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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Diplomacia brasileira faz 200 anos e busca se reinventar - Thiago Bethônico (FSP)

 


 

Diplomacia brasileira faz 200 anos e busca se reinventar

Sob Bolsonaro, Itamaraty tem desafio de romper com isolamento externo

 

Thiago Bethônico

Folha de S. Paulo, 4.set.2022 às 23h15

 

SÃO PAULO

Quando se emancipou de Portugal, o Brasil teve de conquistar o reconhecimento da comunidade internacional sobre sua soberania. É por isso que a Independência, cujo bicentenário é celebrado nesta quarta (7), também marca o nascimento da diplomacia brasileira, que chega aos 200 anos com o desafio de romper com o isolamento do país e a imagem de pária adquirida durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

 

A independência inaugura uma diplomacia nacional propriamente dita, que começa sob a batuta de José Bonifácio (1763-1838). Considerado um dos principais conselheiros de dom Pedro 1º, ele se torna o primeiro chanceler do Brasil —embora não fosse esse o título oficial.

 

"No começo, o Brasil tinha algo como quatro funcionários e mais dois mensageiros a cavalo. Essa era toda a diplomacia na época de José Bonifácio", diz Rubens Ricupero, embaixador e ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda.

 

O objetivo de Bonifácio era o Brasil ser reconhecido sem fazer nenhuma concessão à Inglaterra, principal potência da época. A atitude soberana não consegue prosperar. Em 1823, o chanceler é derrubado do cargo, preso e exilado com a dissolução da Assembleia Constituinte por dom Pedro. O próprio imperador assume as relações exteriores do Brasil —e com uma postura completamente oposta.

 

No afã de obter rápido reconhecimento, e também interessado em assegurar direitos ao trono de Portugal, dom Pedro 1º se dobra à Inglaterra e aceita um tratado cheio de concessões. O Brasil se compromete a assumir metade da dívida externa portuguesa, sendo que boa parte dela havia sido contraída exatamente para combater a independência brasileira. Daí vem a ideia de que o país teria comprado sua emancipação.

 

Curiosamente, as duas estratégias de inserção internacional que dominaram o primeiro momento do Brasil independente —a posição soberana pretendida por Bonifácio e o alinhamento a uma grande potência adotado pelo imperador— marcam os padrões que a diplomacia seguiu ao longo de seus 200 anos.

 

Do fim do século 19 até os anos 1930, a política externase moldou de acordo com desdobramentos do imperialismo europeu. É nesse contexto que a atuação do Barão de Rio Branco (1845-1912) para consolidar as fronteiras nacionais ganha destaque. Considerado o patrono da diplomacia brasileira, ocupou o cargo de ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, e adotou uma postura de aproximação com os Estados Unidos.

 

A proximidade com Washington promovida por Rio Branco se tornará um paradigma da política externa brasileira por um bom tempo. No governo Dutra (1946-1951), a postura foi tão marcante que ganhou o título depreciativo de alinhamento automático.

 

O retorno a uma estratégia de inserção internacional autônoma só ocorre com Jânio Quadros e João Goulart (1961-1964), que promovem uma política dita não subordinada aos norte-americanos. Mas a postura independente acaba com o golpe militar. O governo de Castelo Branco, o primeiro da ditadura, representa uma aposta quase total nos EUA.

 

Segundo Ricupero, 1964 foi a primeira vez que uma questão de política externa se torna uma causa importante de golpe de Estado no Brasil. "Todos os outros golpes tinham sido por questões internas.

 

Dessa vez a política independente que era vista pela direita como pró-Cuba foi um elemento poderoso", afirma.

 

É a partir do governo Geisel (1974-1979) que ocorre um afastamento em relação aos EUA, e uma política externa mais independente volta à superfície. Até o fim da ditadura, apesar das diferentes estratégias, houve uma certa compatibilidade de valores, baseados em autonomia e participação maior no mundo, sem visão ideológica. A lógica muda com o governo Bolsonaro.

 

Para o historiador Rodrigo Goyena Soares, o Brasil vive o seu pior momento nas relações externas desde José Bonifácio. Além de romper com uma tradição secular do multilateralismo, a diplomacia bolsonarista, ele afirma, opta por um alinhamento motivado por razões particulares e ideológicas.

 

O historiador Thiago Krause concorda e diz que é possível notar ecos da postura de dom Pedro 1º em Bolsonaro, como os impulsos autoritários e a preocupação excessiva com a questão familiar.

 

"Poderíamos pegar momentos mais brutais da política externa, como o apoio à ditadura do Pinochet, a Operação Condor, ou o fim da Guerra do Paraguai, mas em termos de estatuto do Brasil no mundo, acho muito difícil pensar num momento em que o país seja mais pária do que agora."

 

Ricupero concorda. "O período de Ernesto Araújo é o pior do pior. É quando o Brasil destrói todo o patrimônio de soft power que havia acumulado", afirma.

 

Na visão de Krause, os principais desafios da política externa brasileira hoje incluem a construção de uma política ambiental crível para reposicionar o Brasil na discussão climática e a reconstrução dos laços com a América Latina e com o Sul Global.

 

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/09/diplomacia-brasileira-faz-200-anos-e-busca-se-reinventar.shtml

Bicentenário da Independência: os fundadores do Estado - Paulo Roberto de Almeida (evento do IAB Nacional)

 Bicentenário da Independência: os fundadores do Estado  


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para palestra em seminário do IAB sobre o Bicentenário, 5/09/2022, 10:30hs. Transmissão via Canal YouTube/IABNacional: www.youtube.com/user/tviab  

 

Falar sobre os fundadores do Estado brasileiro, 200 anos atrás, significa distinguir, de um lado, aqueles que colocaram os alicerces fundamentais da nova nação independente na América do Sul portuguesa, em 1822, e, de outro lado, aqueles que, a partir de 1824, com a Constituição outorgada – depois da iniciativa frustrada da Assembleia Constituinte –, passaram a construir todas as demais instituições do Estado, desde a formação da Assembleia Geral e do Senado, a criação da Suprema Corte, processo que se estendeu bem além do primeiro Reinado e das próprias Regências, tocando em muitas outras agências públicas, na segurança e defesa, na justiça (com os códigos de processo), na administração do orçamento e em diversos outros terrenos.

