Não se trata, obviamente, de uma matéria sobre as eleições, mas a situação econômica, em especial, a energia, terá grande influência nas eleições.
Paulo Roberto de Almeida
Deu errado o
ensaio desenvolvimentista’
Para o economista
Samuel Pessoa, atual modelo econômico é um desastre que precisa ser revisto
06 de abril de 2014 | 2h 05
ALEXA SALOMÃO, RICARDO GRINBAUM - O Estado
de S.Paulo
Samuel
Pessoa, um físico que leciona economia, estreitou as relações com o PSDB na
campanha presidencial deste ano. O senador Aécio Neves, candidato dado como
certo para a legenda, anunciou que ele é um de seus assessores. Pessoa faz
duras críticas à atual política econômica: "eu chamo de ensaio nacional
desenvolvimentista - foi uma tragédia para o País e tem de ser revertido",
diz. Na sua avaliação, a reversão deve ser seguida reformas que possam dar
eficiência ao Estado sem que seu tamanho seja reduzido: "A sociedade quer
educação, sistema de aposentadoria, programas sociais - é impossível reduzir o
Estado", disse na entrevista que segue.
Como o senhor
esta vendo o atual momento da economia?
Samuel
Pessoa: Vou falar o que repito em todo lugar porque acho importante.
Quando se olha a formulação de política econômica no Brasil, eu acho que há
duas agendas muito diferentes. A partir do final do segundo mantado do governo
Lula, passamos a ter duas agendas. Uma é muito anterior ao governo Lula. É uma
agenda que está com a gente desde a democratização - uma agenda estrutural. Há
outra agenda, que veio de 2009 para cá. Ela está associada a saída do ministro
Antonio Palocci e a ida do ministro Guido Mantega (no Ministério da Fazenda).
Isso aconteceu em 2006. O ministro Mantega teve muito senso de oportunidade e
habilidade política para implantar a agenda dele aos poucos, conforme os fatos
fossem permitindo. Em 2009, depois da crise, foi o grande momento em que ele
pode trazer para a formulação da política econômica uma nova agenda. A primeira
agenda estrutural eu chamo de contrato social da redemocratização. A segunda
agenda - da equipe econômica do Mantega e da presidente Dilma e do final do
governo Lula - eu chamo de ensaio nacional desenvolvimentista. Eu separo muito
bem essas duas agendas. Acho que essa segunda é petista puro sangue. Acho que o
Palocci, dentro daquele grupo político, talvez seja a excepcionalidade e parece
que esse grupo político do PT tem um visão muito favorável ao nacional
desenvolvimentismo e a esse conjunto de políticas econômicas - se bem que,
posso estar exagerando, porque houve um período do governo Lula em que havia
muita continuidade e que esse tema da agenda nacional desenvolvimentista não
tinha proeminência. A outra agenda, a estrutural, é uma opção que a sociedade brasileira
fez na Constituição, lá em 88. Está materializada no texto constitucional e
essa opção vem sendo referendada e repactuada a cada eleição desde então. Ela
expressa o desejo da nossa sociedade de construir um Estado de bem estar social
muito abrangente, nos moldes dos países da Europa continental. Esse desenho
esta no nosso texto constitucional. Neste aspecto, não há nenhuma diferenciação
entre nenhum grupo política em atuação no Brasil. Em particular, eu acho que
isso não distingue tucanos de petistas. O que inclui? Política de valorização
do salário mínimo. Abono salarial, que é um programa lá do governo Sarney (José
Sarney, ex-presidente da república). A aposentadoria rural. A Lei orgânica da
assistência social. Renda mensal vitalícia. O programa bolsa família. A
universalização da saúde. Mais recentemente, algumas iniciativas muito
interessantes, como ProUni, Fies (programas de financiamento para o ensino
superior) e todo um esforço de educação técnica. É um desejo da nossa sociedade
avançar na questão da equidade. Com mais ou menos eficácia - tem programas que
fazem sentido e outros que não fazem - isso é uma discussão. Mas esse é o
pacote que o eleitor quer. O que cada governo faz é muito em função do que está
na agenda desse pacto. A segunda agenda, não. Ela tem uma diferença grande. É
uma agenda para colocar o Estado - o setor público - interferindo no
desenvolvimento econômico. É o Estado decidindo a alocação de capital. É o
Estado fazendo microgerenciamento das políticas de impostos e das tarifas de
importação para incentivar alguns setores escolhidos segundo certos critérios.
