O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

sábado, 26 de fevereiro de 2022

A Rússia já está derrotada, triplamente- Paulo Roberto de Almeida (Mais Brasil News)

 A partir de minha entrevista online, o jornal Mais Brasil News fez uma matéria escrita:

‘Ele pode até conquistar toda a Ucrânia, mas a Rússia já esta derrotada’, diz diplomata

O diplomata Paulo Roberto Almeida, afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está violando a carta da Organização das Nações Unidas (ONU)

Luana Moura

Mais Brasil News, 25/02/2022 20:50

Em entrevista ao Mais Brasil News, o diplomata Paulo Roberto Almeida afirmou

nesta sexta-feira, 25, que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está violando 

a carta da Organização das Nações Unidas (ONU)

“É uma violação do direito internacional, então ele terá que ser punido e, 

talvez, ele seja punido pelo seu próprio povo e será obrigado a retirar-se da 

Ucrânia, não tanto pela força armada, 

mas pelo isolamento econômico e pela derrota moral”, destaca 


Um dos principais objetivos da guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia é matar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pessoalmente, de acordo com um assessor do gabinete da presidência do país.

“Ele pode até conquistar toda a Ucrânia, mas a Rússia já está derrotada politicamente, diplomaticamente, moralmente derrotada”, diz o diplomata.  

Sobre uma possível intervenção da China em apoiar os russos, Almeida diz que essa possibilidade é mínima, pois os dois países sempre estiveram em diferentes posições e até em conflitos territoriais. 

“Eu não acredito que a China chegará ao extremo de apoiar a Rússia em todas as circunstâncias”, pois o chanceler do país já declarou que eles são favoráveis a soluções pacificas das controvérsias. 

Confira aqui a entrevista na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=DGS4mdg4-bw

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Brincando de Arnold Toynbee: os destruidores da ordem mundial - Paulo Roberto de Almeida

Brincando de Arnold Toynbee: os destruidores da ordem mundial 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Como sempre, gosto de refletir historicamente. Aqui vão minhas especulações sobre o presente.

Estamos assistindo agora à terceira desordem mundial, criada por Putin. A primeira foi a do Napoleão, que bagunçou toda a ordem tradicional da Europa no início do século XIX. A segunda foi a dos tiranos fascistas na primeira metade do século XX, que levaram à maior destruição desde as guerras de religião do século XVII. A terceira é esta que está diante de nós, fabricada inteiramente por um êmulo de Hitler e de Stalin: o que virá depois?

No início do século XIX tivemos o Congresso de Viena, que trouxe quase um século de paz, na Europa. Em meados do século XX, tivemos Dumbarton Oaks (não San Francisco, mero carimbo e assinaturas), que criou a ordem sob a qual vivemos nos últimos 80 anos. 

Depois da derrota da Rússia, pois ela será derrotada, a despeito da cumplicidade da China, o que só prolongará a agonia, o que teremos? Uma nova conferência multilateral para completar o que ficou faltando implementar na Carta da ONU: uma comissão militar operacional, para segurar os candidatos a novos tiranos? 

Duvido um pouco, pelo menos enquanto Putin e Xi estiverem no poder. 

Aplicando o paradigma Thomas Kuhn, precisaremos esperar a morte dos últimos tiranos?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4091: 24 fevereiro 2022, 1 p.

 

Entrevista de Paulo Roberto de Almeida ao UOL sobre o Itamaraty e a questão da Ucrânia - Chico Alves

 'Postura do Itamaraty é vergonhosa', critica embaixador


Chico Alves
Colunista do UOL
25/02/2022 11h47

Com a experiência de 44 anos de serviço na diplomacia, o embaixador Paulo Roberto Almeida se mostra bastante crítico quanto ao desempenho do Itamaraty em na mais grave crise internacional das últimas décadas. Ele considera que o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, está sendo humilhado pelo presidente Jair Bolsonaro na forma como lida com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

"É uma situação difícil, Carlos França está na corda bamba, mas poderia encontrar uma maneira de dizer que o Itamaraty não é isso. Não o fez", comentou Almeida à coluna. "Está sendo submisso demais ao presidente".

Ainda no estágio anterior da crise, quando a Rússia reconheceu duas regiões ucranianas como repúblicas independentes, o representante brasileiro leu uma nota no Conselho de Segurança da ONU. "Ali, o Itamaraty, provavelmente orientado pela Presidência, trata o caso como se as duas partes fossem equivalentes, fala em 'preocupações legítimas de segurança de todos'", lembra o embaixador, que se aposentou no fim do ano passado. "É uma coisa vergonhosa, nesse momento em que temos uma potência intimidando um outro Estado, fazendo atos ilegais".

Já na visita de Bolsonaro a Vladimir Putin, Almeida acredita que o Itamaraty alertou o presidente brasileiro de que o momento era inoportuno. Mas Bolsonaro "bateu o pé e foi".

"O chanceler não tem nenhuma autonomia. Bolsonaro constrange todos os seus ministros, o das Relações Exteriores é um deles", avalia o embaixador.

"No último episódio, Carlos França foi levado na live do presidente para contestar a fala do vice-presidente Hamilton Mourão, que tinha defendido reação armada. O chanceler não poderia dizer que não iria, ficou ali parado, do lado do presidente", recorda. "Está manchando a biografia".