A construção do Estado propriamente dito é feita na sequência daquele momento inicial, quando se constituem gabinetes essencialmente brasileiros, voltados para as questões nacionais – não as de Portugal, como sob Pedro I – e se definem as linhas das políticas doméstica e externa, durante as Regências e ao início do segundo Reinado, depois do golpe da maioridade de 1840, uma iniciativa dos Liberais, depois recuperada pelos conservadores ou regressistas. O Regresso, ou Partido Saquarema, é o verdadeiro construtor do Estado brasileiro, com homens como Bernardo Pereira de Vasconcelos, Honório Hermeto Carneiro Leão, Rodrigues Torres, Paulino Soares de Souza e vários outros; foram eles que realmente colocaram de pé uma configuração política e de segurança pública, que deu cabo das revoltas provinciais das regências e da primeira fase do reinado de Pedro II, assim como souberam encontrar uma solução ao primeiro grande conflito externa, a disputa com a Grã-Bretanha em torno da questão do tráfico escravo. Esta é, no entanto, a segunda geração dos construtores do Estado, a que se desempenha no final do período regencial e nos anos 1840-50.

Minha intenção seria falar da primeira geração, aquela que levou o então Reino Unido, quase reduzida a uma nova condição de colônia pelas Cortes de Lisboa, à sua separação de Portugal, decretando a independência política e obtendo o reconhecimento internacional do Império do Brasil. Quanto a seus componentes, cabe mencionar, antes de todos os homens, a princesa Leopoldina, que verdadeiramente tomou a decisão de romper com Portugal, apoiada por estadistas da qualidade de José Bonifácio de Andrada e Silva. Antes mesmo dos estadistas de 1822, três intelectuais e formadores de opinião, já tinham pensado o Brasil como nação e como Estado. Eles são José da Silva Lisboa, Hipólito da Costa e José Bonifácio, que por acaso figuram em primeiro lugar na lista de duas dezenas de estadistas que integram meu livro, recentemente publicado, sobre os Construtores da Nação, os que formularam projetos para o Brasil, muito poucos implementados de fato.

José da Silva Lisboa, o Adam Smith brasileiro, é o mais velho dos três, o primeiro economista de fato – não esquecendo o bispo Azeredo Coutinho, fundador do seminário de Olinda – o intelectual baiano, súdito fiel dos Braganças, quem primeiro escreveu sobre a economia e a política econômica que o Brasil deveria ter, desde o Vice-Reino, com seu livro Princípios de Economia Política, de 1804. Com a chegada da corte ao Rio de Janeiro, ele passa a discutir a política comercial e industrial que o Brasil deveria seguir, como sede do grande império português; ele o faz com seus livros sobre o comércio franco do Brasil, de 1808, e um outro, sobre a franqueza da indústria, de 1810. Silva Lisboa só se tornou barão, depois visconde de Cairu no primeiro Reinado, quando foi contemplado pelo imperador com esses títulos de nobreza e com o cargo de senador do Império. 

Mas, sua obra básica para a construção da nação foi escrita ainda antes da Revolução do Porto e da Independência: ela foi os Estudos sobre o Bem Comum, de 1819, onde estão reunidos os fundamentos sobre os quais deveria se apoiar uma sólida política econômica para o fortalecimento da nação brasileira, prevendo inclusive a rejeição do tráfico e a abolição da escravidão, assim como o aproveitamento das vantagens comparativas do imenso território e a formação do seu capital humano. Silva Lisboa, como economista e liberal político, foi não só o Adam Smith brasileiro, mas também o seu David Ricardo, o Frédéric Bastiat, o Jean-Baptiste Say, o James Mill e talvez até o John Stuart Mill, menos talvez pelos seus impactos efetivos sobre o novo Estado do que pelos seus escritos duradouros, ainda válidos.

Em segundo lugar eu colocaria Hipólito da Costa, quem, recém egresso de Coimbra, recebeu do ministro português Rodrigo de Souza Coutinho a missão de descrever o que havia de novo, e de útil para Portugal e para o Brasil, na jovem República americana, o que ele fez em sua estada de investigação econômica de 1798-1799. Dessa missão resultou o seu relato de viagem à Filadélfia, que só viemos a conhecer em 1955, graças a Alceu Amoroso Lima, que recuperou o manuscrito na Biblioteca de Évora e o fez publicar pela Academia de Letras. Hipólito retornou maçom dessa viagem e, como tal, foi detido pela polícia política do absolutismo português e entregue à Inquisição. Ele relatou, na Narrativa da Perseguição (que publicou em Londres em 1810), os interrogatórios a que foi submetido entre 1802 e 1805, quando se evade do cárcere e se refugia em Londres. Na capital britânica, com o apoio do príncipe de Gales, maçom igualmente, ao Correio Braziliense, que ele publica ininterruptamente de 1808, desde o momento da instalação da corte no Rio de Janeiro, até 1822, já tendo aderido ao princípio da separação dos dois reinos. Pela densidade substantiva do seu “armazém literário”, cobrindo praticamente todos os aspectos do mundo europeu e americano que poderiam interessar à construção de sua nação de origem, ele merece legitimamente que se o chame de primeiro estadista do Brasil.

Finalmente, temos José Bonifácio, que retorna ao Brasil em 1819, depois de três décadas de estudos por diversos países europeus (inclusive a França revolucionária do final do século XVIII) e de engajamento na resistência portuguesa contra a invasão napoleônica. Foi ele quem redigiu as instruções aos delegados de São Paulo às Cortes de Lisboa, já defendendo o formato de Estado que ele pretendia favorecer, a manutenção da união política entre Portugal e o Brasil, junto, aliás, com Silva Lisboa e o próprio Hipólito. Para os três, o Brasil deveria ser a sede de um importante império luso-brasileiro, junto com as demais colônias, que poderia figurar lado a lado com outros importantes impérios em formação.

Os principais projetos de Bonifácio para a construção da nação brasileira, assim como para Hipólito, eram a abolição imediata do tráfico escravo, a eliminação gradual do regime servil, pari passu à importação de agricultores europeus, para fazer do Brasil a grande economia que já figurava nas previsões de Silva Lisboa. Mas ele também tinha o projeto, algo utópico, de “civilizar os índios”, ademais da firme intenção de fundar universidades, mudar a capital para o interior e muito mais. Ainda antes da independência, no manifesto às nações amigas de agosto de 1822, ele se pronunciava pelo liberalismo comercial, mas também pelo respeito mútuo e plena reciprocidade no trato internacional e pela facilidade de ingresso no país de sábios, artistas e empresários. 

