o orador, o fim da sessão principia o declínio do arco daquela noite, que os tornava iguais no culto da amizade e da beleza; isto é, “a noite é sempre fonte de igualdade e comunhão, enquanto que a luz solar distingue, individualiza, fustiga (…) noite que é generosidade e participação, noite do orvalho que sobe da terra, mas parece sobre ela descer com o seu manto de ternura”.

Miguel Reale, jurista de profissão, filósofo por vocação e esteta por convicção, passava a reger a cadeira 14 da ABL. Um símbolo da aproximação entre o direito e a literatura, relação enfatizada por Fábio Coutinho em sua obra tantas vezes aqui referida. A leitura das memórias de Reale complementa as reflexões aqui lançadas, e marcadas por profundo sentimento de respeito para com o jurista filósofo aqui estudado.

12 de maio de 2024, 8h00

  • é advogado em Brasília (Hage e Navarro), livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, professor titular do mestrado e doutorado do UniCeub (Brasília) e professor visitante (Boston, Nova Délhi, Berkeley, Frankfurt, Málaga).

domingo, 12 de maio de 2024

Uma reflexão sobre a disputa geopolítica atual em torno da Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão sobre a disputa geopolítica atual em torno da Ucrânia

 Paulo Roberto de Almeida

A atual guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia chegou a um ponto de impasse militar e diplomático, de um lado e de outro. Não haverá qualquer progresso na “conferência da paz” a ser realizada na Suíça em junho de 2024.
Um armistício é o que vem sendo proposto há certo tempo pelo grande especialista em história russa Stephen Kotkin em artigo na Foreign Affairs, entrevista ao Wall Street Journal e em matérias publicadas pelo Woodrow Wilson Center of International Affairs. 
De fato, é a única solução provisória que pode ser encontrada numa situação em que nenhum dos lados consegue impor seus objetivos maximalistas. 
A história futura determinará o destino final dos oponentes, o que provavelmente só será encontrado depois da morte ou do afastamento de Vladimir Putin e de movimentos progressivos do lado da UE e da frente atlântica, o que vale também para a hipótese de um enfraquecimento progressivo da Rússia e sua quase condição de um Estado vassalo da China, numa notável inversão da história do último século e meio.
Não se trata exatamente de uma “solução”, mas de um arranjo temporário, que pode durar anos ou décadas para alguma evolução futura, como já foi o caso, e ainda o é, da península coreana. 
No caso da tutela russa sobre a Europa central e oriental, um “desenvolvimento” ocorreu na segunda derrocada do império russo no século XX, o primeiro em 1917, o segundo em 1991. A terceira derrocada poderá ocorrer depois de 2030.
A massa euro-asiática continua sendo o pivô mais pesado da história mundial depois da Antiguidade, quando essa história girava sobretudo em torno do Oriente Médio e do Mediterrâneo.
Essas três áreas foram os cenários humanos e geopolíticos de todas as grandes guerras dos últimos 25 séculos, atravessando os impérios persa, alexandrino, romano, otomano, russo e soviético; nossa “sorte”, do Brasil e da AL, está em sermos relativamente “excêntricos”, assim como os atuais impérios americano e chinês, mas ambos disputando primazia por meio de proxy wars.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 12/05/2024

Brasil: inimigo de si mesmo na politica internacional - Daniel Buarque

 Brasil é pior inimigo do Brasil na busca por liderança internacional

Problemas domésticos prejudicam ascensão na hierarquia global, aponta pesquisa

Folha de S. Paulo - UOL, 11/05/2024

[RESUMO] Autor apresenta conclusões de sua pesquisa de doutorado, em que realizou 94 entrevistas com membros da comunidade de política externa para mapear a imagem internacional do Brasil. Embora aspire a ser um líder global, o país é percebido como um peão no xadrez geopolítico, um ator periférico prestigiado pelas grandes potências só quando convém a elas. Falta de reconhecimento é reflexo de problemas internos do país, aponta estudo.

Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, o Brasil se ofereceu para ser um mediador entre os dois países, tanto com Jair Bolsonaro (PL) quanto sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quando começou o atual governo, a "doutrina Lula" tentou construir a ideia de que "o Brasil voltou" e quis melhorar a sua imagem internacional.

