quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Chile: 11 de setembro de 1973, o golpe mais sangrento da AL: depoimento de Mauricio David

Recebo, de meu amigo Maurício David, este depoimento histórico sobre os acontecimentos trágicos desse dia em que o Chile também entrou em ditadura, uma das mais violentas da América Latina. Perto dela, os nossos militares foram professores de colégio, embora também tenham ocorrido episódios terríveis. Eu já tinha saído do Brasil, desde o final de 1970, ao perceber que a coisa estava ficando mais preta do que o imaginado. Estava na Bélgica, estudando (e militando contra a ditadura brasileira, e logo em seguida contra chilena, também).
Maurício e Beatriz estão muito bem: estivemos juntos em Paris, no ano passado, quando eu estava morando lá, com Carmen Lícia, dando aulas na Sorbonne.
Segue o seu depoimento.
Paulo Roberto de Almeida

Depoimento de Maurício David sobre o golpe no Chile, em 1973
(Recebido em 11 de setembro de 2013)

Recordo como se fosse hoje : a manhã daquele 11 de setembro nasceu cinzenta, como solem ser os céus de Santigo de Chile no mês de setembro. Por volta das sete da manhã, tocou o telefone : atenção, sinais de movimentos de tropas nos arrabaldes de Santiago, rumores de que o importante regimento de Los Andes (na pré-fronteira com a Argentina, a inimiga tradicional do Chile) estaria em marcha rumo a Santiago, rumores também de que a Armada havia se levantado em Valparaíso, principal base naval do país. O improvisado sistema de alerta do governo dava sinais de inquietação, mas de fato ninguém sabia de nada. Rumores deste tipo ocorriam a cada dia ou noite, nas últimas semanas...

Ainda sonolento, pulei da cama depois de mais uma noite passada em claro, montando guarda nas "oficinas" ( escritórios centrais) da CORFO, a Corporacción de Fomento de la Producción, uma espécie de BNDES chilena fundada ainda nos tempos do governo de Pedro Aguirre Cerda, o presidente eleito pela Frente Popular em 1938. Como funcionário da CORFO e membro do comando político dos trabalhadores da empresa, era rara a noite em que havia dormido em casa nas últimas semanas. Este começo de manhã havia passado em casa para tomar uma chuveirada, trocar de roupa e voltar à CORFO. Porque enquanto sonhávamos com a Revolução, havia que manter a engrenagem do governo funcionando...Desde a tentativa de golpe militar esmagada pelo General Prats a fins de julho, as "guardas" eram praticamente em sistema de revezamento não somente na CORFO como em todas as principais empresas públicas, ministérios e empresas estatizadas. Todos preparados para o golpe que viria. Na verdade, só não se sabia (doce ingenuidade da esquerda chilena...) quem daria o golpe : se a esquerda ligada ao governo, se a direita que conspirava diuturnamente. Como no filme de Bergman, através do ovo da serpente se podia ver nitidamente os contornos do embrião do monstro em gestação.

Naquela manhã do 11 de setembro - que depois se revelaria trágica, de uma tragédia de dimensão histórica...- ainda pairava no ar a esperança de que as Forças Armadas iriam se dividir. Uma ala legalista, fiel à Constituição e ao Governo, poderia se antepor aos oficiais golpistas e seus enlaces no setor civil. Assim acreditava Allende, assim acreditava parte da direção política da Unidade Popular (a coalizão de governo), assim acreditava a direção política do Partido Comunista. Que,  creiam-me !, era a força moderadora do governo. Que pregava a prudencia e procurava se antepor ao delírio que dominava avassaladoramente às forças de ultraesquerda que cercavam ao presidente Allende.

A CORFO era considerada estratégica, pois toda a política de encampação das empresas privadas de grande porte se fazia em base a resquícios legais dos anos 40, que possibilitavam ao governo requisitar ("requisicionar", de dizia em chilenês...) e passar ao controle estatal empresas privadas que estivessem sob suspeita de atuar em monopólio ou de sabotar a produção (este era o caminho legal para a implantação da via socialista, uma original contribuição chilena à transiçãos ao socialismo). Como tal, o PC chileno havia designado ao seu segundo homem na hierarquia, Orlando Millas - ex- ministro da Fazenda e experimentado dirigente político- para militar na organização de base da CORFO. A ordem era para que em cada empresa estratégica houvesse um quadro do Comitê Central. A nós, na CORFO, havia tocado Millas. Como Secretário Político da organização do PC na CORFO me cabia estar em contato permanente com ele.

Enquanto caminhava do meu apartamento para as oficinas da CORFO e saltava sobre as barreiras militares que já se posicionavam nos pontos estratégicos do centro da cidade - Santiago, como todas a cidades espanholas na América Latina, tinha um setor de moradias na zona central organizada em torno da tradicional Plaza de Armas- pela minha cabeça foram passando em câmara acelerada os eventos das últimas semanas. Meu apartamento estava em antigo edifício na área central de Santiago, justamente em frente ao campus da Universidad Catolica (minha Alma Mater, onde fui acolhido quando cheguei exilado ao Chile e onde concluí meu mestrado em economia), A não mais de algumas poucas centenas de metros do Palácio de la Moneda, a igual distancia das oficinas centrais da CORFO. No caminho, ainda meio atordoado com a tensão das últimas semanas e procurando descobrir o que fazer, fui repassando os acontecimentos recentes.

Uma semana antes a Unidade Popular organizara uma manifestação de mais de um milhão de pessoas ( muito, para uma cidade de pouco mais de dois milhões à época) em solidariedade à Allende. Enquanto a multidão desfilava na Plaza de la Constitución ( em face a uma das entradas do Palácio de la Moneda, para onde dava uma das antesalas do gabinete presidencial), o pensamento que predominava - óh ingenuidade das ingenuidades !- era um só : se os "momios" ousarem colocar as suas cabeças de fora, vamos esmagá-los com a força do povo ! ("momios" eram como eram chamados no dialeto da esquerda as forças reacionárias, conservadoras).  Embora o poder estivesse se esfarelando a olhos vistos, os dirigentes da esquerda pareciam sofrer de uma perigosa miopia política - a ilusão de que o poder estava na esquina ao alcance das mãos.

Ainda algumas semanas atrás, o general Prats - uma espécie de Lott chileno,ultimo sustentáculo do legalismo no Exército chileno-, cansado e desautorizado por seus colegas do Alto Comando, apresentara a Allende a sua renúncia em caráter irrevogável. A Allende não restara outro caminho se não o de aceitar a renúncia de Prats. E, por indicação deste, nomear como seu sucessor ao general Augusto Pinochet. Este general até então na sombra de Prats viria, em poucos dias mais, a se transformar no Francisco Franco chileno.

Quem era Pinochet ? Poucas pessoas na verdade o sabiam. Confesso que eu mesmo - sem ter a mais mínima informação sobre as razões que haviam levado à indicação de Pinochet para comandar o Exército em momento tão crucial, mas assustado com a dimensão do que estava acontecendo-  tomei a iniciativa de organizar uma reunião da base do PC na CORFO e de convidar Orlando Millas - como já mencionei o segundo homem do Partido e membro do Alto Comando da Unidade Popular - para uma reunião com o conjunto dos militantes. Millas foi (ainda não sei como, porque nestes dias reunir-se com uma figura como esta era como convocar a Dilma para uma reunião com os funcionários do BNDES...-mas era pelo menos um indicador da importância que a direção do PC atribuía à CORFO e a sua organização nela...). Na reunião, depois de agradecer a sua presença e lhe passar a palavra, assistimos a um relatório minucioso dos últimos desdobramentos políticos. Ao final da exposição, ousei indagar sobre a nomeação do Pinochet. "Não se preocupe", disse Millas, "o Exército chileno não é como o Exército brasileiro". Como se pouco fosse, complementou : "o general Pinochet é muito respeitado no Exército e tem comando. Quando se encontra com um general barrigudo (com "guata", como se fiz em chileno...), lhe diz :"general, faça tantas flexões imediatamente !". Escutei aquilo com um misto de inquietação e alívio... Inquietação porque aquela explicação me pareceu até pueril. Alívio, por que quem não quer ouvir palavras de esperança e conforto em um momento de angústia ?

No caminho da CORFO, passei pelo Palácio de la Moneda. O que vi era desolador... A Plaza de la Constitución (aquela mesma de um milhão de pessoas da semana anterior), quase deserta. Os Carabineros (uma espécie de corpo policial militarizado, muito respeitados no Chile e responsáveis pela guarda palaciana), já se haviam retirado para seu quartel central, prenunciando uma adesão ao golpe (até aquele momento de quase nada se sabia, as rádios "de derecha" tocavam hinos militares e se sucediam em entrevistas a políticos de Oposição, as rádios de esquerda - Portales e Magallanes- não sabiam bem o que transmitir). A idéia de que, em caso de golpe militar, o país se dividiria em dois - legalistas em apoio ao governo, de um lado, e "golpistas" de outro- se revelara uma quimera. Ainda antes do primeiro tiro, a batalha parecia definida...

Ao chegar aos edifícios da CORFO, foi possível,  verificar que a grande massa dos funcionários não havia vindo trabalhar (pois as rádios estavam dando desde cedo notícias sobre a movimentação militar). Os que ousaram comparecer, destes a grande maioria correu apavorada de volta as suas casas tão logo a notícia da movimentação militar se evidenciou. Um punhado de algumas dezenas de pessoas resolveu ficar, aguardando as instruções para a chamada "resistencia" e à espera das armas que nunca chegaram ( visto do prisma de hoje, o que posso dizer é que ainda bem que não chegaram, caso contrário teria ocorrido um massacre de proporções avassaladoras).