O embaixador considera que a permanência do chanceler no cargo atende até mesmo o pedido dos diplomatas, que estão aliviados em ter à frente do ministério alguém muito melhor que o antecessor, Ernesto Araújo, que Almeida classifica como "um louco".

"Nesse desgoverno, o substituto sempre pode ser pior. Mas é triste que França não consiga colocar em prática a postura técnica do Itamaraty em uma questão tão crucial", lamenta.

https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2022/02/25/postura-do-itamaraty-e-vergonhosa-critica-embaixador.htm


Minha entrevista desta sexta-feira 25/02/2022, sobre a dramática situação da Ucrânia no canal +BrasilNews. 

1437. “Entrevista sobre a Ucrânia”, Canal +Brasil News, dia 25/02/2022, a partir de 1:19:50 (ou 18h07 minutos no relógio do jornal) até aproximadamente 52:20:00 (com algumas outras matérias no meio), comentando a invasão da Rússia na Ucrânia e a posição do Itamaraty sobre a questão (link: https://www.youtube.com/watch?v=DGS4mdg4-bw). Sem arquivo original. 

 

O risco russo diante da História: entrevista com Rubens Ricupero - Miriam Leitão (O Globo)

O risco russo diante da História

Por Míriam Leitão

O Globo, 24/02/2022


O momento é de extremo perigo global, e o que o presidente Vladimir Putin está fazendo pode significar o fim do mundo como o conhecemos desde o pós-guerra. É o que pensa o embaixador Rubens Ricupero. Para o mercado financeiro, a análise é a de que “já está no preço” uma ocupação ao leste do país, mas não uma invasão total. Eles se prepararam para essa reação de Putin e em relatório aos clientes os bancos já explicavam que era dado como certo que a Rússia enviaria mais tropas para a Ucrânia.

O que todas as análises concordam, seja no mercado financeiro, seja na política internacional, é que as sanções não vão deter Putin. O governo russo está sentado numa montanha de reservas cambiais, US$ 640 bilhões, e pode resistir à suspensão do acesso ao mercado internacional de capitais. Num relatório, o banco UBS avalia que se houver uma escalada do conflito isso levaria a um boicote completo do petróleo e gás russos. Com isso, o petróleo iria a US$ 125 o barril por dois trimestres, o que elevaria a inflação e reduziria em 0,5 ponto percentual o crescimento mundial.

Para quem tem uma visão mais ampla, o que está acontecendo é gravíssimo, lembra o início dos piores momentos do século passado e tem uma responsabilidade histórica bem mais complexa do que parece.

— Putin está adotando uma atitude que de fato põe em perigo mortal este mundo que conhecemos e que durou quase 80 anos, em que houve guerras localizadas, mas nunca um dos principais atores assumiu uma posição tão descaradamente contra a ordem estabelecida. Ele está usando métodos que levaram à Primeira e à Segunda Guerras Mundiais e já violou a Carta da ONU —diz Ricupero.

Olhando o passado recente, o embaixador avalia que há culpas do Ocidente também porque aproveitando-se da fraqueza russa após o fim da União Soviética expandiu a Otan além do razoável. Desde 1997, a Aliança Militar incluiu 14 países que haviam sido satélites soviéticos ou membros da própria União Soviética: República Checa, Hungria, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Bulgária, Romênia, Estônia, Lituânia, Letônia, Albânia, Croácia, Montenegro, Macedônia do Norte.

— Nada justifica o que Putin está fazendo hoje, mas a raiz histórica desse problema envolve responsabilidade do Ocidente — lembra o embaixador.

Para ele, o paralelo que pode ser feito é com o que houve na Alemanha de Hitler:

— Desde que Putin começou a fortalecer seu poder militar, ele fez questão de exibir isso. Invadiu a Geórgia em 2008, anexou a Crimeia em 2014, estimulou os separatistas do leste da Ucrânia, interveio violentamente na guerra civil da Síria. Em todos esses casos, alguns disseram que ele se daria mal, mas ele teve êxito. É um pouco como aquela história do Hitler. No início, tudo o que Hitler fez deu certo. Anexou a Áustria, depois os Sudetos, que eram regiões da Checoslováquia com populações que falavam alemão, um pouco como acontece agora na Ucrânia. No Acordo de Munique as potências cederam os Sudetos na expectativa de que, com isso, ele não invadiria a Checoslováquia. Hitler em seguida invadiu a Checoslováquia. Putin tem tido o mesmo êxito — avalia o embaixador.

Como a Ucrânia não é da Otan, não está protegida pelo artigo quinto do Tratado de Washington que estabelece que todos são solidários, quando um dos países for invadido. Então Putin só não teria invadido se avaliasse que seria muito alto o custo de uma campanha militar e de sanções prolongadas.

Esse foi o cálculo feito no mercado financeiro também. É interesse da Rússia continuar fornecendo matérias-primas e energia para a Europa. A Rússia é grande exportadora de petróleo, gás natural, trigo. O mercado sugere, como hedge, investir em commodities, porque se houver “disrupção de fornecimento”, os preços vão subir.

Quem entende a História sabe que, se houver a escalada de um conflito, não há proteção possível. A Rússia é detentora da maior quantidade de ogivas nucleares no mundo, mas é um país intermediário do ponto de vista econômico e em rápido declínio demográfico. 