É o Estado fazendo microgerenciamento da política de intermediação financeira.
Além disso, tenta adotar teorias heterodoxas sobre o processo inflacionário que
acabam interferindo na liberdade do Banco Central e tendo um impacto sobre a
inflação. É uma agenda grande. Começou no governo Lula, antes de 2009. Mexe nos
graus de independência das agências reguladoras. Coloca uma parte grande da
regulação de volta para os ministérios e, além de colocar de volta para os
ministérios, passa a ter muita discricionariedade na regulação de diversos
setores da economia. Ou seja: ao invés de usar um sistema de regras e
procedimentos, pesos e contra pesos, passamos a ter a mão pesada do Estado. A
gente vê isso no setor de petróleo, no setor de energia elétrica. Até na
reformulação do marco ferroviário, com a ideia de separação vertical - que eu
acho que não vai funcionar. Foi uma má ideia. Tem uma lista longa. Esse pacote
não é da sociedade. É um pacote de um grupo de pessoas que está no centro da
formulação da política econômica e que avalia que essas medidas são necessárias
para acelerar o crescimento econômico. A minha avaliação é que esse ensaio
nacional desenvolvimentista deu errado. Deu tudo errado. Foi uma tragédia para
o País. Foi adotado por motivos ideológicos e acho que ele tem de ser
revertido.
O senhor fala
que a agenda da sociedade pede uma social democracia. Mas agenda depende da
situação fiscal, que hoje está na ordem do dia. Como o PSDB poderia conciliar a
questão fiscal, hoje com limitações, com essa agenda da população?
Samuel
Pessoa: Minha resposta a tua pergunta é: não sei. Mas quero esclarecer que
não falo aqui pelo PSDB. Sou colunista da Folha. Escrevo aos
domingos. Todo mundo sabe quais são as minhas ideias. Eu tenho um vinculo
grande com o partido há muitos anos. Fui assessor do senador Tasso Jereissati
durante sete anos. Foi uma experiência maravilhosa. Trabalhar com Tarso foi a
atividade profissional mais interessante que eu tive. Foi um privilégio
pertencer ao gabinete dele. Adicionalmente, acho que o presidente Fernando
Henrique Cardoso foi o melhor presidente que a gente teve. Avaliar o País que
ele pegou e o País que ele legou mostra isso. Eu gosto muito do Lula. O
primeiro mandato do Lula foi espetacular. Mas frente aos desafios que a
sociedade brasileira enfrentava em 94, acho que o legado de FHC é
impressionante. Também acredito que a história já está dando a ele o devido
crédito. Ele vai ser um desses homens festejados ainda em vida e espero que ele
viva muito. Meus vínculos com o PSDB são imensos. Tenho conversado com o
senador Aécio. Acho que ele é um candidato espetacular. Há um tempo, li uma
entrevista do Paulo Bernardo que, inclusive, me deixou muito surpreso. Paulo
Bernardo se referiu ao Aécio como se ele fosse um garoto de Copacabana. Isso é
algo inacreditável quando você olha o currículo do Aécio. O Aécio cumpriu o
caminho legislativo brasileiro inteiro. Foi líder na Câmara e no Senado. Foi
governador oito anos. É difícil imaginar uma pessoa com tanta bagagem na
política brasileira hoje. E ele é jovem, o que é surpreendente. É um jovem com
a experiência de uma velho. É um candidato espetacular. Mas eu não estou
discutindo com o candidato detalhes de política econômica.