Minutos depois começou o bombardeio do Palácio de la Moneda. Das janelas da Vice-Presidência da CORFO ( as instituições chilenas, altamente hierarquizadas, eram dirigidas por Vice Presidentes) pude ver, horrorizado, os aviões passando em vôos rasantes para o bombardeio do la Moneda. A cada passada dos aviões, o edifício tremia do seu teto até os fundamentos, com a propagação das ondas do bombardeio. Estávamos todos impotentes, sem nada poder fazer (excluídos gestos suicidas).

Até hoje não sei bem como, pois a memória da tragédia se esvai com o tempo, em determinado momento recebo um telefonema da minha esposa Beatriz. Ela estava com um grupo armado do Partido Socialista, metralhadora em mãos, nos telhados do Ministério da Agricultura (que dava de frente para o la Moneda). Iam resistir ao golpe, atirando sobre o tanques e tropas militares. Escutei estardalhado a notícia, pensando com os meus botões : "ficou louca de vez !". Shakespeare diria que a diferença entre a loucura e o heroismo é menor que um frágil fio de cabelo... Horas depois, logo após a conclusão do bombardeio do palácio, Allende já morto, as primeiras conclamações da Junta Militar sendo transmitidas pelas rádios em cadeia nacional, recebo outro telefonema dela : o seu grupo armado, percebendo a inutilidade da continuidade da resistência,  havia se deslocado para as oficinas do Banco de Chile - o maior banco privado chileno, também estatizado pela CORFO, e cujas oficinas estavam em frente as da CORFO. Sem nos vermos, nos despedimos com monossílabos. Tão pertos, tão longes...

Ainda na tarde deste mesmo dia 11, vi quando as forças militares tomaram de assalto as oficinas do Banco de Chile. E da minha janela vi - ou sonhei ver - a Beatriz e seus companheiros sairem em fila indiana do  Banco de Chile andando pelo centro da rua, ladeados o grupo de resistentes por soldados armados, de ambos lados das calçadas. Como os tiroteios eram constantes em gestos desesperados de resistencia de livre-atiradores postados nos edifícios em um simulacro de resistência ao golpe, os militares diziam : se alguém atirar sobre nós, abrimos fogo em cima de vocês ! Transformados em verdadeiros escudos-humanos, os derrotados passaram a ser recolhidos aos campos de concentração que foram se organizando : primeiramente os quartéis, depois o Estádio Chile (uma espécie de Maracanãzinho), depois o Estádio Nacional onde o Brasil havia se sagrado bi-campeão mundial de fútebol 11 anos antes. Por ironia do destino, o meu cunhado Nilton Santos integrara a seleção nacional brasileira de 62...

Quanto a mim só fui detido no dia 12, quando os Exército derrubou com tiros de bazuca os pesados portões dos edifícios da CORFO e fez uma varredura, sala por sala, do imenso complexo. Restávamos um grupo relativamente pequeno de pessoas, a esta altura sentados no corredor enquanto escutávamos a soldatesca abrir a tiros sala por sala desde os andares inferiores, até chegar ao andar em que aguardávamos o encontro com nosso destino. A hora da verdade individual de cada de nós chegara, mas a tragédia individual parecia insignificante perante a imensa tragédia coletiva.

Depois de pisoteados, espancados e agredidos física e moralmente, fomos levados pelo mesmo processo de fila indiana de escudos humanos até os calabouços do Ministério da Defesa ( a três ou quatro quadras da CORFO, a metros do incendiado Palácio dela Moneda). A o ser conduzido ao Ministério da Defesa, passei ante os escombros do que era o gabinete de Allende, as paredes do velho palácio ainda fumegavam. Aí passei duas ou três noites amarrado e jogado nos subsolos. Após os primeiros simulacros de interrogatórios, efetuados com uma faca cortante sendo passada e repassada pelo pomo de adão pelos interrogadores tão aturdidos quanto os interrogados, fomos transferidos em um caminhão do Exército para o Estádio Nacional. Os primeiros a ali chegar e ser depositados. As noites e dias de terror que se seguiram fariam estremecer de orgulho a qualquer oficial da Gestapo redivivo. Pude entender em toda a sua dimensão patética a tragédia de Auschwitz.

Ali recebi a notícia da morte da minha esposa, assassinada com uma bala na cabeça no quartel a que fora recolhida após a sua prisão na sede do Banco de Chile. Mas a esta altura muito pouco me importava o meu destino pessoal. Recolhi-me ao meu infortúnio particular e deixei passar cada segundo dos dias que se sucederam como se fossem o gotejar de uma alucinante tortura chinesa. Colocado de olhos vendados ante um pelotão de fuzilamento, pude sentir como são  insondáveis os mistérios da alma humana. Confesso que sobrevivi. A princípio sem esperança de que a primavera chegasse, depois vendo que o milagre da ressurreição pode escorregar do imaginário para o plano da realidade.

Devo a minha geração - e sobre tudo aos meus filhos e netos - o contar desta estórias, destas minhas memórias do cárcere e do desterro, desta grande cordilheira-veredas de uma existência aparentemente vivida ao acaso. Não sei se terei força intelectual para tanto, mas o esforço há que se intentar. Em outro espaço e em outro momento, certamente, pois cada um de nós é um Ulysses à procura da sua Penépole em sua Ítaca, em um eterno decifra-me ou te devoro... Antes que o sono te devore, prezado leitor, deixe-me cantar como o poeta que, não fosse para tão grande estória, tão curta a vida, o primeiro passo há que se dar...

Mauricio

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40 ANOS DO GOLPE NO CHILE: 11 DE SETEMBRO DE 1973
        
Já com os aviões começando a bombardear o Palácio Presidencial (La Moneda), o presidente Allende fala por rádio e transmite uma mensagem histórica e de grande emoção ao Povo do Chile :






 .

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Pausa para... um momento da intimidade dos grandes...


Obama, o Nobel da Paz que ainda nao justificou o premio...

Duro ser Superman hoje em dia. Melhor ficar em casa, de chinelo, comendo pipoca na frente da TV.
O problema é que sempre tem alguém que vem cobrar a inatividade e a passividade do SuperCop. E se o policial fizer algo, também vão reclamar...
 Paulo Roberto de Almeida 
World's Policeman


 Bennett
September 09, 2013

Venezuela: "um desastre completo" segundo Vargas Llosa

América Latina Vargas LLosa

Vargas Llosa: Venezuela es un desastre, un caos

Infolatam/Efe
Madrid, 11 de septiembre de 2013
Las claves
  • (Venezuela) "Es un país en donde en lugar de avanzar se retrocede; tiene la inflación más alta de América Latina", afirmó Vargas Llosa.
  • Vargas Llosa está satisfecho con la situación actual del Perú y dice que desde que cayó la dictadura de Fujimori en 2000, su país "ha estado en muy bien pie", aunque "problemas siempre existen".
El escritor peruano Mario Vargas Llosa está “muy preocupado” por la evolución de Venezuela en los últimos años, y asegura que este país es “un verdadero desastre, un verdadero caos”, en el que abunda “la demagogia, la corrupción y la violencia”.
“Es un país en donde en lugar de avanzar se retrocede; tiene la inflación más alta de América Latina”, afirmó Vargas Llosa en la entrevista que concedió a Efe con motivo de la publicación de su nueva novela, “El héroe discreto”, que mañanaAlfaguara pone a la venta en España, América Latina y Estados Unidos.
En ese encuentro, el escritor y premio nobel de Literatura, comentó aspectos de esta novela que narra una historia de ambiciones, chantajes y venganzas, y, como hace siempre, respondió también a preguntas sobre la actualidad.
Vargas Llosa está satisfecho con la situación actual del Perú y dice que desde que cayó la dictadura de Fujimori en 2000, su país “ha estado en muy bien pie”, aunque “problemas siempre existen”.
El Perú “ha crecido económicamente, ha habido elecciones libres, las instituciones democráticas han funcionado” y hay una política económica que “cuenta con unos consensos que no había en el pasado y que ha traído mucho desarrollo económico”.
Esa situación se repite “en muchos países de América Latina”, que están “mucho mejor que en el pasado, sin ninguna duda”, asevera el autor de “El héroe discreto”.
Hay “excepciones negativas” a esa bonanza económica que se respira en buena parte de América Latina y una de ellas es Venezuela, opina.
“El caso de Venezuela es más bien trágico”, dice el escritor, a quien le preocupa que el actual presidente venezolano, Nicolás Maduro, continúe con “esa idea mesiánica” que tuvo su antecesor, Hugo Chávez, de que Venezuela se convirtiera “nuevamente en el faro, en el ejemplo” para otros países.
“Pero creo que Venezuela es más bien la excepción a la regla. Hoy en día hay muchos más países en América Latina en los que la democracia se va enraizando, con unas políticas económicas modernas que están trayendo desarrollo, progreso”, señala el autor de “La fiesta del Chivo”.

NSA e o Brasil: como se diz "enrolacao" em Ingles?