O Brasil começou a buscar protagonismo em questões ambientais, quis retomar uma liderança em temas regionais, procurou grandes acordos comerciais e até buscou conduzir uma votação pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza. Além disso, retomou a aposta no multilateralismo e na busca pela reforma da governança global, reiterando o interesse em um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Lula até encontrou boa vontade internacional, a imagem do país melhorou e ele conseguiu liderar o Conselho de Segurança por um mês e presidir o G20, além de ganhar o direito de sediar a conferência do clima.

No entanto, a maioria das tentativas de ter um papel realmente significativo em questões internacionais importantes, motivadas em ampla medida pela ambição de ser um ator de peso na política global, continua esbarrando na falta de reconhecimento internacional de um alto status do país.

Mesmo com todo o esforço para aumentar o prestígio brasileiro, a percepção das nações mais poderosas do planeta é que o país não é suficientemente relevante para influenciar as grandes questões internacionais. Isso vale especialmente para quando elas envolvem discussões sobre segurança, guerra e paz. Para as grandes potências globais, o Brasil não passa de um peão no xadrez da geopolítica global.

Apesar do trabalho sério desenvolvido pelo Itamaraty ao longo de décadas, o problema não está necessariamente no que o Brasil faz em sua atuação internacional. A falta de reconhecimento para o prestígio é um reflexo, em ampla medida, de problemas internos do país, que precisam ser o foco antes de qualquer tentativa de projeção internacional.

Esses são alguns dos pontos centrais do livro "Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities", recém-publicado pela editora Palgrave Macmillan. A obra reúne os principais achados de uma pesquisa desenvolvida durante meu doutorado pelo King's College, de Londres. O estudo analisou a longa aspiração brasileira por alto status internacional em contraste com a percepção externa sobre o papel que o país pode desempenhar no mundo.

Para entender o lugar ocupado pelo Brasil na complexa geopolítica desde o fim da Guerra Fria, a pesquisa se baseou em 94 entrevistas com a comunidade de política externa dos países que já são reconhecidos como potências globais: EUA, China, Rússia, Reino Unido e França —os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

UM ‘PEÃO COBIÇADO’

As grandes potências veem o Brasil como um país sem peso na política internacional. A percepção é que o Brasil não passa de um país médio que não tem legitimidade para atuar em questões importantes de segurança global.

Uma razão para essa avaliação é geográfica. O Brasil é percebido como periférico e pacífico, localizado em uma região longe das principais ameaças e disputas do mundo, e por isso não precisaria nem deveria se envolver nesses casos.

Outro ponto importante é que o país enfrenta limites em suas capacidades militares e econômicas, portanto não teria poder suficiente para ser preponderante em escala global.

Paradoxalmente, o Brasil é desejado como um aliado por essas mesmas potências, que buscam utilizá-lo como uma peça estratégica em suas rivalidades e seus interesses globais. Apesar de ser visto como um peão, seu apoio é cobiçado dentro do grande jogo da geopolítica.

Isso explica a frustração do Ocidente com a "equidistância" do país em relação à Guerra da Ucrânia e sobre as críticas de Lula a Israel. Ajuda a entender também a mobilização da China para manter o país envolvido nas ações do Brics e na tentativa de fortalecer outras moedas como alternativa ao dólar em negociações internacionais.

Na realpolitik, cada potência está interessada apenas em avançar seus próprios interesses geopolíticos. O Brasil recebe apoio e alguma forma de reconhecimento somente quando isso indica algum benefício para elas.

BRASIL CONTRA BRAZIL

Ser visto como um peão vai contra a histórica ambição de grandeza do país nas relações internacionais. Isso, contudo, ultrapassa as limitações geográficas e de poder econômico e militar. O Brasil é o maior inimigo do Brasil em sua busca por maior status internacional, avaliaram muitos dos entrevistados na pesquisa.

A percepção externa é que, embora o Brasil realmente tenha muito potencial e sua imagem internacional seja geralmente positiva, o país não alcançou um alto status por causa de seus próprios problemas domésticos, que prejudicam seu desenvolvimento e sua ascensão na hierarquia global. Uma situação doméstica —social, econômica e política— de desordem e incerteza mina a influência internacional mais que qualquer atuação no exterior.

