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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

San Tiago Dantas: um brasileiro incomum - Pedro Dutra (biografia)

Em setembro de 1964 faleceu precocemente um dos mais importantes intelectuais do Brasil contemporâneo - o professor San Tiago Dantas. Pergunte a qualquer estudante universitário brasileiro hoje quem foi San Tiago Dantas e talvez dois ou três saberão dizer quem foi este homem extraordinário. Talvez só tenha tido um par na história intelectual recente do Brasil - o economista Celso Furtado ( Celso e San Tiago foram os autores do Plano Trienal, tentativa frustrada de salvar o Governo Jango já em sua fase pré-agônica). Como se sabe, o Plano Trienal frustrou-se graças à incompreensão de jovens como José Serra e Betinho - então líderes da AP (Ação Popular) no comando da UNE, conjugada com lideranças sindicais e políticas fora de sintonia com a realidade - Brizola, Arraes e tantos outros. San Tiago chamou-os de "esquerda negativa", em contraposição à "esquerda positiva" de Celso Furtado e do próprio San Tiago.
Este é o primeiro volume da biografia preparada por Pedro Dutra (o segundo volume deve sair posteriormente).
Há anos ouço falar do trabalho de preparação desta biografia do grande brasileiro. O primeiro de quem ouvi falar sobre esta obra foi o meu amigo Hélio Jaguaribe, hoje na Academia Brasileira de Letras, grande amigo e admirador do San Tiago, que também aguardava ansiosamente que este trabalho fosse concluído. Do Hélio escutei o relato de um episódio que retrata magnificamente a biografia do chanceler que idealizou e pós em execução a Política Externa Independente. Certa vez o professor San Tiago foi homenageado pela Universidade de Cracóvia, na Polonia, com o título de Doutor Honoris Causa. Na cerimônia de recebimento do título, era e é usual um discurso do homenageado. Ao chegar para a cerimônia - e minutos antes que ela começasse- San Tiago foi comunicado (para sua total surpresa) que a tradição era de que o homenageado teria obrigatoriamente que ler a sua oração. Esta era a regra inflexível. San Tiago pediu alguns minutos e trancou-se na Sala da Congregação. Ao sair, tinha um molho de papéis em mãos (supostamente o texto que leria). Passando uma a uma as folhas do maço de papéis, o professor San Tiago deu prosseguimento à cerimônia, proferindo uma das mais brilhantes conferencias de toda a secular tradição da Universidade de Cracóvia. Ao final, foi aplaudido de pé. E prometeu que enviaria posteriormente o texto corrigido da sua Aula Magna.
Por suposto, os papéis que manuseara durante a Aula Magna estavam em branco, eis que o ilustre professor havia pronunciado de improviso a sua conferencia, apenas fingindo que estava lendo um texto anteriormente preparado. Que figura intelectual extraordinária !
Em um país em que temos que conviver com Paulo Coelhos, Guido Mantegas e Dilma Roussefs, que esperança no futuro me dá que nos anos 50/60, em um Brasil pré-industrializado, pudesse ter brotado do nosso solo universitário inteligência tão singular quanto a de San Tiago Dantas...

Mauricio David

 SAN TIAGO DANTAS - a razão vencida
Autor :Pedro Dutra
Páginas: 768
Editora Singular
ISBN: 978-85-86626-71-5
Ano: 2014