Seria enrolation, embromation ou fabrication?
Um pouco de tudo, claro. E vai ficar por isso mesmo. Gostou? Tem tapete vermelho.  Não gostou? C'est la même chose. Enrolamos o tapete (e outras coisas junto) e vamos em frente: sorriso amarelo de um lado, sem sorriso do outro. E vamos continuar enrolando, até esse povo chato parar de chatear.  Mas pode durar até as eleições. 
Que tal alguma retaliation?
PRA

THE WHITE HOUSE

Office of the Press Secretary
FOR IMMEDIATE RELEASE
September 11, 2013

Statement by NSC Spokesperson Caitlin Hayden on National Security Advisor Susan E. Rice’s Meeting with Brazilian Foreign Minister Luiz Alberto Figueiredo
In President Obama’s meeting with President Rousseff last week in St. Petersburg, the President made clear that we understand the concerns raised in Brazil and elsewhere about certain intelligence collection activities allegedly undertaken by the United States, and he committed to working in diplomatic channels to address these concerns. As a part of that dialogue, today National Security Advisor Rice hosted Brazilian Foreign Minister Figueiredo at the White House.  
The United States and Brazil enjoy a strong and strategic partnership rooted in our shared interests as multicultural democracies and major economies.  Brazil is a major trading partner of the United States, with more than $100 billion in bilateral trade in goods and services in 2012.  Growing commercial ties and investment between our two countries are creating jobs in the United States and contributing to the development of advanced manufacturing in Brazil and to the increased competitiveness of both countries.  We continue to pursue an important and broad-ranging shared agenda that includes international peace and security, energy, global financial issues, and food security, among other issues.
As the President has previously stated, his national security team – informed by the work of key experts – is undertaking a broad review to examine U.S. intelligence activities to ensure that they are appropriately tailored and reflective of policy decisions about what we should do, versus what we can do.  The President seeks to ensure that our activities are consistent with our broader national interests, including our relationships with key partners.
National Security Advisor Rice expressed to Foreign Minister Figueiredo that the United States understands that recent disclosures in the press – some of which have distorted our activities and some of which raise legitimate questions for our friends and allies about how these capabilities are employed -- have created tensions in the very strong bilateral relationship we have with Brazil. The United States is committed to working with Brazil to address these concerns, while we continue to work together on a shared agenda of bilateral, regional and global initiatives

Por certo perdeste o senso... (sobre o que anda na cabeca de certas pessoas...)

Parece que no Brasil existe uma licença para delirar. Ela está livremente disponível na cabeça de pessoas que julgávamos perfeitamente normais.
Por certo é o retrato de um país em decadência mental e em retrocesso intelectual...
Nunca devemos nos espantar com o atraso cerebral de certas pessoas...
Paulo Roberto de Almeida

Reinaldo Azevedo, 11/09/2013

A cineasta Tata Amaral decidiu fazer um filme sobre a vida de José Dirceu. Deve se chamar “O Vilão da República”. Em conversa com jornalistas — ela também é blogueira do Estadão —, Tata mantém uma conversa de documentarista decorosa. Na VEJA São Paulo, encontramos estas palavras da artista: “Ele foi líder estudantil, viveu na clandestinidade, ajudou a fundar um dos maiores partidos da América Latina, foi ministro e se transformou em um vilão. É uma história interessantíssima. O filme é uma investigação isenta. Na Folha de hoje, lá está Tata, que disse o seguinte por e-mail: “A ideia é acompanhar a intimidade deste personagem controverso num momento importante de sua vida”. Curioso! Na revista, afirmava há mais de uma semana: “A ideia é acompanhar a intimidade do personagem controverso num momento importante de sua vida”.
Entendi. Parece que ela redigiu um release. Prevendo que poderia ter alguma dificuldade para improvisar uma defesa de sua obra, resolveu apelar a uma resposta pronta. “Personagem controverso”, como vocês sabem, é pau pra toda obra. Hitler e Jesus Cristo foram controversos. Gandhi e Mao Tsé-tung foram controversos. O seu Manuel da padaria é, certamente, um homem controverso. Controverso era o czar naturalista da “Anedota Búlgara”, de Drummond, que caçava homens e achava um absurdo que se pudessem caçar borboletas…
Mas será Tata tão isenta assim? Na quinta-feira, a cineasta estava presente ao convescote no salão de festas do prédio do chefe da quadrilha. Lá se reuniam as famílias do herói, alguns amigos, o chefão do MST, o da CUT etc. e tal.
Acho na Internet um relato daquele encontro, feito pela dirceuzista fanática e pragmática Hildegard Angel, que tem um a página na Internet. Num post desta madrugada, com uma habilidade muito característica, ela faz um elenco de supostos erros judiciais havidos no Brasil. Entre outros, Dirceu é comparado a Tiradentes… Tá! É ali que leio um relato feito por esta senhora sobre aquele evento de quinta passada. Tata distribuía autorizações de uso de imagem aos presentes — sinal de que poderão estar no seu filme. E Hildegard reproduz as palavras da cineasta isenta. Assim (em vermelho):
A diretora de cinema Tata Amaral fez uma preleção sobre seu filme “O grande vilão”, um documentário sobre esse período da vida de Dirceu, “o homem mais perseguido da história da República”, e distribuiu termos de autorização de uso de imagem para que os presentes, que assim o desejassem, assinassem. Pelo que percebi, todos assinaram.
Como se nota, a personagem já deixou de ser controversa. Dirceu já rompeu os umbrais de Cristo, Gandhi ou do seu Manuel da padaria. Na intimidade, lá na turma deles, lá entre os iguais, lá na República petista, ela pode largar o verbo: “O homem mais perseguido da história da República”. Nada menos! Imaginem a isenção do filme…
Até aí, problema dela! Tem o direito de cantar as glórias de quem quiser. O problema é que, se for bem-sucedida, vai fazer isso com o nosso dinheiro. No final do mês passado, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) deu autorização para a cineasta captar R$ 1,53 milhão pela Lei Rouanet para tocar a obra. Isso quer dizer que grana de renúncia fiscal será usada para financiar a hagiografia cinematográfica de autoria de dona Tata. O filme sobre a vida de Lula foi um tiro n’água. Por que razão ela acha, além de confiar em seus próprios dotes artísticos, que o de Dirceu será um sucesso? Vai ver ela nem pensa nisso e está mesmerizada é pela grandeza de servir — e com Lei Rouanet!
É um acinte! É um escândalo! É um vexame! Ainda que o STF escolha o caminho da desmoralização e acate os embargos infringentes, uma das condenações de Dirceu é irrecorrível: corrupção ativa. Mesmo assim, Tata Amaral quer levar a sua saga ao cinema com o dinheiro dos desdentados, dos sem-médico, dos sem-casa, dos sem-esgoto, dos sem-mobilidade…
Jamais, leitor, jamais imagine que eles chegaram ao limite. Sempre estão na véspera de um opróbrio maior.
Opróbrio? Reproduzo o Houaiss:
1 grande desonra pública; degradação social; ignomínia, vergonha, vexame
2 caráter daquilo que humilha, degrada; estado ou condição que revela alto grau de baixeza, torpeza; abjeção, degradação
3 ação ou dito que desonra, avilta, revela falta de apreço ou consideração; afronta, desprezo
Vamos ver quantos ministros do Supremo deverão estar na primeira fileira no dia da avant-première.

Para arrematar
O filme é uma afronta ao Supremo, sim. É claro que os cineastas podem exaltar quem lhes der na telha, mas que seja com o seu dinheiro e o de financiadores privados, que não vão mandar as contas para o povo. É inaceitável que recursos públicos sejam usados para cantar as glórias de um condenado. Trata-se de um acinte, de uma provocação. Mais um pouco, e os ministros da Corte estarão sendo tratados a tapas e pontapés. Aliás, esse filme, com essa fonte de financiamento, já vale por um tapa da cara do tribunal.

Branco de olhos verdes passa por afrodescendente no Itamaraty; estava demorando...

Nada mais do que uma consequência, entre muitas outras, das políticas racialistas, de criação do Apartheid, na esfera pública. Num momento isso extravasa para a sociedade, como já extravasou, e os "expertos" se metem pelas brechas. As instituições públicas já se encontram irremediavelmente contaminadas por políticas racistas, claramente divisionistas, que agravam problemas históricos da sociedade brasileira.

Branco de olhos verdes é aprovado por cotas raciais no Itamaraty
Foto de Mathias de Souza Lima Abramovic publicada no Facebook
Foto: ReproduçãoMathias de Souza se declarou afrodescendente


Creio que uma nova controvérsia jurídica vai se instalar, e juízes poiticamente corretos vão se posicionar a favor do racismo oficial.
Paulo Roberto de Almeida

Candidato de pele branca é aprovado por cotas raciais na 1ª fase do Itamaraty

  • Mathias de Souza Lima Abramovic declarou-se 'afrodescendente' no processo seletivo para o Instituto Rio Branco
  • O Globo, 11/09/2013

RIO - A questão racial está gerando novos atritos dentro do Ministério das Relações Exteriores. E desta vez a polêmica é no processo seletivo para o Instituto Rio Branco, que seleciona os candidatos que servirão nos quadros da diplomacia brasileira. Dentre os 10 nomes de candidatos aprovados na primeira fase do concurso dentro das cotas para afrodescendentes, divulgados nesta terça-feira, está o de Mathias de Souza Lima Abramovic. Pessoas próximas a Mathias e que também prestaram o concurso deste ano questionam se ele de fato pode ser enquadrado dentro dos critérios de afrodescendência.
Para concorrer dentro das cotas, basta que o candidato se declare “afrodescendente”. Não há verificação da banca. Tampouco o edital do processo seletivo define os critérios para concorrer como afrodescendente. O benefício é válido apenas para a primeira fase, de onde somente as 100 maiores notas são classificadas para a segunda etapa. As cotas reservam um adicional de 10 vagas para afrodescendentes e outras 10 para deficientes, totalizando 120 candidatos que continuarão na disputa. Nesta edição do concurso, 6.490 brigam por uma das 30 vagas disponíveis. 
Morador do Rio, Mathias ficou com nota final 47.50, quase dois pontos a menos que o último candidato aprovado na livre concorrência. Em seu perfil no Facebook, há uma foto onde ele aparece com uma camisa com os dizeres “100% negro”. Na legenda da imagem, o candidato complementa: “com muito orgulho – feliz happy”. Ele já desativou sua conta na rede social.

