Brasil afunda num mar de rosas
artigo para o Blog do Noblat, 8/09/2014
Raul Velloso
São várias as inconsistências no modelo econômico perseguido pelo atual governo. Os resultados desastrosos obtidos até agora legam um enorme desafio para a administração que se iniciará em 2015, seja qual for.
De acordo com as pesquisas, o eleitor parece já ter percebido que há muitos problemas por corrigir. Torçamos, então, que os candidatos da oposição estejam preparados para enfrentá-los.
A principal inconsistência está em estimular forte e seguidamente o consumo e achar que tudo o mais se resolve como uma decorrência natural, especialmente o crescimento dos investimentos e da produção industrial.
Estimular o consumo interno além da conta é o mesmo que penalizar a poupança. Assim, quanto mais rápido for o crescimento que se deseja, mais o país dependerá de poupança de fora para financiar suas necessidades de investimento.
O mundo tem favorecido como nunca a absorção de poupança por países como o Brasil. Só que a única maneira de o ingresso de poupança materializar-se é via financiamento de déficits externos equivalentes.
Para esses déficits ocorrerem, a taxa de câmbio tende a diminuir, fazendo com que os setores que comercializam com o exterior, notadamente a indústria, importem mais em detrimento da produção local. Para júbilo governamental, os salários da indústria tendem simultaneamente a crescer, só que acima da produtividade, inviabilizando os negócios.
Para entender isso melhor, é só pensar na China, que tem o modelo oposto. Lá se poupa muito e ele é voltado para atender ao consumo de produtos industrializados dos demais países. Investe-se muito nesses setores e se exportam grandes volumes de capitais e produtos, estes a preços cada vez menores.
A exemplo da Austrália, exportamos commodities agrícolas e minerais para os asiáticos e importamos produtos industriais deles. O que não se pode é achar que, nesse quadro, a indústria será forte um dia em nosso país, a não ser por exceção, como no caso da Embraer.
Quando o governo diz que fortalecer a indústria é um de seus principais objetivos deixa dúvidas no ar. Ou parece não entender do assunto, o que é pior. Acaba intervindo na economia para tentar compensar os segmentos prejudicados, com medidas que são vistas pelos industriais como não sustentáveis, e estas, além de custar caro, não produzem os efeitos desejados.
A queda, desde 2008, na razão entre investimento e PIB, na produção industrial e no próprio crescimento do PIB estão aí para confirmar isso. O governo culpa o cenário externo adverso, pura conversa fiada, como demonstrou Alexandre Schwartsman na Folha de SP de 13/08/14. O crescimento médio da produção industrial mundial passou a ficar maior do que no Brasil já há algum tempo.
O segundo grande eixo da inconsistência governamental é o populismo tarifário, prática em que estamos perfeitamente alinhados com a Argentina (veja “www.raulvelloso.com.br”).
Para agradar os eleitores, estimular o consumo e ajudar a indústria, o governo tenta jogar para baixo, na marra, preços críticos da economia, como os pedágios, as tarifas urbanas, e os preços de eletricidade e petróleo, despejando uma ducha de água fria sobre aqueles que deveriam ser cortejados – os investidores privados.
As contas decorrentes dessas práticas lamentáveis são gigantescas, e estão sendo empurradas para o próximo mandato, sem aviso à população. Em energia elétrica, por exemplo, é da ordem de R$ 50 bilhões, o que equivale a dois anos de gasto com o Bolsa-Família. Um escândalo!
Outra grande inconsistência está no principal motor do modelo, os gastos correntes, especialmente com gigantescas transferências previdenciárias e assistenciais, que crescem a mil por hora e vão “engolir” o PIB em breve.
Para viabilizá-los, a carga tributária tem de crescer sempre e os investimentos em infraestrutura cair, o que suga o sangue das veias da economia, especialmente da indústria, menos competitiva, e tem óbvios limites.
E como o DNA do governo é estatal e anti-qualquer-lucro, parece que estimula os investimentos privados em infraestrutura, mas na prática os penaliza. Anuncia que fez isso e aquilo, mas de fato pouco acontece. Ao final, ninguém cobra nada, como no caso da segunda rodada de concessões rodoviárias, de 2007/08, que, segundo matéria na mídia há alguns dias, continuam travadas.
Qualquer coisa que relembre racionamento de energia é proibida no vocabulário governamental, pois foi criticando a gestão FHC nesse e noutros aspectos que o atual governo chegou ao poder.
Só que a oferta de energia – onde o governo interfere de A a Z – não cresce conforme o governo determina, por incompetência, escassez de recursos e por desestimular os investidores privados sérios.
A seca deste ano, que se encaixa na normalidade climática, acaba sendo usada como bode expiatório. Enquanto isso, estimulado pela redução tarifária extemporânea sob a MP 579 e pelo adiamento da inclusão dos custos atuais na conta de luz, o consumidor residencial mantém seus hábitos de consumo de energia como se estivéssemos num mar de rosas.
Raul Velloso, economista, é o novo colaborador do blog. Escreverá aqui uma vez por mês
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.