domingo, 18 de agosto de 2024

Prefácio de Rubens Ricupero ao livro do embaixador Synesio Sampaio Goes Filho sobre Alexandre de Gusmão (Vermelho)

 

 NACIONAL POLÍTICA

Leia o prefácio de Rubens Ricupero que foi censurado pelo Itamaraty 

O embaixador aposentado Rubens Ricupero, crítico da política externa do governo Bolsonaro, considerou “infantilidade” o veto do chanceler Ernesto Araújo a um livro do Itamaraty por questões pessoais. Ricupero fez o prefácio da biografia de Alexandre de Gusmão, escrita pelo embaixador Synesio Sampaio Goes Filho, por encomenda da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao ministério. Em julho, ao entregar os originais, Goes Filho foi avisado de que o livro só seria publicado sem o prefácio.

Vermelho, 03/08/2019 10:03

https://vermelho.org.br/2019/08/03/leia-o-prefacio-de-rubens-ricupero-que-foi-censurado-pelo-itamaraty/

 


Com o título Alexandre de Gusmão (1695-1753): O Estadista que Desenhou o Mapa do Brasil, o livro deveria ser publicado neste segundo semestre. “É um texto dirigido, sobretudo, a interessados em história diplomática. Uma razão a mais para concluir que a atitude de vetar o prefácio é, no fundo, uma infantilidade de efeitos contraproducentes para os que a adotaram”, afirmou Ricupero, que também é historiador e foi embaixador em Washington.

Autor do ensaio sobre Gusmão – que é considerado o “avô” da diplomacia brasileira –, Goes Filho também protestou. “Isso é censura, obscurantismo. Desse jeito, nenhum embaixador de prestígio vai poder publicar”, afirmou ele à Folha de S.Paulo. “É um assunto do século 18, e o autor foi vetado porque critica o ministro – não pelo que escreveu.”

Ao lado de outros veículos e em solidariedade a Goes Filho e Ricupero, o Vermelho divulga abaixo a íntegra do texto censurado pelo Itamaraty.

Alexandre de Gusmão (1695-1753): O Estadista que Desenhou o Mapa do Brasil

PREFÁCIO 

Por Rubens Ricupero


Synesio Sampaio Goes Filho realizou neste livro em relação ao principal autor do Tratado de Madri o que havia feito para a formação das fronteiras do Brasil: tornou acessível ao leitor de hoje a compreensão de uma história que se convertera em algo de remoto e abstruso.

Nem sempre fora assim. Até sessenta ou setenta anos atrás, a história diplomática do Brasil parecia às vezes dominada pela história das fronteiras. Na atmosfera de justa satisfação pela solução definitiva dos problemas territoriais do país levada a cabo pelo barão do Rio Branco, multiplicaram-se os estudos das questões fronteiriças, frequentemente escritos por diplomatas de carreira com vocação de historiadores.

Um dos mais produtivos entre esses autores, o embaixador Álvaro Teixeira Soares, resumiu com felicidade o sentimento que animava tais estudos. A solução sistemática dos problemas fronteiriços iniciada sob a monarquia e concluída por Rio Branco, escreveu Teixeira Soares, merecia ser considerada como uma das maiores obras diplomáticas realizadas por qualquer país em qualquer época. Não havia exagero em descrever desse modo o processo pacífico de negociação ou arbitragem pelo qual se resolveu metodicamente cada um dos problemas de limites com nada menos de onze vizinhos contíguos e heterogêneos (na época do Barão, o Equador ainda invocava direitos de fronteira com o Brasil, em disputa resolvida com o Peru somente muito mais tarde).

Passada a fase em que era moda escrever livros sobre fronteiras, o assunto perdeu grande parte do atrativo. Julgava-se que nada mais havia a dizer a respeito de problema já resolvido. Desconfiava-se de obras assinadas por funcionários diplomáticos, confundidas com a modalidade de publicações destinadas a engrandecer a própria instituição. Livros sobre discussões limítrofes, antes tão populares, tornaram-se difíceis de encontrar e mais difíceis de ler. O estilo envelhecera, os métodos da historiografia passada davam a impressão de obsoletos, a narrativa soava monótona, demasiado descritiva, apologética, pouco crítica, cansativa na enumeração de intermináveis acidentes geográficos.

Foi nesse panorama estagnado que Synesio teve a coragem de escolher para sua tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco em 1982 o tema enganosamente escondido sob o modesto título de Aspectos da ocupação da Amazônia: de Tordesilhas ao Tratado de Cooperação Amazônica . Lembro bem da surpresa positiva que causou a dissertação, pois fazia parte na época da banca examinadora do exame. Fui assim testemunha do surgimento de uma vocação singular de historiador voltado para recuperar a desgastada tradição de estudos fronteiriços.

Estimulado pela recomendação de publicação da banca, o autor ampliou e enriqueceu o trabalho, editado pelo Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais (IPRI), em 1991, sob o título de Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas: Um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. O livro teve o efeito de uma janela que se abria na atmosfera bolorenta da antiquada história das fronteiras, fazendo entrar o ar fresco da renovação modernizadora.

Redigida em linguagem límpida, objetiva, expressiva na sóbria elegância, a narrativa envolve o leitor em viagem sem esforço pela fascinante evolução do território brasileiro na sua fase de expansão, de avanços e recuos na Amazônia, no Extremo Oeste, na região da Bacia do Prata. Demonstra como se revelou constante em toda essa história a articulação do impulso pioneiro de exploradores, homens práticos determinados na busca de compensações materiais, com o trabalho cuidadoso de diplomatas e estadistas que legitimaram em instrumentos jurídicos o que não passava no início de ocupação precária de terras duvidosas.

Um dos méritos originais do livro consistiu em resolutamente colocar de lado a mitologia criada em torno de uma suposta linha que teria sido invariavelmente seguida por todos os governos brasileiros, refletindo uma doutrina inabalável ao longo dos séculos. Segundo tal linha de argumentação, desde os primórdios os políticos e diplomatas do Império teriam sustentado que o Tratado de Santo Ildefonso (1777) havia perdido a validez ao não ser explicitamente revalidado depois da fugaz Guerra das Laranjas (1801) no Tratado de Badajoz. Não existindo, portanto, direito escrito para definir as fronteiras, estas deveriam ser estabelecidas – seria o segundo postulado pretensamente imutável – de acordo com o princípio do uti possidetis , isto é, obedecendo à posse efetiva no terreno. O Tratado de Santo Ildefonso serviria apenas de maneira subsidiária para ajudar a dirimir dúvidas onde não se verificasse a ocorrência de posse ou não houvesse contradição entre o tratado e a posse.

O argumento apresentava alguma utilidade para comprovar a antiguidade e constância das pretensões brasileiras. Não passava, no entanto, de artifício de negociação, sem amparo real na realidade histórica. Synesio Sampaio Goes não se intimidou com a longa sequência de respeitados estadistas e estudiosos que haviam cercado essas afirmações com a proteção de sua autoridade e de seu prestígio. Mostrou com exemplos irrefutáveis que nenhum dos postulados havia sido verdade absoluta adotada em todos os casos. Não faltavam decisões e pareceres do Conselho de Estado advogando em favor da adoção de Santo Ildefonso como orientação para fixar fronteiras. Nem de episódios em que o Conselho ou o governo tinham recusado recorrer ao uti possidetis como critério para traçar limites.