De acordo com um dos candidatos que estudou com Mathias e preferiu não se identificar para não sofrer eventuais retaliações no concurso, o caso só enfraquece políticas afirmativas que o Itaramaty tenta empregar na última década. Ele lembrou ainda que, como a afrodescendência é autodeclaratória no processo seletivo, o benefício pode ser utilizado por candidatos de má-fé:
- Esse tipo de postura não apenas causa prejuízos à admissão de candidatos efetivamente afrodescendentes, como, também, pode deslegitimar uma política pública séria e efetiva - afirmou o candidato.
O GLOBO entrou em contato com Mathias, mas ele preferiu não dar entrevistas. A reportagem também acionou o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB), responsável por organizar o processo seletivo para o Instituto Rio Branco, mas ainda não obteve resposta.

Capitalismo e socialismo: equivalentes funcionais? Apenas para idiotas - Olavo de Carvalho, via Orlando Tambosi

Ainda não pude ter acesso ao livro de Olavo de Carvalho, sequer como Kindle (que no Brasil é absurdamente caro, não se distinguindo em nada, no quesito preço, do equivalente impresso, o que é totalmente estapafúrdio, como várias outras jabuticabas de Pindorama), e tampouco encontro novidade no argumento abaixo, do Olavo, do Tambosi, e meu próprio, aliás desde muitos anos, desde que me curei -- graças a muitas leituras e a visitas aos capitalismos e socialismos realmente existentes -- das gravidades graves (com perdão da redundância) da ideologia marxista, que coloca o capitalismo com um "modo de produção", ou seja, algo que possa ser determinado pela ação consciente dos homens, como é pré-determinado o socialismo, saído inteiro de um pensador genial e totalmente equivocado, conceitualmente, praticamente, filosoficamente, Marx of course.
Apenas tomo de empréstimo o texto abaixo, porque sintetiza, para uso de estudantes e outros curiosos, a argumentação correta quando algum beócio companheiro vem argumentar que o socialismo pode não ser perfeito, mas que o capitalismo também tem muitos defeitos (que precisam ser corrigidos, claro, por geniais construtores de miséria e injustiças como os companheiros).
Voltarei ao assunto, várias vezes, e também me permitirei transcrever trechos de minha tese de doutorado (de 1984) que trata justamente dessas distinções, e que aprendi com Braudel, com Hirschman (entre outros) e em incontáveis visitas às misérias do socialismo real, algo que os companheiros jamais conheceram.
Paulo Roberto de Almeida

Orlando Tambosi, 10/09/2013

Lendo o novo livro de Olavo de Carvalho  - O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (ver ao lado, edição Kindle) -, que reúne boa parte de seus escritos na última década, constato com satisfação que defendi sempre o mesmo ponto de vista em relação à pseudo-dicotomia capitalismo/socialismo (ver breve texto aqui). Pseudo porque capitalismo, ao contrário do socialismo, não é ideologia, apenas um conjunto de ideias - quase sempre fechadas -, mas um processo objetivo, que se desenvolve na realidade e não no campo das ideias. Só os idealistas e os marxistas, aliás, confundem ideia e realidade. Apenas acrescento, em relação ao texto, que o capitalismo é muito mais que um sistema econômico: é também, como sempre sustentou Joyce Appleby (jamais traduzida no Brasil), um sistema de valores e princípios que foram cristalizados na democracia, isto é, que tem uma forte dimensão cultural ignorada pelas esquerdas. Bene, dizer que capitalismo não é ideologia me valeu mais uma leva de inimigos na universidade. Pesquei o texto no próprio site do Olavo. Recomendo a leitura:

Se você quer avaliar a extensão do domínio hipnótico que os cacoetes marxistas ainda exercem sobre o sistema neuronal de pessoas que se supõem imunes a qualquer contaminação de marxismo, basta ver que estas, quando argumentam em favor do capitalismo, admitem colar na própria testa o rótulo de defensores de uma determinada "ideologia".

Uma ideologia é, por definição, um simulacro de teoria científica. É, segundo a correta expressão do próprio Marx, um "vestido de idéias" que encobre interesses ou desejos. Ao aceitar definir-se na linguagem de seu adversário, o liberal moderno assume o papel que ele lhe impõe: confessa-se porta-voz dos interesses dos ricos. Que a confissão seja falsa não a torna menos eficaz. Transferida do confronto objetivo das doutrinas para o terreno da concorrência de interesses, a luta parece opor agora o explorado ao explorador. Por elegante que seja a argumentação deste último, ele estará condenado a personificar sempre o malvado da história.

Descrever o confronto entre capitalismo e socialismo como "luta de ideologias" é aceitar um jogo viciado, no qual um dos lados dita as regras, dá as cartas e predetermina o desenlace.

O capitalismo não é uma ideologia. É um sistema econômico que existiu e provou suas virtudes desde dois séculos antes que alguém se lembrasse de formulá-lo em palavras. E o primeiro que esboça essa formulação, Adam Smith, não é de maneira alguma um ideólogo, um inventor de símbolos retóricos para construir futuros no ar em favor de tais ou quais ambições de classe. É um homem de ciência em toda a extensão do termo, esboçando hipóteses para descrever e explicar uma realidade existente. O socialismo, em contrapartida, milênios antes de existir sequer como estratégia política concreta já tinha seus ideólogos, seus embelezadores de enganos, seus estilistas de interesses de grupos ressentidos e ambiciosos. Por isso, o confronto de socialistas e liberais não opõe ideologia a ideologia: a defesa do socialismo é sempre a auto-atribuição ideológica dos méritos imaginários de um futuro possível, a do capitalismo é sempre a análise científica de processos econômicos existentes e dos meios objetivos de aumentar sua eficiência.

Malgrado tudo quanto se possa alegar contra ele sob outros aspectos (e eu mesmo não tenho deixado de alegá-lo), o capitalismo não somente gerou riquezas incalculáveis, mas pôs em ação os meios práticos de distribuí-las ao povo e criou instituições como a democracia parlamentar, a liberdade de imprensa, os direitos humanos, ao passo que o socialismo só o que fez até hoje foi prometer um futuro melhor ao mesmo tempo que reintroduzia o trabalho escravo banido pelo capitalismo, suprimia todos os direitos civis e políticos conhecidos, reduzia mais de 1 bilhão de pessoas a uma angustiante miséria e, para se sustentar no poder, recorria a meios de uma crueldade quase impensável, como por exemplo a empalação e o esfolamento de prisioneiros – um recurso muito usado durante o governo de Lênin.

O capitalismo não é uma ideologia – é uma realidade continuamente aperfeiçoada pela ciência. Ideologia é o socialismo – o vestido de idéias que encobre as ambições sociopáticas de semi-intelectuais ávidos de poder.


E uma prova a mais de que isso é assim poderá ser dada por eventuais reações socialistas a este artigo, as quais, como todas as contestações a meus artigos anteriores, não conseguirão e aliás nem tentarão impugnar a veracidade de nenhuma de suas afirmações, mas se limitarão a expressar descontentamento e revolta contra sua publicação.
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A curta e precisa definição de Orlando Tambosi linkada acima:

Anticapitalistas confundem ideologia e realidade

Quem é contra o capitalismo confunde esse processo objetivo, gerado pelo mercado - que não tem criador nem dono -, com ideologia, cada uma delas com seus gurus. Ideologias têm dono, a exemplo do socialismo, com suas retrógradas ideias ainda professadas por quem despreza a história, que não deixa dúvidas quanto às experiências socialistas: geraram apenas ditadura, fome e morte.
Os exemplos ainda estão aí, presos a um mundo que já terminou e que mentes pérfidas, nas escolas e academias da América Latina, ainda tentam manter vivo, para seu próprio e exclusivo benefício.
Isto não quer dizer que o capitalismo não mereça críticas e reparos. Mas negá-lo, simplesmente, significa negar a realidade. E rejeitá-la a troco de quê?
Ora, trocar um processo objetivo que funciona - bem ou mal - por algo indefinido e utópico, ou retornar a experiências fracassadas, é estupidez. Eis o cartão de visitas das "esquerdas".

Existem embargos infringentes no STF? Nao, segundo um jurista não politico... - Lenio Luiz Streck

AP 470

"Não cabem embargos infringentes no Supremo"

