A reconstrução do Brasil, com a ajuda da globalização
Paulo Roberto de Almeida
Tenho em mãos este
livro: José Fucs, A Reconstrução do
Brasil: os grandes desafios do País para alcançar o desenvolvimento
sustentável, a estabilidade política e o bem-estar social (São Paulo: O
Estado de S. Paulo, 2017, 149 p.), que foi elaborado a partir das muitas
reportagens feitas pelo repórter especial do Estadão entre setembro de 2016 e
janeiro deste ano, às quais foram acrescidos alguns editoriais do jornal,
feitos justamente a propósito de temas especiais levantados nas matérias sobre
inúmeros problemas do Brasil nesta fase de transição para uma nova situação que
ainda não sabemos exatamente do que será feita. Partimos da suposição de que
esse futuro será melhor do que a atual fase de crise econômica, política,
social (e profundamente moral), na verdade a maior recessão já enfrentada pelo
Brasil em toda a sua história econômica, um legado maldito do governo
companheiro anterior.
Como é meu hábito, e
vício profissional enquanto diplomata, busquei no livro quais seriam os
problemas detectáveis neste série de reportagens que teriam origem no cenário
internacional ou que poderiam ser atribuídos a questões externas ao Brasil.
Para minha frustração, não encontro nenhum: simplesmente não existem, nos
diversos problemas focados por José Fucs, com base em pesquisas extensas,
leituras intensas e conversas com especialistas em cada uma das áreas
selecionada, qualquer um que possa ser vinculado a algum obstáculo
internacional, a alguma característica negativa do sistema de comércio mundial,
alguma defecção de investidores estrangeiros, sabotagem dos centros
financeiros, má vontade de organismos internacionais; simplesmente não consigo
detectar qualquer restrição externa ao Brasil enquanto economia emergente. Na
verdade, existe sim, uma questão, que é a da questão da abertura comercial
(objeto de um editorial do jornal publicado em 8/12/2016, com base numa das
matérias feitas por Fucs), mas que não constitui de fato um problema, e sim trata-se
de uma solução, ou seja, é algo que o Brasil precisa fazer em seu próprio
benefício, não para fazer favor a qualquer exportador externo, ou atender a
acordos comerciais.
Todos os demais
problemas detectados, e objeto de uma quinzena de capítulos, segundo as matérias
publicadas, são problemas perfeitamente brasileiros, totalmente construídos no
Brasil, inteiramente made in Brazil,
a 150%, se ouso dizer. Listo aqui, pela ordem: a reforma das reformas (a tal de
Constituição cidadã, que é propriamente esquizofrênica do ponto de vista
econômico), o ajuste fiscal, a batalha contra os privilégios, o rombo recorde
da Previdência, a flexibilização do trabalho (parcialmente empreendida
recentemente), a luta contra a burocracia, o cerco à roubalheira, o peso
colossal dos tributos, um ambiente mais amigável para os negócios, o peso
absurdo do protecionismo comercial (incorporado sob o conceito de “renascimento
na arena global”, e que foi justamente objeto do editorial mencionado acima), o
desmonte do Leviatã, os desafios da retomada do crescimento, a descentralização
do poder e a modernização dos sindicatos (uma tarefa que eu mesmo julgo
impossível, pois eles se converteram em “máquinas de extração de dinheiro” e em
obstrutores das reformas).
Segundo depreendo do
conjunto das matérias preparadas e muito bem editadas por José Fucs, a
totalidade dos problemas e a integralidade das reformas necessárias são devidas
única e exclusivamente a nós mesmos, erros, equívocos, deformações de nossas
políticas públicas e de funcionamento das instituições, questões que cabem
apenas ao Brasil e aos brasileiros resolver, para superar o atual quadro
pavoroso feito de milhões de desempregados, o crescimento medíocre ou
inexistente, as desigualdades sociais e regionais persistentes e a infraestrutura
deficiente. O mundo, a globalização, o sistema internacional, como constatado
pela experiência de crescimento de países emergentes, na própria região e
especialmente na Ásia Pacífico, são absolutamente favoráveis à retomada de um
processo sustentado (e sustentável) de crescimento no Brasil. Sob qualquer critério
que se examine, cabe reconhecer uma massa colossal de liquidez ávida de aplicação,
sob a forma de investimentos diretos ou de capitais de empréstimos, a permanência
de um protecionismo comercial setorial ou limitado ((com a possível exceção da área
agrícola), um ambiente cada vez mais favorável à interdependência entre
economias abertas e propensas a aceitar os novos requerimentos dos intercâmbios
globais (que não se limitam a tarifas ou acesso a mercados, mas passam por
regras e padrões em serviços, propriedade intelectual e normas relativas a
investimentos e fluxos de capitais). O mundo, enfim, está aberto a quem é
aberto e participante, o que talvez não seja o caso atual do Brasil.
A recente decisão tomada
pelo governo Temer, no sentido de solicitar adesão (ou acessão) à OCDE, pode
ajudar nesse processo de reformas e retomada do processo de crescimento, desde
que o Brasil não adote, como antes no caso do Mercosul, uma atitude defensiva,
restritiva ou de abertura limitada. Se TODAS as medidas dependem mesmo do Brasil,
cabe ler este livro, ou reler as matérias publicadas, estabelecer uma lista de
reformas, e começar a empreender a difícil tarefa de converter o Brasil num
país normal, o que ele absolutamente não é, atualmente. Devemos ser gratos a
José Fucs por ter começado essa missão, pela listagem absolutamente clara dos
problemas: ele já deu a sua contribuição. Cabe a nós, agora, isto é, a cidadania
ativa, para não mencionar os altos responsáveis governamentais, empreender a
tarefa de empreender o dever de casa, conscienciosamente. Allons enfants...
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 20 de setembro de 2017
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