Longe de enfraquecer a tradição brasileira em matéria de negociação de fronteiras, o trabalho de reconstituição da verdade efetuado pela obra conferiu historicidade e verossimilhança às doutrinas defendidas pelo Itamaraty, voltando a situá-las no contexto próprio do tempo em que foram definidas e no das circunstâncias que as modificaram. O desmonte da retórica apologética permitiu que aparecesse a verdade de uma evolução gradual, de tentativas e erros, de afirmação progressiva das teses mais convenientes. A narrativa fiel aos fatos fez emergir do passado uma diplomacia conscienciosa de estudo de mapas, de exploração de velhos arquivos, de construção paciente de doutrinas jurídicas adaptadas à situação de país cujos títulos originais a boa parte de seu futuro território eram pobres ou inexistentes. O resultado final, além de verdadeiro, valorizava em vez de empobrecer os méritos dos diplomatas que construíram a história do mapa do Brasil.

Na origem de toda essa história encontrava-se o alto funcionário da Corte portuguesa a quem se devia, mais que a qualquer outro, a definição do perfil territorial do Brasil, Alexandre de Gusmão. Brasílico, como se dizia na época, nascido obscuramente na humilde, insignificante Vila do Porto de Santos, tratava-se de personagem que atuara de modo discreto nos bastidores do poder. Permanecera quase anônimo por longo tempo, mais de um século, apesar de um ou outro estudioso mais arguto como o barão do Rio Branco ter reconhecido o papel que desempenhara.

Coube a um exilado político no Brasil do regime salazarista, o historiador português Jaime Cortesão, a tarefa de resgatar da penumbra da história a figura de Gusmão, desentranhando do silêncio dos arquivos os documentos que praticamente revelaram ao mundo a história real que se escondia por trás da negociação do Tratado de Madri (1750). Synesio Sampaio Goes, que já produzira o moderno clássico do estudo e da análise da história geral das fronteiras brasileiras, retrocede agora ao ponto de partida de onde tudo começou a fim de examinar como se chegou a pacientemente preparar a maior de todas as vitórias da diplomacia luso-brasileira na consolidação da expansão territorial do Brasil, o Tratado de Madri.

Conforme afirmei lá no início do prefácio, as duas realizações de Synesio, a da história completa, abrangente das fronteiras, e hoje a do Tratado de Madri e de seu autor mais importante, possuem uma característica definidora comum. Ambas reexaminam com olhar crítico o volumoso material existente, desbastam esse acervo daquilo que apresenta relevância menor para o leitor culto de nossos dias, reconstruindo com estilo contemporâneo, metodologia e linguagem atualizadas, narrativas que corriam o risco de não mais serem lidas a não ser por raríssimos especialistas.

Tome-se, por exemplo, o caso da obra magna de Jaime Cortesão, Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri, publicada nos anos 1950 pelo Instituto Rio Branco em nove alentados volumes com milhares de páginas de reprodução de documentos e mapas. Quem hoje em dia se disporia a ler a obra inteira? Mesmo a edição compacta em dois tomos restritos à vida e realizações de Alexandre de Gusmão, editada em 2016 pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, estende-se por mais de oitocentas páginas de letra miúda, recheadas de longas discussões de erudição de interesse relativamente menor para o leitor médio.

Synesio não só torna a história dos limites e a de Alexandre de Gusmão acessíveis e atrativas aos leitores e estudiosos atuais. Ao modernizar e submeter a rigoroso crivo crítico tais narrativas, realiza obra original de mérito indiscutível. Ao discutir as hipóteses mais especulativas a respeito de incidentes da biografia de Gusmão, a autoria pessoal das instruções que orientaram o negociador português do Tratado, concepções intelectuais que teriam inspirado as ações lusitanas, o autor pesa com cuidado os argumentos e chega a conclusões que comandam o consenso pelo realismo, prudência historiográfica e bom senso.

Essas qualidades se destacam, entre outras passagens, nas que relativizam e moderam o entusiasmo raiando ao misticismo de Jaime Cortesão ao tratar de alguns mitos da história colonial como o da célebre “ilha Brasil”, a existência de um território delimitado de um lado pelo oceano Atlântico e no oeste por dois grandes rios que confluiriam para um mítica lagoa no interior das terras sul-americanas. A sobriedade nas avaliações e juízos confere veracidade digna de fé às afirmações amparadas, na falta de documentos conclusivos, por critérios de probabilidade e verossimilhança.

O autor faz bem de chamar ensaio biográfico o estudo da vida e ação de um personagem que viveu na primeira metade dos Setecentos. Faltariam elementos probatórios para tentar reconstruir a respeito da figura de Gusmão aspectos minuciosos da infância, da formação da personalidade na adolescência e juventude, das leituras e experiências definidoras como pretendem às vezes realizar exaustivas biografias de personalidades mais perto de nós. Uma técnica de narrar que funcionou de modo eficaz na construção da obra foi a de alternar o tempo todo a vida de Alexandre de Gusmão e a evolução dos acontecimentos que criariam as oportunidades para suas realizações. Basta passar os olhos pelo índice para perceber a dosagem alternada de matérias de contextualização — o Brasil, Portugal na época — com os capítulos biográficos — começos de vida, diplomata aprendiz, secretário real — voltando à colônia no apogeu do ouro, mas sem fronteiras, a relação do brasílico com sua distante pátria, os problemas do contrabando.

O estudo se revela particularmente útil no exame minucioso do que viria a ser presumivelmente a mais importante negociação territorial da história brasileira, culminando num tratado que de certa forma equivaleria a uma espécie de “escritura de propriedade” do território que forma o Brasil de hoje. Já se disse outras vezes e ressalta bastante deste livro a originalidade múltipla do Tratado de Madri. Num período em que quase todos os tratados de limites se originavam de guerras e refletiam a correlação de forças no campo de batalha, o acordo de 1750 foi exceção, negociado e concluído depois de longos anos de paz entre Portugal e Espanha.

Em contraste com a maioria dos inúmeros acordos limítrofes que o Brasil independente assinaria no futuro, o de Madri se salientou por desenhar a linha completa do mapa do Brasil ao longo de milhares de quilômetros de fronteiras terrestre. Não era o que desejavam os espanhóis, mais uma vez empenhados em somente limitar o ajuste a alguns setores de seu particular interesse, sobretudo na região da permuta da Colônia do Sacramento pelos Sete Povos das Missões do Alto Uruguai. Graças à firme insistência dos negociadores lusos é que se conseguiu definir o que, com ajustes relativamente menores, haveria de ser na prática o perfil territorial do Brasil moderno.

O Tratado de Madri tornou possível outra originalidade da história da formação territorial brasileira: a de que ela se encontrava virtualmente terminada antes da Independência. Em termos gerais, o chamado expansionismo, que foi a rigor muito mais português que brasileiro, alcançava quase seu limite máximo na véspera da Independência. Compare-se com a expansão norte-americana, que tem início a partir da Independência de 1776, para perceber a diferença das implicações que esse fato acarretaria para o relacionamento do país independente — Estados Unidos da América ou Brasil — com seus vizinhos igualmente independentes, México, no exemplo norte-americano, os dez vizinhos brasileiros, com o enorme contraste em termos de herança de ressentimentos históricos.

Vários dos estudiosos do Tratado de Madri fizeram questão de destacar que ele se adiantou a seu tempo na razoabilidade e no equilíbrio das concessões, no seu legado central, que consistiu em reconhecer de direito o que já ocorrera no terreno da prática: a supremacia da expansão luso-brasileira na Amazônia e no centro-oeste da América do Sul em câmbio do prevalecimento dos interesses castelhanos na Região da Bacia do Prata. Talvez se deva, em última instância, a esse espírito avançado em relação à época que o tratado tenha sido tão fugaz na duração formal: pouco mais de dez anos até a anulação pelo Tratado de El Pardo (1761).

