Nova diplomacia encolhe o Brasil
Os riscos que a política externa corre neste momento são concretos. A bancada do agronegócio teme perder mercado na China, nosso maior parceiro. A ida do presidente Bolsonaro a Washington será boa por um lado, mas o perigo é o país tomar partido na guerra comercial e tecnológica com a China. O deputado Eduardo Bolsonaro representa no Brasil um movimento que se propõe a lutar contra a União Europeia, outro grande mercado brasileiro. A política externa está virando uma coleção de fios desencapados.
O embaixador Roberto Abdenur disse que a decisão de Bolsonaro de demitir 15 embaixadores para melhorar a imagem dele no exterior é uma intervenção sem precedentes:
— O presidente tem o direito de nomear ou demitir funcionários, mas, de uma vez só, decapitar 15 chefes de embaixada é um gesto muito radical. E o presidente se equivoca, porque a imagem dele não é feita no exterior, é feita no Brasil.
O embaixador Paulo Roberto de Almeida, que acaba de ser demitido do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais por ter postado em seu blog pessoal artigos dos quais o chanceler Ernesto Araújo não gostou, lembra outro problema:
— No caso da Venezuela, desde o começo, o chanceler demonstrou uma adesão ao aventureirismo trumpista. O chanceler foi contido e diretamente tutelado pelos militares, que fizeram um cordão sanitário, uma contenção de políticas indevidas. O general Mourão assumiu a chefia da delegação e disse claramente que não haveria intervenção. Os militares estão assumindo uma posição diplomática de respeito à Constituição e ao direito internacional.
Entrevistei os dois diplomatas na Globonews. Abdenur, enquanto esteve na ativa, assumiu postos importantes como as embaixadas da China, Alemanha, Áustria e dos Estados Unidos. Tanto ele quanto o embaixador Paulo Roberto de Almeida foram críticos de posições tomadas na política externa dos governos do PT. Divergem agora dos caminhos adotados no governo Bolsonaro. A crítica é a mesma: a interferência da ideologia — antes de esquerda e agora de extrema-direita — nas relações externas.
O ministro Ernesto Araújo, em aula aos alunos do Instituto Rio Branco, fez uma relação entre os problemas que o Brasil enfrenta em várias áreas com o aumento do comércio com a China.
— A China se tornou o maior parceiro porque é o maior demandante de produtos brasileiros e a maior consumidora desses produtos. O estranho é o chanceler correlacionar o aumento do comércio com a China a uma suposta decadência social, política e cultural. Não faz sentido nenhum — disse Paulo Roberto.
Abdenur faz um alerta sobre a visita que Bolsonaro fará aos EUA no próximo domingo:
— Me preocupa muito o que vai acontecer na semana que vem na visita do presidente a Washington, porque os Estados Unidos estão levando adiante uma confrontação estratégica dura com a China, pela supremacia tecnológica na introdução de 5G na internet — disse Abdenur, lembrando que o Brasil nada tem a ganhar ao tomar posição nessa briga.
Abdenur prevê que a visita terá resultados positivos com progressos na área de comércio, investimentos, de cooperação militar. O Brasil deve ser proclamado aliado estratégico extraOtan e os Estados Unidos podem suspender o veto à entrada do Brasil na OCDE. O temor é que o país assuma uma posição de alinhamento automático aos Estados Unidos.
Há outros riscos. Na reforma imposta ao Itamaraty, a Europa deixou de ter um departamento exclusivo, para ser misturada à África e ao Oriente Médio. O ministro Araújo, em seus discursos, chama a Europa de “vazio cultural”.
O filho do presidente Eduardo Bolsonaro tem agido como um chanceler paralelo. Ele foi nomeado pelo ex-estrategista de Trump Steve Bannon como representante na América Latina do The movement, que, instalado em Bruxelas, se propõe a lutar contra a União Europeia. Ao assumir a Comissão de Relações Exteriores, o deputado disse que Venezuela e Cuba são a escória da humanidade, ou seja, ele confunde países com governos. Pensa estar criticando o chavismo e está ofendendo o país, nosso vizinho de fronteira.
Este governo, através de atos e palavras do presidente e do chanceler, da atuação do filho do presidente, e de um assessor internacional na Presidência sem qualificação para o cargo, tem espalhado ofensas contra diversos países. Isso em diplomacia tem consequência. A de encolher o Brasil.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
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