O trio de fundadores da nação brasileira, Silva Lisboa, Hipólito e Bonifácio, tinham peculiaridades próprias nas ideias e propostas formuladas por cada um deles, como grandes intelectuais iluministas que eram, mas concordavam no essencial: preservar, acima de tudo, a unidade nacional, instituir um regime político liberal, abrir a economia, eliminar o tráfico e a escravidão, importar capital humano e ganhar o respeito da comunidade internacional. Conseguiram algumas coisas dos seus grandes objetivos, mas se estivessem conosco nos 200 anos da independência, saberiam indicar as grandes carências remanescentes: a desigualdade renitente, os desequilíbrios sociais e regionais persistentes, o edifício político ainda pendente da eliminação do patrimonialismo e dos privilégios inaceitáveis. Estiveram entre os primeiros construtores da nação, mas seus projetos para o Brasil ainda não foram completados. 


Brasília, 4228: 4 setembro 2022, 3 p.

Bicentenário da Independência: A Construção da Nação e o seu futuro - Canal YouTube do IAB, 5/09/2022, 10:00hs

Nesta manhã, 5/09/2022, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), promove mais um evento da série Bicentenário da Independência, desta vez sobre A Construção da Nação e o seu futuro

O Evento será transmitido pelo Canal YouTube/IABNacional.

Clique no link abaixo para assistir ao webinar: 

www.youtube.com/user/tviab


Uma síntese perfeita sobre os sentidos do liberalismo, em John Locke e em Pierre Manent, por Alex Catharino

Uma síntese perfeita sobre os sentidos do liberalismo, em John Locke e em Pierre Manent

Alex Catharino


Há exatos 390 anos, em 29 de agosto de 1632, em Wrington, Somerset, na Inglaterra, nasceu o médico e filósofo John Locke, falecido, aos 72 anos, em High Laver, Essex, no mesmo país.

Além de ser notável representante do empirismo britânico, devido as reflexões epistemológicas no "Ensaio acerca do Entendimento Humano", de 1689, suas concepções políticas, nos "Dois Tratados sobre o Governo", de 1689, e nas três "Carta sobre a Tolerância", publicadas, respectivamente em 1688, em 1690 e em 1692, fizeram que a maioria dos analistas considerasse John Locke como o "pai do liberalismo".

Nesta semana, em memória desse pensador inglês, recomendamos o livro "História Intelectual do Liberalismo: Dez Lições", do cientista político francês Pierre Manent, disponível, atualmente, em língua portuguesa em lançamento da Edições 70 (@edicoes_70).

Além do prefácio introdutório, de uma nota final, e do posfácio "Grandeza e Miséria do Liberalismo", escritos pelo próprio autor, a obra é dividida nos respectivos capítulos: I) "A Europa e o Problema Teológico-Político", II) "Maquiavel e a Fecundidade do Mal", III) "Hobbes e a Nova Arte da Política", IV) "Locke, o Trabalho e a Propriedade", V) "Montesquieu e a Separação dos Poderes", VI) "Rousseau, Crítico do Liberalismo", VII) "O Liberalismo Depois da Revolução Francesa", VIII) "Benjamin Constante e o Liberalismo de Oposição", IX) "François Guizot, o Liberalismo de Governo", X) "Alexis de Tocqueville, o Liberalismo Perante a Democracia".

Nas sentenças finais de seu posfácio, Pierre Manent fez a seguinte advertência aos liberais contemporâneos:

"É verdade que o liberalismo fez recuar o cristianismo para a periferia da vida coletiva. Todavia, despeito de seu triunfo, não se pode substituir inteiramente a ele, porque define apenas as condições da ação, e nunca as suas finalidades, como fez o cristianismo. É a relação com o cristianismo, bem mais do que a questão da organização econômica, que é fundadora e formadora do liberalismo. É essa relação que temos de nos esforçar por desembaraçar, se quisermos chegar à clareza sobre o destino das sociedades liberais".

Alex Catharino

Cabe aguardar o golpe ou preveni-lo? - Paulo Roberto de Almeida

 Comentário a propósito da contrariedade de muitos a respeito da ação do ministro Alexandre de Moraes, mandando investigar empresários golpistas, considerando-a inconstitucional.

O problema de minimizar simples ameaças verbais é a possibilidade de um dia nos deparamos com o horror de uma ditadura cruel. 

Em 1926-27, quando foram publicados os dois volumes do Mein Kampf, não se deu muita importância aos argumentos de um golpista de instintos totalitários, já anunciando a luta contra bolcheviques e judeus. 

A obra só começou a ser lida, de fato, depois que Hitler já tinha transformado a turbulenta República de Weimar numa ditadura assassina. 

Como alertou Karl Popper, não se pode ser tolerante com os intolerantes, pois eles podem simplesmente matar a democracia.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 5/09/2022

Vergonha do Brasil e do Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

 Vergonha do Brasil e do Itamaraty: uma expressão pessoal de meu profundo desconforto moral com o desgoverno que rebaixa o conceito externo da nação.

Ingressei na carreira diplomática em plena ditadura, e durante alguns anos continuei resistindo ao regime militar, usando nomes de guerra para escrever contra o autoritarismo e mesmo contra aspectos da “diplomacia blindada” que tivemos em algumas fases da ditadura. 

Mas a política externa não era o pior aspecto do regime militar, quando comparada, por exemplo, à idiotice da censura política e da repressão cultural, ou até, no limite, à repressão desapiedada de opositores pacíficos do regime, entre os quais eu me incluía.

Melhoramos muito em todos os aspectos desde 1985, embora a vergonha das desigualdades sociais tenha continuado impérvia desde então, a despeito de melhorias pontuais em governos passados.

Mas um aspecto passou a me constranger desde as eleições presidenciais de outubro de 2018: jamais, até 2018-19, senti tanta vergonha da política externa e da diplomacia como nos últimos 4 anos.

Tenho profunda tristeza pelo que ocorreu com nossa imagem internacional e com o lado deprimente e depressivo que atingiu — o verbo não é muito forte — o Itamaraty, sobretudo na primeira fase do atual governo, quando a gestão da Casa de Rio Branco esteve entregue à franja lunática que rebaixou o conceito da diplomacia profissional e da própria política externa de forma nunca antes vista na história do país. 

Não consigo imaginar o estado de espírito da maioria dos meus colegas diplomatas e não consigo entender como alguém da carreira possa ainda admitir, apoiar ou defender o atual desgoverno, conduzido por um desequilibrado ex-militar, um indigno representante das masmorras dos anos de chumbo da ditadura militar.

Os valores e princípios da diplomacia profissional brasileira foram espezinhados e conspurcados pelos que humilham a nação no mundo. 

