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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Os delírios e mentiras de Bolsonaro isolaram o Brasil da América Latina, China, Europa e até dos EUA - João Filho (The Intercept)



Os delírios e mentiras de Bolsonaro isolaram o Brasil da América Latina, China, Europa e até dos EUA

Da Amazônia aos direitos humanos, passando pelo coronavírus, Bolsonaro transformou o Brasil em pária do mundo.
The Intercept, 14 de Junho de 2020, 1h02
Se antes o Brasil era uma referência em diplomacia internacional e almejava ser protagonista nas relações com o mundo, hoje o país é rejeitado até mesmo pelos seus vizinhos.

O BEM-SUCEDIDO projeto de destruição da democracia do governo Bolsonaro está promovendo uma lenta e dolorosa morte da reputação do país. Com a chegada da pandemia, ficou claro para o mundo que o Brasil está nas mãos de conservadores xucros, fundamentalistas religiosos e psicopatas dispostos a empurrar compatriotas para o cemitério em nome da salvação da economia. Se antes já havia motivos de sobra para a desconfiança internacional, agora a coisa ficou escancarada.
Bolsonaro é, sob qualquer ponto de vista, o pior presidente do mundo no enfrentamento ao coronavírus. A extrema direita avançou no mundo inteiro, mas no Brasil esse avanço está se dando com requintes de crueldade. Mesmo Trump e Orbán, dois presidentes extremistas que são referências para Bolsonaro, basearam suas ações na ciência e determinaram o isolamento social como fundamental para a contenção da infecção. Já Bolsonaro, com base em misticismos forjados no WhatsApp e nos delírios do vovô da Virgínia, trabalha na direção contrária.