Mas qual é a
tua opinião?
Samuel
Pessoa: Como eu falei, essa é uma agenda da sociedade. O que nós
economistas podemos mostrar os custos e os benefícios das diversas opções. A
gente pode redefinir os termos do contrato social. O que chamo de contrato
social é uma série de programas, de seguros sociais e critérios, como valor do
benefício. Este é o contrato que ela assinou com ela mesma e com o Congresso
Nacional. Esse contrato tem implicações para a igualdade, para o crescimento
econômico. Nós que atuamos de alguma forma nessa área - eu sou professor de
economia, não sou economista, mas formado em física - podemos mostrar alguns
caminhos possíveis. Mostrar custos e benefícios. Mas a decisão do que fazer nem
é do candidato _ é da sociedade. A sociedade precisa ser informado. O
presidente ou a presidente coordena, a partir do poder que tem de definir a
agenda, já que no nosso presidencialismo de coalização o presidente muito pode.
Mas o processo de tomada de decisão de como o contrato social vai evoluir é um
processo que deve ocorrer no Congresso. Eu já falei muita bobagem na minha
vida. É difícil encontrar uma pessoa que atue na minha área que não tenha
falado uma bobagem. Mas entre todas, a que mais me causa arrependimento ocorreu
num episódio em 2003 ou 2004 quando fui chamado para uma audiência pública no
Senado para falar de salário mínimo. Eu falei contra o aumento do salário
mínimo e sobre as questões fiscais. Me arrependo muito. Não acho que fui um bom
auxiliar nesse caso. O Congresso me chamou para que eu o auxiliasse a pensar no
problema e acho que minha intervenção foi péssima. Me dá dor de cabeça quando
lembro. A minha mensagem foi careta - e estava tudo certo na mensagem careta.
Primário tem que pagar dívida, juros tem que cair, tem que fazer primário. Mas
quando se fala em política de valorização do salário mínimo é preciso lembrar
que existem milhões de pessoas que vivem de salário mínimo. Tratar o aumento do
salário mínimo como algo não importante, não dar atenção ao impacto sobre a
vida de todas as famílias que dependem do salário mínimo, é uma enorme falta de
sensibilidade política. Eu aprendi que o profissional de economia não tem muito
a dizer sobre política de valorização de salário mínimo. Pode falar sobre custos,
sobre benefícios, mas a decisão é certamente política. Quando eu falei das duas
agendas, me referia a isso. Tem uma agenda que não só é políticas, por ser da
sociedade, mas porque ela envolve questões distributivas profundas. A gente não
sabe avaliar direito. Quem avalia isso é o político. A gente pode auxiliar
fazendo conta, mostrando custo. A outra agenda, é mais técnica. O livro que eu
estudei diz que tudo isso que foi feito está errado. Não é uma questão de menos
distribuição de renda ou sobre visões diferentes do liberalismo. São visões
diferentes sobre o funcionamento da economia e sobre o que é certo e o que é
errado. Eu estudei em um livro e as pessoas que formulam a política econômica
hoje estudaram outro livro. Evidentemente, a economia não é uma ciência dura.
Elas podem estar certas e eu errado - tudo deu errado por outros motivos. Ou eu
posso estar certo e elas, não - a coisa deu errado pelos motivos que eu acho.
Essa é uma discussão infinita. É difícil ter uma conclusão, até pela natureza
da disciplina de economia. Sobre essa questão do contrato social, tenho a mesma
ideia desde 2006. Eu, Mansueto Almeia e Fábio Giambiagi falamos sobre isso em
uma notinha no apêndice de um relatório de conjuntura econômica trimestral que
havia no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e nunca mais mudei de
ideia: o contrato social hoje requer que o gasto social cresça mais que o PIB.
Esse é um dado.
Mas como
resolver?