Sei que este meu protesto não tem nenhuma relevância no atual contexto eleitoral; eu apenas desejei registrar meu sentimento num momento decisivo da trajetória do Brasil: vamos atravessar o Bicentenário da Independência numa situação de profunda divisão do país.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 5/09/2022

Padres alertam contra a reeleição do atual presidente da República - Carta aberta

Trata-se de algo inédito no Brasil: padres da Igreja Católica tomam a iniciativa de recomendar aos fieis que rejeitem o atual presidente. As razões são claramente expostas no texto a seguir.

Paulo Roberto de Almeida 

 Carta Aberta

Padres alertam contra a reeleição do atual presidente da República

Encontramo-nos, novamente, no período eleitoral. Em 2018 a população, enganada por fake news, desmotivada por crises econômicas, escândalos de corrupção e insuflada por discursos de ódio acabou por eleger para a presidência da República Jair Messias Bolsonaro. Uma catástrofe anunciada! Hoje, distante quatro anos daquele momento, nós Padres, conscientes do nosso dever de pastores do povo de Deus, queremos alertar para o perigo de repetirmos o mesmo erro, que pode pôr o Brasil em uma crise humana muito profunda. Por isso, elencamos dez elementos pelos quais, claramente, opomos nossas consciências à reeleição do atual Presidente da República.

1 – Uso do nome de Deus: o atual presidente sempre manipulou o sentimento religioso da população brasileira, tentando convencê-la de que é um homem cristão, religioso e, por isso, digno e bom. Trata-se apenas de uma estratégia de controle das consciências, visto que todo o seu discurso e suas ações são uma total oposição ao Evangelho de Jesus;

2 – Discurso de ódio: o atual presidente insufla ódio na população por aqueles que considera inimigos seus ou do país (ainda que inimigos imaginários como os “comunistas”), tendo sempre um discurso ligado à violência, ao apelo às armas, a imposição da maioria e submissão das minorias, e um tom de agressividade e de desprezo pelos pobres, pelas mulheres, comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, população de rua, comunidade LGBTQIA+, migrantes, etc;

3 – Fake news: toda a eleição de 2018 foi movida por notícias falsas e alarmistas, colocando em pânico a população mais simples e vulnerável. Notícias falsas circularam por grupos de WhatsApp e pelas demais redes socias, desinformando e manipulando a população. Durante todo o seu governo as notícias falsas e caluniosas permaneceram e o Presidente mente de forma compulsiva na TV e em seus diversos pronunciamentos;

4 – Má gestão da pandemia de COVID-19: o governo atual, capitaneado pelo Presidente Bolsonaro, geriu de forma desastrosa e desumana a pandemia de COVID-19. O Presidente fez propaganda de medicamentos comprovadamente ineficazes, atrasou propositalmente a compra de vacinas, criou dificuldades para o estabelecimento de políticas de distanciamento social, demitiu ministros da saúde que contradiziam suas ideias infantis e, incrivelmente, ainda imitou pessoas morrendo sufocadas;

 5 – Volta da pobreza: o país foi imerso na pobreza e 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil de hoje. Nós, que havíamos saído do mapa da fome em 2014, tornamos a ver a instabilidade alimentar em nosso meio. A inflação impede pessoas de comprarem alimentos básicos para a subsistência. Nosso povo passa fome enquanto super ricos cercam o atual Presidente por medo de perderem privilégios. Com tudo isso, o presidente ainda nega que existam pessoas com fome no Brasil;

6 – Aumento do desmatamento: O desmatamento ilegal, as políticas que favorecem o agronegócio irresponsável, favorecimento do garimpo ilegal, silêncio e despreocupação com as ameaças sofridas por ambientalistas e defensores da Amazônia, o uso de agrotóxicos proibidos em outras partes do mundo, o pisoteamento das comunidades indígenas, o desaparelhamento dos órgãos de controle ambiental e indigenista e a sistemática destruição da Amazônia são escândalos em nível mundial. O atual governo coloca em risco toda a confiabilidade do país e o equilíbrio ambiental através de suas políticas ecocidas;

7 – Sinais claros de corrupção: eleito com discurso anticorrupção, o atual Presidente vive soterrado e soterrando os escândalos de corrupção que o envolvem e envolvem sua família. Escândalos de corrupção na compra de vacinas, escândalos no MEC, interferência na Polícia Federal, desmonte das políticas de transparência fundamentais no combate à corrupção, compra do parlamento através do “orçamento secreto”, movimentações financeiras milionárias não esclarecidas (compra de 51 imóveis com dinheiro vivo), sigilo de 100 anos sobre ações pessoais sendo que somos uma República;

8 – Ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF): o Presidente da República tem sistematicamente atacado o STF, que diz intervir indevidamente no governo. Frases ameaçadoras contra ministros do STF são públicas e estão nas redes socias. A ameaça a um poder da República é um ataque à Constituição Federal e um perigo ao Estado Democrático de Direito. Além disso sustenta um discurso antidemocrático militarista;

9 – Questionamento sobre o processo eleitoral: mesmo tendo sido eleito pelo atual sistema de urnas eletrônicas, o Presidente da República questiona sistematicamente o sistema eleitoral brasileiro, afirmando que houve e que podem acontecer fraudes. Chegou mesmo a afirmar que existiam provas dessas fraudes, provas essas, que nunca pode demonstrar. O TSE já demonstrou que tudo não passa de retórica de mentira. Porém, com esse discurso cria desconfiança e instabilidade no sistema eleitoral do Brasil;

10 – Claros sinais de autoritarismo e fascismo: por fim, o lema do presidente Bolsonaro sempre foi: “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”, que se assemelha a propaganda nazista “Alemanha acima de tudo”, lema que deturpa patriotismo em perigoso nacionalismo. Em um Estado laico a única realidade que está acima de tudo é a Constituição, que existe para garantir a liberdade e o bem estar de todos os cidadãos, não importando suas etnias, religiões ou classes sociais. O Estado laico não é Estado ateu. Estado laico é a única garantia de que todos os cidadãos poderão viver e celebrar suas diversas crenças de forma livre;

Feitas essas considerações, como padres preocupados com o bem da nossa população, recordamos que Jesus veio para que tenhamos vida e vida em abundância (Jo 10,10). Um discípulo de Jesus consciente não pode reeleger um homem que com palavras e obras demonstra ser o oposto de tudo aquilo que Jesus é e anuncia. Deus nos ilumine para sermos fiéis ao Senhor da vida!

Comprometem-se com essa carta mais de 450 padres católicos de diversas Dioceses, Ordens, Congregações e Institutos de Vida Consagrada de todo o Brasil e fora dele, denominados Padres da Caminhada e Padres contra o fascismo, e que refletem e se unem desde 2018 em vista da democracia ameaçada no Brasil.