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2012
Perguntas e respostas
Não há respostas antes das perguntas. Trata-se de uma máxima da hermenêutica. Por isso, a resposta antecipada acerca do cabimento dos embargos infringentes em ação penal originária no âmbito do Supremo Tribunal Federal parecia esgotar a matéria. Assim, quando a Folha de S.Paulotrouxe a afirmação de que, em caso de condenação dos acusados na AP 470 (mensalão), estes ingressarão com o Recurso denominado “embargos infringentes”, com base no Regimento Interno do STF, por pouco não sucumbi à tese.
Desse modo, segui outra máxima da hermenêutica, que é a de desconfiar de qualquer certeza. Não há jogo jogado. Se, como acredito, há sempre uma resposta adequada a Constituição — o que implica dizer que há respostas mais corretas que outras ou, até mesmo, uma correta e outra incorreta – a obrigação é a de revolver o chão linguístico que sustenta uma determinada tradição e, a partir dali, reconstruir a história institucional do instituto. É esse o trabalho a ser feito. Ao mesmo tempo, advirto que estou levantando a questão por amor ao debate e a Constituição, no mesmo espírito que moveu o estimado e ilustre Luiz Flávio Gomes a trazer à colação a possibilidade de nulidade do julgamento em face de precedente da Corte Interamericana (leia aqui). Não vou discutir, agora, a tese de Luiz Flávio. Pretendo, neste momento, (re)discutir os embargos infringentes.
Com efeito, escrevi, recentemente, no artigo O STF e o Pomo de Ouro (ler aqui), que é necessário que sejamos um tanto quanto ortodoxos em matéria constitucional. E é exatamente por isso que trago à baila o debate acerca do cabimento (ou não) dos embargos infringentes no caso de julgamento definitivo do STF como instância originária.
O RISTF
Corro para explicar. O RISTF, anterior a Constituição de 1988, estabelece, no artigo 333, o cabimento de embargos infringentes nos casos de procedência de ação penal, desde que haja quatro votos favoráveis à tese vencida. Em síntese, é o que diz o RISTF. Simples. Fácil de entender.
Mas, então, qual é o problema? Há algo de intrigante nisso? Aparentemente, a questão estaria resolvida pela posição que o STF assumiu no julgamento do (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED,assim ementado:
"Não se mostram suscetíveis de conhecimento os embargos de divergência nos casos em que aquele que deles se utiliza descumpre a determinação contida no art. 331 do RISTF. A utilização dos embargos de divergência impõe que o embargante demonstre, cabalmente, a existência de dissídio interpretativo, expondo, de modo fundamentado, as circunstâncias que identificam ou que tornam assemelhados os casos em confronto, para fins de verificação da relação de pertinência que deve necessariamente existir entre o tema versado no acórdão embargado e a controvérsia veiculada nos paradigmas de confronto. (...) O STF, sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, c), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278), revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade constitucional a exigência de pertinente confronto analítico entre os acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331).” (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-2011, Plenário, DJE de 6-12-2011.)
No caso objeto do referido AI 727.503 - AgR-ED-EDv-AgR-ED, disse o STF que as normas regimentais de direito processual, produzidas sob a égide da Constituição anterior (1967-1969), foram recepcionadas pela atual Constituição (Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos). Pronto. Isso encerraria a discussão. Afinal, o art. 333 do RISTF que estabelece o “recurso” dos embargos infringentes, quando existirem quatro votos favoráveis ao réu, valeria como norma processual.
Tão simples, assim?
Penso, no entanto, que a questão não é tão singela. A decisão do STF se referiu a um caso determinado. Não tratava de embargos infringentes (art. 333 do RISTF). E a assertiva da recepção tem limites, porque deve ser lida no sentido de que “essa recepção não se sustenta quando o legislador pós-Constituição de 1988 estabelece legislação que trata a matéria de forma diferente daquela tratada no Regimento Interno”. Caso contrário, o Regimento Interno estaria blindado a qualquer alteração legislativa ou ainda se correria o risco de conferir ao STF o mesmo poder legiferante que possui a União, uma vez que ele estaria autorizado a legislar sobre matéria processual contrariando, assim, o que dispõe o inc. I do art. 22 da CF.
Aliás, esse Acórdão do STF deve ser lido em conjunto com outros do mesmo Supremo. Por exemplo, “O espaço normativo dos regimentos internos dos tribunais é expressão da garantia constitucional de sua autonomia orgânico-administrativa (art. 96, I, a, CF/1988), compreensiva da ‘independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos’.” (MS 28.447, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 25-8-2011, Plenário, DJE de 23-11-2011.) Vide: ADI 1.152-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-1994, Plenário, DJ de 3-2-1995.
Ainda:
“Com o advento da CF de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais, cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’ (CF, art. 96, I, a). São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição. (...) (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-4-2006, Plenário, DJde 12-5-2006.)
Ou, talvez
“Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta." (ADI 1.105-MC, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 3-8-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.)
Ou
Portanto, em face da atual Carta Magna, os tribunais têm amplo poder de dispor, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes." (HC 74.190, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 15-10-1996, Primeira Turma, DJ de 7-3-1997.)
Veja-se: desde que respeitadas as regras de processo...!
Não se interpreta por partes. Em termos hermenêuticos, vai-se do todo para a parte e da parte para o todo, formando-se, assim, o hermeneutische Zirkel (círculo hermenêutico). Texto é contexto. O RISTF só existe no contexto do campo significativo que emana da Constituição. Nesse sentido, parece que a pá de cal na discussão pode estar na quase desconhecida ADI 1289, pela qual o STF entendeu o cabimento de embargos infringentes em ação direta de inconstitucionalidade.
RISTF v. Leis
Qual era o case nessa ADI 1289? Tratava-se de uma ADI ajuizada antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99. Mas qual é a importância disso? Ai é que está. O STF (ADI 1591) admitia a interposição de embargos infringentes em ADI até o advento da Lei 9.868. Como essa lei não previu a hipótese de embargos infringentes, o STF passou a não mais os admitir. Só admitiu embargos infringentes – como é o caso da ADI 1289 – nas hipóteses que diziam respeito ao espaço temporal anterior à Lei 9.868.
Assim, é possível dizer que, nesse contexto, se o STF considerou não recepcionado (ou revogado) o RI (no caso, o art. 331) pelo advento de Lei que não previu esse recurso (a Lei 9.868), parece absolutamente razoável e adequado hermeneuticamente concluir que o advento da Lei 8.038, na especificidade, revogou o art. 333 do RISTF, que trata de embargos infringentes em ação penal originária (na verdade, o art. 333 não trata de ação penal originária; trata a matéria de embargos infringentes de forma genérica, mais uma razão, portanto, para a primazia da Lei 8.038, que é lei específica). É o que se pode denominar de força pervasiva do comando constitucional previsto no art. 96, I, a, na sua combinação com o art. 22 da CF. Veja-se: um limita o outro. Se é verdade que se pode afirmar – como fez o STF – que normas processuais previstas em regimento interno são recepcionadas pela CF/88, também é verdade que qualquer norma processual desse jaez não resiste a um comando normativo infraconstitucional originário da Constituição de 1988. Isto porque, a partir da CF/88, um regimento interno não pode contemplar matéria estritamente processual. Ora, a Lei 8.038 foi elaborada exatamente para regular o processo das ações penais originárias. Logo, não há como sustentar, hermeneuticamente, a sobrevivência de um dispositivo do RISTF que trata da matéria de modo diferente.
Easy ou Hard Case?
Percebe-se, desse modo, que não estamos em face de um easy case, embora, na esteira de Dworkin e Castanheira Neves, não acredite na dicotomia easy-hard cases. Na verdade, o que determina a complexidade do caso é a relação circular que se estabelece entre a situação hermenêutica do intérprete e as circunstâncias que determinam o caso. Trata-se de uma questão de fusão de horizontes (Gadamer). Um dado caso pode parecer fácil porque o intérprete incauto se deixa levar logo pelos primeiros projetos de sentido que se instalam no processo interpretativo. Não há suspensão de prejuízos tampouco um ajuste hermenêutico com a coisa mesma (die Sache selbst). Assim, as diversas nuances e cores que conformam o caso escapam à compreensão d interprete e seu projeto interpretativo, inevitavelmente, fracassa. Por outro lado, por razões similares, um determinado caso pode se mostrar difícil em face da precariedade da situação hermenêutica do intérprete.
Sigo. Nenhum dos acórdãos do STF até hoje enfrentou questão envolvendo diretamente a superveniência da Lei nº 8.038/1990, que, efetivamente – e isso parece incontestável -, estabeleceu a processualística aplicável às ações penais originárias. E, acreditem, nem de longe estabeleceu o “recurso” dos embargos infringentes. Isto é, não há julgamento tratando da antinomia RISTF-Lei 8.038. No máximo, o que existe é menção, em obiter dictum, de que, em determinado caso, não seria caso de embargos infringentes (v.g., SS 79.788-ED, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 1.2.2002).
Portanto, não estaríamos, neste caso, em face de um impasse hermenêutico? Indago: embora o STF diga – em um determinado caso que não é similar ao que estamos tratando - que as normas processuais estão recepcionadas, essa posição se manterá quando se colocar a pergunta: pode o RISTF sobreviver a uma Lei Ordinária, que, na sua especialidade (leia-se essa palavra no sentido técnico), veio para regulamentar a Constituição de 1988?
O papel do RISTF
Qual é o papel do RI do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um “recurso processual” que a lei ignorou/desconheceu? Sabe-se que o RI é “lei material”. Entretanto, não pode o RI tratar especificamente de “processo”.[1] Caso contrário, não precisaríamos sequer de uma reforma do CPC ou do CPP: o STF poderia tratar de tudo isso em seu Regimento Interno... Em outros termos, tornaríamos sem eficácia o inciso I do art. 22 da CF.
Mais: é possível admitir a sobrevivência (recepção?) de um dispositivo do Regimento Interno que vem do ancién régime, destinado, exatamente, a proporcionar, em “casos de então”, um reexame da matéria pelos mesmos Ministros, quando, por exemplo, era possível a convocação de membros do Tribunal Federal de Recursos? Hoje qualquer convocação de membros de outras Cortes é vedada. Logo, em face de tais alterações, já não estaríamos em face de um “recurso de embargos infringentes”, mas, sim, apenas em face de um “pedido de reconsideração”, incabível na espécie.
Como se vê, existem vários elementos complicadores à tese do cabimento de embargos infringentes em ação penal originária junto ao STF. Esses embargos infringentes previstos apenas no RISTF e que foram ignorados pela Lei 8.038, parecem esvaziados da característica de recurso. Tudo está a indicar que, o que possui efetivamente tal característica, é a figura dos embargos infringentes previstos no segundo grau de jurisdição, que são julgados, além dos membros do órgão fracionário, por mais um conjunto de julgadores que são, no mínimo, o dobro da composição originária.
Outro ponto intrigante e que reforça o hard case diz respeito ao seguinte ponto: pelo RISTF, a previsão dos embargos infringentes cabíveis da própria decisão do Órgão Pleno do STF necessita de quatro votos. E por que não cinco? E por que não apenas três? Quem sabe, dois? Ou apenas um voto discrepante? Por outro lado, seria (ou é) coerente (no sentido dworkiniano da palavra) que, em uma democracia, uma Suprema Corte – que, no caso, funciona como Tribunal Constitucional – desconfie de seus próprios votos? Não seria uma capitis diminutio pensar que o mesmo Ministro – vitalício, independente – que proferiu voto em julgamento em que podia, a todo o momento, fazer apartes, dar-se conta de que, ao fim e ao cabo, equivocou-se? Ou seja: um Ministro condena um cidadão que tinha direito a foro especial (privilegiado) e, depois, sem novas provas, dá-se conta de que “se equivocou”...
O risco do paradoxo
Mas, o conjunto de indagações não para por aqui. Pensemos na seguinte questão: para uma declaração de inconstitucionalidade – questão fulcral e maior em um regime democrático – são necessários seis votos para o desiderato de nulificação (de um ato normativo). Pois é. Mas, em matéria criminal, sete votos não seriam suficientes para uma condenação... (considerando que quatro Ministros votem pela absolvição). Indo mais longe: também seis votos (maioria absoluta), pelo RISTF, não são suficientes para colocar fim à discussão penal... Com isso, chega-se ao seguinte paradoxo: no Brasil, é possível anular uma lei do parlamento e até emenda constitucional com seis votos da Suprema Corte. Entretanto, não é possível tornar definitiva uma decisão que dá procedência a uma ação penal originária. Isto porque, segundo o RISTF, havendo no mínimo quatro votos discrepantes, cabe “recurso por embargos infringentes”.
Ora, no caso do processo civil, além de toda a teoria exposta, a resolução torna-se ainda mais simples, uma vez que há dispositivo legal que explicita a questão (não parece que seria realmente necessário), especificamente o artigo 1.214, que fala que “Adaptar-se-ão às disposições deste Código as resoluções sobre organização judiciária e os regimentos internos dos tribunais”.
Assim, parece interessante que examinemos essa problemática. Desde o caso Marbury v. Madison,tem-se a tese da rigidez Constitucional. Isso quer dizer que não é qualquer legislação que pode alterar a Constituição. E tampouco leis ordinárias podem ser alteradas por Regimentos Internos. Por isso, já que a questão das “lendas urbanas” está se proliferando – e digo isso com todo o carinho, até porque essas discussões fazem com que todos possam crescer -, lanço minhas dúvidas sobre essehard case (cabem mesmo embargos infringentes nos processos criminais de competência originária, na medida em que a Lei que regulamentou a processualística – 8.038 – não tratou da espécie?).
Minhas reflexões são de índole constitucional-principiológica. Sempre escrevi que os julgamentos devem ser por princípio e não por políticas. Ou seja, julgamentos judiciais não podem estar baseados na subjetividade plenipotenciária do intérprete, tampouco no interesse de grupos ou ideologias. Julgamentos devem se fundamentar em princípio e sempre devem traduzir uma interpretação que apresente o melhor sentido para as práticas jurídicas da comunidade política. E, portanto, não devem ser ad-hoc. Isso quer dizer que o STF deverá, em preliminar, examinar a antinomia infraconstitucional e constitucional da equação “RISTF-Lei 8.038-CF/88”. Para o processo do “mensalão” e para os casos futuros. O STF terá que dizer se o seu RI vale mais do que a Lei nº 8.038/1990. Se sim, muito bem, legitima-se qualquer “recurso de embargos infringentes”; se não, parece que o veredicto do plenário será definitivo. Eis o hard case para descascar.
PS: não parece ser um bom argumento dizer que os embargos infringentes se mantêm em face do “princípio” (sic) do duplo grau de jurisdição, isto é, na medida em que um acusado detenha foro privilegiado e, portanto, seja julgado em única instância, isso faria com que o sistema teria que lhe proporcionar uma espécie de “outra instância” (sic). Com a devida vênia, esse argumento é meramente circunstancial e não tem guarida constitucional. O foro privilegiado acarreta julgamento sempre por um amplo colegiado, que é efetivamente o juiz natural da lide. Há garantia maior em uma República do que ser julgado pelo Tribunal Maior, em sua composição plena? Não é para ele, o STF, que fluem todos os recursos extremos? Um acusado “patuleu” tem duplo grau porque é julgado por juiz singular; um acusado “não-patuleu” (com foro no STF) não tem o duplo grau exatamente porque é julgado pelo colegiado mais qualificado na nação: o STF, em full bench. E não parece ser pouca coisa, pois não?