Samuel
Pessoa: A solução não está na economia. A solução é política -
e os políticos terão que resolver. O que a economia diz é: ou repactuamos, para
que o gasto cresça mais lentamente, ou aumentamos a carga tributária, o que é
legítimo, ou não fazemos nada e se soluciona com inflação - o que eu acho que a
sociedade não quer. Mas nós que atuamos na área econômica temos apenas um
papel, uma função: informar direito. Vamos pegar as manifestações do ano
passado. A sociedade mostrou ter uma leitura diferente da minha e acho que essa
leitura é muito equivocada. As sociedade acredita que dá para resolver todos os
problemas do Estado combatendo a corrupção e suas ineficiências. Isso não é
verdade. Combater a corrupção e as ineficiências do Estado é muito importante e
precisa ser feito. É mais importante ainda quando se lembra que houve o ensaio
nacional desenvolvimentista e destruição na governança de diversos setores da
nossa economia - no setor de petróleo, no de energia, nas agências reguladoras.
Construíram-se muitas ineficiências ao longo de anos de governo petista. Sendo
bem específico: a gente gasta com o INSS algo como 7,5% do PIB. Tem uma tabela
do Mansueto que todo ano a gente atualiza. Essa conta aumentou 3 pontos
porcentuais do PIB nos últimos 20 anos. Essa conta não é cara porque tem um
monte de falecidos ganhando indevidamente o benefício. Ou porque um monte de
gente fraudou e está ganhando indevidamente o benefício. Ou porque um monte de
gente que tem direito ao benefício conseguiu fraudar e recebe um benefício
maior do que a regra permite. Isso deve existi em toda parte. Deve existir no
Estados Unidos. É bem possível que seja um pouco pior no Brasil. Mas isso não
representa o grosso. Medidas de gestão para resolver esses problemas não
resolvem a questão estrutural - o fato de o contrato social requerer que o
gasto público cresça a uma velocidade maior que o crescimento do PIB. Esse
problema é estrutural. Essa questão vai ser tratada na esfera política,
envolvendo executivo e legislativo. Os técnicos têm pouco a dizer a esse
respeito.
Mas qual é a
sua opinião - como compatibilizar a agenda social com a necessidade de
financiamento público?
Samuel
Pessoa: O processo eleitoral é que vai dizer o que fazer.
A forma como a sociedade se pronunciar, a forma como o debate entre candidato e
sociedade ocorrer é que vai dizer. Se eu disser o que quero, não vou falar como
economista, vou falar como cidadão. Aliás, gente, eu não sou economista. Eu sou
professor de economia e sou físico -- e apenas formado em física. Ser físico é
para poucos. Não é o meu caso, infelizmente. Então, posso falar pelo cidadão
Samuel, que é rico - todos nós aqui fazemos parte do 1% da sociedade mais rica.
Até hoje, eu me penitencio pela aquela ida ao Senado, travestido de técnico. No
fundo eu representava o cidadão. Isso me entristece até hoje. Eu confundi as
duas personas. Por isso, acredito que agora não é momento para eu falar. Algum
candidato contrario ao Aécio pode pegar alguma coisa que eu falar e apresentar
em um programa para dizer: está vendo? O Aécio quer fazer isso. Um dos
assessores dele disse que ele deve fazer isso.
Publicaram
hoje uma entrevista do Aécio em que ele toca sobre vários pontos da economia.
Dois deles chamam a atenção: ele acha que é preciso manter a política do
salário mínimo e que o gasto não deve cresce acima do crescimento do PIB. Ele
disse isso. Qual a tua opinião?
Samuel
Pessoa: A política do salário mínimo e os atuais critérios de
elegibilidade do INSS gera um dinâmica da previdência em que o crescimento é
maior que o PIB. Tem sido assim nos últimos anos. Deve ter alguma ineficiência.
É possível melhorar os mecanismos de controle. Mas não é isso que vai resolver.