— O tempo corre contra a Rússia. Esses são os países mais perigosos. Como eram a Áustria, Hungria e a Rússia czarista em 1914. O que Putin fez já abriu um rombo enorme no sistema criado em 1945. Entramos no tempo do imprevisível — explica Ricupero.

O agravante é o fato de que, como diz o embaixador, o traço tradicional da psicologia da política russa é a ideia de que eles estão cercados.


Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

 

 

Russia Invades Ukraine: The Dangerous Weakness of a Military Superpower - Sven Biscop (Egmont Institute)

Russia Invades Ukraine: The Dangerous Weakness of a Military Superpower

What is an extra slice of Ukrainian territory to Russia? A war of aggression no longer fits in our European logic, but it does in that of President Putin. He seeks to permanently position Russia as a great power to be taken into account, and to restore a sphere of influence in the former Soviet Union.

Russia Invades Ukraine: The Dangerous Weakness of a Military Superpower 

What is an extra slice of Ukrainian territory to Russia? A war of aggression no longer fits in our European logic, but it does in that of President Putin. He seeks to permanently position Russia as a great power to be taken into account, and to restore a sphere of influence in the former Soviet Union. For Putin, the greatest threat is not potential NATO membership of Ukraine, but the country’s gradual westernisation through its close association with the European Union. For if that succeeds in one large former Soviet republic, then who knows where else the public might turn against its authoritarian leaders…

It is precisely because the new regime in Ukraine was about to conclude a far-reaching free trade agreement with the EU, that Putin attacked the first time, in 2014. Perhaps most determining of his actions today, is that in fact that first invasion was a failure. Russia annexed the Crimea, but against its expectations the rest of the country totally turned against it. Only in a small region in the east could Russia instrumentalise limited numbers of armed separatists. Putin, therefore, is trying to undo his own failure.

And we just stand aside and watch? “The strong do what they can and the weak suffer what they must”, Thucydides wrote already. Sadly, all too often that still is the hard reality of international politics today. When a great power decides upon war against another country, there is little the other powers can do to prevent it. Unless they are prepared to go to war themselves, but a direct confrontation between nuclear powers is so incredibly dangerous that all refrain from it unless their own territory is directly under threat. Once Putin had decided, therefore, the renewed invasion of Ukraine could no longer be stopped (just like in 2003 nobody could halt the US once it had made up its mind to invade Iraq).

That does not mean it was a mistake to enter into negotiations with Russia – attempting to prevent bloodshed is never wrong. Today, however, we can assume that actually Putin decided early on in the current crisis to revert to military action anyhow (but perhaps not at which scale). Maybe he had even set his eyes on this years ago, and was just waiting for what he considered the right moment. This is not a failure of diplomacy. When two sides want to talk yet part ways without an agreement, that is a failure. But when one side is not willing to concede anything, and uses diplomacy only to mask its true intentions (and thus to lie to its interlocutors), real negotiations have never actually started.

Now that Putin has opted for war, there is little space left for diplomacy. At some point regular combat will come to a halt and a new demarcation line will emerge (if Russia does not occupy all of Ukraine). The EU and the US cannot in any way legitimise the result of this war of aggression. There will be no peace conference drawing new borders. At most we will see a ceasefire between Russia and what remains of Ukraine.

What will the future bring then? Tough sanctions from the EU and the US, and a freezing of relations with Russia for probably many years to come. That will not immediately help Ukraine: sanctions will not make Russia retreat, and will hurt us too. Yet they are absolutely necessary to send a signal to the entire world: one cannot violate the core rules of the world order without paying a price. Otherwise the rules would be hollowed out and no order would eventually remain. Reducing relations with Russia will hit the EU hardest in the energy domain, but it can be done – one more argument to accelerate the green transition. Russia has built up great reserves and can do without the revenue of gas export to Europe for now, but cannot sell that gas to anyone else; those fields are connected to us alone.

Is Putin really winning, therefore, or is he trying not to lose? War with Ukraine will not solve Russia’s domestic problems; instead, it will worsen its economic prospects. The sphere of influence that Putin says he is defending he already has to share with China, a major economic presence in all former Soviet republics. In that sense, conquering Ukraine is a sign of weakness: Russia does not have any positive project that can attract other countries of their own accord. The same applies to Russian interventions in Africa and the Middle East: sufficient to disrupt our plans (as in Mali, where the military regime kicked us out), but not to construct their ow project. Indirectly Russian military adventurism also undermines China’s, mostly economic strategy. That is why today China does not really pronounce itself: it will not openly go against Russia, but will not openly support it either.

Nonetheless, a declining great power that remains a military superpower can be very dangerous. The EU will have to seriously reassess its strategy, therefore. First of all, we must enhance our territorial defence. In previous decades, most European armed forces have focused on expeditionary operations. Those remain necessary, but at the same time we must reinforce our conventional deterrence. Today, the US fully assumes its leadership role within NATO, but what if there were a major crisis in Asia at the same time, or if Trump were in the White House? A dimension of our defence that demands urgent reinforcement, is deterrence of hybrid actions. Russia will undoubtedly intensify those: cyber-attacks, disinformation, sabotage, coercion etc. As the host of NATO and the EU, Belgium is a primary target, as its National Security Strategy adopted last December emphasises. We must dare to retaliate against hybrid actions, including with our own offensive cyber operations. The EU must also elaborate an entirely new strategy for North Africa, in order not to lose all influence.