Brasil, 07 de setembro de 2022


domingo, 4 de setembro de 2022

Vladimir Putin Will Eventually Lose His War in Ukraine. Here’s Why - Sylvain Saurel (Medium)

 Sylvain Saurel

Medium, Sep 1, 2022





Image: Craig Stephens

Russia is likely to lose this war, which began a little over six months ago. It has already lost geopolitically: its existential goal of bringing Ukrainians, who have now turned entirely to the West, back into its sphere of influence has fallen through. Vladimir Putin has pushed Sweden and Finland to join NATO.

His main point of support in Europe, Germany, has been denuded. And the EU-27 will do everything to do without its hydrocarbons. What ally and important outlet does it have left, apart from China? At the risk of a certain vassalization. But what about the outcome of the war itself, which is more important to public opinion than to the protagonists?

The prognosis may seem staggering, given that the world’s second-largest army, on paper, is facing a country with only a handful of operational divisions in 2014. But in the long run, the defeat of the Russian army, at least the loss of the territories conquered since the beginning of the invasion, six months ago, seems likely. The reasons are both economic and military.


Indeed, Western sanctions are considerably hampering the Russian war effort. Certainly, they have not brought its economy to its knees, as some have claimed: this was not possible, given the country’s well-known resilience, and would have been counterproductive, in addition to being ethically questionable.

But key sectors are being strangled by the cessation of Western imports. Car production has been divided by ten by June 2022, domestic airlines will be grounded one after the other due to lack of maintenance. And the strength of the ruble, which is often cited by opponents of sanctions, is nothing but a sham: it is simply because few Russian importers now have to sell rubles to pay for their purchases.

Moscow is betting on a “fatigue” of the European public opinion, for the moment hardly tangible, in particular by cutting gas to push the German industry to implore a lifting of the sanctions. This hypothetical gamble would also deprive it of a third of its foreign exchange earnings. Given the discount on oil sales due to the reputational risk of its customers, once the necessary imports have been paid for, it would only have $300 million a day left to finance its war effort. This is barely enough to replace about 50 Kalibr missiles.

One figure sums up how unequal the current economic tug-of-war is: Russia’s GDP, 1,700 billion dollars, is twenty-eight times lower than that of Kyiv’s allies.

Russian missile stockpile is in free fall — Silence in 6 to 8 months.

Thus, Ukraine benefits from an uninterrupted flow of ultramodern Western weapons, French Caesar guns, British M270 mobile missile launchers, and especially the 16 American Himars batteries, which can destroy a hundred ammunition depots, radar systems, or batteries every day.

Paradoxically, Ukraine has more tanks today than at the beginning of the war, between those captured and those supplied by its allies, while its adversary has lost 1,300, the third of its operational fleet. Moscow has already used up 80% of its stock of cruise missiles, estimated at 3,000 warheads, and cannot reconstitute it, due to a lack of Western electronic components, except for a small amount on the black market. At the current rate of consumption, among the highest in history, of its conventional, short-range, and low-accuracy shells, specialists estimate that its artillery will be silenced in 6 to 8 months.

Moscow has also lost the strategic initiative. Its commandos and airborne troops hardly operate anymore, Chechen fighters are visible only on TikTok and its fleet is practically no longer employed. As for the planes, they are reluctant to enter Ukrainian airspace, at a rate of about fifteen missions per day, and could be neutralized this fall by American Nasams missiles.

Only the artillery, Moscow’s traditional centerpiece, is active at the moment.

Obvious mental wear and tear in the Russian army

American intelligence estimates that one-third of the contingent deployed before the invasion has been put out of action, or 80,000 soldiers killed or wounded. Moscow is now recruiting inexperienced fighters up to the age of 60. Wear and tear is also mental, with reports of desertions, late pay, and alcoholism.

Certainly, Ukraine has probably lost 20,000 to 30,000 men, and its counter-offensive towards the key city of Kherson, announced in early July 2022, is stalling. But it will continue its undermining work, methodically destroying Russian supply lines, now all within range of its missiles, and ammunition depots, targeted almost every day at this moment in this annexed Crimea that Moscow thought was a sanctuary.

Until the Russian troops, isolated, demoralized and deprived of ammunition, have no choice but to retreat or surrender. Because the only plausible outcome now on the Russian side is a humiliating defeat which is likely to make the dictator Vladimir Putin stagger in Russia itself. History has already shown us that bloodthirsty dictators have not been able to resist for long after a defeat as humiliating as the one that awaits Putin in the future.

It is just a matter of time before the defeat of Putin in Ukraine and then his fall in Russia.


sábado, 3 de setembro de 2022

How Does Party-State Capitalism In China Interact With Global Capitalism? - Margaret M. Pearson, Meg Rithmire, Kellee S. Tsai (ProMarket)

How Does Party-State Capitalism In China Interact With Global Capitalism?

https://www.promarket.org/2022/09/02/how-does-party-state-capitalism-in-china-interact-with-global-capitalism/ 

Excerpted from The China Questions 2: Critical Insights Into Us-China Relations, edited by Maria Adele Carrai, Jennifer Rudolph, and Michael Szonyi, published by Harvard University Press.


Concerns about the nature of the Chinese economy figure prominently in global suspicion about Chinese power, especially in the re- cent souring of Sino-US relations. Arguments for bringing China into global markets under the assumption that economic competition and institutional commitments would push it toward capitalist economic practices legible to Westerners have given way to concerns that the state’s role and power in the economy make competing with China unfair or impossible and make collaboration dangerous. China is frequently labeled a case of “state capitalism,” a term loosely used to describe systems in which the government dominates the economy through state ownership, financial intervention, and heavy-handed industrial policy. Although some of these features are found in many democratic countries, including Brazil, India, and Norway, the term takes on a more ominous connotation when applied to autocracies in general and China in particular as it has become a global economic powerhouse.

China’s political economy is increasingly organized to facilitate the Chinese Communist Party’s (CCP) dominance and is directed toward managing domestic and international risks. This marks a departure from more common variations of state capitalism mainly intended to promote domestic economic growth or help domestic firms compete globally. China’s system also has these functions, but its increasing focus on political stability and party dominance makes its version of party-state capitalism a distinct form of economic organization.

In this chapter, our description of “party-state capitalism” stresses the importance to the regime of risk management plus three prominent features of China’s political economy not found in other economies. These three features are the rise of widespread state shareholding, blurred boundaries between the state and private firms, and in-creasing demands on both domestic and foreign firms to accede to CCP political demands. Ironically, the prominence of party power and interests generates self-undermining dynamics. The central goals of party-state capitalism are to consolidate political power and maintain stability, yet implementing these goals has generated alarm both at home and abroad. Domestically, the bolder CCP role may alienate capitalists whose entrepreneurship and innovation have led Chinese growth for forty years. Internationally, the party-state’s centrality and the perception of political-economic fusion sow dis- trust, generate political blowback, and limit the maneuverability of Chinese firms globally.

