Addendum intrometido: Programa Roda Viva com o Embaixador Ricupero, em 9/10/2017, neste link: https://www.youtube.com/watch?v=f7JGDD2POTo
1266. “O Brasil segundo a diplomacia”, [Resenha
de A diplomacia na construção do Brasil,
1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017)], O Estado de S. Paulo (domingo, 8 de outubro de 2017, p. E2, Caderno
Aliás, Política, sob o título ““História
da diplomacia no Brasil tem novo livro definitivo”, em 7/10/2017, link: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-da-diplomacia-no-brasil-tem-novo-livro-definitivo,70002030739). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/cesse-tudo-o-que-musa-antiga-canta.html).
Relação de Originais n. 3168.
Transcrevo o texto, já postado neste espaço, para melhor leitura dos interessados:
Construindo a nação pelos seus diplomatas: o paradigma
Ricupero
Paulo Roberto de Almeida
Em meados do século XX,
os candidatos à carreira diplomática tinham uma única obra para estudar a
política externa brasileira: a de Pandiá Calógeras, publicada em torno de 1930,
equivocadamente intitulada A Política
Exterior do Império, quando partia, na verdade, da Idade Média portuguesa e
chegava apenas até a queda de Rosas, em 1852. Trinta anos depois, os candidatos
passaram a se preparar pelo livro de Carlos Delgado de Carvalho, História Diplomática do Brasil,
publicado uma única vez em 1959 e durante muitos anos desaparecido das
livrarias e bibliotecas. No início dos anos 1990, passou a ocupar o seu lugar o
livro História da Política Exterior do
Brasil, da dupla Amado Cervo e Clodoaldo Bueno. Finalmente, a partir de
agora uma nova obra já nasce clássica: A
Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal,
2017, 780 p.), do embaixador Rubens Ricupero, ministro da Fazenda quando da
introdução do Real, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e Desenvolvimento nos anos 1990, atualmente aposentado.
O imenso trabalho não é
uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e uma reflexão
sobre seu processo de desenvolvimento tal como influenciado, e em vários
episódios determinado, por diplomatas que se confundem com estadistas, aliás desde
antes da independência, uma vez que a obra parte da Restauração (1680), ainda
antes primeira configuração da futura nação por um diplomata brasileiro a
serviço do rei português: Alexandre de Gusmão, principal negociador do Tratado
de Madri (1750). Desde então, diplomatas nunca deixaram de figurar entre os
pais fundadores do país independente, entre os construtores do Estado, entre os
defensores dos interesses no entorno regional, como o Visconde do Rio Branco, e
entre os definidores de suas fronteiras atuais, como o seu filho, o Barão, já
objeto de obras anteriores de Ricupero.
O Barão do Rio Branco,
aliás, é um dos poucos brasileiros a ter figurado em cédulas de quase todos os
regimes monetários do Brasil, e um dos raros diplomatas do mundo a se tornar
herói nacional ainda em vida. Ricupero conhece como poucos outros diplomatas,
historiadores ou pesquisadores acadêmicos a história diplomática do Brasil, as
relações regionais e o contexto internacional do mundo ocidental desde o início
da era moderna, professor que foi, durante anos, no Instituto Rio Branco e no
curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Formou gerações
de diplomatas e de candidatos à carreira, assim como assessorou ministros e
presidentes desde o início dos anos 1960, quando foi o orador de sua turma, na
presidência Jânio Quadros.
Uma simples mirada pelo
sumário da obra confirma a amplitude da análise: são dezenas de capítulos,
vários com múltiplas seções, em onze grandes partes ordenadas cronologicamente,
de 1680 a 2016, mais uma introdução e uma décima-segunda parte sobre a
diplomacia brasileira em perspectiva histórica. Um posfácio, atualíssimo, vem
datado de 26 de julho de 2017, no qual ele confessa que escrever o livro foi
“quase um exame de consciência... que recolhe experiências e reflexões de uma existência”
(p. 744). Ricupero concluiu o texto principal pouco depois do impeachment da
presidente que produziu a maior recessão da história do Brasil, e o fecho
definitivo quando uma nova crise “ameaça engolir” o seu sucessor. O núcleo
central da obra é composto por uma análise, profundamente embasada no
conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a construção da
nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que serviram ao
Estado nessa vertente da mais importante política pública cujo itinerário – à
diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode ser considerado como
plenamente exitoso.
A diplomacia brasileira
começou por ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e
a ruptura entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a
base da política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência
existe uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), conceito que veio a ser
retomado numa fase recente da política externa, mas que Ricupero demonstra
existir embebido na boa política exterior do Império. A construção dos valores
da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no Direito
como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio Branco em
sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época. Vem também
do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia estar
focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das
bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). Esse contato persistente, constante,
apaixonante pela história, constitui, aliás, um traço que Ricupero partilha com
o Barão, o seu modelo de diplomata exemplar, objeto de uma fotobiografia que
ele compôs com seu antigo chefe, o embaixador João Hermes Pereira de Araujo,
com quem ele construiu o Pacto Amazônico, completando assim o arco da
cooperação regional sul-americana iniciada por Rio Branco setenta anos antes.
O livro não é, como já
se disse, uma simples história diplomática, mas sim um grande panorama de mais
de três séculos da história brasileira, uma vez que nele, como diz Ricupero,
“tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da
História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A
diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns
outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível
que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos,
como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda
que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição
da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo” (p. 738-9). O
paradigma diplomático já foi oferecido nesta obra; falta construir o da nação.
[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de setembro de 2017]
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