Contra militares, Bolsonaro tenta pôr fim à Era Geisel na política externa
Tales Faria
Blog, 8/03/2019
O presidente Jair Bolsonaro recebeu nesta sexta-feira (8) o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para discutir acordos e parcerias a serem assinados durante suas próximas viagens internacionais.
Neste mês de março ele irá aos EUA, ao Chile e a Israel.
No início da noite de quinta-feira, em sua primeira live no Facebook depois de assumir o cargo no Palácio do Planalto, Bolsonaro anunciou as viagens. A escolha dos países não foi feita ao acaso. Marca o interesse do presidente em uma mudança drástica na política externa brasileira.
A live foi postada para explicar a polêmica declaração, poucas horas antes, segundo a qual democracia e liberdade só existem quando as Forças Armadas assim o querem.
No mesmo trecho em que tratou da, digamos, questão democrática, Bolsonaro falou de sua visão para a política externa:
"A (…) missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia e a liberdade".
Curiosamente, essa ideologização da política externa pretendida pelo capitão da reserva Jair Bolsonaro, se ocorrer, será uma pá de cal na grande virada no Itamaraty promovida pelo regime militar. Mais especificamente, entre 1974 e 1979, pelo ex-presidente Ernesto Geisel e seu chanceler, Azeredo da Silveira, nome até hoje cultuado entre os diplomatas.
Geisel e Azeredo estabeleceram uma política externa pragmática com atos de grande alcance, como o acordo nuclear com a Alemanha, rompendo uma parceria comercial com a norte-americana Westhinghouse.
Em contraposição à menor interação com os Estados Unidos, o Brasil estreitou laços com a Europa, especialmente Inglaterra e França, com a Ásia e com os países árabes. Votou pela concessão à OLP (Organização para Libertação da Palestina) do status de observador na ONU (Organização da Nações Unidas). Rompeu com Taiwan para estabelecer relações diplomáticas com a socialista República Popular da China. Reconheceu ainda o então governo marxista de Angola, que tinha fortes ligações militares com cubanos e russos.
Tudo voltado por interesses comerciais. O acordo nuclear com a Alemanha veio após os EUA imporem restrições de transferência tecnológica ao Brasil. A questão das transferências de tecnologia impulsionou a aproximação com todos os países europeus. E também porque para lá é que estava indo boa parte do capital do mundo árabe. Os investimentos europeus no Brasil quadruplicaram no período.
A aproximação com os árabes foi quase obrigatória diante da crise mundial do petróleo. Resultou também num grande incremento, até hoje, das exportações de manufaturados do Brasil para a região e para a África. A China se tornou nosso segundo maior parceiro comercial.
Enfim, o Brasil de Geisel e Azeredo da Silveira se abriu para o mundo com uma política externa marcada por forte pragmatismo econômico e desideologização.
Praticamente veio até os dias de hoje, com apoio da alta cúpula militar do país.
Bolsonaro propõe uma mudança radical de rumo que terá impacto não só na sua relação com os militares (vide desentendimentos em relação à Venezuela) como na área econômica. Não se sabe ainda como reagirão, por exemplo, os países árabes sobre a escolha preferencial por Israel. Nem o que fará a China, com investimentos gigantescos planejados para o Brasil.
Os generais e o ministro da Economia, Paulo Guedes, estão apreensivos.
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