Um dos enigmas da história luso-brasileira é entender por que o governo português, principal beneficiário dessa obra-prima de sua diplomacia, se converteu, em poucos anos, num dos mais ativos fatores de sua destruição. Os historiadores, entre eles Jaime Cortesão, alinham, é claro, argumentos e razões, que soam desproporcionalmente fracos para explicar erro tão grave de avaliação. Não é este o lugar para examinar a questão, de que procurei tratar em livro recente. De todo modo, o que conta é que, depois de vicissitudes e revezes sem conta perfeitamente possíveis de evitar, o espírito do Tratado de Madri acabaria por prevalecer. Esta constatação é seguramente a maior demonstração do gênio criador de Alexandre de Gusmão, capaz de sobreviver até à maligna inveja do marquês de Pombal, seu poderoso e overrated rival.

Em vida, Gusmão não alcançou recompensa nem reconhecimento pelo que fizera. Morreu no ostracismo, sem poder, com dificuldades financeiras. A Representação que dirigiu ao rei D. João V em fins de 1749, pouco antes do desaparecimento do monarca, ficou sem resposta. Permaneceria no limbo da história até meados do século XX, quando, graças a Jaime Cortesão, viu finalmente apreciada e valorizada sua contribuição com as seguintes palavras:

“Precursor da geopolítica americana; definidor de novos princípios jurídicos; mestre inexcedível da ciência e da arte diplomática, Alexandre de Gusmão tem direito a figurar na história como um construtor genial da nação brasileira, pela clarividência e firmeza de uma política de unidade geográfica e defesa da soberania, que antecipam, preparam e igualam a do Barão do Rio Branco”.

O primoroso ensaio biográfico que Synesio Sampaio Goes Filho dedica a sua memória reexamina, atualiza e ratifica, ponto por ponto, a justiça e exatidão do julgamento tardio da posteridade.


Rubens Ricupero, São Paulo, 16 de junho de 2019.

 

Fracasso de pressão por democracia pode abrir precedente para invasão da Venezuela? - Sean Burges (Interesse Nacional, Estadão)

 Opinião

Fracasso de pressão por democracia pode abrir precedente para invasão da Venezuela?

O regime de Maduro não vai deixar o poder, o que deixa Lula e seus contemporâneos nas Américas com uma pergunta terrível

Por Sean Burges

Interesse Nacional, Estadão, 17/08/2024

 

Para surpresa de ninguém, o autocrata-chefe venezuelano Nicolás Maduro manipulou a eleição presidencial de 28 de julho para permanecer no cargo. A condenação da maior parte do mundo foi igualmente previsível, mas também tocante em suas esperanças ingênuas de que a pressão internacional trará mudanças.

PUBLICIDADE

O regime de Maduro não vai a lugar nenhum, o que deixa Lula e seus contemporâneos nas Américas com uma pergunta terrível: é mais eficaz simplesmente conter o Estado falido na Venezuela ou deve-se estabelecer um precedente com uma invasão pró-democracia no país?

Um retorno muito rápido à teoria nos ajuda a explicar por que o mundo está tão impotente para precipitar mudanças positivas na Venezuela.

América Latina da década de 1980 foi uma espécie de laboratório para investigar transições do autoritarismo para a democracia. Os estudiosos analisaram as diferentes transições extensivamente, resultando em inúmeros estudos que continuam a oferecer lições inestimáveis para os dias de hoje, mesmo que os formuladores de políticas pareçam relutantes em aventurar-se nas prateleiras empoeiradas da biblioteca para recuperá-los.

Talvez o livro mais perceptivo (e também curto) seja o volume quatro da série Transitions from Authoritarian Rule publicado em 1986. Popularmente conhecido como o Livro Verde pela cor da sua capa e subtitulado Tentative Conclusions About Uncertain Democracies, o argumento escrito por Guillermo O’Donnell e Philippe C. Schmitter baseou-se nos três outros volumes da coleção para explicar quais condições precisam estar presentes para que uma transição democrática comece e tenha sucesso.

Como explicam os autores, existem dois grupos principais em qualquer regime autoritário. Os “dictaduros”, ou linha-dura, estão profundamente comprometidos em manter o poder e resistirão a qualquer tentativa de removê-los do cargo.

Por outro lado, os “dictablandos”, ou moderados, acreditam que permanecer no cargo não é do interesse pessoal deles, nem do interesse militar/país, e, portanto, apoiam uma transição controlada para o governo democrático. O autoritarismo persiste quando os “dictaduros” mantêm a vantagem; a democratização ocorre quando os “dictablandos” estão em ascensão e conseguem convencer seus colegas a ceder o poder.

 

O trabalho de O’Donnell e Schmitter enfatiza dois problemas imediatos para aspirantes a democratas na Venezuela, bem como uma mudança estrutural crítica na economia venezuelana para outros países que defendem a abertura política lá.

Primeiro, quase não há mais “dictablandos” no regime venezuelano. Um quarto de século de governo chavista praticamente expurgou os liberais da administração bolivariana. Pior, aqueles democratas que restam nas instituições e na sociedade venezuelanas estão atualmente sendo capturados e encarcerados pelas tropas de choque de Maduro.

Em segundo lugar, supondo que um pequeno grupo de “dictablandos” tenha conseguido sobreviver dentro das Forças Armadas – e são as Forças Armadas que, em última análise, determinarão se o regime permanece ou cai – as circunstâncias atuais sugerem que eles não terão sucesso em convencer os “dictaduros” a suavizar sua posição. Afastar-se do poder traria, no mínimo, uma perda de privilégio e riqueza pessoal, o que, dado o estado atual da economia venezuelana, não é algo que a maioria dos atores racionais consideraria. Mais francamente, ceder o poder atualmente não tem nenhuma vantagem para Maduro e seus “dictaduros”.

A comunidade internacional conseguiu pressionar as ditaduras latino-americanas porque as elites econômicas domésticas que as sustentavam precisavam de acesso aos mercados regionais e globais. (...) Nada dessa lógica econômica se aplica à Venezuela hoje.

Como foi o caso nas décadas de 1970 e 1980, a comunidade internacional está ciente desse dilema. A pressão política externa foi um componente crítico para tirar do poder ditadores tão diversos quanto Pinochet no Chile e Stroessner no Paraguai. A pressão sobre os atores econômicos domésticos pela comunidade internacional traduziu-se em apelos locais das elites por mudança de regime em setores dependentes de vínculos externos.

O desafio hoje é que a alavancagem usada no século passado não está disponível na Venezuela de hoje.

A comunidade internacional conseguiu pressionar as ditaduras latino-americanas porque as elites econômicas domésticas que as sustentavam precisavam de acesso aos mercados regionais e globais. Mesmo no caso do regime criminoso de Stroessner no Paraguai, o acesso ao mercado brasileiro permaneceu crucial, permitindo que os oficiais em Brasília obrigassem a adoção de uma democracia formulaica em 1989 e um governo representativo mais substantivo ao longo da década de 1990. Nada dessa lógica econômica se aplica à Venezuela hoje.

A ditadura de Maduro é sustentada por uma teia complexa de atores militares, gangues criminosas e facções de grupos paramilitares estrangeiros, como ELN e Farc da Colômbia. São esses atores que controlam a produção e o tráfico de cocaína, a mineração e os últimos vestígios de uma indústria petrolífera em rápida desintegração, além de uma série de outras empresas criminosas domésticas.

A pressão econômica do tipo visto na década de 1980 simplesmente não se aplica a essas empreitadas criminosas, isolando os poderosos na Venezuela da condenação internacional e das sanções econômicas. Onde a pressão internacional poderia importar, como nas exportações de petróleo e ouro, existem muitas alternativas com agentes baseados em países como Rússia, Irã, Turquia e Emirados Árabes Unidos.