Para manter isso intacto, será preciso mexer em outras rubricas para que o
gasto como um todo não cresça. Isso pode ser feito. Mas é preciso ver com o
senador o que ele tem na cabeça. Eu acho que a aproximação do debate eleitoral,
essas questões vão ser tratadas.
Olhando para
a outra agenda, a nacional desenvolvimentista que o sr. criticou muito, o que é
preciso mudar?
Samuel
Pessoa: É preciso reduzir os créditos do Tesouro para bancos públicos. Foi
um excesso. Foram os anos 70 voltando. O Geisel voltando. Parece um trem
fantasma. É preciso consertar os preços. Novamente, isso também é um trem
fantasma. Nos anos 70, na hiperinflação da redemocratização, por várias vezes,
tentamos controlar preços segurando tarifa pública. Fizemos isso desde os anos
50. Nunca deu certo. O preço precisa ser real. Mas dizem: ahhhh, mas tem o
problema da pobreza. Sim, mas o problema de pobreza a gente cuida com os
mecanismos corretos - com um bolsa família, que é um instrumento poderoso,
espetacular, que precisa ser valorizado e reforçado o tempo todo. Para mim, o
presidente Lula marcou um enorme gol quando unificou os programas sociais,
aumentou e potencializou os benefícios. Teve um impacto muito importante. As
pessoas precisam ter uma garantia mínima de vida, sim, mas você faz isso com
política de salário mínimo, com bolsa família, que dão uma renda para as
pessoas. Mas os preços, da gasolina, da energia, precisam ser corretos. Isso
precisa ser desfeito. Não gosto da política de desoneração. Acho que o senador
tem uma opinião diferente da minha nesse aspecto. Eu sou um fiscalista. Acho
muito ruim ter um superávit primário mais baixo quando as condições de
endividamento do Estado não permitem. Acho muito ruim o risco-país, desde
outubro, ter aberto 100 pontos em relação a México, Chile, Peru. Acho muito
ruim a gente começar a fazer conta: será que essa dívida vai começar a crescer
feito bola de neve? E eu acho que isso foi gerado por uma política desastrada de
desoneração tributária. Tirando a desoneração sobre salário e sobre cesta
básica, que têm benefícios óbvios e já deveriam ter sido adotadas há muito
tempo, sou contrário as desonerações tópicas para esse ou aquele setor. A gente
precisa reforçar a posição fiscal. O princípio de uma macroeconomia em ordem é
um setor pública em ordem. A gente entrou numa crise muito profunda em 2008 e
2009 e houve muita competência por parte da equipe do ministro Mantega para
enfrentar aquele episódio e tirar o País da crise. Um dos instrumentos adotados
foi a política de desoneração. Eu acho que até exageram nos instrumentos
contracíclicos em 2009. Não precisava de tudo que foi feito. Mas reproduzir a
prática em 2011, 2012 foi um erro gigantesco. A economia brasileira já estava
vivenciando uma realidade totalmente diferente. Por causa dessa política
desastrada de desonerações ficamos com os ônus sem ter os bônus. O Tesouro
Nacional ficou com os ônus, mas o País não teve os bônus da política. Também
aumentaram imposto de importação, mas isso caiu. Foi uma boa medida cair. A
gente agora via ter de enfrentar a inflação com uma posição fiscal sólida e um
Banco Central independente. Uma boa medida é tentar passar no Congresso a
independência formal do Banco Central.
Além da
independência informal, que existia no governo de Fernando Henrique, o senhor
acha necessária a independência formal?
Samuel
Pessoa: Nunca fui um entusiasta da autonomia formal, porque é
dessas coisas meio chatas: você só pode ter quando não precisa muito dela. É
assim: se a sociedade não está convencida que é melhor fazer tudo que for
necessário para combater a inflação, não é botando na veia que não vai ter
inflação e que ela não vai existir. Vimos o exemplo da Argentina - botou na
veia a conversibilidade, medida super dura, para não ter inflação. A sociedade
não tinha resolvido o conflito distributivo e a inflação quando veio, veio
pior. Amarras muito duras quando o amadurecimento da sociedade não é compatível
com essas amarras pode ser contraproducente. Eu acho que a sociedade está
demonstrando que está bem evoluída. Não está aceitando inflação. Nãos está
reclamando que o Banco Central está subindo o juro. Acho que, talvez, a
sociedade esteja madura para que tenhamos o instituto da independência formal
do Banco Central.