This is not the end of the European security architecture. Russia cannot bring down the EU or NATO. Only our own antidemocratic extremists can do that, who often act as useful idiots in the service of Russia. But relations with Russia will become very cold again, and we will be forced to invest more in defence. At the same time, we must continue to invest in our own positive project, the EU, and in multilateral cooperation with all states, authoritarian regimes included, whenever interests coincide. Cooperate when you can, push back when you must. Keeping the world together in one order to which all states subscribe: that is the challenge for international politics in the 21st century. Russia has now put itself outside that order for some time to come, but it does not have the power to overturn it. China could, but so far has opted for an assertive economic rather than military strategy. The US hopefully realises that in addition to its military contribution, for which Europe must be grateful, it ought to propose a positive project for the world as well. No country can safeguard its way of life alone, and with military means alone – not even a great power.

Finally, those with a knowledge of military history recognise all the names. Kyiv, Kharkiv, Odessa: those were the sites of large-scale murderous battles where Soviet soldiers and citizens fought against the Nazi invaders. Today that is where Vladimir Putin attacks Ukraine.

***

Every year, Sven Biscop lectures at the National Defence University in Kyiv. Today, his thoughts are with the Ukrainian military in the field. 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

The pathways of inadvertent escalation: Is a NATO-Russia war (now) possible? - Ulrich Kühn (Bulletin of Atomic Scientists)

February 24, 2022 marks a historical watershed for global peace and security. Violating international law, Vladimir Putin of Russia has ordered an illegal full-fledged assault on the entire Ukraine. Russian forces are pouring into the country from at least four directions, following an initial shelling of Ukrainian airfields, air defense, command and control, and other strategic assets. Analysts, including myself, have warned of that grim scenario for months. Yet, diplomacy to avert war against Ukraine has failed.

President Biden and other Western leaders have made it clear repeatedly that they would not send forces to Ukraine. After all, the country is not a member of the NATO alliance. A deliberate decision by Western leaders to go to war with Russia over Ukraine should therefore not be expected. That does not mean, however, that unintended actions by Russia, by its proxy Belarus or by individual NATO member states could not spark a larger conflict that no one planned. During the next hours, days, and weeks, the risk of what strategists call “inadvertent escalation” will increase.

report from the RAND Corporation from 2008 describes inadvertent escalation as occurring “when a combatant’s intentional actions are unintentionally escalatory, usually because they cross a threshold of intensity or scope in the conflict or confrontation that matters to the adversary but appears insignificant or is invisible to the party taking the action. Such a failure to anticipate the escalatory effects of an action can result from a lack of understanding of how the opponent will view the action, it may result from incorrectly anticipating the second- or third-order consequences of the action in question, or both.”

In Ukraine, Russian and perhaps Belarussian forces will most likely establish control over Ukraine’s borders with NATO member states Poland, Slovakia, Hungary, and Romania within the next hours and days. These borders—together with the borders that NATO members Estonia, Latvia, Lithuania, and Poland share with Russia and Belarus—may soon become some sort of new “iron curtain.” That in itself would be bad enough for Europe. Even worse, however, they could become dangerous military contact zones with heightened risks of inadvertent escalation.

Already during the first hours of the Russian campaign, Russian aircraft and surface-to-surface missiles eliminated most of Ukraine’s air defense assets. Effectively, Russia has now established air dominance over Ukrainian airspace. The following hours and days will most likely see additional Russian air support for ground operations. What exactly that would mean and how any ground battles will play out cannot be said now. There is, however, a certain risk that Russian fighter jets, engaged in ground support operations, might inadvertently violate NATO airspace over Poland, Slovakia, Hungary, or Romania.

Incidents of such kind have happened in recent years and NATO forces usually respond swiftly by escorting any Russian air assets out of NATO airspace. The significant difference today is that similar incidents would take place against the background of an ongoing war at NATO’s borders. Whether Russian pilots, already under duress due to battle engagement, would be able to respond to NATO air policing in a responsible manner remains an open question. A first incident happened in the early hours of the Russian attack when a Suhoi 27, belonging to the Ukrainian Air Force, entered Romanian airspace and was escorted for immediate landing at the Bacău Air Base 95. The next days might see a number of dangerously close air encounters between Russian and NATO forces.

Another possible scenario for inadvertent escalation is linked to western calls for arming Ukrainian forces. A day before the Russian assault, British Prime Minister Boris Johnson announced, “the UK will shortly be providing a further package of military support to Ukraine. This will include lethal aid in the form of defensive weapons and non-lethal aid.” As morally justified such calls might sound in the current environment, the question remains: How will weapons be transferred to Ukraine, now that Russia has established air dominance over the country? They would almost certainly not be flown in but would have to be provided using land or sea routes. It would thus be in the interest of the Russian military to gain quick control over Ukraine’s western borders with NATO allies. Possible efforts by individual NATO member states to send additional military equipment via the Ukrainian land borders could be met with fierce Russian resistance and may lead to skirmishes between Russian and NATO personnel.

A somewhat similar grim scenario could unfold if America or other allies decide to back a Ukrainian insurgency by training and equipping Ukrainians on adjacent NATO territory. US officials have reportedly already discussed seeking to help any Ukrainian insurgency by training in nearby Poland, Romania, and Slovakia. Again, NATO-backed insurgents would have to cross the Ukrainian border, thereby inviting possible Russian military action. In addition, such training activities would most likely involve intelligence personnel that, if captured by the Russians, could be put on public display with the aim of making the other side look weak. Back in 2014, Russian personnel captured an Estonian counter-intelligence officer in the Estonian security agency, Kapo, and paraded him on Russian TV just two days after then-President Barack Obama had visited the Baltic state.

