quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Cesse tudo o que a musa antiga canta...: lancamento do livro de Ricupero em Brasilia anulado

Que Camões me perdõe o uso, talvez indevido, dessa estrofe dos Lusíadas, mas creio que esse abuso se justifica. Explico e ilustro, a partir do anúncio de lançamento deste livro:

O embaixador Rubens Ricupero, que iria lançar em Brasília (dias 9 e 10 de outubro) o seu livro – A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017, 780 p.) – teve de postergar, ou anular, sua viagem à capital por motivos de força maior (literalmente...).
O programa de lançamento era intenso, como revelado nesta minha postagem de alguns dias atrás: 
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/ricupero-livro-diplomacia-na-construcao.html 
 
O último capítulo do livro, antes do Posfácio (datado de 27 de julho de 2017), termina da seguinte maneira: 

Ao alcançar este meu Cabo da Boa Esperança, certamente me enganei em julgar terminado o livro, da mesma forma que se equivocou Diogo Cão, a tomar a foz do rio Zaire pelo fim da África. Ergueu mesmo assim seu marco, deixou outro corrigir-lhe o erro e seguiu avante, dizendo: 

"A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus".

No caso do lançamento, eu nunca me tomei por Deus – impossível, até mesmo por ser um irreligioso igualmente imperfeito – mas o "por-fazer" era comigo mesmo, com marco ou sem marco, no caso, todos eles virtuais, nesta fase.
Havia até preparado o painel: 

e o banner de lançamento do livro no Itamaraty:


Outros lançamentos estavam previstos, como na UnB: 
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/rubens-ricupero-e-construcao-do-brasil.html
O Centro de Estudos sobre as Relações Internacionais do Brasil Contemporâneo
<https://mailtrack.io/trace/link/645b08bb1a6eefabc8a730336c0451d65a92e810?url=https%3A%2F%2Fsites.google.com%2Fview%2Fribrasil&userId=949769&signature=e988d976afc773a1>,
laboratório do programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da
Universidade de Brasília, convida para a Mesa Redonda “A diplomacia na
construção do Brasil – 1750 – 2016”, a propósito do lançamento do livro de
autoria do Embaixador Rubens Ricupero. O evento terá lugar no dia 10 de
outubro de 2017, as partir das 17:30h, como se vê no Programa abaixo.
*PROGRAMA*
*14h 30 min – Abertura*

- Prof. José Flávio Sombra Saraiva, diretor do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília

*14h 40 min – Mesa Redonda*

- Embaixador Rubens Ricupero – A diplomacia na construção do Brasil
(1750 – 2016)
- Prof. Estevão Chaves de Rezende Martins, professor titular do
Departamento de História da Universidade de Brasília – Debatedor
- Ministro Paulo Roberto de Almeida, diretor do Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (Ministério das
Relações Exteriores).

*Moderador*
- Prof. Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília.

*Sessão de autógrafos do livro A diplomacia na construção do Brasil (1750 –
2016)*
O evento terá lugar no Auditório do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (Campus Universitário Darcy Ribeiro – Asa Norte –
Brasília – DF), no dia 10/10/2017, das 14h 30 min às 16h 40 min.

e na CNI: 

http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/cni-convida-para-o-lancamento-do-livro.html

Tudo cancelado, até nova oportunidade. Para os que não sabem, exatamente, porque os eventos foram cancelados, creio que estas duas postagens são suficientes: 



Para não frustrar aqueles desejosos de conhecer o livro, transcrevo abaixo uma pequena resenha que elaborei em intenção da imprensa periódica: 