Para essas nações poderosas, países com ambição de emergir entre os mais importantes do mundo devem "fazer sua lição de casa" e "arrumar as coisas internamente" antes de serem aceitos no clube de "alto status internacional".

Trata-se de uma visão meritocrática da ordem internacional —e uma interpretação do prestígio global que pode ser criticada—, mas que reflete a forma como a comunidade de política externa das nações mais poderosas pensa sobre a ordem global.

Ao observar o Brasil nas últimas décadas, há fortes evidências da importância da situação doméstica para seu prestígio. A estabilização e o crescimento da economia, a expansão da classe média, o fato de o país ter se tornado autossuficiente na produção de energia, a expansão das commodities e a consolidação da democracia no final dos anos 1990 levaram a uma narrativa sobre o aumento do status internacional do Brasil. Em 2009, a revista britânica The Economist estampava em sua capa a imagem do Cristo Redentor decolando.

Em 2013, contudo, uma série de crises sociais, políticas e econômicas mudou essa situação. Os anos seguintes foram de recessão, escândalos de corrupção, violência e violações de direitos humanos, autoritarismo, negacionismo científico e ameaça à democracia, tornando mais difícil para o Brasil alcançar reconhecimento externo.

Entender a importância do contexto doméstico pode servir como referência para repensar as estratégias do país na construção de um lugar para o Brasil no mundo.

O estudo apresentado aqui indica que focar questões internas (especialmente na economia) e corrigir problemas domésticos são percebidos como os meios mais eficientes para aumentar o status internacional de um país.

Ao buscar destaque em sua atuação internacional, o Brasil deveria dar mais atenção ao que acontece dentro do país, melhorando sua realidade antes de querer se projetar ao mundo.


Duas entrevistas sobre a Rússia: Stephen Kotkin e Antony Beevor

 Duas entrevistas de qualidade excepcional sobre o desafio representado pela Rússia ao Ocidente e à paz e à segurança internacional:

1) Stephen Kotkin on the present amd future of Russia; by the Wall Street Journal:

https://youtu.be/_9E5e3_6pDY?si=sjIAPqtmqigx3JUi


2) Sir Antony Beevor on writing the history of Russia:

https://youtu.be/HrfuWRQedZM?si=3dhpGoNSwxMWGWOi

sábado, 11 de maio de 2024

A versão pessimista da História, aliás sem muitos adjetivos - Paulo Roberto de Almeida

A versão pessimista da História, aliás sem muitos adjetivos

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre o predomínio temporário do autoritarismo na política mundial

  

Minha dose de realismo pessimista, por uma vez, embora contrariando o título desta nota. Estamos mal-acostumados com a versão evolutiva-positiva da História: do escravismo e da autocracia, para uma servidão com alguma representação da maioria, daí para a cidadania republicana parlamentar, para os direitos humanos e para a plena expressão dos direitos individuais e coletivos, em regimes democráticos estáveis. Tudo isso é garantido?

Pode ser, mas não imediatamente ou na próxima curva.

E se a História não for essa ascensão evolutiva para a paz universal kantiana e do respeito pleno pelas liberdades democráticas, como pretendem ideólogos iluministas? E se ela for uma trajetória de ensaio e erro num caminho tortuoso que vai de regimes representativos temporários, para autoritarismos populistas, regimes de pão e circo, embrutecimento das massas pela demagogia e pela religião, manipulação paranoica do medo das massas bárbaras que se acumulam nas fronteiras?

A verdade é que ninguém sabe prever o futuro do império eslavo sob o czar Putin ou o do Império do Meio sob o imperador Xi, dois impérios multisseculares, bem mais resilientes do que nossas “jovens” democracias ocidentais, que têm pouco mais de 200 anos. Podemos ter de suportar várias décadas de duas fortes autocracias, sem esperanças de vê-las evoluir para regimes democráticos. A História é dura para espíritos idealistas como este mesmo que aqui escreve.

Nem o Sul Global, uma comunidade que simplesmente não existe — e que é apenas o resto do que sobrou de alguns poucos impérios democráticos do Ocidente outrora dominador, de um lado, ecdas grandes autocracias, do outro —, nem esse diáfano Sul Global têm qualquer consistência para influenciar o futuro da política global e da geopolítica. 