Excluindo
essa agenda que o sr. considera desastrosa, o que deve ser colocado no lugar
para elevar o crescimento?
Samuel
Pessoa: O tema crescimento também tem dois aspectos. Há um
aspecto político. Crescer dói. Não é fácil. A China cresce 7% ao ano. Vai lá
ver se está todo mundo feliz com aquele crescimento. A taxa de poupança de uma
família chinesa é de 50% da renda. Poupando 50% da renda dá para crescer muito.
Pergunta: a sociedade brasileira que poupar isso para crescer mais rápido? Ou
tem outra escolha? Quer crescer mais lentamente? Esse são temas para os quais o
profissional de economia não tem nada a dizer. Não é bom. Não é ruim. É uma
escolha da sociedade. Isso bate no contrato social da redemocratização. Eu
tenho dito, tenho escrito várias vezes - a sociedade brasileiro escolheu
crescer pouco. Quer cresce de maneira mais sólida. A agenda da sociedade
brasileira hoje não é crescimento. É equidade. O Brasil tem crescido e tem
melhorado, mas no nosso ritmo, atendendo às nossas demandas. Por outro lado, o
ensaio nacional desenvolvimentista piorou a situação, porque ele tira a
eficiência da economia. Uma parte do nosso baixo crescimento é um padrão de
escolha da sociedade. Mas outra parte do baixo crescimento, mais recente, no
meu entender, vem da eficiência econômica e dos erros de política econômica que
foram cometidos seguidamente a partir de 2009. Se for revertido, o Brasil
cresce mais. Vou até dar a minha conta porque esse é um debate que temos feito.
O Brasil está crescendo hoje 2 pontos porcentuais a menos do que crescia antes.
O mundo cresce 0,6 a menos. A América Latina cresce 0,7 a menos. Nós estamos
crescendo 2 a menos. Alguma coisa que aconteceu e fez com que a nossa
desaceleração fosse muito maior do que a desaceleração do resto do mundo. É
verdade que as economias estão interligadas e que o ciclo mundial é
sincronizado, principalmente agora que o mundo é globalizado. O ciclo do Brasil
é igual ao ciclo do mundo. Mas a gente abaixou mais. Por que? Bom, 0,6 ponto
porcentual de queda foi provocada pelo mundo. E o resto? Você tem o esgotamento
do fator trabalho, que deve explicar cerca de meio ponto porcentual de queda.
Mas tem cerca de um ponto porcentual de perda - talvez um pouco menos - que no
meu entender vem da ineficiência econômica e de uma certa desorganização que
existe na economia. São as consequências na mudança do regime econômico que o
ministro Mantega chamou de a nova matriz econômica. Isso está tirando um ponto
porcentual do crescimento. Talvez a minha conta esteja exagerada e não seja
tudo isso - seja 0,7 ou 0,8. Revertendo essa política, voltando ao regime
anterior e avançando a partir de onde a gente estava antes, isso muda. O FHC
não é o fim dos tempos. Ele fez o que era possível naquela janela de
oportunidade nos oito anos que teve. Ele deixou muita coisa a ser feita. Nos
primeiros anos do governo Lula, o País avançou muito, principalmente na área de
crédito. Mas temos agora que desfazer as coisas erradas e continuar naquela
toada.
O para frente
nessa toada inclui o que?
Samuel
Pessoa: Para atender as ruas, uma parte do trabalho é melhorar
a eficiência do Estado. Essa é uma agenda que está parada. Falei isso inúmeras
vezes. Desde o primeiro mandato de FHC, quando se fez muita coisa. Bresser
Pereira passou pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado.