What is Party-State Capitalism?

State capitalism typically refers to state economic intervention or ownership of firms with the goal of promoting growth and bolstering geostrategic or economic competition, or both, particularly in globalized industrial sectors. Party-state capitalism is distinct from state capitalism because regime survival is the overarching priority. Economic goals still feature prominently in the state’s interventions, but the political purpose is uppermost, making regime survival the prime aim of economic policy. This political bottom line is illustrated by several recent trends.

One trend is the increased party-state role as shareholder or investor in a wide swath of Chinese firms. The regime has extended its stake in businesses that are not majority-owned by the state-owned Assets Supervision and Administration Commission, the main agency of state ownership since 2003. For decades, economists have distinguished between state-owned enterprises and private firms on the assumption that private enterprises operate in a more market-oriented and independent manner. In recent years, however, state entities motivated by political considerations have assumed greater financial and corporate governance roles in nonstate firms. Party cells have expanded in private and foreign firms, and government officials have been given senior posts, including in some of China’s best-known companies abroad such as the automaker Geely and the e-commerce giant Alibaba.

Expanding state investment in private firms is part of China’s current push to upgrade its industrial base through the Made in China 2025 program. Hundreds of “industrial guidance funds” were established to direct state and private capital into innovative firms in frontier and strategic sectors such as semiconductors, artificial intelligence, quantum computing, and others. Since 2012, the CCP has become increasingly worried about relying on global supply chains for critical and dual-use (military and civilian) technologies. Other state investments are less economically and globally strategic and more clearly prompted by worries about risk management. When a crisis in China’s stock market seemed to threaten overall financial stability in 2015, for example, the state intervened in domestic equity markets so heavily that it eventually held half the shares of all listed firms. This willingness to use state funds to manage economic risk reflects the CCP’s goal of maintaining political stability by preventing potentially disruptive market swings.

The conventional public-private dichotomy is further eroded by Beijing’s use of large private firms to take on governance roles and pursue political objectives. For example, private firms have become involved in domestic security programs, especially to manufacture and manage big data and surveillance technology that monitors China’s large population. Large private firms also have been given welfare-oriented assignments by investing in infrastructure to expand rural commerce under the umbrella of CCP secretary-general Xi Jin- ping’s antipoverty campaign.

The fixation on risk management means that when private firms face problems, the party-state increasingly feels compelled to take action. In recent years, several large firms have entered state receivership due to excessive debt or even criminal malfeasance. Meanwhile, the government has targeted various high-profile capitalists who have expressed politically sensitive opinions. In 2020, the property tycoon Ren Zhiqiang was sentenced to eighteen years in prison for graft after calling Xi “a clown” for his handling of the COVID-19 outbreak. The same year, Beijing abruptly suspended the sale of Ant Financial shares in what would have been the world’s largest initial public offering after Alibaba’s founder, Jack Ma, publicly criticized regulators for stifling financial innovation and accused state banks of operating with a “pawnshop mentality.” Under party-state capitalism, entrepreneurs are expected to demonstrate political loyalty—or else.

This demand for obedience extends beyond China’s borders. The global reach of party-state capitalism is evident in the CCP’s pressure on foreign firms to adhere to its own political narratives. Institutions ranging from the National Basketball Association, punished for showing support for Hong Kong protesters, to airlines that list Taiwan as a country of destination have been forced to backtrack and apologize under threat of losing access to China’s lucrative market. In these instances, the party-state wielded leverage to ensure recognition of its territorial claims. In a short time, Chinese capitalism has shifted from courting foreign investors to placing political conditions on their market access.

How Does Party-State Capitalism Interact with Global Capitalism?

For some time, especially before Xi’s era began in 2012, debate about China’s global economic role focused on issues typical to state capitalism: how preferential policies toward state-owned firms may distort competition, limits on foreign participation in sectors of strategic importance, and so forth. As the party-state’s political objectives have superseded developmental ones, however, the concerns of trade partners and host governments have moved beyond critiques of China’s economic practices to security concerns. And though China’s external investments are only a fraction of those of Western multinationals around the world, they have given rise to anxiety and coordinated political resistance outside of China. China’s global eco- nomic engagements are thus constrained due to concerns about its form of political economy.

Above all, China’s economic model makes it difficult to disentangle the state’s strategic motives from the commercial motives of Chinese firms. The high-profile case of Huawei, a technology conglomerate registered as a private company, is indicative. Is Huawei’s attempt to expand its technology network abroad a smart market play, an effort by the Chinese party-state to intrude into foreign networks for espionage reasons, or both? Similarly, although Hikvision, a producer of video surveillance technology, was founded by private entrepreneurs, its global market dominance has inspired similar questions, leading to the 2019 US blacklisting of its products. Although the stated reason for the ban was human rights abuses in Xinjiang, concerns about a Chinese company having access to sensitive surveil- lance data was a key motive for the American decision.

Chinese conglomerates’ rapid increase of investing and contracting abroad has reinforced these suspicions, particularly as they are often backed by state policy banks such as the Export-Import Bank of China. Private technology companies such as Hikvision and Huawei now supply “smart city” surveillance networks to over a hundred countries, including some with repressive regimes. Leaders of wealthy industrial countries have speculated that this is an effort to “export the China model” under the veil of smart city construction, perhaps because China seeks to demonstrate the benefits of authoritarian domestic control combined with capitalist practices. The Belt and Road Initiative, an international infrastructure program established in 2013, is frequently cast in this light, emphasizing China’s presumed desire to convert development projects into broader political influence, such as support for China in the United Nations.

Within the developing world, overseas activities by Chinese con- glomerates, both state-owned and private, have spurred domestic backlash in some recipient countries. For example, upon his return to power in 2019, Malaysian prime minister Mahathir Mohamad vowed to renegotiate or cancel what he termed “unfair” Chinese infrastructure deals, warning of “debt trap diplomacy.” In 2020 the Thai government cancelled a major Chinese project to build a 120-kilometer canal through the Kra Isthmus, replacing the Chinese plan with its own. In Pakistan, Baloch separatists have attacked Chinese citizens, claiming that the Chinese-financed and -built Gwadar Port is a colonial effort to pillage Balochistan’s natural resources. These examples show how the widespread perception that Chinese capitalism reflects the strategic interests of the party-state poses challenges for the country’s external investments.