A verdade é que o futuro da humanidade paira entre uma hesitante democratização, influenciada por frágeis regimes democráticos, e uma estagnação autoritária, fortemente pressionada por duas grandes autocracias que por enquanto lograram congelar a marcha para aquela via democrática desejada. Ditaduras são temporariamente mais efetivas, pois que eliminam a contestação pela força bruta, pela supressão dos dissidentes, por um controle social extensivo. 

Democracias são mais estáveis, mas limitadas e não expansionistas: os países democráticos só o são há pouco mais de 200 anos. Os impérios autocráticos são mais resilientes: sobrevivem há mais tempo, embora com sobressaltos, e muita opressão dos súditos ou dos cidadãos. 

O mundo todo não será pacífico e democrático antes de muitos anos, mais exatamente por décadas. Tampouco será próspero, como gostaríamos que fosse, e isso não tem nada a ver com o neoliberalismo ou com o capitalismo puro e duro. Tem a ver, pura e simplesmente, com a falta de educação das grandes massas, com a ignorância persistente em grandes unidades imperiais, mesmo numa grande democracia, como pareciam ser os EUA. Massas ignaras são um terreno fértil para demagogos autoritários, para populistas mentirosos, para simples oportunistas falastrões. 

Chegamos ao Nelson Rodrigues de verdade: será verdade que o século XX assistiu à ascensão dos idiotas? Parcialmente! Eles sempre existiram, mas antes eram silenciosos, pois que desprovidos de meios e ferramentas. Agora, qualquer idiota tem um celular e canais de comunicação à disposição, para espalhar um besteirol dos mais medíocres. Fazem um bocado de barulho, geralmente improdutivo. Os autoritários tiram proveito dessa situação. Mas justamente porque são autoritários, concentram poder, provocam crises e criam impasses. As democracias estáveis se mantêm, embora isoladas e menos influentes, pois não tem vocação à chantagem e à opressão.

Continuo achando que as democracias prevalecerão, mas só no longo prazo e com algum sacrifício de meios. Sou apenas um otimista cético, ou um idealista realista.

Os que não concordam podem me contestar.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4669, 11 maio 2024, 2 p.


Livres da polarização - Roberto Freire, Eduardo Jorge, Gilberto Natalini e Augusto de Franco (O Estado de São Paulo)

Livres da polarização

Quem falará pelos 40% de brasileiros que não são petistas nem bolsonaristas, nem apoiam essas forças políticas populistas?

Roberto Freire, Eduardo Jorge, Gilberto Natalini e Augusto de Franco

 O Estado de São Paulo, 11/05/2024

Há no Brasil de hoje dezenas de milhões de eleitores que não se sentem representados pelas forças que dominam a arena política. São esses – em boa parte – os que apoiam a democracia como um valor universal e que são contra toda sorte de preconceitos e discriminações. São os que acreditam na eficiência do Estado, mas defendem uma economia livre, querem aliar desenvolvimento e sustentabilidade, desejam empreender, mas precisam de apoio ou, quando menos, que não sejam atrapalhados, os que sabem que segurança é inteligência e a violência, irmã da desigualdade.

São os que não acham que um pouquinho de inflação faz bem, nem querem leis dos anos 1940 regulando o trabalho, como ficou patente com a decisão dos líderes governistas de abandonar o projeto com o qual o governo pretendia transformar em trabalhadores CLT os motoristas e entregadores de aplicativo. São os que não veem legitimidade em invasões e depredações de patrimônio público ou privado, sejam eles patrocinados pelo MST ou por partidários de golpes de Estado. São os que defendem, de forma intransigente, as liberdades de expressão, organização e manifestação de acordo com as regras do Estado Democrático de Direito.

Eles não estão nos extremos ou polos que viraram instrumento de análise da divisão a que o lulismo e o bolsonarismo submeteram a sociedade, ambos em busca do poder pelo poder. Eles não defendem, nem justificam, grupos terroristas como o Hamas, o Hezbollah, os Houthis e demais milícias do Oriente Médio que servem aos propósitos da teocracia iraniana e estão sendo usados pelas grandes autocracias do planeta contra os regimes democráticos – tampouco apoiam Nicolás Maduro, Vladimir Putin ou outros ditadores, de esquerda, de direita ou fundamentalistas religiosos.