Construindo a nação pelos seus diplomatas: o paradigma Ricupero

Paulo Roberto de Almeida

Em meados do século XX, os candidatos à carreira diplomática tinham uma única obra para estudar a política externa brasileira: a de Pandiá Calógeras, publicada em torno de 1930, equivocadamente intitulada A Política Exterior do Império, quando partia, na verdade, da Idade Média portuguesa e chegava apenas até a queda de Rosas, em 1852. Trinta anos depois, os candidatos passaram a se preparar pelo livro de Carlos Delgado de Carvalho, História Diplomática do Brasil, publicado uma única vez em 1959 e durante muitos anos desaparecido das livrarias e bibliotecas. No início dos anos 1990, passou a ocupar o seu lugar o livro História da Política Exterior do Brasil, da dupla Amado Cervo e Clodoaldo Bueno. Finalmente, a partir de agora uma nova obra já nasce clássica: A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017, 780 p.), do embaixador Rubens Ricupero, ministro da Fazendo quando da introdução do Real, diretor-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento nos anos 1990, atualmente aposentado.
O imenso trabalho não é uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e uma reflexão sobre seu processo de desenvolvimento tal como influenciado, e em vários episódios determinado, por diplomatas que se confundem com estadistas, aliás desde antes da independência, uma vez que a obra parte da Restauração (1680), ainda antes primeira configuração da futura nação por um diplomata brasileiro a serviço do rei português: Alexandre de Gusmão, principal negociador do Tratado de Madri (1750). Desde então, diplomatas nunca deixaram de figurar entre os pais fundadores do país independente, entre os construtores do Estado, entre os defensores dos interesses no entorno regional, como o Visconde do Rio Branco, e entre os definidores de suas fronteiras atuais, como o seu filho, o Barão, já objeto de obras anteriores de Ricupero.
O Barão do Rio Branco, aliás, é um dos poucos brasileiros a ter figurado em cédulas de quase todos os regimes monetários do Brasil, e um dos raros diplomatas do mundo a se tornar herói nacional ainda em vida. Ricupero conhece como poucos outros diplomatas, historiadores ou pesquisadores acadêmicos a história diplomática do Brasil, as relações regionais e o contexto internacional do mundo ocidental desde o início da era moderna, professor que foi, durante anos, no Instituto Rio Branco e no curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Formou gerações de diplomatas e de candidatos à carreira, assim como assessorou ministros e presidentes desde o início dos anos 1960, quando foi o orador de sua turma, na presidência Jânio Quadros.
Uma simples mirada pelo sumário da obra confirma a amplitude da análise: são dezenas de capítulos, vários com múltiplas seções, em onze grandes partes ordenadas cronologicamente, de 1680 a 2016, mais uma introdução e uma décima-segunda parte sobre a diplomacia brasileira em perspectiva histórica. Um posfácio, atualíssimo, vem datado de 26 de julho de 2017, no qual ele confessa que escrever o livro foi “quase um exame de consciência... que recolhe experiências e reflexões de uma existência” (p. 744). Ricupero concluiu o texto principal pouco depois do impeachment da presidente que produziu a maior recessão da história do Brasil, e o fecho definitivo quando uma nova crise “ameaça engolir” o seu sucessor. O núcleo central da obra é composto por uma análise, profundamente embasada no conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a construção da nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que serviram ao Estado nessa vertente da mais importante política pública cujo itinerário – à diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode ser considerado como plenamente exitoso.
A diplomacia brasileira começou por ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e a ruptura entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a base da política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência existe uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), conceito que veio a ser retomado numa fase recente da política externa, mas que Ricupero demonstra existir embebido na boa política exterior do Império. A construção dos valores da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no Direito como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio Branco em sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época. Vem também do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia estar focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). Esse contato persistente, constante, apaixonante pela história, constitui, aliás, um traço que Ricupero partilha com o Barão, o seu modelo de diplomata exemplar, objeto de uma fotobiografia que ele compôs com seu antigo chefe, o embaixador João Hermes Pereira de Araujo, com quem ele construiu o Pacto Amazônico, completando assim o arco da cooperação regional sul-americana iniciada por Rio Branco setenta anos antes.
O livro não é, como já se disse, uma simples história diplomática, mas sim um grande panorama de mais de três séculos da história brasileira, uma vez que nele, como diz Ricupero, “tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo” (p. 738-9). O paradigma diplomático já foi oferecido nesta obra; falta construir o da nação.

[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de setembro de 2017]


Don't panikiert, os que desejam comprar o livro. Podem fazê-lo nas boas livrarias ou encomendá-lo diretamente à editora, como abaixo: 
 http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/ricupero-livro-diplomacia-na-construcao.html

Bem, por enquanto, ficamos assim: 

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram:
Que eu canto o peito ilustre lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram!
Cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro valor maior alto se alevanta!


Luis de Camões, Os Lusíadas, Canto I, estrofe 3

Pela transcrição: 
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de setembro de 2017
 
 


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.