Pela primeira vez que posto os artigos de meu amigo Marcos Jank sou obrigado a discordar dele.
Mesmo que o agronegócio seja de fato moderno, ele é, continua sendo, e ainda será por algum tempo tão protecionista quanto são os industriais, construtores, empresários e acadêmicos em geral, ou seja, mais da metade da população brasileira.
Eles vão alegar que estão sobretaxados, o que acontece com todo mundo.
Mas são sim protecionistas, como todo mundo.
A abertura beneficiaria todo mundo, inclusive o agronegócio, e faria tido mundo se bater pela redução da carga fiscal.
Paulo Roberto de Almeida
A falsa batalha entre Guedes e Agricultura
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 02/03/2019
Marcos Sawaya Jank (*)
Foi espantoso ler a reportagem do Valor(19/2) intitulada “Bancada ruralista opõe-se a agenda liberal de Paulo Guedes”. Alguns dias antes, a revista Veja mostrava a fotografia dos ministros da Economia e da Agricultura com o título “O início da batalha”.
As duas reportagens nos levam à falsa conclusão de que o setor mais internacionalizado e competitivo da economia brasileira estaria se revelando o mais apegado ao protecionismo tarifário e aos subsídios. Mas felizmente não é bem assim, e acredito que o problema em questão é mais de forma do que de direção.
Paulo Guedes acerta em cheio ao propor uma agenda liberal para o país, que prevê a abertura da economia e o desmame dos subsídios. Tratei desse tema na coluna anterior, sugerindo que o governo avance na abertura da economia de forma progressiva, mas inexorável, buscando compensações de nossos parceiros comerciais e propondo ajustes aos setores menos competitivos. Recebi muitas mensagens de lideranças do agronegócio dizendo que é esse o melhor caminho a ser seguido, e não o do protecionismo e do isolamento.
Foi assim que os países mais desenvolvidos do planeta agiram nos últimos 60 anos, alguns de forma unilateral, outros estimulados por acordos comerciais. E, no geral, os que abriram as suas economias conseguiram depois negociar acordos com outros países. Já os países que ainda se penduram no protecionismo tarifário, que não assinaram acordos e que não fizeram reformas domésticas são, não por acaso, os menos desenvolvidos.
Nos anos 1990, reduzimos as tarifas de forma unilateral e eliminamos intervenções absurdas como os controles de preços, comércio e estoques públicos na agricultura. A produtividade do setor explodiu, e conseguimos nos posicionar entre os maiores e mais eficientes exportadores do mundo.
Se bem executado, um novo ciclo de abertura poderia trazer grandes benefícios para a agricultura: maior acesso aos mercados no exterior, menores custos de insumos e máquinas agrícolas (ainda protegidos por altas tarifas), acordos de proteção de investimentos, convergência regulatória etc.
No caso da política agrícola brasileira, é bem verdade que nos posicionamos entre os países que menos subsidiam no mundo. Mas as pessoas sensatas sabem que o atual modelo de política agrícola se esgotou e que sua reforma é urgente e necessária.
Precisamos nos libertar da dependência do crédito rural subsidiado, de tabelamentos e subsídios de fretes, de assentamentos rurais desnecessários e da ideia anacrônica da taxar exportações. Em vez disso, precisamos de mecanismos modernos de seguro rural (mais efetivos que crédito rural), de uma reforma profunda do modelo de defesa sanitária, de um sistema de patentes que permita um novo ciclo de inovações, de negociações para melhorar o acesso aos mercados e de um programa robusto de presença e comunicação no exterior.
O agro moderno é aliado, e não adversário, na agenda de Paulo Guedes em favor da abertura econômica, integração internacional e reformas domésticas. E Guedes precisa de aliados, principalmente no Congresso. Os mais óbvios são os setores exportadores do agro, que buscam aberturas recíprocas e regras estáveis. Mas mesmo os setores menos competitivos poderiam aceitar a mudança se contassem com políticas que promovessem especialização, produtividade e qualidade.
Partindo da premissa de que a abertura econômica vai acontecer, o que exige reformas domésticas, creio que é possível reunir governo, setor privado e especialistas para apontar caminhos e implementar as mudanças necessárias. A oportunidade é única, e o tempo voa.
(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
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