[1].Como bem dizem Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, cabem aos Regimentos Internos “o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF 22,I), bem como ‘as garantias processuais das partes “dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos orgãos jurisdicionais e administrativos’. São normas de direito processual às relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição.”(Cf. Constituição Federal Comentada, SP, RT, p. 465).
Clique aqui para assistir os vídeos do julgamento do mensalão.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Historiadores do futuro: confiem nos arquivos da NSA: sao fiaveis... - Augusto Nunes

Os papeis confidenciais americanos -- e isto é a constatação de quem já pesquisou em arquivos americanos, inclusive em papéis da CIA -- são extremamente objetivos e profissionais: descrevem meticulosamente o que acontece em cada país, desde os mais altos escalões de certos governos (hummm...) até os mais baixos escalões de certos movimentos "sociais" (que também podem ser sindicais, de juízes, professores, etc).
Ou seja, não tenho nenhuma dúvida de que se os historiadores quiserem reconstituir certos episódios de nossa diplomacia dentro de 10, 15 ou 25 anos (dependendo do grau de sigilo dos documentos), melhor fariam, ou farão, se confiarem mais nos documentos americanos -- que serão inevitavelmente liberados, em prazos certos -- do que em eventuais documentos da região.
Pelo que eu conheço da história do Mercosul, por exemplo, afirmo com todas as letras que seria impossível refazer a história dos processos decisórios que levaram a certos atos do bloco -- a Tarifa Externa Comum, entre outras -- com base em papéis argentinos, brasileiros, uruguaios ou paraguaios. E não porque eles estivessem contaminados pelo zelo conspiratório dos amigos do Foro de S.Paulo, pelo secretismo doentio dos stalinistas de Havana, ou por quaisquer outras deformações institucionais que passaram a ocorrer na república do nunca antes, mas pela bagunça mesmo, pela falta de registros, atas, minutas de reuniões, que possam ajudar na reconstituição de certos processos.
Confio mais nos papéis americanos, que cobrem tudo com um zelo missionário, informando tudo o que é relevante para seus patrões de Washington.
Quem quer tenha trabalhado em arquivos americanos, sabe do que estou falando.
Contentes, historiadores?
Paulo Roberto de Almeida

Augusto Nunes, 10/09/2013

No fim da tarde de 22 de junho de 2012, uma sexta-feira, o Senado paraguaio aprovou por 39 votos a 4 o afastamento do presidente Fernando Lugo. Graças a informações repassadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), a Casa Branca não se surpreendeu com o desfecho da crise política, escancarada por 23 tentativas de impeachment. Surpresos ficaram os governos do Brasil e da Venezuela, constataram os agentes da NSA incumbidos de vigiar também a movimentação dos vizinhos decididos a mandar às favas a soberania do Paraguai.
Inconformados com o despejo do reprodutor de batina, Dilma Rousseff e Hugo Chávez resolveram por telefone que o companheiro Lugo merecia continuar no emprego, que a ofensiva deveria começar de imediato e que seria conduzida pelos chanceleres dos dois países. Despachados para Assunção no meio da noite, o brasileiro Antonio Patriota apareceu sem aviso prévio no Senado paraguaio e o venezuelano Nicolás Maduro baixou sem ser convidado na sede do Poder Executivo.
O emissário de Dilma tentou anular a decisão quase unânime do Senado e reinstalar Fernando Lugo na presidência da República. O enviado de Chávez fez o que pôde para convencer os chefes das Forças Armadas a desfazer com um golpe de Estado o que fizera o Poder Legislativo. Ambos fracassaram miseravelmente. O vice-presidente Federico Franco assumiu sem sobressaltos o lugar do ex-bispo, que voltou a ter tempo de sobra para cuidar das ovelhas do rebanho.
A vingança dos parceiros trapalhões foi tramada com a ajuda da Argentina e do Uruguai: 150 anos depois da Guerra do Paraguai, a Tríplice Aliança reeditada por Dilma, Cristina Kirchner e Jose Mujica suspendeu do Mercosul o vizinho insubordinado e oficializou o ingresso da Venezuela, obstruído havia anos pelo mesmo Senado que afastara Fernando Lugo. Sorte do Paraguai: alheio ao assédio dos quatro patetas, que hoje imploram pela volta do país ao mais anêmico bloco econômico do planeta, o novo governo de Assunção prefere noivar com a Aliança do Pacífico e costurar acordos bilaterais muito mais vantajosos.
“Um dia, talvez, se conheça o histórico, as reflexões, os motivos e a atuação de cada um dos protagonistas brasileiros nesses episódios”, registrou o jornalista José Casado no artigo publicado pelo Globo em que divulgou essas informações. “Até lá, continuarão como segredos enterrados nos arquivos de um anexo virtual da Casa Branca: NSA”. O governo lulopetista não costuma deixar provas materiais das safadezas acumuladas pela política externa da cafajestagem (veja o post na seção Vale Reprise). Mas a documentação produzida pela espionagem ianque deixará de ser sigilosa daqui a alguns anos.

O pouco que vazou sobre o caso é suficiente para atestar que os americanos sabem detalhadamente o que Patriota e Maduro andaram fazendo em Assunção no inverno passado. E sabem muito sobre muitas outras coisas. Ainda bem. Deve-se sempre ressalvar que, em matéria de espionagem, o governo dos EUA tem ultrapassado com frequência os limites do tolerável. Mas certos efeitos colaterais são extraordinariamente positivos. Um deles: os documentos que pioraram o permanente mau humor de Dilma  ajudarão a contar a verdadeira história do Brasil.

Depois dos subinteliquituais, magistrados de miolo mole querem Justica sem dentes...