On Twitter, security experts have started to debate additional scenarios. William Alberque, a former NATO official, pointed out that a wave of refugees that could soon pour into Eastern European states could create cross-border incidents related to management of a messy human situation or lead to infiltration and false flag operations. Alberque also mentioned inadvertent risks that could emanate from the formation of possible volunteer units of irregular forces from NATO allies, such as Poland, en route to engaging Russian troops in Ukraine.

Obviously, one can and should debate whether those scenarios are at all realistic and plausible. But one point is absolutely real: With an ongoing war in Europe, Russian and NATO forces could clash in the next hours, days or weeks—even though neither side intended any military escalation in the first place.

To prevent NATO from inadvertently ending up in a shooting war with Russia, Western allies need to do three things. First, they need to consult closely and assess internally which risks they deem acceptable and which risks they want to avoid and at what cost. Allies might find it useful to revisit some of the practical mechanisms to deconflict US-Russian military activities in Syria in that regard. Second, the allies should consider contingencies they did perhaps not focus on so far. Simulations involving experts from different disciplines could help to think through the scenarios. Third, the NATO allies must act in unity. Particularly, the issue of sending further lethal equipment to Ukraine should only be considered if all member states are fully on board. One of the worst outcomes would be an entrapment commitment—that is, a situation in which one ally establishes facts on the ground without the consent of the other allies and ends up in a military confrontation with Russia that pulls in the entire alliance.

The war in Ukraine signifies the end of an era. An era where Europe was mostly “whole and free,” to recall the famous 1989 dictum from George Bush senior. We do not know what the new era will look like. One thing is for certain, though: It will be less peaceful and safe, and more militarized and risky. Knowing about some of these risks is a necessary condition for closing inadvertent escalation pathways. But even that knowledge might not be sufficient, in the fog of war, to prevent a possibly devastating war between nuclear-armed adversaries.


As the coronavirus crisis shows, we need science now more than ever.

The Bulletin elevates expert voices above the noise. But as an independent, nonprofit media organization, our operations depend on the support of readers like you. Help us continue to deliver quality journalism that holds leaders accountable. Your support of our work at any level is important. In return, we promise our coverage will be understandable, influential, vigilant, solution-oriented, and fair-minded. Together we can make a difference.


Por que a Rússia já perdeu a guerra civilizatória? O exemplo da Polônia - Paulo Roberto de Almeida (1992)

 Já declarei, em outra pequena postagem, que a Rússia já perdeu essa "guerra de agressão" que ela mesmo iniciou, contra o Direito Internacional, contra as normas civilizadas, e isso independentemente de que ela possa ser vitoriosa no curto prazo, ou seja, mudança de regime em Kiev e instalação de um governo pró-russo na capital ucraniana. 

Não tenho tempo, neste momento, de desenvolver o assunto, mas por acaso "descobri" um antigo trabalho meu que tinha ficado inédito até hoje, sobre a Polônia. A Polônia foi o primeiro país de que me ocupei assim que ingressei no Itamaraty: visitei o país uma vez sozinho, a trabalho, e depois em família, com Carmen Lícia Palazzo, nos tempos em que ela era ainda socialista. Meu primeiro trabalho feito no Itamaraty – do qual infelizmente não tenho registro escrito, pois feito numa das raras máquinas de escrever da Divisão da Europa Oriental em tempos pré-computador – foi feito a propósito da eleição do primeiro (e até agora único) papa polonês, desse país profundamente católico, o que justamente permitiu sua "salvação" do comunismo. Mas ela também esteve na "origem", se ouso dizer, da mais devastadora das guerras jamais ocorridas nos anais da humanidade. Por isso mesmo, coloco esse trabalho aqui, como uma espécie de demonstração de que a Ucrânia não está perdida. Ela se libertará da tirania putinesca e integrará a família europeia das democracias avançadas.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 24 de fevereiro de 2022


POLÔNIA: breve síntese histórica desde a Segunda Guerra Mundial

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19/06/1992


A II Guerra Mundial começou na Polônia (em setembro de 1939), com sua invasão pelas tropas nazistas, depois que a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stalin concluíram um Pacto de Não-Agressão (agosto), em cujas cláusulas secretas estava prevista a partição da Polônia.

Terrivelmente sacrificada durante o conflito, inclusive com o estabelecimento de campos de concentração que dizimaram milhões de seres humanos (entre os quais a quase totalidade dos judeus poloneses e de outros países) e completamente redesenhada em suas fronteiras oriental e ocidental (cessão de territórios à União Soviética e "aquisição" de territórios alemães), a Polônia constituiu um dos pontos quentes da "guerra fria" que se instalou entre as potências aliadas logo depois de terminada a guerra. Pelos acordos de Ialta, a URSS deveria garantir a realização de eleições democráticas e a instalação de um Governo representativo no País, mas ainda na fase final da guerra Stalin preferiu entregar o poder aos comunistas poloneses organizados e controlados por ele.