Depois a Claudia Costin deu continuidade. Mas até pela complexidade dos temas
tratados no segundo mandato de FHC, essa agenda ficou um pouco parada. O
governo petista não conseguiu tocar essa agenda. A questão da reforma
administrativa inclui dar ao Estado instrumentos de gestão para fazer com que
as pessoas que passaram no concurso público, mas que sejam funcionários ruins,
possam ser demitidas Hoje o cara só é mau funcionário público se roubar. Se ele
tiver um desempenho ruim que penalize a comunidade, ele fica. Essa é uma
questão fundamental para atender as demandas das ruas. Foi uma pena o longo
ciclo petista não trazer nenhum reflexão nessa direção. Gastaram muito tempo
destruindo coisas que funcionavam bem. Um exemplo: o marcado regulatório
do petróleo. Gastou-se energia do setor público que poderia ser endereçada para
outros temas. No âmbito estadual, o Aécio, dentro do que é possível fazer com
legislação estadual, fez muita coisa em Minas Gerais. Essa é uma agenda
importantíssima para que se possa melhorar os serviços de saúde, educação e
segurança. A gente não vai melhorar saúde, educação e segurança colocando mais
dinheiro. Talvez até precise gastar um pouco mais com saúde, mas a questão, de
forma geral, não é mais dinheiro. É preciso usar melhor o dinheiro - mas para
usar melhor o dinheiro é preciso olhar o Estado por dentro. Tem também a eterna
agenda da reforma tributária. A presidente Dilma reconheceu e os economistas
que trabalham com ela estão cientes e se esforçaram para levar adiante. No
entanto, acredito que perdemos uma chance preciosa. O ensaio nacional
desenvolvimentista destruiu a situação fiscal. Só para vocês terem uma ideia. O
primário recorrente neste ano, desconsiderando receitas extraordinárias,
provavelmente vai ser 0,8 % do PIB. O primário em 2002 era 3%. Um pouco mais
que isso. O ano de 2002 terminou com déficit de transações correntes acho que
um pouquinho abaixo de 2 pontos porcentuais. Este ano vai fechar em 4 ou 3,9. O
fiscal, além da perda da transparência e outros efeitos ruins, piorou muito. A
gente perdeu a oportunidade de usar o espaço fiscal que tínhamos lá atrás para
fazer um reforma tributária, negociando com os estados. Foi trágico. Quiseram
reinventar o Geisel, ao invés de usar esse espaço fiscal para fazer a reforma
tributária, que é muito importante. Agora, essa reforma tributária só vai sair
se o executivo quiser muito e se ele tiver espaço fiscal, para poder
liderar o processo.
Quando o
senhor fala que elevar a eficiência do Estado, considera a possibilidade de
reduzir o seu tamanho retomando as privatizações?
Samuel
Pessoa: Quando a gente fala de tamanho do Estado também temos duas agendas
- totalmente diferentes. Acho impossível diminuir o Estado Brasileiro. A
sociedade não quer diminuir o Estado - e a sua escolha é legítima. A sociedade
quer saúde pública, universal, integral. Quer educação pública. Quer um sistema
abrangente de aposentadoria. Quer um sistema abrangente de seguros público -
abono salarial, seguro desemprego - e programas sociais. Como a sociedade quer
tudo isso, é impossível reduzir o Estado. Nesta dimensão, o Estado só vai
mudar, se a sociedade mudar. Como eu acho que ela não vai mudar, o Estado não
vai diminuir. Isso não está em discussão. Eu como cidadão posso gostar mais de
um Estado grande ou pequeno. Posso preferir a Suécia aos Estados Unidos. A
sociedade brasileira já tomou a sua decisão - prefere a Suécia. Essa escolha
não está em xeque. Não é isso que se discute nessa eleição. O que se discute é
modelo de intervenção na economia. Eu acho que é preciso mudar a intervenção
direta na regulação da economia. Isso é um desastre.