Que no Brasil existam juízes malucos, disso ninguém deve duvidar. Eu mesmo tenho lido coisas escritas por membros da tribo que me deixam pensando se habitamos o mesmo planeta.
Que também existam juízes sem qualquer noção de como funciona o mundo real, de como é feita a economia de um país, e que os seus salários só podem vir, não do Estado, mas da produção real de empresários e trabalhadores, disso eu também não tenho dúvidas. Noite e dia, até nas mais altas cortes, encontramos decisões que afrontam a simples realidade econômica, pois alguns deles pretendem fazer justiça com suas próprias mãos (às vezes com os pés também), ao arrepio das leis e num entendimento muito particular do que seja justiça.
Agora, que existam magistrado de má-fé, que distorcem o sentido dos processos apenas para abrigar uma causa política, disso não devemos tampouco duvidar; são os amigos dos companheiros, e muitos deles companheiros eles mesmos, exercendo sua visão distorcida do que seja justiça, do que seja punição.
Eles querem fazer toda a sociedade pagar pelos crimes de alguns, pois o que pretendem é a impunidade.
Por razões políticas, claro.
Vamos expor seu pensamento tortuoso e os seus nomes.
Está registrado mais um episódio lamentável da repúbliqueta dos companheiros, desta vez com alguns togados no meio.
Paulo Roberto de Almeida

CARTA AO STF ACUSA ERROS E “DINÂMICA CONDENATÓRIA”
10/09/2013

Juristas de todo o País assinam carta aberta marcada pela clareza, profundidade e objetividade; afirmam que corte estará ferindo "garantias constitucionais" se negar jurisprudência de 23 anos e derrubar embargos infringentes; para eles, "voto do presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que é inadmissível"; temor é que repercussão de eventual negativa aos embargos, na "sessão histórica" desta quarta-feira 11, coroe "julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática"; apelo de nomes como Celso Bandeira de Mello é por votos "garantistas"

247 – Basta ler para entender. Com clareza, profundidade e objetividade, juristas e entidades de advogados, magistrados e jornalistas divulgaram no início da noite desta terça-feira 10 carta aberta em que são apontados os principais erros cometidos, até aqui, pelo plenário do STF no julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão.
Para nomes da expressão de Celso Bandeira de Mello, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, o tribunal agiu ao longo de 53 sessões numa "dinâmica condenatória" que atenta contra "garantias constitucionais" dos cidadãos.
O temor é que, em nome de dar uma sentença contra a corrupção, o Supremo passe por cima de 23 anos de jurisprudência ao negar, na "sessão histórica" da quarta 11, os embargos infringentes – aqueles que podem reduzir penas de réus condenados sem a unanimidade dos juízes.
"Não rever a dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na boa vontade do Supremo em corrigir falhas", assinala o texto.
A carta registra que os signatários agem em "defesa da Constituição e do amplo direito de defesa" diante de um STF que deve agir como "garantista".
Íntegra:
Carta Aberta ao Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal, guardião secular da Justiça no Brasil, tem diante de si, na análise que fará sobre os embargos infringentes na Ação Penal 470, uma decisão histórica. Se negar a validade dos recursos, não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas sim por coroar um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática.
Já no ano passado, durante as 53 sessões que paralisaram a Corte durante mais de quatro meses, a condução do julgamento já havia nos causado profunda preocupação depois de se sobrepor a uma série de garantias constitucionais com o indisfarçável objetivo de alcançar as condenações desejadas no fim dos trabalhos.
Aos réus que não dispunham de foro privilegiado, fora negado o direito consagrado à dupla jurisdição. Em muitos dos casos analisados também se colocou em xeque a presunção da inocência. O ônus da prova quase sempre coube ao réus, por vezes condenados mesmo diante da apresentação de contraprovas.
No último mês, a apreciação dos embargos de declaração voltou a preocupar dando sinais de que a dinâmica condenatória ainda prevalece na vontade da maioria dos ministros. Embora tenha corrigido duas contradições evidentes do acórdão, outras deixaram de ser revistas, optando-se por perpetuar erros jurídicos em um julgamento em última instância.
Não rever a dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na boa vontade do Supremo em corrigir falhas. Na sessão do dia 5 de setembro, o ministro Ricardo Lewandowski expôs de maneira transparente que a pena base desta condenação foi muito mais gravosa se comparada com os outros crimes. "Claro que isso aqui foi para superar a prescrição, impondo regime fechado. É a única explicação que eu encontro", afirmou o ministro. Ele e outros três ministros ficaram vencidos na divergência.
Na mesma sessão, outro sinal ainda mais grave: o presidente Joaquim Barbosa votou pela inadmissibilidade dos embargos infringentes, contrariando uma jurisprudência de 23 anos da Casa e negando até mesmo decisões tomadas por ele no mesmo tribunal ao analisar situações similares.
Desde que a Lei 8.038 passou a vigorar, em 1990, regulando a tramitação de processos e recursos em tribunais superiores, a sua compatibilidade perante o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal nunca foi apontada como impedimento para apreciação de embargos infringentes. Em todos os casos analisados em mais de duas décadas, prevaleceu a força de lei do Regimento em seu artigo 333, parágrafo único.
Outro ponto de aparente contradição entre a Lei 8.038 e o Regimento Interno do STF diz respeito à possibilidade de apresentação de agravos regimentais. Neste caso, assim como ocorrera com os infringentes nos últimos 23 anos, os ministros sempre deliberaram à luz de seu regimento, acolhendo a validade dos agravos.
A jurisprudência sobre os infringentes foi reconhecida e ressaltada em plenário pelo ministro Celso de Mello durante o julgamento da própria Ação Penal no dia 2 de agosto de 2012 e, posteriormente, registrada em seu voto no acórdão publicado em abril deste ano.
O voto do presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que não é admissível sob qualquer argumento jurídico. Mudar o entendimento da Corte sobre a validade dos embargos infringentes referendaria a conclusão de que estamos diante de um julgamento de exceção.
Subescrevemos esta carta em nome da Constituição e do amplo direito de defesa. Reforçamos nosso pedido para que o Supremo Tribunal Federal aja de acordo com os princípios garantistas que sempre devem nortear o Estado Democrático de Direito.
Setembro de 2013
Antonio Fabrício - presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
Aroldo Camillo - advogado
Celso Bandeira de Mello - jurista, professor emérito da PUC-SP
Durval Angelo Andrade - presidente da comissão de Direitos Humanos da ALMG
Fernando Fernandes - advogado
Gabriel Ivo - advogado, procurador do estado em Alagoas e professor da Universidade Federal de Alagoas
Gabriel Lira, advogado
Lindomar Gomes - vice-presidente dos Advogados de Minas Gerais
Jarbas Vasconcelos - presidente da OAB-PA
Luiz Tarcisio Teixeira Ferreira - advogado
Marcio Sotelo Felippe - ex-procurador-geral do Estado de São Paulo
Pedro Serrano - advogado, membro da comissão de estudos constitucionais do CFOAB
Pierpaolo Bottini - advogado
Rafael Valim - advogado
Reynaldo Ximenes Carneiro - advogado
Roberto Auad - presidente do Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
Ronaldo Cramer - vice-presidente da OAB-RJ
Wadih Damous - presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB
William Santos - presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG
Mais as entidades:

Associação dos perseguidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos políticos do Brasil
NAP - Núcleo de advogados do povo MG
RENAP- Rede Nacional de Advogados Populares MG
Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
Sindicato dos Jornalistas Profissionais MG
Sindicato dos empregados em conselhos e ordens de fiscalização e do exercício profissional do Estado de Minas Gerais

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Por que gostamos de Historia? Jaime Pinsky

Jaime Pinsky - Por Que Gostamos de História
Julio Daio Borges

Digestivo Cultural, 5/09/2013




Jaime Pinsky é historiador com muito orgulho. Mas é, igualmente, o principal nome por trás da editora Contexto. Jaime Pinsky é, portanto, editor e empresário. Como passou de um extremo ao outro, sem deixar o historiador de lado, e conciliando, ainda, família e trabalho é assunto desta Entrevista. Desde o comércio de seus pais em Sorocaba, e sua ligação ancestral com os livros, passando pela História, e até pela fundação da editora da Unicamp, Jaime Pinsky nos fala de uma vida de realizações, até a Contexto, até seu mais novo livro: Por que Gostamos de História? Como se não bastasse, e sem esquecer seu lado articulista de jornal, nos brinda com impressões sobre as recorrentes "manifestações de junho"... ― JDB

Em Por que Gostamos de História, você conta um pouco da venda de seus pais, em Sorocaba. Como foi nascer um historiador filho de comerciantes? Como você chegou na História?

Mesmo que eu não fosse historiador profissional precisaria recorrer muito à História. Nasci e cresci em um bairro operário de Sorocaba, ao lado de várias indústrias. Os fregueses do meu pai eram, quase todos, trabalhadores têxteis ou das oficinas da então Estrada de Ferro Sorocabana. Apitos das fábricas regulavam meus dias, dias de pagamento dos operários determinavam o fluxo de caixa da loja do meu pai, feriados cristãos e festas judaicas, mais do que o registro dos meses, marcavam o ano para mim.

Compreender o que acontecera com a grande família dos meus pais na Europa (mais de 100 parentes foram trucidados pelos nazistas), entender as greves e os movimentos operários dos amigos do meu pai em Sorocaba, situar-me como ser histórico no meio disso tudo era fundamental. Seria estranho eu não ter me tornado historiador.

Depois, mais para frente, você monta e dirige a editora da Unicamp. Agora, gostaria de saber como o historiador foi se encaminhando para o trabalho editorial?

Quando, muito jovem, e defendi meu doutorado na USP, a Faculdade de Filosofia de Assis, onde eu trabalhava, decidiu publicar, entre outras teses, a minha. Uma gráfica de São Paulo foi encarregada de editar a obra. Foi quando me aproximei do trabalho editorial pela primeira vez (estou falando de livros; já havia colaborado em jornais de Sorocaba, escrito no jornal escolar e fundado um outro chamado A luta estudantil).