A Polônia seguiu então o mesmo destino das demais "democracias populares" do Leste Europeu: instalação da "ditadura do proletariado" (na verdade, do Partido Comunista), socialização dos meios de produção e desapropriação das terras e fábricas dos antigos "latifundiários" e "capitalistas", estatização de todos os serviços públicos e conformação de um regime econômico baseado no planejamento centralizado de tipo soviético.  Algumas diferenças em relação aos vizinhos da "órbita soviética" devem ser, contudo, observadas: as terras agricultáveis não foram objeto de coletivização forçada, como na URSS, permanecendo em poder dos pequenos camponeses num sistema de exploração familiar. A Igreja Católica, apesar de muito perseguida, conseguiu manter uma real capacidade de liderança no País, contribuindo mais adiante para o processo de esfarelamento do poder totalitário.

A classe operária polonesa, igualmente, sobretudo os metalúrgicos dos estaleiros navais do Báltico e os mineiros da Silésia, sempre atuou como foco de contestação do sistema comunista.  A resistência polonesa ao regime era assim de base classista e inspirada pela religião católica, manifestando-se sobretudo por ocasião das crises econômicas contínuas a que esteve submetido o País em seus 40 anos de sistema comunista.  Já em 1956, protestos violentos de operários e intelectuais conduzem a uma mudança da liderança, subindo ao poder dirigentes comunistas de índole mais reformista e dispostos a conceder um pouco de liberdade à Igreja católica e a introduzir algumas regras de mercado no sistema de economia planificada centralmente.

Ainda assim, a Polônia integrou-se fielmente ao sistema político, econômico e militar dirigido pela União Soviética, bastando mencionar, por exemplo, sua adesão ao Pacto de Varsóvia (a organização militar da comunidade socialista) e ao Comecon (o "mercado comum" dos países de economia coletivista).

Violentos protestos da classe operária de Gdansk (a antiga Dantzig do período em que a cidade era alemã) em 1970 levam à substituição, mais uma vez, das lideranças comunistas, com a ascensão de dirigentes dispostos a tentar uma maior abertura comercial e econômica em direção do Ocidente. O resultado é, porém, um endividamento enorme, sem resultados mais benéficos para a estrutura industrial do País ou para a modernização de seu atrasado setor agrícola.  Foi a partir dos protestos de princípios dos anos 70, nos estaleiros navais do Báltico, que começa a se organizar uma resistência operária e intelectual mais sólida, que depois iria desembocar no sindicato "Solidarnosc" (Solidariedade).  Para isso também muito contribuiu, no final da década, a eleição como Papa do Cardeal Karol Wojtilla, de Cracóvia, que assumiu como João Paulo II. Foi o primeiro Papa eslavo, escolhido dentro da Igreja de resistência ao poder comunista.

A ação discreta, mas eficaz, de propaganda e organização da Igreja católica, que agora contava com um Papa "polonês", e o aprofundamento da crise econômica do regime comunista foram responsáveis pelo crescimento da oposição ao poder comunista. A sociedade se organizava de forma independente do Estado e os dirigentes comunistas "fingiam" governar um País que já não lhe obedecia.  Mas, a URSS ainda era poderosa e não pretendia deixar o País escapar ao seu controle. Uma tentativa de instalar um regime comunista "a face humana", na Tchecoslováquia, em 1968, tinha resultado na intervenção militar direta do Pacto de Varsóvia e o estabelecimento de um regime comunista repressivo.

Um processo similar ocorreu na Polônia, mas sem a ocupação militar direta por tropas soviéticas.  O crescimento impressionante do Sindicato Solidarnosc em 1979 e 1980, depois de greves imensas que resultaram em algumas concessões econômicas e políticas por parte do regime comunista, resultou numa terrível pressão política por parte da URSS, de que derivou um golpe militar em dezembro de 1981 e a imposição da lei marcial.  O regime militar conduzido pelo General Jaruzelski, teoricamente a serviço do Partido Comunista, representou na verdade a perda completa de legitimidade e de credibilidade deste último, que se tornou mais e mais um instrumento desacreditado e ineficaz.

A partir do momento em que a própria União Soviética começou a evoluir politicamente, com a ascensão de Gorbachev, a Polônia iniciou um processo de transição para um regime de tipo democrático. O caminho foi ainda mais rápido no final da década, quando já não havia mais a ameaça de intervenção soviética: em janeiro de 1989, o sindicato Solidarnosc, que havia sido colocado na ilegalidade com o golpe de Estado de Jaruzelski, ainda não tinha qualquer estatuto legal, mas já em agosto desse ano, depois de históricas eleições parlamentares, ele estava no Governo, num regime de coalizão que ainda era dominado pelos comunistas.

A situação econômica era das piores, com uma inflação superior a 100% ao ano, número inaceitável para os padrões europeus e sobretudo comunistas, onde o consumo básico é totalmente subsidiado pelo Estado. O Estado se encontrava paralisado e a única instituição com voz ativa era a Igreja católica, além do próprio Solidarnosc.

