quarta-feira, 25 de junho de 2014

O PIB dos companheiros (Pibinho) e o PIB dos economistas, e do mundo - Roberto Macedo

Por que um PIB bem maior?
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo, 20/06/2014

Este artigo é sobre algo que deveria ser óbvio, ao menos para economistas. Mas vi até uma conhecida economista menosprezando o crescimento do produto interno bruto (PIB), a professora Maria da Conceição Tavares.

Em artigo recente, A Era das Distopias, que pode ser encontrado pelo Google, ela disse: "Na verdade, se o PIB é 'pibinho' ou não, qual o problema? Vai ser 2%, 3% ou 4%? O problema é ter emprego. Para mim, os critérios clássicos são emprego, salário mínimo e ascensão social das bases. E também é sempre importante olhar os investimentos". Desta última frase não discordo. E numa entrevista ao jornal O Globo (14/3) também afirmou: "Ninguém come PIB, come alimentos".

Para aferir o grau de desenvolvimento econômico de um país o que conta é o PIB per capita, ou por habitante. O do Brasil deixa-nos no meio da corrida mundial por esse desenvolvimento, na qual se empenha a esmagadora maioria dos países.

Para prosseguir, tomarei dois países para mostrar diferenças de grandeza econômica, recorrendo a dados de 2012 do Banco Mundial (BM), os últimos disponíveis nessa fonte. O Brasil, que o BM classifica com de "renda média alta", mostrava então um PIB total de US$ 2,253 trilhões, e 198,7 milhões de habitantes, com o que seu PIB por habitante era de US$ 11.339. O Reino Unido (RU), que engloba Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, considerado pelo BM como de alta renda, tinha então um PIB total de US$ 2,476 trilhões, bem próximo do brasileiro, mas uma população de 63,6 milhões, ou cerca de um terço da nossa, e assim um PIB por habitante de US$ 38.931, perto de 3,5 vezes o do Brasil (!).

Não nos podemos conformar com essa diferença, e como o RU e outros ricos seguirão em frente, o Brasil precisa acelerar bastante o seu PIB para encurtá-la. Um PIB por habitante bem maior levaria os brasileiros a um padrão de vida médio bem superior ao atual. Sei de um economista brasileiro que viveu um ano no RU (Inglaterra) e relatou que lá, entre outros aspectos, as condições de educação, segurança e saúde eram muitíssimo melhores que as nossas. E não ficou só olhando. Embora estrangeiro, uma de suas filhas ingressou no ensino fundamental de uma excelente escola pública gratuita, em tempo integral. Para facilitar a adaptação da nova aluna à língua inglesa ela teve um professor para tutorá-la individualmente. Outra filha dele nasceu lá, num hospital do Serviço Nacional de Saúde do país, e por um mês houve várias visitas de enfermeiras à sua residência para examinar a criança e saber se vivia em boas condições. Na área da segurança ele ficou só olhando, mas sem a apreensão com que se vive no Brasil.

Com o PIB, a população e a carga tributária que o Brasil tem, não há como ele oferecer serviços públicos desse nível. Assim, predomina em vários círculos a visão de que faltam recursos para isto ou aquilo, o que poderia ser efetivamente melhorado se aumentadas as porcentagens da receita pública ou do PIB destinadas a este ou àquele serviço.

Por exemplo, o Congresso Nacional aprovou recentemente um Plano Nacional de Educação que tem como meta principal elevar o gasto público total em educação dos atuais 6% para 10% do PIB em dez anos. E há o Movimento Saúde + 10, que pressiona o Congresso a elevar o dispêndio do governo federal em saúde para um montante igual ou superior a 10% de suas receitas correntes brutas.

Com propostas desse tipo se vende a ilusão de que poderão resolver nossos problemas. Muitas vezes não se explicita de onde virá o dinheiro, mas o existente já está curto e há outros interessados a gritar "me dá (mais) um dinheiro aí", como empresários, juízes, professores, policiais, Estados e municípios. Na educação a aposta é no dinheiro que viria do pré-sal, que também não vejo suficiente, além depender de outra hipótese: a de que ele saia lá do fundo do fundo do mar e seja eficazmente utilizado.

O que ainda sustenta a reduzida expansão dos serviços públicos vem das taxinhas do PIB e do contínuo aumento da já enorme carga tributária que sobre ele incide. Em 2012 estava bem perto de 36% do PIB, o mesmo ocorrendo com a carga tributária do RU.

No Brasil, essa semelhança de carga tem levado a uma percepção enganosa. Ela é sintetizada na visão de um país imaginário que poderia ser chamado de Runganda, com carga tributária do RU e serviços públicos de Gana.

Ora, com um pouco de reflexão se percebe que, além do PIB, é indispensável levar em conta o tamanho da população dos países comparados. Ou seja, calcular quanto seus governos arrecadam por habitante e têm ao seu dispor para prover serviços públicos. Voltando aos números, como foi visto o Brasil e o RU têm PIBs totais de valor aproximado e sobre estes incidem cargas tributárias de porcentagem semelhante.

Mas, calculando essa carga de 36% sobre o PIB por habitante, em 2012 o setor público do RU contava com US$ 14.015 por habitante, enquanto o Brasil dispunha de apenas US$ 4.082. Em reais à taxa comercial de ontem, R$ 31.632 e R$ 9.213 respectivamente. Uma enorme diferença, que explica os melhores serviços públicos providos pelo RU.

Em conclusão, o povo brasileiro não come os números do PIB, mas come uma fatia dele em alimentação, recorre à do vestuário e faz uso dos serviços de saúde, educação e transporte - entre outras fatias.

Assim, há muito, muitíssimo que fazer pelo PIB brasileiro. Enquanto não crescer a taxas dignas das necessidades de seus habitantes o Brasil continuará nessa ilusória classe média alta, que só é alta quando se miram os países que estão lá muito abaixo do nosso, que ainda é bem pobre se comparado com os que permanecem por cima, como o RU. Estes são os que devemos mirar e correr mais rápido para alcançá-los, ou pelo menos para não ficarmos, como hoje, tão distantes deles.


ROBERTO MACEDO, ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.