Depois disso colaborei com várias editoras como coordenador de coleções, selecionador de obras, conselheiro etc. Quando o reitor da Unicamp decidiu criar a editora da universidade e nomeou um conselho, fui escolhido pelos colegas para ser o diretor-executivo, cargo que exerci por quase 5 anos.

Mais adiante, você funda a sua própria editora, a Contexto. Então, desta vez, pergunto: como o historiador passou a editor e, finalmente, empresário do mercado editorial?

Com a mudança de reitor na Unicamp coloquei o cargo à disposição, permaneci (a pedido dele) mais alguns meses, mas já inoculado pelo vírus da atividade editorial, com um projeto claro na cabeça (aproximar os produtores do saber, principalmente na Universidade, do leitor; promover a circulação do saber) decidi colocar minhas economias no projeto de uma editora própria.

A ideia inicial era formar uma sociedade com colegas da Unicamp e da USP, mas estes preferiram não investir dinheiro ― trabalhando apenas como coordenadores de áreas.

Desta forma instalei a Contexto em minha própria casa, colocando uma máquina de composição em plena sala (em cujos cantos ficavam pilhas de livros recém-chegados da gráfica). Em nenhum momento tive medo, tinha certeza de que o projeto daria certo.

Hoje, como você se divide? Qual Jaime Pinsky prevalece? Sei que equilibrar trabalho intelectual com administração de uma empresa não é para qualquer um. Logo, qual é o seu segredo?

O mundo de hoje permite uma multiplicidade de identidades, desde que elas não sejam contraditórias.

Livre de atividades administrativas na universidade, sem obrigações de aulas, aos poucos deixei de participar de bancas de doutorado e parei de dar pareceres em projetos apresentados aos órgãos financiadores de pesquisa (isso toma muito tempo de quem leva essas tarefas a sério).

Durante alguns anos administrei sozinho a Contexto, mas, com seu crescimento, comecei a procurar um sócio. Depois de cogitar de alguns nomes, decidi convidar, para fazer parte da empresa, meu filho Daniel, que tinha estudado administração de empresas. Ele cuida das áreas comercial e administrativa.

Com isso posso me dedicar mais à área editorial e de produção. Dividimos, é claro, as grandes decisões em todas as áreas.

Ora, a área editorial consiste, primordialmente, em selecionar textos, ler e escolher, sugerir alterações. A editora tem quase 1000 autores, grande parte da nata dos produtores de conhecimento (os que produzem, não os que ficam fazendo fofoca nos corredores das faculdades). É um privilégio trocar ideias com essa gente.

Ainda sou muito convidado para palestras (aceito poucas, sou um pouco preguiçoso), mas com a leitura que faço dos originais, de textos apresentados para tradução, com as conversas que tenho com os autores, acho que sou hoje melhor historiador do que quando estava na ativa dando aulas.

Uma coisa que eu, particularmente, admiro na Contexto é o espírito familiar. Como se fosse uma continuação daquele espírito dos seus pais, que te fizeram participar da loja deles. Gostaria de saber como os Pinsky hoje se distribuem na editora e como preservam a harmonia familiar?

Quando escolhi a carreira acadêmica sabia que se tratava de um trabalho pessoal, não o de um negócio de família. Não imaginava ter familiares ligados à minha atividade profissional. Circunstâncias fizeram com que familiares entrassem na editora.

Mirna, mãe dos meu filhos, participou do projeto inicial da editora, coordenando a área de literatura juvenil, que acabou sendo desativada por conta do nosso divórcio. Daniel, como já disse, me deixa tranquilo com sua capacidade de administrar e sua criatividade na área comercial. Luciana, minha caçula, depois de trabalhar em revistas e jornais relevantes, também optou por trabalhar comigo e agora faz parte da sociedade. Ela é a editora, coordena todo o trabalho operacional. Sua formação de jornalista e historiadora (pela USP) e sua preocupação com a língua, garantem a qualidade final dos textos publicados. E Carla, minha mulher há vinte anos, é uma editora muito eficiente, além de fazer parte do Conselho Editorial interno, que se reúne semanalmente.

A harmonia é resultado de uma postura de respeito mútuo. Sou pai, sou marido, sou avô, mas nas relações de trabalho respeito a opinião de todos, o que é fácil de dizer, mas difícil de fazer. É preciso ter a modéstia de não se achar o único dono da verdade. É muito frequente encontrar pais que se afastam de seus filhos quando estes ficam adultos por não conseguirem lidar com espíritos independentes. Eles perdem muito. Acho que uma das minhas qualidades femininas é ser agregador...

Muitos dos textos de Por que Gostamos de História enfocam atualidades, pois foram originalmente escritos para jornal. Assim, tenho a curiosidade de saber a opinião do historiador Jaime Pinsky sobre a recente onda de protestos que eclodiu no Brasil.

Após mais de quinhentos anos, dos quais apenas alguns em ambiente democrático, ainda presenciamos um divórcio total entre a Nação e o Estado, entre as "autoridades" e a sociedade. Esta deseja que Executivo, Legislativo e Judiciário de fato representem a Nação, o que não ocorre atualmente.

Convulsões como essa poderão ser mais frequentes e mais intensas se aqueles que ocupam o poder não se derem conta de que devem abrir mão de parte de suas vantagens materiais ou simbólicas.

Isto significa democratizar o poder. Isto significa também dialogar de verdade. Isto significa acabar com práticas inconcebíveis em uma democracia, desde o assalto explícito aos cofres públicos até a emissão de passaportes diplomáticos para familiares de políticos ― assim como administração mais transparente e fim de atribuição de cidadania de segunda e até terceira classe para os que não possuem amigos no poder.

A internet tem essa vocação de "biblioteca" ― apesar de, muitas vezes, se aproximar mais da "Biblioteca de Babel", de Borges. Enfim, lindando com a internet todos os dias, você acha que o interesse dos jovens pela História tende a aumentar?

O Ocidente não está mais considerando as religiões como explicadoras do mundo. Enquanto Adão e Eva resolviam o assunto, a História não era tão importante. Agora é necessário recorrer a ela para nos entendermos como seres reais: pessoas que falam determinada língua, têm certo padrão de comportamento, possuem um universo de valores e não outro, e por aí afora.

A internet para mim não significa nada em si. É como se me perguntassem: "E o papel?". Creio que, aos poucos (não sei quanto tempo isso vai levar), vai haver uma depuração e as pessoas não vão mais dizer, idiotamente, que acharam "na internet", mas qual a fonte. Pela rapidez ― e pela frequente leviandade ― com que as coisas são colocadas na internet, fica muito mais difícil selecionar notícias relevantes (e fidedignas) das irrelevantes (e não fidedignas). De resto, notícia não é fato histórico. Temos, portanto, um longo caminho pela frente.

Alguém uma vez disse que a política é a História no dia a dia. Continuando o assunto mais quente do momento, você tem esperança de que as novas ferramentas de comunicação e organização social possam renovar ou mesmo refundar nossa democracia participativa?

A agilidade das ferramentas de comunicação atuais facilita a comunicação, o encontro das pessoas, o questionamento das relações poder/sociedade, o desmascaramento de atitudes populistas de governantes, sem dúvida. Mas a reorganização da Nação tem que ser estruturada a partir de novas formas de diálogo organizado, além da democracia representativa que temos.

Não há como transformar o Brasil em uma imensa ágora, como se estivéssemos vivendo em Atenas, há 25 séculos, em uma sociedade com escravos, cujo trabalho permitia que os cidadãos (só os homens) ficassem vários dias deliberando em praça pública. Mas é possível reforçar e valorizar Conselhos Municipais, organizações de bairro, redefinir o papel do Judiciário e do Legislativo, transformar essa democracia formal que temos em uma democracia real.

Por fim, gostaria que você endereçasse algumas palavras àqueles que nos lêem e que, muito provavelmente, se sentiram inspirados pela sua trajetória. O que dizer ao jovem historiador brasileiro? E ao jovem editor? E ao jovem empresário?

Todos gostam de História, como diz o título do meu livro ― só não gostam os que não tiveram bons professores.

Lembro-me de uma senhora, esposa de um médico famoso, que foi me procurar no intervalo de um concerto no antigo Teatro Cultura Artística. Ela dizia que seu filho desejava fazer faculdade de História e, "ser um Jaime Pinsky". "Queria lhe pedir", disse ela, "que o dissuadisse dessa intenção, pois isso não dá dinheiro", ela acrescentou. Eu indiquei a ela a plateia, cheia de empresários, economistas, administradores, todos profissionais bem sucedidos e lhe disse: "Peça isso a qualquer um, qualquer pessoa da plateia, menos a mim. Eu nunca dissuadiria ninguém de querer ser historiador."

Há dois meses um jornalista de importante órgão de imprensa me entrevistou. No final da entrevista disse estar fazendo doutorado em História. Era, por incrível coincidência (ou não) o filho daquela senhora...

Vivemos o fim da era de Gutemberg. Novas mídias solicitam novos editores. Mas não adianta muito ser um técnico. Conhecer, de modo organizado e coerente, parte do patrimônio cultural da humanidade é fundamental para um editor, cuja função é estruturar e passar adiante esse patrimônio. Saber selecionar, fazer escolhas, adequar é quase um trabalho de professor, estabelecer conexão entre o que a humanidade já produziu e o que o aluno (ou o leitor) conhece.

Quem ficar apenas com a tecnologia poderá ganhar dinheiro, mas não terá nenhuma importância como editor. E editor desimportante é editor dispensável.

Para ir além
Por que Gostamos de História

Julio Daio Borges
São Paulo, 5/8/2013

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