Mini-reflexão sobre o declínio moral do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Objetivo: constatações sobre o declínio brasileiro; finalidade: aprofundar o diagnóstico]
Quando, em determinados países, supremos mandatários não cumprem requisitos mínimos de moralidade e impessoalidade no cargo, a cidadania tem o direito de escorraçá-los do poder.
Esta é a base da Declaração da independência americana: as treze colônias decretaram sua separação da coroa britânica basicamente por abuso de poder. Cansaram-se do dirigente e lhe disseram adeus, tendo de pegar em armas para assegurar esse direito.
E quando é a própria cidadania que não cumpre esses requisitos mínimos de respeito à moralidade pública?
O que fazer?
Isso tem a ver, também, com o coração do regime democrático. A legitimidade da governança.
Não é possível “aposentar” um povo, ou pelo menos metade dele, simplesmente porque apoia a imoralidade no cargo.
Nos EUA, Donald Trump não chegou a isso, mas teve a seu favor quase a metade da população, ainda que nem todos concordassem com ele: ali foi um caso extremo de sectarismo partidário, que se aproximou da miopia política, ou da tolerância com a desfaçatez e a falcatrua.
No Brasil, o capitão tem muito menos do que isso, e acredito mesmo que se trata apenas de uma minoria — maximizada artificialmente pelas redes sociais — que o segue na sua imoralidade, por fanatismo, por desinformação ou talvez mesmo por tolerância com o crime, não considerando a questão mais problemática da intolerância com a esquerda em geral, com a esquerda corrupta em especial, que foi, digamos, circunstancial. Existem governos de esquerda, ou social democráticos, que conseguem ser razoavelmente morais: talvez o Uruguai, a Nova Zelândia, a Suécia. Não foi o caso no Brasil.
Mas, no caso do Brasil, o problema é que a imoralidade e a conivência com o crime estão presentes nos círculos do poder, nos estratos dirigentes, nas classes dominantes, entre integrantes da corporação que deveria justamente zelar pela justiça, inclusive entre cidadãos perfeitamente de direita, ou conservadores, já que a esquerda se revelou basicamente corrupta. Existem exceções nesse leque, mas são trânsfugas, uma minoria, poucos altamente vocais.
Quando isso ocorre, não parece haver qualquer perspectiva de solução razoável aos grandes problemas do Brasil no horizonte de uma geração, isto se a imoralidade e a corrupção se revelarem passageiras, digamos uma fase transitória em nosso longo, demorado e penoso itinerário para a democracia cidadã (universal, não restrita como na Grécia antiga, ou segregada, como em grande parte da história dos EUA, supostamente a maior democracia do mundo).
É o que parece estar ocorrendo atualmente no Brasil: uma democracia restrita, de baixíssima qualidade, com corrupção e imoralidade dominantes, se não crescentes.
Confesso meu desalento. Não esperava que nossas supostas elites dirigentes fossem tão inconscientes, tão corruptas, tão dispostas a se venderem ao pior demagogo no poder.
A tragédia é ainda pior por se tratar da personalidade mais medíocre e perversa conhecida em toda a história do Brasil.
Como fomos descer tão baixo na escala civilizatória?
Considero que a dissidência, o direito de divergir, a recusa de determinadas decisões “legais” (mas ilegítimas em sua essência) estejam no cerne de um regime democrático. A rebeldia, mesmo isolada, é um direito do cidadão, desde que não atentatória às instituições que garantem o essencial da funcionalidade de um Estado normal.
Mas não tenho certeza de que o Brasil constitua ainda, se é que algum dia o foi, um “Estado normal”. No Império, apesar do parlamentarismo de fachada — que considero um regime político superior ao presidencialista — nunca foi um Estado normal: era apenas uma aristocracia escravocrata, que ainda não acabou em espírito, se é que o fez na prática.
Vou usar desse meu direito para declarar-me em ruptura não apenas com o governo atual do Brasil, mas também com seus estratos dirigentes, ou quase todos eles: políticos, membros das altas esferas do Judiciário, corporações do Estado, civis e militares, “classes produtoras” (como se dizia antigamente, mas elas só incluíam os patrões, não os trabalhadores), enfim, todos aqueles que detêm uma parcela mínima de poder, e que se mostram indiferentes ao imenso teatro de imoralidades que flui dos mais altos círculos do poder.
Se a condição oficial de dissidente comprovado não me é reconhecida, resta-me ser um apátrida virtual em meu próprio país.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3797, 22 de novembro de 2020
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