Isso deixa as vozes do hemisfério ocidental que clamam por democracia – sejam elas as vozes quietas nos bastidores da equipe de Lula ou o mais confrontador diretamente Boric no Chile – gritando ao vento.

 

Governos como o de Lula no Brasil, portanto, enfrentam uma decisão desconfortável: é mais barato conter a crise ou invadir? Pior, dada a criminalização maciça do Estado e da economia venezuelanos, a remoção de Maduro poderia empurrar o país para o abismo de um verdadeiro estado falido?

Para o futuro previsível, parece que levar a democratização à Venezuela exigirá uma intervenção direta e aberta de algum tipo. Não apenas essa abordagem é contrária à tradição histórica nas Américas, mas impor a democracia externamente também é um negócio caro, demorado e incerto. A questão então é se os custos da instabilidade política, outra fuga em massa, colapso econômico, criminalidade crescente e degradação ambiental acelerada na Venezuela subirão a ponto de a comunidade interamericana ser forçada a passar da retórica à ação concreta.

Por enquanto, uma invasão democratizante da Venezuela é uma opção que deve ser deixada na gaveta. Os esforços devem ser dedicados à criação de “dictablandos”, fornecendo garantias àqueles em posição de conduzir a mudança de regime interno de que sua riqueza e privilégio sobreviverão à democratização, mesmo que isso signifique viver seus dias em uma cobertura no Rio de Janeiro ou em um condomínio em Miami.

Esperamos que essas sejam as promessas que Celso Amorim está sussurrando aos seus colegas em Caracas. O que parece quase completamente certo é que a democracia permanece uma miragem distante para o povo da Venezuela.


Opinião por Sean Burges

Sean Burges é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos globais e internacionais na Carleton University. É autor dos livros ‘Brazil in the World’ e ‘Brazilian Foreign Policy After the Cold War’. 

 

A raposa, o porco-espinho e Delfim Netto - Adolpho Bergamini (Veja)

 A raposa, o porco-espinho e Delfim Netto

Delfim Netto foi capaz de uma proeza ímpar, combinar dois perfis distintos em uma só personalidade, era ao mesmo tempo raposa e porco-espinho

 

Por Adolpho Bergamini

 

Conta a história que Isaiah Berlin, professor de Oxford, ficou intrigado ao deparar com um verso do poeta grego antigo Arquíloco de Paros, que dizia apenas “a raposa sabe muitas coisas; o porco-espinho sabe uma só, mas muito importante”. Não havia mais nada escrito. Ou Arquíloco parou aí, ou o resto de seu texto se perdeu. Mas Berlin mergulhou no tema e o abordou no livro Estudos sobre a Humanidade. Lá explica que porcos-espinhos relacionam tudo a um ponto de vista central, enquanto as raposas perseguem muitos objetivos, algumas vezes desconexos a princípio, mas sempre ligados a uma finalidade maior.

A teoria foi testada por Philip Tetlock, que reuniu pessoas “normais”, sem qualificações técnicas ou profissionais específicas ou pré-determinadas, para saber se haveria algum grupo ou população capaz de antever o que está por trás das incertezas do futuro. Suas conclusões estão em A arte e a ciência de antecipar o futuro e, segundo ele, o “perfil raposa” de pessoas teve mais acertos e algumas razões foram determinantes para isso. Em geral, elas se cercaram do maior número possível de informações e de variadas naturezas. Esse grupo tinha natural propensão a críticas, aceitando-as relativamente bem, e a princípio desconfiava dos temas colocados em debate. Já o “perfil porco-espinho” era formado por indivíduos capazes de formular complexas deduções, muito certos de suas conclusões e menos amigáveis a críticas. Demonstravam impaciência àqueles que não compreendiam suas razões e eram escravos de seus pressupostos.

Mas Antônio Delfim Netto, o influente economista, professor e político morto recentemente, foi capaz de uma proeza ímpar, a de ser raposa e porco-espinho. Como toda personalidade de projeção, angariou um sem número de admiradores e críticos. Há quem o ame, seja por ter sido o superministro do tempo da ditadura militar, mentor do chamado milagre brasileiro, ou por ter aconselhado informalmente os presidentes Temer e Bolsonaro, enquanto outros o odeiam justamente por essas razões. Há quem o respeite por ter sido próximo dos governos Lula e Dilma, mas também existem os desgostosos que viram com maus olhos essa aproximação. Não trarei reflexões de viés ideológico, apenas comentários aos seus pensamentos a respeito da tributação e do gasto público.

Em uma entrevista concedida ao site Consultor Jurídico em maio de 2008, Delfim Netto resumiu o seu pensamento a respeito do sistema tributário nacional. Disse que nossa Constituição Federal é o resultado do sonho de pessoas que não sabem aritmética, que estabeleceram demasiados direitos sem explicar de onde viriam as receitas para bancá-los. Disse, há mais de 15 anos, que não existe sistema tributário perfeito, sim o sistema conveniente, mas o nosso é inconveniente por ser complexo e regressivo. Foi enfático ao afirmar que não haverá redução de carga tributária enquanto não houver redução das despesas do governo, que gasta muito e mal, e que devolve serviços de má qualidade.

Em julho de 2020 foi a vez da VEJA trazer falas de Delfim Netto. Deixou claro que as pressões que estavam sendo feitas sobre o teto de gastos, aprovado no governo Temer, eram graves e ameaçavam a estabilidade. Também criticou o fato de a reforma tributária vir antes da reforma administrativa. Nas entrelinhas de sua fala reside uma obviedade ululante: os gastos públicos não podem ser ilimitados, não podem ser maiores do que as receitas e, por isso, devem ser debatidos antes de suas fontes de financiamentos – os impostos.

O tom foi o mesmo na entrevista concedida à revista Conjuntura Econômica, publicada pela FGV/Ibre em novembro de 2020. Lá já havia cravado que os Projetos de Emendas Constitucionais n. 45 e 110, hoje aprovados na forma da Emenda Constitucional n. 132, tinham problemas, principalmente pela falta de uma estrutura coerente, que pudesse lançar olhos aos tributos sobre consumo, renda e patrimônio, e construir um sistema tributário coeso. Tratar apenas dos encargos sobre consumo é, como ele disse, construir “telhado sem saber qual vai ser o andaime para suportar esse telhado”. Voltou a criticar os gastos públicos, muito maiores do que o país pode suportar.

O pensamento de Delfim Netto abordou agruras que nunca deixaram de existir e sempre tiraram o sono dos mais diversos governos, ditatoriais ou democráticos, de direita ou de esquerda. Muito por isso, vem influenciando o país desde a década de 1960. Mas hoje é mais atual do que nunca, porque os tributos pagos e suportados pelos contribuintes em 2024 ainda servem ao financiamento de uma máquina pública ineficiente, que continua gastando muito e alocando mal seus recursos, tal como 60 anos atrás.

O estudo Carga tributária e ineficiência no setor público, publicado em 2022 na revista Economia Aplicada, conduzido por economistas da USP, indicou que a máquina pública brasileira é ineficiente e simulou cenários de redução da carga tributária e dos níveis de ineficiência, isoladas e conjuntamente, para determinar o quanto haveria de ganho em bem-estar em cada cenário. Tiraram algumas conclusões, mas duas chamam mais a atenção. Primeiro, que a implementação isolada de medidas para redução de ineficiência do gasto público, por si só, sem aumento de tributos, já implicaria ganhos expressivos ao bem-estar geral. Segundo, que a redução da carga tributária só se sustenta mediante a redução da ineficiência.