Depois de uma reforma constitucional verdadeiramente revolucionária, o regime comunista deixou de existir em 1990, como aliás na maior parte dos países da Europa oriental que faziam parte do sistema soviético. As eleições presidenciais de 1990 levaram ao poder o líder operário do Solidarnosc, Lech Wallesa (que tinha sido preso depois do golpe de Estado de 1981). O novo regime começou então um processo de transição da economia socialista para a capitalista, ao mesmo tempo em que o Pacto de Varsóvia e o Comecon deixavam de existir. O País ainda enfrenta enormes dificuldades econômicas e sociais, com muito desemprego e total incapacidade de pagar a enorme dívida externa acumulada nos últimos anos do regime comunista. O próprio Solidarnosc já se dividiu e o sistema político da Polônia encontra-se fracionado em dezenas de partidos, alguns demagógicos e oportunistas. Recentemente, ascendeu como primeiro-ministro um líder camponês de 33 anos: Waldemar Pawlack.

 

 

[Brasília, 19/06/1992]

[Relação de Trabalhos n. 252]

 

 

Minha homenagem a Stefan Zweig aos 80 anos de sua morte - Paulo Roberto de Almeida


 

 4089. “Homenagem a Stefan Zweig aos 80 anos de sua morte”, Brasília, 24 fevereiro 2022, 13 p. Junção dos trabalhos 4020 e 4042/2021, para publicação como uma homenagem ao grande escritor austríaco, que se suicidou no Carnaval de 1942, em face da guerra que se aproximava do Brasil. Divulgado em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/72397523/Homenagem_a_Stefan_Zweig_aos_80_anos_de_sua_morte_Paulo_Roberto_de_Almeida_2022_).


Homenagem a Stefan Zweig aos 80 anos de sua morte 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

As circunstâncias da escrita do País do Futuro de Zweig

Stefan Zweig concebeu escrever um livro sobre o Brasil logo depois de sua primeira passagem pelo país, a caminho de Buenos Aires, para uma reunião do Pen Club Internacional. Sua curta passagem pelo Rio de Janeiro, entre o final de agosto e o início de setembro de 1936, resultou numa pequena coleção de breves nove textos, escritos de volta à Inglaterra, publicados em outubro e novembro de 1936 no jornal Pester Lloyd. Os breves relatos foram reunidos em 1937 e publicados numa editora vienense com vários outros textos do autor: Begegnungen mit Menschen, Büchern, Städten(Encontros com homens, livros, cidades). Eles foram republicados, em 1981, numa coletânea chamada Länder, Städte, Landschaften (Países, cidades, paisagens), pela editora Fischer, como posso ler no prefácio à primeira edição brasileira por Heike Muranyi.

Zweig já estava planejando escrever um livro mais alentado sobre o Brasil, no final desse ano, e por isso recusou uma proposta de seu editor brasileiro, Abraão Kogan, de publicar uma edição traduzida, o que não se realizou de imediato (ainda assim, Kogan juntou A Pequena Viagem aos outros textos do livro Begegnungen e publicou-a em 1938, numa edição uniforme de sua obra, sob um título similar: Encontros com homens, livros e países. Apenas oitenta anos depois de sua primeira viagem ao Brasil, os textos foram novamente traduzidos e publicados sob a forma de um pequeno livro: Pequena Viagem ao Brasil (organização do projeto: Heike Muranyi; tradução de Petê Rissatti de Kleine reise nach Brasilien; Rio de Janeiro: Versal, 2016, 80 p.). Vários trechos da Pequena Viagem foram de fato incorporados ao País do Futuro, que se beneficiou assim daquele projeto inicial necessariamente sintético, dada a brevidade de sua passagem em 1936, e numa travessia atlântica durante a qual ele também concebeu escrever a biografia da gestão de Fernão de Magalhães (terminada e publicada em 1937).

(...)


Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/72397523/Homenagem_a_Stefan_Zweig_aos_80_anos_de_sua_morte_Paulo_Roberto_de_Almeida_2022_


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

A Guerra Civil espanhola e as Américas; livro coletivo, contribuição de Paulo Roberto de Almeida

 Um livro para o qual contribuiu aos 80 anos do término da Guerra Civil Espanhola e que demorou mais três anos para ser publicado. Finalmente deve ser divulgado em março. A capa deverá usar o desenho abaixo.

3535. “O Brasil no turbilhão da guerra civil espanhola”, Brasília, 11 novembro 2019, 22 p. Contribuição ao volume A Guerra Civil espanhola e as Américas, coordenação de Ismara Izepe de Souza, Angela Meirelles de Oliveira e Matheus Cardoso da Silva (orgs.), pela editora Todas las Musas. Relação de Publicados n. 1436.


Lula teve, em 2003, uma “herança bendita”; agora terá uma verdadeira “herança maldita” - Alexandre Schwartsman (InfoMoney)

 Alexandre Schwartsman

Acredite se quiser

Há quem creia que, caso eleito, Lula repetirá 2003 e escanteará seus economistas, adotando uma política ortodoxa. As condições objetivas para isto, porém, são muito diferentes das observadas há 20 anos, sugerindo que isto seja muito pouco provável


Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

matéria recente da Folha de S. Paulo sobre a escalação do time de economistas assessorando a campanha do ex-presidente Lula talvez ficasse melhor localizada numa possível seção de (reprises de) filmes de terror, mas traz uma questão importante: até que ponto Lula leva a sério as propostas (na falta de melhor termo) de seus (também na falta de melhor termo) economistas?

A experiência de 2003 sugere que muito pouco. Para quem se lembra, o projeto econômico do PT em 2001 propunha uma completa reviravolta da política econômica de então, acabando com o compromisso fiscal e metas para a inflação, para não falar de uma atitude no mínimo ambivalente quanto às dívidas externa e doméstica (afora apoiar o plebiscito sobre o pagamento das dívidas externa e interna, sugeria “um limite de comprometimento das receitas com o pagamento de juros da dívida pública”).