To be sure, many leaders of developing countries welcome Chinese overseas activities as positive contributions to economic development. Rwandan president Paul Kagame, for example, frequently praises China’s infrastructural investments in Rwanda. Nevertheless, high-profile incidents of backlash have captured Beijing’s attention. Whether financed by state or private capital, Chinese firms increasingly face political risk when operating abroad. Meanwhile, the party-state itself is reevaluating the sustainability of its earlier developmental model.

Interactions Between Domestic Trends and Global Capitalism 

Over the past decade, a more globally recognizable expression of state capitalism in China has evolved into a form of political economy better captured by the term “party-state capitalism” due to the over-arching prioritization of regime survival under the leadership of the CCP. Ironically, in response to slower growth rates and a less welcoming global environment, China’s policy shift to promoting self-sufficiency and self-reliance through industrial policy has only deepened international skepticism about whether private Chinese companies operate independently or as instruments of the party-state. Beijing’s recent promotion of a “dual circulation” strategy explicitly calls for stimulating domestic consumption to reduce its long-standing reliance on export-led development. If realized, a Chinese decoupling from international markets could disrupt global supply chains.

The party-state’s strategy poses a dilemma domestically. On the one hand, internally driven growth requires the cooperation of domestic entrepreneurs. They need to be at the forefront of techno-logical innovation. On the other hand, the party-state’s shrinking tolerance for maverick chief executive officers and outspoken capitalists runs the risk of alienating those who lead innovation. Although stringent capital controls to stem capital flight remain in place, China’s growing ranks of billionaires have diversified their assets abroad and found exit options.

As the boundary between state and private economic entities has become blurred, party-state capitalism interacts with global capitalism by generating a vicious cycle of mutual distrust. Evidence of politically motivated economic intervention provokes external backlash and negative headlines. Anti-China sentiment in turn confirms the party-state’s sense of threat, thereby reinforcing its mindset of risk management and the perceived necessity of political interventions. This self-reinforcing loop exacerbates tension both at home and abroad.

Copyright © 2022 by the President and Fellows of Harvard College. Used
by permission. All rights reserved.

Margaret M. Pearson

Margaret M. Pearson is Dr. Horace E. and Wilma V. Harrison Distinguished Professor, and Distinguished Scholar-Teacher in the Department of Government and Politics, University of Maryland, College Park. Pearson’s research on China's domestic politics focuses on state control of the economy, central-local bureaucratic relations, and environmental policy. On Chinese foreign policy, Pearson’s ongoing projects focus on conceptualizations of and reactions to China's overseas economic activities, determinants of Beijing’s behavior in global institutions, and climate change governance. She teaches courses on Chinese domestic politics and foreign policy, and on comparative politics. She has held a Fulbright Research Fellowship at Beijing University.

Planos para o Brasil, projetos para o mundo - O novo imperialismo britânico e o processo de Independência (1800-1831), de José Jobson de Andrade Arruda

O grande historiador econômico do século XIX, comparece com mais uma obra relevante: 


 Planos para o Brasil, Projetos para o Mundo - O novo imperialismo britânico e o processo de Independência (1800-1831), de José Jobson de Andrade Arruda

Editora: Alameda

  • Autor: José Jobson de Andrade Arruda
  • Páginas: 356 páginas

Semana da Independência: um novo livro do professor Jobson

O professor da Universidade de São Paulo José Jobson de Andrade Arruda volta ao tema da Independência aprofundando um tema crucial: a força do imperialismo inglês no século 19, em plena revolução industrial, a Independência do Brasil. Qual a ligação econômica e política da Inglaterra e a independência do Brasil, que tinha na agricultura exportadora o centro de sua produção? "Planos para o Brasil, Projetos para o Mundo" é um livro fundamental nos 200 anos da Independência.


Planos  para o  Brasil, projetos  para o  mundo - O novo imperialismo britânico e o processo de Independência (1800-1831), de José Jobson de Andrade Arruda 

Em um momento paradigmático de nossa história, em um mundo em crise, sob ameaças de destruição biológica e nuclear, de extinção de direitos democráticos e de autonomias políticas e que aponta o retorno de autoritarismos, é fundamental entender, através do processo da Independência, a formação do Brasil.

O tema da Independência sempre esteve nas preocupações do professor José Jobson Arruda. Em 1972, em seu doutorado, ao expor a importância do comércio colonial, defendeu a prosperidade efetiva da economia do Brasil, nesse contexto.

Esse trabalho, referência obrigatória no estudo da economia brasileira, foi gestado na reflexão que marcava os anos 1960 e 1970, sobre a dependência, tendo por centro o processo e paradoxos do surgimento da Nação, dentro da crise do Antigo Sistema Colonial. Este estudo, que aprofunda discussões apresentadas em Uma Colônia entre dois Impérios, contextualiza a separação formal de 1822, em seus intrincados antecedentes: ações diplomáticas, políticas e econômicas que colocaram, no centro, as estratégias do imperialismo inglês.

Vera Lúcia Amaral Ferlini
 

José Jobson de Andrade Arruda é professor emérito da Universidade de São Paulo e professor sênior do Departamento de História e Programa de Pós-graduação em História Econômica da USP. Tem vários livros publicados, dezenas de artigos em veículos especializados e quase uma centena de orientações de mestrado e doutorado concluídas. Foi diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, diretor de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do CNPq, vice-presidente da Fapesp e editor da Edusc.
 

Sobre a conjuntura política brasileira no momento do Bicentenário - Paulo Roberto de Almeida

Sobre a conjuntura política brasileira no momento do Bicentenário

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 Nota sobre a miséria da política brasileira a partir da corrupção do PT e da inépcia danosa do atual presidente.

   

Uma simples constatação, mas que também é um julgamento de valor:

Vamos reconhecer uma característica essencial da atual divisão do Brasil e das dificuldades específicas do próximo escrutínio eleitoral do ponto de vista da cidadania consciente.

Lula e o PT ganhariam fácil estas eleições de 2022 se não tivessem roubado tanto entre 2003-2016 e se não tivessem jogado o país na maior crise econômica de sua história em 2014-15, da qual ainda não nos recuperamos, e que produziram a ascensão de um fascismo vulgar (sem doutrina e sem programa), sob o comando do mais inepto e doentio personagem da nossa política, um psicopata execrável, mas que faz parte da atual conjuntura.

A partir da megacorrupção conduzida por uma organização criminosa (apud Ciro Gomes), partindo do Mensalão, passando pelo Petrolão e que se estendeu por inúmeras outras “frentes de trabalho”, o estamento político predatório do Brasil ganhou impulso para novas aventuras no universo da roubalheira institucionalizada, sobretudo na forma que tomou sob o desgoverno do psicopata, que é a substituição do processo orçamentário normal (ou quase) por um estupro fiscal permanente e extremamente danoso para a sociedade.

