Por que um PIB bem maior?
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo, 20/06/2014
Este artigo é sobre algo que deveria ser óbvio, ao menos para economistas. Mas vi até uma conhecida economista menosprezando o crescimento do produto interno bruto (PIB), a professora Maria da Conceição Tavares.
Em artigo recente, A Era das Distopias, que pode ser encontrado pelo Google, ela disse: "Na verdade, se o PIB é 'pibinho' ou não, qual o problema? Vai ser 2%, 3% ou 4%? O problema é ter emprego. Para mim, os critérios clássicos são emprego, salário mínimo e ascensão social das bases. E também é sempre importante olhar os investimentos". Desta última frase não discordo. E numa entrevista ao jornal O Globo (14/3) também afirmou: "Ninguém come PIB, come alimentos".
Para aferir o grau de desenvolvimento econômico de um país o que conta é o PIB per capita, ou por habitante. O do Brasil deixa-nos no meio da corrida mundial por esse desenvolvimento, na qual se empenha a esmagadora maioria dos países.
Para prosseguir, tomarei dois países para mostrar diferenças de grandeza econômica, recorrendo a dados de 2012 do Banco Mundial (BM), os últimos disponíveis nessa fonte. O Brasil, que o BM classifica com de "renda média alta", mostrava então um PIB total de US$ 2,253 trilhões, e 198,7 milhões de habitantes, com o que seu PIB por habitante era de US$ 11.339. O Reino Unido (RU), que engloba Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, considerado pelo BM como de alta renda, tinha então um PIB total de US$ 2,476 trilhões, bem próximo do brasileiro, mas uma população de 63,6 milhões, ou cerca de um terço da nossa, e assim um PIB por habitante de US$ 38.931, perto de 3,5 vezes o do Brasil (!).
Não nos podemos conformar com essa diferença, e como o RU e outros ricos seguirão em frente, o Brasil precisa acelerar bastante o seu PIB para encurtá-la. Um PIB por habitante bem maior levaria os brasileiros a um padrão de vida médio bem superior ao atual. Sei de um economista brasileiro que viveu um ano no RU (Inglaterra) e relatou que lá, entre outros aspectos, as condições de educação, segurança e saúde eram muitíssimo melhores que as nossas. E não ficou só olhando. Embora estrangeiro, uma de suas filhas ingressou no ensino fundamental de uma excelente escola pública gratuita, em tempo integral. Para facilitar a adaptação da nova aluna à língua inglesa ela teve um professor para tutorá-la individualmente. Outra filha dele nasceu lá, num hospital do Serviço Nacional de Saúde do país, e por um mês houve várias visitas de enfermeiras à sua residência para examinar a criança e saber se vivia em boas condições. Na área da segurança ele ficou só olhando, mas sem a apreensão com que se vive no Brasil.
Com o PIB, a população e a carga tributária que o Brasil tem, não há como ele oferecer serviços públicos desse nível. Assim, predomina em vários círculos a visão de que faltam recursos para isto ou aquilo, o que poderia ser efetivamente melhorado se aumentadas as porcentagens da receita pública ou do PIB destinadas a este ou àquele serviço.
Por exemplo, o Congresso Nacional aprovou recentemente um Plano Nacional de Educação que tem como meta principal elevar o gasto público total em educação dos atuais 6% para 10% do PIB em dez anos. E há o Movimento Saúde + 10, que pressiona o Congresso a elevar o dispêndio do governo federal em saúde para um montante igual ou superior a 10% de suas receitas correntes brutas.
Com propostas desse tipo se vende a ilusão de que poderão resolver nossos problemas. Muitas vezes não se explicita de onde virá o dinheiro, mas o existente já está curto e há outros interessados a gritar "me dá (mais) um dinheiro aí", como empresários, juízes, professores, policiais, Estados e municípios. Na educação a aposta é no dinheiro que viria do pré-sal, que também não vejo suficiente, além depender de outra hipótese: a de que ele saia lá do fundo do fundo do mar e seja eficazmente utilizado.
O que ainda sustenta a reduzida expansão dos serviços públicos vem das taxinhas do PIB e do contínuo aumento da já enorme carga tributária que sobre ele incide. Em 2012 estava bem perto de 36% do PIB, o mesmo ocorrendo com a carga tributária do RU.
No Brasil, essa semelhança de carga tem levado a uma percepção enganosa. Ela é sintetizada na visão de um país imaginário que poderia ser chamado de Runganda, com carga tributária do RU e serviços públicos de Gana.
Ora, com um pouco de reflexão se percebe que, além do PIB, é indispensável levar em conta o tamanho da população dos países comparados. Ou seja, calcular quanto seus governos arrecadam por habitante e têm ao seu dispor para prover serviços públicos. Voltando aos números, como foi visto o Brasil e o RU têm PIBs totais de valor aproximado e sobre estes incidem cargas tributárias de porcentagem semelhante.
Mas, calculando essa carga de 36% sobre o PIB por habitante, em 2012 o setor público do RU contava com US$ 14.015 por habitante, enquanto o Brasil dispunha de apenas US$ 4.082. Em reais à taxa comercial de ontem, R$ 31.632 e R$ 9.213 respectivamente. Uma enorme diferença, que explica os melhores serviços públicos providos pelo RU.
Em conclusão, o povo brasileiro não come os números do PIB, mas come uma fatia dele em alimentação, recorre à do vestuário e faz uso dos serviços de saúde, educação e transporte - entre outras fatias.
Assim, há muito, muitíssimo que fazer pelo PIB brasileiro. Enquanto não crescer a taxas dignas das necessidades de seus habitantes o Brasil continuará nessa ilusória classe média alta, que só é alta quando se miram os países que estão lá muito abaixo do nosso, que ainda é bem pobre se comparado com os que permanecem por cima, como o RU. Estes são os que devemos mirar e correr mais rápido para alcançá-los, ou pelo menos para não ficarmos, como hoje, tão distantes deles.
ROBERTO MACEDO, ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
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