Como se sabe, todavia, ao assumir Lula não apenas manteve o chamado “tripé macroeconômico” (câmbio flutuante, superávits primários e metas para a inflação), como se engajou em reformas na linha de seu antecessor, incluindo a previdência do funcionalismo e aprimoramentos dos mecanismos de crédito (como o consignado e a criação da alienação fiduciária para imóveis).

Mesmo no campo social as transferências focalizadas de renda aos mais pobres, muito criticadas por economistas do partido, foram reunidas no Bolsa-Família, carro-chefe da política social do ex-presidente.

Em outras palavras, quando precisou governar, Lula não hesitou em escantear os economistas de seu partido e trazer quem entendia do riscado, seguindo uma política econômica absolutamente alinhada à de Fernando Henrique, enquanto denunciava, é óbvio, a tal “herança maldita”.

Não é por outro motivo que muita gente (e gente boa, diga-se) acredita que, se eleito em 2022, Lula não teria maiores problemas para executar um novo duplo twist mortal carpado e tomar medidas que recoloquem as contas públicas em ordem, sempre em nome da governabilidade.

Eu, obviamente, não tenho condições de saber o que se passa na cabeça de Lula, apesar de suas declarações recentes a respeito, em particular a afirmação sobre o país não precisar de reformas. Nem isto me interessa; o que pretendo olhar com mais cuidado é a alteração das condições objetivas para a prática do duplo twist mortal carpado.

No caso, a má notícia para quem aposta na capacidade acrobática do ex-presidente é que, ao contrário do legado de 2002, quem tomar posse em 2023 terá que lidar com a verdadeira herança maldita.

Um gráfico simples ajuda a ilustrar a questão. No segundo mandato de Fernando Henrique, o país passou por um ajuste fiscal considerável: embora ancorado mais pelo aumento da tributação do que pela redução de despesas, o superávit primário do setor público (governo federal, estados, municípios e empresas estatais), virtualmente inexistente em 1998, atingiu média de pouco mais de 3% do PIB naquele período, principalmente por força do desempenho do governo federal, cujo resultado saltou de 0,5% para perto de 2% do PIB.

Fonte: BCB

Em contraste, o setor público registrou modesto superávit no ano passado, 0,7% do PIB, enquanto o governo federal apresentou déficit (0,4% do PIB). Para este ano, as perspectivas são de retorno ao déficit, na casa de 0,8% do PIB.

Já a dívida bruta em 2002 equivalia a 65% do PIB (notando que nos referimos aqui à definição usada então, visto que a atual só começou a ser empregada em dezembro de 2006).

No final do ano passado, pelo mesmo conceito de 2002, a dívida superava 92% do PIB; pela definição mais usada hoje, atingiu 80% do PIB e deve encerrar 2022 um pouco acima disto, 84% do PIB, segundo o Prisma Fiscal mais recente.

Nesse contexto, considerando que a taxa real de juros se situa em torno de 5% ao ano para o horizonte de 12 a 24 meses (passado o presente aperto monetário), enquanto as perspectivas para crescimento sustentado (não falamos aqui do crescimento pífio de 2022) do país se encontram na casa de 2% ao ano (segundo o relatório Focus), conclui-se que, para estabilizar a dívida seria necessário produzir um superávit primário de 2,5% do PIB [=84% x (5%-2%)].

Embora seja até inferior ao registrado no primeiro governo Lula, 3,5% do PIB, requereria um aperto fiscal muito maior: precisaríamos sair de -0,8% para +2,5% do PIB, ou seja, mais de 3 pontos percentuais do PIB, algo em torno de R$ 350 bilhões.

Dito de outra forma, independentemente dos possíveis desejos acrobáticos de Lula, as condições meteorológicas para piruetas não são as de 2003.

Não basta mais deixar o carro rodar nas mesmas condições que vinha rodando (e se aproveitar, como ocorreu, do aumento de PIS-Cofins em 2003 e 2004) para manter a estabilidade.

Quem quiser produzir o ajuste fiscal requerido para recolocar a sustentabilidade da dívida pública nos eixos vai ter que gramar um bocado, enfrentando, de quebra, um Congresso Nacional muito mais fragmentado do que há 20 anos e uma população muito mais impaciente do que naquele momento.

Isto dito, apesar de o gasto federal (já deduzido o impacto da Covid no ano passado) ser bem mais alto do que o vigente em 2002 (18,5-19,0% do PIB contra 16% do PIB), a margem de manobra em termos de redução de gastos é muito menor.

Não há dados para 2002, mas os gastos obrigatórios – que representavam algo como 87% da despesa federal em 2007-2011 – hoje chegam a 92% do total.

Sem reformas, que de resto só produzirão efeitos em prazos mais longos, o caminho que sobra é o da elevação da carga tributária, cujas resistências são mais do que conhecidas.

Não por acaso, aliás, o ex-presidente faz uma exceção à sua ojeriza por reformas, defendendo mudanças tributárias, cujo sentido deixa claro: “está faltando que os ricos paguem sobre lucro e sobre dividendo. Aí quem sabe a gente vai arrecadar o suficiente para pagar as políticas públicas que o Brasil tanto precisa”.

Acredite se quiser.