Mais do que uma avaliação de economistas, é a sensação geral da população, que está insatisfeita em relação aos tributos que paga e os serviços que recebe. De acordo com o Retratos da Sociedade Brasileira, pesquisa divulgada pela Confederação Nacional das Indústrias em julho deste ano, para 77% dos entrevistados o peso fiscal atual já é alto demais e não pode ser aumentado; para 76%, os gastos do governo deveriam entregar serviços públicos melhores. Os campeões de desaprovação são os serviços de saúde, educação e estradas e rodovias, rejeitados por 78%, 77% e 76% dos entrevistados, respectivamente.

Mas as políticas públicas vão em sentido contrário. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, demonstra uma energia sem limites para implementar medidas que visam a supressão de benefícios tributários, restrição ao uso de créditos fiscais e outras ações para aumentar a arrecadação. Não é diferente quando a projeção está no médio e longo prazo, porque o governo movimenta recursos e influência para aprovar uma reforma tributária que, sem dúvida alguma, irá aumentar muito os tributos cobrados no país, tornar o sistema tributário ainda mais regressivo e, possivelmente, alimentar a escalada dos preços de bens e serviços. O resultado pode ser a diminuição do poder aquisitivo da população e o arrefecimento da economia nacional.

Temos, portanto, um cenário de aumento de tributos que vem na esteira da explosão das contas públicas. Ou seja, tudo o que criticava Delfim Netto. 

As figuras da raposa e do porco-espinho cabem em muitas situações. Por exemplo, o rei Xerxes, da Pérsia, queria vingar a humilhação que seu pai, o rei Dário, experimentou na mão dos gregos. O objetivo de sua vida era invadir a Grécia e, quiçá, a Europa. Mas, antes da empreitada consultou Artabano, seu conselheiro, que de imediato o alertou sobre os riscos da campanha militar. Os inimigos não seriam apenas os gregos, mas também o clima severo naquela época do ano, os milhares de soldados de seu exército, que deveriam ser alimentados durante a longa marcha, além de outros fatores, como a falta de portos para atracar os barcos em caso de tormentas inesperadas. Xerxes não deu ouvidos e foi adiante, Artabano voltou para administrar o reino. Xerxes era porco-espinho, que sabia uma coisa muito bem – guerrear – mas esse conhecimento não foi suficiente para salvar seus homens da fome, resgatar suas embarcações ou ajudá-lo em sua fuga desesperada à Pérsia. Artabano era raposa, sabia muitas coisas, ouvia conselhos de seus pares e tinha a capacidade de fazer ponderações a respeito das coisas a sua volta. Não tinha a audácia de um grande guerreiro para liderar exércitos e conquistar novos territórios, mas conseguiu manter de pé um reino que estava sem o seu rei.

Delfim Netto era a soma de Xerxes e Artabano. Foi um homem culto, exímio observador dos fatos ao seu redor, economista requisitado por todos e cujos conhecimentos foram divididos com governantes das mais variadas estirpes. Conhecia bem a psiquê humana, sabia se relacionar e, ele mesmo brincava, foi “exilado” em Paris regado a champanhe e caviar. Mas também era impetuoso, de opiniões fortes, e se lançava em disputas sem temer adversários.

Muitos lamentam o seu falecimento, outros não. Mas o que fica é que um homem memorável descansou, talvez o último que se importasse tanto com a redução dos gastos públicos e dos tributos que penalizam os brasileiros. Se não houver um candidato para ocupar seu lugar, torçamos para que a engenharia genética nos dê um novo híbrido de raposa e porco-espinho.

Plano Real, 30 anos: entrevista com Pedro Malan - Nara Boechat (Veja)

 Como Pedro Malan vê o Plano Real trinta anos depois da sua criação

Economista lançou recentemente ‘30 anos do Real: crônicas no calor do momento’

 

Por Nara Boechat

Revista Veja, 18/08/2024

 

No fim do primeiro mandato do presidente Lula, em 2004, Pedro Malan fez uma crônica avaliando o aniversário de dez anos do Plano Real e a conquista da estabilidade da moeda ao longo dos governos, “independentemente de sua ideologia ou coloração político-partidária”. Esta história é uma das reunidas no livro 30 anos do Real: Crônicas no Calor do Momento (ed. Intrínseca) escrito em parceria com Gustavo Franco e Edmar Bacha. Em conversa com a coluna GENTE, o economista, que foi ministro da Fazenda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e presidente do Banco Central na implementação do Real, avalia as mudanças nos últimos 30 anos, analisa o impacto da inflação na sociedade e opina sobre o atual momento da economia brasileira.

 

CONSEQUÊNCIAS DO REAL. “O Plano Real foi um divisor de águas, se estabeleceu num curto período de tempo. Foram 500 dias desde que Fernando Henrique (Cardoso) assumiu como quarto ministro da Fazenda do governo Itamar Franco até o lançamento do Real. E nesses 500 dias, o Brasil mudou, a inflação foi derrotada. A derrota da hiperinflação não significa que não exista inúmeros outros problemas, existia à época e continuam existindo hoje. O problema é que agora, ao longo dos últimos 30 anos, é possível tentar enfrentar esses problemas sem uma inflação alta, crônica e crescente, que foi a insensatez que tivemos durante décadas”.


EXIGÊNCIA DA SOCIEDADE. “O Brasil foi o recordista mundial de inflação entre o início dos anos 1960 e o início dos anos 90. Éramos vistos como uma coisa peculiar pelo mundo, mas voltamos a ser considerados um país mais normal, que vive com inflação civilizada. Teve muito trabalho ali para sanear o sistema financeiro, lidar com questões de bancos comerciais, fazer a renegociação de dívida de estados e municípios, a lei de responsabilidade fiscal. A tarefa é preservar a inflação sob o controle, que passou a ser exigência da sociedade”.


NEVOEIRO DA HIPERINFLAÇÃO.  “Costumo dizer que nenhum governante hoje no Brasil pode se permitir ser percebido tendo uma atitude excessivamente complacente em relação à inflação ou achando que a inflação não tem importância, porque ela come o salário do trabalhador. Ela come o valor dessas transferências de renda que são tão importantes. O significado do Real foi esse. O país pôde vislumbrar melhor os seus inúmeros desafios e oportunidades do que antes, quando ainda vivia sob o espesso nevoeiro da hiperinflação. A tarefa continua”.


DÓLAR ACIMA DE 5 REAIS. “Já chegou a cinco e oitenta e seis, baixou agora. Ah, mas temos o sistema de um regime de taxa de câmbio flutuante. Então flutua ao sabor de eventos internacionais e percepções domésticas. O Brasil é uma economia integrada no mundo nessa dimensão financeira. Essas situações são algumas vezes excessivas, parcialmente corrigíveis, mas expressam coisas que estão acontecendo no Brasil e nas interações do Brasil com o mundo”.


INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL. “Sempre usei a expressão ‘autonomia operacional do Banco Central’. Temos um regime que é definido politicamente, o regime de meta de inflação. É o governo que decide isso, não é o Banco Central. E o Banco Central tem autonomia operacional para dado regime, operacionalizar a política monetária. Não é o Banco Central que estabelece a meta de inflação, é o governo legitimamente eleito, é um comitê de três pessoas, duas são indicadas pelo presidente da república. Por isso prefiro o termo ‘autonomia’ do que independência. É autonomia operacional para implementar uma política definida pelo governo”.


Mort d'Alain Delon : 15 chefs-d’œuvre dans une incroyable carrière - Jean-Luc Wachthausen (Le Point)

 Mort d'Alain Delon : 15 chefs-d’œuvre dans une incroyable carrière

En 1960, l’acteur, décédé ce dimanche à 88 ans, devenait, à 25 ans, une star grâce à « Plein Soleil ». Voici notre sélection, subjective forcément, de ses plus grands films.