Não teríamos tanta gente agrupada no antipetismo — que juntou pessoas normais da classe média com a escória da política — se Lula e o PT não tivessem conduzido os dois processos descritos: a megacorrupção e a crise econômica. 

Estamos pagando o preço da incompetência e da imoralidade dessa vertente supostamente esquerdista da classe política brasileira, que reforçou os elementos extremados da direita conservadora, que sempre foi dominante na miséria política e social do Brasil.

Os liberais verdadeiros, não muitos dos que se pavoneiam por aí, são uma pequena tribo desimportante no cenário político das elites brasileiras, incapazes de determinar o curso das grandes políticas nacionais, macroeconômicas ou setoriais.

Esta foi sempre a nossa tragédia nacional, a ausência de verdadeiras elites políticas liberais e democráticas, mas o cenário se agravou tremendamente com a falência de um estrato social-democrata responsável no Brasil.

Vamos continuar nos arrastando penosamente em direção da modernidade, com os tropeços inevitáveis à esquerda, no centro e à direita.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4227: 3 setembro 2022, 2 p.


A reconstrução da política externa brasileira e das relações com a América Latina - Marcelo Viana Estevão de Moraes (FSP)

 A reconstrução da política externa brasileira e das relações com a América Latina

Marcelo Viana Estevão de Moraes

Doutor em ciências sociais pela PUC-Rio e pesquisador do Centro de Altos Estudos de Governo e Administração (Ceag/UnB)




Folha de S. Paulo, 01 de setembro de 2022


Hoje, além do conflito por procuração em curso entre a Otan e a Rússia no território ucraniano, o cenário mais amplo aponta para tensões crescentes entre os EUA e a China na disputa por hegemonia global.

Essa tendência traz desafios para o Brasil, que se encontra no hemisfério americano, sob a influência geopolítica direta do "hegemon", mas cuja economia depende cada vez mais das relações comerciais com a China. Um quadro de riscos e de oportunidades a demandar perspicácia e destreza na condução da política externa para a defesa do interesse nacional.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, declarou em conferência na Universidade George Washington que a China representa o mais sério desafio de longo prazo à ordem internacional: seria o país que não apenas pretende reformar essa ordem como detém também os recursos de poder para tanto.

A própria guerra na Ucrânia talvez não ocorresse se a Rússia não estivesse fortalecida em razão da parceria estratégica firmada com a China e que funciona como um vetor fundamental para a integração econômica e logística eurasiática, com destaque para a BRI (Belt and Road Initiative).

Nesse cenário, o desafio para o Brasil é retomar o fio condutor de sua política externa ativa e altiva, evitando alinhamentos geopolíticos automáticos com potências ou blocos, tendo por base uma agenda ecumênica de paz e desenvolvimento na perspectiva do Sul Global, privilegiando a interlocução com a América do Sul e a América Latina para a consecução de uma estratégia coletiva regional, por meio do resgate da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e do adensamento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Priorizar a América Latina e, especialmente, a América do Sul

O Brasil, por suas dimensões econômicas, territoriais e populacionais, parafraseando Paulo Nogueira Batista Júnior, não cabe no quintal de ninguém, mas qualquer estratégia deve considerar que isoladamente o país tem baixa margem de manobra, dado que seus recursos de poder são relativamente escassos.

Uma estratégia coletiva sul-americana e latino-americana amplia o poder de barganha e negociação.

O grande jogo geopolítico brasileiro desdobra a projeção sobre seu entorno em círculos concêntricos de influência.

O primeiro círculo e o mais importante é a região platina, zona de maior densidade econômica e populacional da América do Sul.

O segundo círculo incorpora os demais países do subcontinente, em especial o bioma amazônico, e o Atlântico Sul, por onde transita quase todo o comércio exterior brasileiro.

O terceiro círculo congrega toda a América Latina e o Caribe, bem como a Antártida e a costa ocidental da África.

Os três círculos conformam o entorno geoestratégico do Brasil, região em que sua presença ativa é vital para seu desenvolvimento e sua segurança, e que deve servir de plataforma de projeção para o mundo.

No início deste século, entre outras iniciativas, o Brasil liderou a criação da Unasul e da Celac.

A Unasul foi uma organização internacional criada pelos 12 Estados sul-americanos em 2008 com o objetivo de, entre outros, articular as ações dos diversos países nos vários campos das políticas públicas, devendo funcionar como instrumento denso de governança desse espaço regional bioceânico.

A Celac, criada posteriormente, em 2010, também foi impulsionada pelo Brasil com a realização em Salvador, em 2008, da primeira cúpula autônoma dos países latino-americanos e caribenhos, sem a tutela de anglo-saxões e ibéricos. Sua vocação é a concertação política e a cooperação para o desenvolvimento.

O abandono da Unasul e da Celac por parte do governo Bolsonaro significou um retrocesso da política externa brasileira.

A Unasul e a Celac foram atingidas por uma campanha psicológica adversa acerca de uma suposta União das Repúblicas Socialistas da América Latina (Ursal) -uma enorme bobagem que viralizou com fake news.

Esse retrocesso não foi um fato isolado.

Houve a subordinação da política externa a um americanismo ideológico radical de extrema direita -o trumpismo- que compromete o diálogo com o atual governo estadunidense, e a avacalhação do Itamaraty, órgão que sempre funcionou como referência de excelência burocrática para a administração civil brasileira.

O Brasil é indispensável para o êxito da integração por ser multivetor no espaço regional: o projeto regional se articula com o objetivo nacional brasileiro de consolidar sua integração territorial interna; viabiliza potenciais sinergias entre os sistemas nacionais em todas as esferas (produtiva, comercial, logística etc.) associando o acesso ao Pacífico, por meio de corredores interoceânicos, à marcha para o oeste brasileira; favorece a instituição de uma doutrina estratégico-militar regional que avançava no Conselho de Defesa Sul-Americano, fundamental para o controle do entorno oceânico vital da grande "jangada de pedra" sul-americana, a segurança da extensa fronteira terrestre brasileira e a cooperação em torno do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

No entanto, a eventual recondução do atual mandatário manterá o país como pária, no ponto mais baixo de sua reputação internacional, como um problema para o mundo e não como portador de soluções.

Só uma liderança respeitada internacionalmente e testada na arte da política e da administração poderá fazer a diferença desejada e aproveitar a conjuntura regional favorável à retomada dos projetos de integração.