APRESENTAÇÃO
O homem, que muitos dizem ser o mais inteligente do Brasil, tem pressa.
Assim uma reportagem na revista O Cruzeiro, a maior do País, se referia a San Tiago Dantas em 1960. Mas quem foi, ou melhor, quem é San Tiago Dantas?
Brilhante e precoce, sem dúvida. Líder estudantil aos dezessete anos, aos vinte editor de jornal e teórico fascista, um ano depois professor de Direito, a seguir prócer integralista e crítico do nazismo; catedrático aos vinte e cinco, fundador de duas faculdades e titular de três cátedras antes dos trinta anos e ainda diretor da Faculdade de Filosofia, no Rio de Janeiro. Um ano depois, em 1942, repudia publicamente o Integralismo, defende a declaração de guerra ao Eixo, propõe a união nacional das forças políticas, reunindo os comunistas inclusive, para afirmação de um regime democrático, e em 1945 elabora parecer firmado por seus colegas professores que nega fundamento jurídico à proposta continuísta do ditador Getúlio Vargas. E, explicitamente, defende substituir a propriedade privada pelo trabalho como núcleo de uma ampla reforma social.
A acusação de oportunista não demorou a lhe ser lançada, e será renovada e ampliada dez anos depois. Então, o alvo será o jovem jurisconsulto procurado por grandes empresas nacionais e estrangeiras convertido em banqueiro, que se alia aos trabalhadores ao ingressar no partido que Getúlio criara para abrigá-los; e, no início da década de 1960, ministro do Exterior, recusa-se a sancionar o novo regime cubano e reata relações diplomáticas com a União Soviética. No começo de 1964, depois de no ano anterior tentar controlar, sem êxito, a espiral inflacionária à frente do Ministério da Fazenda, já mortalmente doente, e agônica a República de 1946, tenta sensibilizar as forças partidárias e articulá-las em uma frente ampla de apoio às reformas democráticas para resgatá-las da polarização que já engolfara a política nacional. Em vão: a direita o vê como um trânsfuga, os conservadores como um ingênuo, e a esquerda desacredita os seus propósitos.
E quase todos o veem como o manipulador, senão o malversador de seus dotes intelectuais, que, diziam seus críticos, derramavam uma luz fria, que iluminava mas não aquecia, e justificavam todas as capitulações necessárias a satisfazer a sua premente ambição política. Entre essas capitulações, servir o seu talento à causa populista de líderes sindicais cevados nos cofres públicos e a um vice-presidente, depois presidente da República, cuja inépcia e tolerância com a agitação promovida pelo seu próprio partido teriam precipitado o País no descalabro administrativo e na convulsão política que teriam fermentado o golpe militar de abril de 1964.
Mas a trajetória política de San Tiago, que ele confundiu com a sua vida, autoriza ou desmente essa afirmação? Não teria ele senão buscado imprimir racionalidade e consistência ideológica ao debate político de seu tempo, nele intervindo e empenhando desassombradamente o vigor de sua inteligência, dos dezoito anos até a véspera da sua morte, há exatos cinquenta anos?
A resposta a essa questão está na história de sua vida, encerrada, precocemente também, aos cinquenta e três anos incompletos, em plena maturidade intelectual, quando já descera, em abril daquele ano de 1964, uma vez mais, a noite das liberdades públicas no País.
Este primeiro volume da biografia de Francisco Clementino de San Tiago Dantas, nascido no Rio de Janeiro em 1911, estende-se até 1945, um ano divisor em sua trajetória e também no curto século XX. Então, o jovem ideólogo da direita radical, nutrido pela reação ao legado da Revolução Francesa acrescido pela Igreja Católica e reafirmada pelo fascismo italiano, cedera lugar ao defensor de uma social-democracia nascida da dramática experiência da Segunda Guerra Mundial. O “catedrático menino” tornara-se o mestre consumado que desprezava os títulos professorais e amava os alunos e era por eles amado. E o jurisconsulto notável, que via na ciência jurídica nativa o maior entrave à realização do Direito entre nós, já encontrara na advocacia a retribuição material ao seu tenaz aprendizado, em medida raramente alcançada
entre os seus pares.
Saber, ter e poder. Dessa tríade que San Tiago tomou para si como metro de sua trajetória, apenas o último elemento – o poder político – ele não alcançaria plenamente. Mas nesses primeiros trinta e quatro anos de vida ele se habilitou, como poucos antes ou depois, a buscar o fugidio poder político que o fascinara já ao pisar no pátio da Faculdade de Direito, aos dezesseis anos.
O aprendizado que lhe permitisse formular um projeto político consistente de reformas estruturais para o País – o saber; e o ter – a conquista dos meios que lhe possibilitassem cursar uma carreira política desembaraçada de sujeições materiais: reviver para o leitor de hoje essa saga invulgar na história da inteligência brasileira é o propósito e o desafio desta biografia que o Autor procura cumprir, com o lançamento deste primeiro de seus dois volumes.

San Tiago Dantas – A RAZÃO VENCIDA
Dar voz a San Tiago inscrevendo seus textos elegantes e precisos na narrative e situando-o em seu contexto histórico mostrou-se o método indicado a descrever, com a fidelidade possível, a sua espantosa atividade intelectual.
Nesse sentido, o recuo no tempo se impôs para identificar as suas origens familiares, cujo exemplo ele exaltava, e para mapear as matrizes ideológicas que cedo San Tiago se esforçou por dominar e o inspiraram a primeiro defender a “moderna obra da reação”: a Revolução Francesa e a reação às suas conquistas; o surgimento da nova direita no começo do século XX, precedendo as revoluções bolchevista, fascista e nazista; e, no rastro sangrento da Primeira Guerra Mundial, o embate ideológico que levaria à Segunda em 1939.
Ao jovem ideólogo somou-se o “catedrático menino” que não frequentou regularmente o ginásio e pouco frequentou a Faculdade de Direito, porém desde cedo acumulou espantosos e sucessivos “tempos de estudo” mais tarde desdobrados inclusive em aulas célebres transcritas em apostilas e ainda hoje, oito décadas depois, editadas em livro.
E sobre essas qualidades inegáveis, sobre a admiração e as controvérsias que se acenderam à sua trajetória, esse homem naturalmente grave e professoral difundia um afeto generoso e franco pela família, vendo nos sobrinhos, sempre próximos, os filhos que não pôde ter, e tendo nos amigos da escola os companheiros inseparáveis de toda a vida.
“De muitos, um”, dizia o sinete que San Tiago estampava em seus livros.
Essa síntese ele procurou retirar das ideias e viveu plenamente essa busca, aprendendo para ensinar, ensinando para esclarecer, esclarecendo para transformar.
E, no entanto, o poder político não foi alcançado. Mas San Tiago deixou a sua saga intelectual a crédito da história de seu País.

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