O enterro está sendo agora, mas o velório começou antes mesmo do bolsonarismo tomar posse. Ainda em novembro de 2018, a xucrice bolsonarista já exibia suas credenciais para o mundo: desrespeitaram abertamente a China, nosso principal parceiro comercial. Atacaram o Mercosul. Criaram atrito com os países árabes ao anunciar mudança da embaixada de Israel para Jerusalém. Ameaçaram sair do Acordo de Paris. Tudo isso aconteceu ainda faltando um mês para a posse. O estrago feito em poucos dias já era um indicativo da tragédia que viria nesse ano e meio de mandato.
A política internacional bolsonarista é guiada exclusivamente pela ideologia barata de Steve Bannon, o promoter da extrema direita no mundo. É uma ideologia que considera razoável o filho do presidente, que mal sabe falar inglês, se tornar o embaixador brasileiro nos EUA. Estar preparado para o cargo não é uma condição para assumi-lo. Para isso basta ser reaça. As ações internacionais desse governo, portanto, não são pensadas para trazer bons negócios para o país e melhorar a vida do povo brasileiro, mas para cumprir a agenda “anti-globalista” de uma turminha delirante. A expectativa era fazer nosso comércio exterior se aproximar dos capitalistas dos EUA e se afastar dos comunistas chineses. A realidade está sendo outra: EUA e China se afastando cada vez mais do Brasil.
Essas patacoadas internacionais foram se acumulando e atingiram o pico com a maneira esotérica como enfrentamos o coronavírus. A comunidade internacional está nos isolando progressivamente. Mesmo o principal aliado, Trump, tem criticado reiteradamente o Brasil e proibiu a entrada de brasileiros em seu país. Este 2020 pode ser considerado o ano em que o Brasil se transformou em pária internacional.
O bolsonarismo prometeu acabar com a política internacional ideologizada dos governos do PT, ignorando que a relação política entre Brasil e EUA, por exemplo, já foi tão boa que Lula quase virou amigo do direitista George Bush. Ainda antes de tomarem posse, Eduardo Bolsonaro esteve nos EUA com Steve Bannon e desfilou com um boné da campanha Trump 2020. Essa vergonhosa puxação de saco com Trump foi, por óbvio, uma tragédia em termos diplomáticos. Trump não é o dono dos EUA e praticamente todas as importantes decisões do governo precisam de aprovação da Câmara, que hoje é composta por uma maioria democrata.
Na semana passada, uma comissão da Câmara americana declarou que rejeitará qualquer parceria econômica com “o Brasil do presidente Jair Bolsonaro”. Sim, a rejeição não é ao país, mas especificamente ao país presidido por Bolsonaro. Em carta enviada ao principal negociador comercial dos EUA, o embaixador Robert Lighthizer, a Câmara justifica a rejeição: “há um completo menosprezo (do governo Bolsonaro) por direitos humanos básicos, pela necessidade de proteger a floresta amazônica e pelos direitos e dignidade dos trabalhadores (…) O aprimoramento do relacionamento econômico entre os EUA e o Brasil, neste momento, iria minar os esforços dos defensores dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais brasileiros para promover o estado de direito e proteger e preservar comunidades marginalizadas”.
Outra razão para a rejeição de acordos comerciais com o Brasil: “as declarações depreciativas sobre mulheres, populações indígenas e pessoas identificadas por gênero ou orientação sexual, além de outros grupos”.  É claro que também há interesses econômicos por trás dessa rejeição dos democratas, mas é inegável que a imagem manchada do país atrapalha os negócios.
Na Europa, há uma enxurrada de países rejeitando parcerias comerciais com o Brasil. Na última quarta, o parlamento holandês se colocou contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que ainda depende da aprovação de países participantes. Motivos? A devastação da Amazônia e o descaso com os povos indígenas comandados por Jair Bolsonaro.
Em fevereiro, um parlamento regional na Bélgica rejeitou por unanimidade o mesmo acordo, usando as mesmas justificativas. Além desses países, França, Irlanda e Alemanha também já deram sinais claros que não vão assinar acordos comerciais com o Brasil pelos mesmos motivos.
Mês passado, Yasmin Fahimi, deputada alemã que preside o Grupo Parlamentar Brasil-Alemanha, afirmou que não sabia como seria possível conciliar as políticas de Bolsonaro com as exigências para o acordo União Europeia-Mercosul. E completou: “Bolsonaro representa um perigo para a democracia, para o estado de direito e para a existência da floresta amazônica”. O bolsonarismo está descobrindo na prática que se apresentar ao mundo como inimigo do meio ambiente e dos direitos humanos não é bom para os negócios — uma obviedade que nem o chimpanzé mais esperto do bando, o Paulo Guedes, conseguiu enxergar.
Além dos EUA impedirem a entrada de brasileiros no país pelo descaso do governo no combate à pandemia, outros países estão fazendo o mesmo. Nossos vizinhos de continente temem que o descaso do governo brasileiro respingue em seus países. O Paraguai fechou as fronteiras do país por temer, segundo uma autoridade paraguaia, que a “situação caótica” vivida pelo Brasil chegue ao país. Argentina e Uruguai também reforçaram o controle nas fronteiras com o Brasil, levando motoristas de caminhão brasileiros a sofrerem discriminação pelas autoridades estrangeiras.
Na Colômbia, o maior número de casos de coronavírus está em uma cidade amazônica que faz fronteira com o Brasil. O ministro da Saúde colombiano atribuiu o problema à falta de diálogo com as autoridades brasileiras.  Na Bolívia, o quadro se repete. As cidades que fazem fronteira com o Brasil estão entre as que  mais têm casos no país. O sistema de saúde da região boliviana na Amazônia já entrou em colapso.
Apesar da profunda recessão econômica, o governo que prometeu ultraliberalismo na economia vem implodindo todas as pontes comerciais do país. A nossa diplomacia não está a serviço dos brasileiros, mas de uma agenda global da extrema direita. Em nenhum outro momento da República, o Brasil esteve tão isolado. Se antes o país era uma referência em diplomacia internacional e almejava ser protagonista nas relações com o mundo, hoje é rejeitado até mesmo pelos seus vizinhos. A transformação do Brasil em pária internacional é consequência direta do até aqui muito bem-sucedido plano de destruição progressiva da democracia.
Hoje, nós somos vistos pelo mundo como uma republiqueta das bananas cujo líder é um homem autoritário que renega a ciência, esconde dados fundamentais para a segurança sanitária e faz ameaças semanais de golpe de estado. Esse é o paiseco que nós viramos.

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