Quem falará pelos cerca de 40% de brasileiros que não são petistas nem bolsonaristas, nem apoiam essas forças políticas populistas? Os partidos políticos falharam em interpretar os sentimentos, captar as aspirações e endereçar soluções para os problemas desse imenso contingente populacional. Os que não minguaram viraram satélites dos dois campos que alimentam a clivagem social e política brasileira. Não por outra razão, pesquisa recente do Datafolha mostra que aumentou a desconfiança da população dos partidos políticos. Os números, aliás, são alarmantes: só 43% confiam “um pouco”.

A construção de alternativas à polarização, portanto, terá de partir dos insatisfeitos com esse estado de coisas. E, nesse campo, há grande diversidade. De intelectuais a políticos, passando por jovens idealistas, professores, profissionais liberais, trabalhadores de chão de fábrica e de empresas de tecnologia, entregadores e motoristas de aplicativos, empresários, agricultores, artistas, sindicalistas, cientistas, enfim, pessoas comuns que querem viver, estudar, trabalhar, empreender, se divertir, amar e se congraçar com seus semelhantes sabendo que somente a democracia pode configurar ambientes pacíficos onde seus direitos políticos e suas liberdades civis sejam respeitados e valorizados.

Uma oposição democrática aos populismos, no governo ou fora dele, já existe no Brasil. Ela ainda é pequena e está dispersa, mas não crescerá por mágica nas eleições deste ano ou nas próximas. Isso só vai acontecer se as forças políticas democráticas começarem a se articular para influenciar de pronto a agenda nacional, resgatando o espaço público dos populismos de esquerda e direita que o sequestraram. Isso exige conversação livre e franca entre pessoas que não imaginam ter o monopólio da verdade e que estão abertas a ouvir e entender os pontos de vista do outro e, se necessário, a mudar seus próprios pontos de vista, seja em busca de convergência, seja porque alguém teve uma ideia melhor. Isso exige empenho contínuo, um exercício permanente de olhar para a frente, de pensar o País para além das disputas de poder.

Há muita gente disposta a isso, dentro e fora dos partidos, centristas, à esquerda ou à direita, nos mais diversos Estados. Gente cansada do destrutivo e paralisante “nós contra eles”. Gente que espera há anos por políticas que deram certo em outros lugares do mundo, independentemente da ideologia de seus idealizadores, mas que aqui são sabotadas pela polarização. Seja na educação, com a reforma do ensino médio, ou no saneamento básico, com o marco legal, para ficar em dois exemplos recentes de tentativa de retrocesso.

Que todos esses comecem a se conectar, virtual ou presencialmente, não importa se em grande ou pequeno número. O resultado desse esforço não será uma frente de pessoas que pensam igual, mas uma ecologia de diferenças coligadas. Não se articularão apenas para lançar candidatos, embora daí nascerão opções aos extremos, mas para congregar quem deseja trabalhar pela despolarização. Em nome dos milhões de brasileiros que almejam viver em um país melhor e estão fartos de quem lucra com a divisão da sociedade brasileira.


Roberto Freire é político e advogado, Eduardo Jorge e Gilberto Natalini são políticos e médicos, Augusto de Franco é político e escritor.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

O que o governo Lula tem contra a Carta da ONU e o Direito Internacional? - Paulo Roberto de Almeida

Discurso equivocado no Dia da Vitória em uma guerra na qual a Rússia foi em parte responsável pelo seu início, em 1939, mas que ela só data de 1941, sendo que em 1940 ela já tinha usurpado metade do território da Polônia, invadido os países bálticos independentes e iniciado uma guerra contra a Finlândia.

Putin ameaça o Ocidente e o mundo por causa de uma guerra de agressão contra a Ucrânia que ele mesmo provocou, em violação da Carta da ONU. Muitos países falham em reconhecer essa evidência, entre eles o Governo brasileiro atual, que destoa de nossa tradição de respeito ao Direito Internacional. Os países que ajudam a Ucrânia a conter essa agressão atuam em conformidade com a Carta da ONU e em respeito ao Direito Internacional.

O que o governo Lula tem contra o Direito Internacional? Por que o governo Lula atual não confirma o tradicional respeito da diplomacia brasileira pela Carta da ONU?

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...