Par Jean-Luc Wachthausen/Le Point

Publié le 18/08/2024 

image001.png

 

Ému aux larmes, lors du Festival de Cannes 2019, il avait reçu des mains de sa fille Anouchka, la Palme d'honneur pour l'ensemble de sa carrière. Belle récompense pour célébrer plus de soixante ans de cinéma et beaucoup de films majeurs, voire des chefs-d'œuvre, de Luchino Visconti à Joseph Losey, d'Henri Verneuil à René Clément et Jacques Deray.

Au-delà d'un physique exceptionnel, Alain Delon, décédé dimanche 18 août à 88 ans, aura marqué de sa personnalité parfois ombrageuse l'histoire du cinéma et fait rêver des millions de spectateurs et de spectatrices dans le monde. Celui que Jean-Pierre Melville voyait comme un « seigneur », « un des grands samouraïs de l'écran » entre aujourd'hui dans la légende.


Plein soleil, de René Clément (1960)

L'adaptation du roman de Patricia Highsmith, Monsieur Ripley, par le grand scénariste Paul Gégauff. Alain Delon s'impose avec brio en Tom Ripley, parfait usurpateur et beau monstre, prêt à tout pour supprimer le riche Maurice Ronet, prendre sa place et séduire sa maîtresse, jouée par Marie Laforêt. Magnifié par la musique de Nino Rotta, les couleurs vives du procédé Estamancolor et la direction d'acteurs de René Clément, ce film, devenu un classique du cinéma français, révèle Alain Delon dans un rôle ambigu, à la fois irrésistible et repoussant, point de départ de sa longue carrière.


Rocco et ses frères, de Luchino Visconti (1961)

De sa rencontre avec le grand réalisateur italien Luchino Visconti qui tombe sous le charme naît ce film tendu et violent qui décroche le prix spécial du jury au Festival de Venise. Dans cette sombre chronique d'une famille pauvre de l'Italie du Sud qui monte à Milan et se désintègre, Alain Delon s'impose dans la peau d'un Rocco fascinant et sauvage face à Annie Girardot, Claudia Cardinale et Roger Hanin.

 

Le Guépard, de Luchino Visconti (1963)

Au côté de son maître et mentor Visconti, Alain Delon plonge dans un univers fascinant, celui de l'aristocratie italienne, avec ses codes et ses non-dits. Pour cette fresque, qui va devenir un des chefs-d'œuvre du 7e art (Palme d'or à Cannes), le cinéaste confie à Delon le rôle de Tancrède, le neveu du prince Salina, joué par Burt Lancaster. Dans ses habits de jeune partisan de Garibaldi, il brille de toute sa beauté éclatante face à la sensuelle Claudia Cardinale qu'il retrouve pour la seconde fois.


Mélodie en sous-sol, d'Henri Verneuil (1963)

Après avoir tourné en 1962 L'Éclipse, de Michelangelo Antonioni, au côté de la blonde Monica Vitti, Alain Delon enchaîne un autre film majeur avec un acteur qu'il admire : Jean Gabin. Henri Verneuil est à la réalisation et Michel Audiard aux dialogues. Du sérieux. Le jeune acteur apprend beaucoup au contact de son glorieux aîné et tire son épingle du jeu dans cette histoire de gangsters, dont la scène finale est d'anthologie.


Les Aventuriers, de Robert Enrico (1967)

Autre grande rencontre d'Alain Delon : Lino Ventura. Tous deux se retrouvent au côté de la belle Joanna Shimkus et de Serge Reggiani devant la caméra de Robert Enrico, qui les embarque sur un bateau à destination du Congo à la recherche d'une cargaison de diamants engloutis au fond de la mer. Une histoire d'hommes et d'amitié où Delon apparaît sous un jour plus fragile.


Le Samouraï, de Jean-Pierre Melville (1967)

Petit chef-d'œuvre et grand tournant dans la carrière de Delon avec ce film crépusculaire de Jean-Pierre Melville, tiré du roman The Ronin, de Goan McLeod. Borsalino, gabardine au col relevé, regard froid et détaché, beauté magnétique, il est de tout son être ce samouraï qui marche lentement vers sa mort. En ouverture du film, figure l'épigraphe extraite du Bushido : « Il n'y a pas de plus profonde solitude que celle du samouraï. Si ce n'est celle d'un tigre dans la jungle… Peut-être… » Impossible d'oublier son personnage de Jeff Costello, rôle majeur qui forge déjà la légende Delon que Melville voyait comme un « seigneur ».


La Piscine, de Jacques Deray (1969)

Dix ans après leurs fiançailles, il retrouve, autour d'une piscine à Saint-Tropez, une actrice qu'il qualifiera plus tard « d'amour de sa vie » : Romy Schneider. Alain Delon retrouve aussi Maurice Ronet, qu'il tue encore une fois dans cette histoire de triangle amoureux qui tourne mal. C'est peu dire que Delon et Romy Schneider forment l'un des plus beaux couples du cinéma de l'époque dans ce film sous tension et parfaitement maîtrisé de Jacques Deray.


Le Clan des Siciliens, d'Henri Verneuil (1969)

De nouveau Jean Gabin, Henri Verneuil et Lino Ventura, plus la musique d'Ennio Morricone. Trois acteurs fétiches dans une autre histoire de voyous siciliens et de hold-up. Dans la peau du taulard évadé, Delon n'a pas le beau rôle et fait tout foirer après la découverte de sa liaison avec une des filles du clan. Gros succès public.


Le Cercle rouge, de Jean-Pierre Melville (1970)

Nouvelle rencontre entre deux géants : Delon retrouve le réalisateur du Samouraï pour ce rôle d'un ancien détenu qui prépare un gros coup. Il est entouré par des pointures : Bourvil dans le rôle d'un commissaire de police tenace, Yves Montand en ex-flic alcoolique, François Périer en patron de cabaret, Gian Maria Volonte en truand en cavale. Tous sont liés par la fatalité et se retrouvent enfermés dans ce cercle rouge évoqué en ouverture du film par une citation de Krishna. Un film sombre et désenchanté pour un Alain Delon désormais abonné aux rôles de voyou.


Borsalino, de Jacques Deray (1970)

Marseille, dans les années 1920. L'histoire de Carbone et Spirito, deux truands marseillais à l'ancienne, écrite par Jean Cau, Claude Sautet et Jean-Claude Carrière et mise en scène avec brio par Jacques Deray. L'affaire n'a pas été simple : le « milieu » ne voit pas le projet d'un bon œil. Deray reçoit des menaces de mort. Delon se rend chez les Carbone en Corse, règle tout et produit le film. Hors champ, le réalisateur fait tout pour maîtriser les ego des deux stars, Delon et Belmondo, qui finiront tout de même au tribunal pour une histoire de nom sur l'affiche. Reste un film à succès avec quatre millions de spectateurs en salle.


La Veuve Couderc, de Pierre Granier-Deferre (1971)

L'adaptation réussie du roman de Georges Simenon qui se déroule en 1936 dans la campagne dijonnaise. L'histoire d'un bagnard en cavale qui se réfugie dans la ferme de la veuve Couderc, dont il devient l'amant. Un beau drame naturaliste amplifié par le jeu du couple exceptionnel formé par Alain Delon et Simone Signoret.


Deux hommes dans la ville, de José Giovanni (1973)

Dernier face-à-face de Delon et Jean Gabin, du disciple et de son maître, dans ce film noir de José Giovanni qui aborde les questions de la rédemption et de la réinsertion d'un ancien criminel pris en sympathie par un éducateur. Un grand rôle dramatique joué avec sobriété par l'acteur, bouleversant dans la scène finale de la guillotine.