Para o Brasil
ser Suécia, precisa de qual modelo de crescimento?
Samuel
Pessoa: Uma vez eu pensei nisso. Acho que o modelo nosso modelo é meio
nosso. Há o modelo anglo saxão, que é pouco welfare e tem pouca intervenção
direta do Estado na economia. Há o modelo europeu que é muito welfare e tem uma
regulação mais dura do Estado. Há o modelo oriental, muito pouco welfare, mas
com muita regulação. O nosso é único. Muito welfare e com uma regulação menor
na economia. Acho que isso é possível e tem condições de gerar crescimento
econômico. Talvez seja um modelo parecido com países como a Austrália.
Como você
compararia a transição de 2002 com a de 2014.
Samuel
Pessoa: São bem parecidas, mas com uma diferença: em 2002 a gente estava
melhorando. Havia um monte de problemas na época, mas estávamos muito melhor
que em 1994. Se eu comparar agora com 2010, pioramos. Vamos comparar os números
de 2002 e 2014. Eu olhei hoje. A inflação em 2002 fechou em 12,5%. Muito alta.
A inflação neste ano vai fechar em 6,5%. Fica parecendo que piorou, mas não é
bem isso quando você abre a inflação. Serviços em 2002: 5,5%. Serviços hoje:
8,5%. Serviços é o componente mais duro da inflação. Sob o critério inflação de
serviços, 2002 é melhor. Impressionante. Não tinha nenhum atraso tarifário em
2002. Agora, há um enorme atraso tarifário. Apesar de a inflação em 2002 ser
mais alta, a sua composição era muito melhor. Superávit primário de 2002: 3% do
PIB. Neste ano: 0,8%. Déficit de transação correntes em 2002: 1,7% do PIB.
Neste ano, provavelmente 4%. Aparentemente, hoje a conta está mais alta. Se
levarmos em conta a inflação represada e a dificuldade para reduzi-la, porque
as expectativas estão muito contaminadas, podemos dizer que o desafio em
relação a inflação em primeiro de janeiro de 2015 será maior que o desafio em
janeiro de 2003. Em 2003 a inflação era alta, mas o câmbio estava super
desvalorizado. Coisa que agora não há. O câmbio desvalorizado apontava uma
inflação cadente.
Então 2015
será um ano difícil?
Samuel
Pessoa: Sim. Todo mundo sabe que será um ano difícil. O povo
já sabe.
O eleitor
percebe todos esses problemas?
Samuel
Pessoa: Demora. A situação de renda continua boa. A PME (Pesquisa Mensal
de Emprego) da semana passada mostrou que, na comparação ano a ano, a renda
ainda está crescendo 3%. É menos que antes, mas ainda é acima da produtividade
do trabalho. O PIB cresce 2% e a renda cresce 3%. O desemprego ainda está
baixo. Mas acho que há um desconforto. Eu li no jornal hoje que novos cálculo
da consultoria de Mário Veiga apontam que a probabilidade de racionamento de
energia mais profundo é de 46%. Se abril não for chuvoso, esse negócio piora.
Não parece que abril vai ser mais chuvoso. Esse é um assunto delicado. A
dificuldade do FHC para eleger o Serra esteve relacionada ao racionamento. O
racionamento abortou a possibilidade de crescimento. Se não tivesse tido
racionamento, talvez a economia estivesse bombando, houvesse recuperação da
renda e isso seria suficiente para eleger o Serra. A questão energética vai
pesar.
O senhor
espera uma disputa eleitoral acirrada?
Samuel
Pessoa: Essa é uma pergunta para consultor político. Eu acho
que vai ter segundo turno. Apesar de tanto Aécio quanto Eduardo Campos não
serem políticos conhecidos nacionalmente, são políticos profissionais. Aécio
está há mais de 30 anos na política. Por causa dessa experiência, a Dilma vai
ter dificuldades no debate no segundo turno.
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