Monsieur Klein, de Joseph Losey (1976)

Un des grands films auquel Alain Delon tenait le plus et dans lequel il avait investi personnellement en tant que producteur. Boudé au Festival de Cannes 1976 et absent du palmarès, il lui laisse un goût amer. Du coup, il a profité de sa Palme d'honneur décernée en 2019 pour présenter de nouveau en séance officielle ce chef-d'œuvre de Joseph Losey. Dans la peau de ce Monsieur Klein, un salaud ordinaire qui va prendre l'identité d'un homonyme juif et partir pour Auschwitz, il est sobre, bouleversant, mystérieux, exceptionnel.


Notre histoire, de Bertrand Blier (1984)

Delon dans les pattes du réalisateur des Valseuses qui aime dynamiter les genres : ici, le mélo, poussé du côté du roman-photo dans une histoire où il est question de solitude et d'amour-passion, le tout servi par des dialogues au couteau. Ça passe ou ça casse. Gros échec à sa sortie en salle, ce qui n'empêche pas Alain Delon de montrer l'étendue de son registre dans les bras de Nathalie Baye.


Pour la peau d'un flic, d'Alain Delon (1981)

Pour ce quinzième et dernier film d'une liste forcément subjective, honneur au Delon réalisateur qui, pour son premier essai, signe un polar solide et violent. À la fois derrière et devant la caméra, il joue un privé pris dans un piège diabolique. Scénario costaud, tiré du roman de Jean-Pierre Manchette, scènes spectaculaires, casting musclé (Daniel Auclair, Anne Parillaud, Daniel Cecccaldi, Jean-Pierre Darras), c'est un succès auprès de la critique et du public.

sábado, 17 de agosto de 2024

How Ukraine’s Fight Solves Global Problems - Andreas Umland (The National Interest)

How Ukraine’s Fight Solves Global Problems

Kyiv’s struggle, if successful, could reignite worldwide democratization and help speed along political transitions in other nations.


The National InterestAugust 12, 2024 


While the Russian-Ukrainian War is only one symptom of broader destructive international trends, its outcome will co-determine the direction of the world’s development. 

Popular yet imprecise expressions like the “Ukraine Crisis” or the “Ukraine War” have been misleading many to believe that the Russian-Ukrainian War is a solely Eastern European issue. According to this misperception, a Ukrainian leadership that was more submissive to Russia could have avoided the unfortunate war. Supposedly, Kyiv can still stem the risks spilling over from the “war in Ukraine” to other realms and regions if it accommodates Russian aggression.

If seen from a historical and comparative perspective, the Russian-Ukrainian War looks different. It is only one of several permutations of Moscow’s post-Soviet imperialism and merely one facet of larger regressive developments since the end of the twentieth century. Russia’s assault on Ukraine is a replay or preview of pathologies familiar to Eastern Europe and other parts of the world. The alleged “Ukrainian Crisis” is neither a singular nor a local issue. It is less the trigger than a manifestation of larger destructive trends.

At the same time, the Russian-Ukrainian War is a grand battle about the future of Europe and the principle of inviolability of borders. Moreover, the war is about Ukraine’s right to exist as a regular UN member state. The conflict has genuinely global significance.

Yet, the war’s course and outcome can either accelerate, contain, or reverse broader political, social, and legal decay across the globe. Moscow’s partial victory in Ukraine would permanently unsettle international law, order, and organization and may spark armed conflicts and arms races elsewhere. A successful Ukrainian defense against Russia’s military expansion, in contrast, will generate far-reaching beneficial effects on worldwide security, democracy, and prosperity in three ways.

A Ukrainian victory would, first, lead to a stabilization of the rules-based UN order that emerged after 1945 and consolidated with the self-destruction of the Soviet Bloc and Union after 1989. It would, second, trigger a revival of international democratization, which has halted since the early twenty-first century and needs a boost to start anew. Third, the ongoing Ukrainian national defense and state-building contribute to global innovation and revitalization in various fields, from dual-use technology to public administration, fields in which Ukraine has become a forerunner.

Stabilizing International Order

The Russo-Ukrainian War is only one of several attempts by powerful states to expand their territories since the end of the Cold War. Several revisionist governments have tried or are planning to install their uninvited presence in neighboring countries. The resulting military operations have been or will be offensive, repressive, and unprovoked rather than defensive, humanitarian, and preventive. Several revisionist autocracies have engaged in, or are tempted to try, replacing international law with the principle of “might is right.”

An early post-Cold War example is Iraq’s 1990 annexation of Kuwait, which was instantaneously reversed by an international coalition in 1991. Another example is Serbia’s revanchist assaults on other former Yugoslav republics once ruled from Belgrade. During this period, Russia began creating so-called “republics” in Moldova (i.e., Transnistria) and Georgia (i.e., Abkhazia and “South Ossetia”). At the same time, Moscow ruthlessly suppressed the emergence of an independent Chechen republic on its own territory.

Only recently has the Kremlin turned its attention to Ukraine. In 2014, Moscow created the “people’s republics” of Donetsk and Luhansk and illegally annexed Crimea to the Russian Federation. Eight years later, Russia also illegally incorporated Ukraine’s Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia, and Kherson regions into its official territory.

The international community’s reaction to Russia’s border revisions has remained half-hearted, unlike its responses to the Iraqi and Serbian attempts of the 1990s. The West’s timidity only provoked further Russian adventurism. Moscow now demands Kyiv’s voluntary cessation of all parts of the four Ukrainian mainland regions that Russia annexed in 2022. This includes, oddly, even some parts of Ukraine’s territory that Russian troops never managed to capture. The Kremlin’s final aim is still the eradication of Ukraine as a sovereign state.

At the same time, Beijing is bending established rules of conduct in the South and East China Seas and stepping up its preparations to incorporate the Republic of China in Taiwan into the People’s Republic of China by force. Venezuela has announced territorial claims on neighboring Guyana. Other revisionist politicians across the globe may be harboring similar plans.

Moscow’s official incorporation of Ukrainian lands is unique since Russia is a permanent member of the UN Security Council, which was created to prevent such conquests. Russia’s behavior is also peculiar in view of its status as an official nuclear-weapon state and depositary government under the 1968 Nuclear Non-Proliferation Treaty (NPT). Nevertheless, Moscow is trying to reduce or even destroy an official UN member and non-nuclear weapon state, thereby undermining the entire logic of the non-proliferation regime and its special prerogatives for the five permanent UN Security Council members whom the NPT allows to have nuclear weapons.

At the same time, the Russian assault on Ukraine is not entirely exceptional, neither geographically nor temporally. It is only one of several recent symptoms of more generic Russian neo-imperialism. It is also just one aspect of larger expansionist and revanchist tendencies across the globe.

A Ukrainian victory against Russia would not be a merely local incident but an event of far broader significance, notwithstanding. It can become an important factor in preventing or reversing international border revisionism and territorial irredentism. Conversely, Ukraine’s defeat or an unjust Russo-Ukrainian peace would strengthen colonialist adventurism across the globe. Ukraine’s fight for independence is, for world affairs, both a manifestation of broader problems and an instrument of their solution.   

A Revival of International Democratization

Russia’s assault on Ukraine challenges principles such as peaceful conflict resolution, national sovereignty, and the inviolability of borders. It also represents another negative global political trend of the early twenty-first century, namely the decline of democracy and the resurgence of autocracy. This regressive trend manifests itself through the confrontation between Russia and Ukraine.

A major internal determinant of the Russian assault on Ukraine is that Putin’s various wars have, since 1999, been sources of his undemocratic rule’s popularity, integrity, and legitimacy. Sometimes overlooked in analyses of Russian public support for authoritarianism, the occupation, subjugation, and repression of peoples like the Chechens, Georgians, and Ukrainians finds broad support among ordinary Russians. Their backing of victorious military interventions—especially on the territory of the former Tsarist and Soviet empires—is a major political resource and social basis of Putin’s increasingly autocratic regime.

Regressive tendencies, to be sure, were already observable in Yeltsin’s semi-democratic Russia of the 1990s—for instance, in Moldova and Chechnya. Yet, under Putin as prime minister (1999–2000, 2008–12) and president (2000–2008, 2012– ), the viciousness of Russian revanchist military operations in and outside Russia has rapidly grown. This radicalization is a function not only of escalating Russian irredentism per se but also an effect of fundamental changes in Russia’s political regime. Moscow’s increasing foreign aggressiveness parallels the growth of domestic repression after Putin’s take-over of Russia’s government in August 1999.

The two major early spikes of Kremlin aggressiveness towards the West and Ukraine followed, not by accident, Ukrainian events in 2004 and 2014. They had much to do with the victories of those years’ liberal-democratic Orange Revolution and Euromaidan Revolution. Ukraine’s domestic development questions Russia’s imperial pretensions, as it leads the largest former colony out of Moscow’s orbit. The democratizing Ukrainian polity is also a conceptual countermodel to authoritarianism in the post-communist world. Its very existence challenges the legitimacy of the post-Soviet autocracies in Russia, Belarus, Azerbaijan, and Central Asia.  

Ukraine’s fight for independence is thus not only a defense of international law and order but also a battle for the cause of worldwide democracy. The contest between pro- and anti-democratic forces is global and has been sharpening already before, in parallel to, and independently from, the Russo-Ukrainian War. At the same time, the confrontation between Russian autocracy and Ukrainian democracy is a particularly epic one.

If Ukraine is victorious, the international alliance of democracies will win, and the axis of autocracies around Russia will lose. In this scenario, not only will other democracies become more secure, self-confident, and energized, but also it is likely that more democracies will appear—above all, in the post-communist world from Eastern Europe to Central Asia. Diffusion, spillover, or domino effects could also trigger new or re-democratizations elsewhere.

Conversely, a Russian victory will embolden autocratic regimes and anti-democratic groups throughout the world. In such a scenario, democratic rule and open societies would become stigmatized as feeble, ineffective, or even doomed. The recent worldwide decline of democracy will be less likely to reverse and may continue further or accelerate. While the “Ukraine Crisis” is not the cause of democracy’s current problems, its successful resolution would revitalize worldwide democratization.

Transferable Innovations

A third, so far, underappreciated aspect of Kyiv’s contribution to global progress is the growing number of new and partly revolutionary Ukrainian cognitive, institutional, and technological advances that can be applied elsewhere. Already before the escalation of the Russo-Ukrainian War in 2022, Kyiv initiated some domestic reforms that could also be relevant for the modernization of other transition countries. After the victory of the Euromaidan uprising or Revolution of Dignity in February 2014, Ukraine started to restructure its state-society relations fundamentally.

This included the creation of several new anti-corruption institutions, namely a specialized court and procuracy, as well as a corruption prevention agency and investigation bureau. The novelty of these institutions is that they are all exclusively devoted to the preclusion, disclosure, and prosecution of bribery. In April 2014, Ukraine started a far-reaching decentralization of its public administration system that led to the country’s thorough municipalization. The reform transferred significant powers, rights, finances, and responsibilities from the regional and national levels to local self-governmental organs of amalgamated communities that have now become major loci of power in Ukraine.

The Euromaidan Revolution also led to a restructuring of relations between governmental and non-governmental organizations. Early independent Ukraine, like other post-Soviet countries, suffered from alienation between civil servants and civic activists. After the Revolution of Dignity, this gap began to close. For instance, Kyiv’s famous “Reanimation Package of Reforms” is a coalition of independent think tanks, research institutes, and non-governmental organizations that has been preparing critical new reform legislation for the Verkhovna Rada (Supreme Council), Ukraine’s unicameral national parliament.

Also, in 2014, Ukraine, Moldova, and Georgia signed EU Association Agreements of a new and, so far, unique type. The three bilateral mammoth pacts go far beyond older foreign cooperation treaties of the Union and include so-called Deep and Comprehensive Free Trade Areas between the EU and the three countries. Since 2014, the Association Agreements have been gradually integrating the Ukrainian, Moldovan, and Georgian economies into the European economy.

These and other regulatory innovations have wider normative meaning and larger political potential. They provide reform templates, institutional models, and historical lessons for other current and future countries undergoing democratic transitions. Ukraine’s experiences can be useful for various nations shifting from a traditional to a liberal order, from patronal to plural politics, from a closed to an open society, from oligarchy to polyarchy, from centralized to decentralized rule, and from mere cooperation to deeper association with the EU.

While Ukraine’s post-revolutionary developments are, above all, relevant for transition countries, its war-related experiences and innovations are also of interest to other states—not least the members and allies of NATO. Such diffusion concerns both Ukrainian accumulated knowledge of hybrid threats and how to meet them, as well as Ukraine’s rapid technological and tactical modernization of its military and security forces fighting Russian forces on the battlefield and in the rear. Since 2014, Ukraine has become—far more so than any other country on earth—a target of Moscow’s multivariate attacks with irregular and regular forces in the media and cyber spaces, within domestic and international politics, as well as on its infrastructure, economy, and cultural, religious, educational, and academic institutions.

Since February 24, 2022, Ukraine has engaged in a dramatic fight for survival against a nominally far superior aggressor country. Ukraine’s government, army, and society had to adapt quickly, flexibly, and thoroughly to this existential challenge. This included the swift introduction of new types and applications of weaponry, such as a variety of unmanned flying, swimming, and driving vehicles, as well as their operation with the help of artificial intelligence. In a wide variety of military and dual-use technology, Ukraine had to innovate rapidly and effectively so as to withstand the lethal Russian assault.

In numerous further fields such as electricity generation and preservation, electronic communication, war-time transportation, information verification, emergency medicine, large-scale demining, post-traumatic psychotherapy, and veteran reintegration, to name but a few areas, the Ukrainian government and society have, and will have to react speedily and resolutely. While Ukraine often relies on foreign experience, equipment, and training, it is constantly developing its own novel kit, approaches, and mechanisms that could potentially be useful elsewhere. This new Ukrainian knowledge and experience will come in especially handy for countries that may be confronted with similar challenges in the near or distant future.

It All Depends on Kyiv

The escalation of the so-called “Ukraine Crisis” in 2022 has been only one expression of earlier and independently accumulating international tension. At the same time, the Russian-Ukrainian War is no trivial manifestation of these larger trends and no peripheral topic in world affairs. A Russian victory over Ukraine would have grave implications for the post-Soviet region and beyond. Conversely, a Ukrainian success in its defense against Russia’s genocidal assault and the achievement of a just peace will have stabilizing and innovating effects far beyond Eastern Europe.

Apart from being a revanchist war of a former imperial center against its one-time colony, Russia’s assault on Ukrainian democracy is driven by Russian domestic politics. It is a result of Russia’s re-autocratization since 1999, which, in turn, follows more significant regressive trends in the state of global democracy. Ukraine has been less of a trigger than a major victim of recent destructive international tendencies.

At the same time, Ukraine’s fight can make crucial contributions to counteracting the global spread of revanchism. It can reignite worldwide democratization and help speed along political transitions in other nations. A Ukrainian victory and recovery may save not only Ukraine but also its neighbors from Russian imperialism. Ukraine’s fight also contributes to solving numerous larger problems of the world today.

 Dr. Andreas Umland is an Analyst with the Stockholm Centre for Eastern European Studies at the Swedish Institute of International Affairs (UI). Follow him on LinkedIn and X @UmlandAndreas.


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...