segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Debate enviesado: aborto e eleicoes - Sergio Fausto

Artigo sensato sobre um tema sensível. Pessoalmente, creio que deveria haver um pequeno avanço, controlado, nessa questão do aborto, mas reconheço a extrema sensibilidade do tema para certas correntes religiosas. Como, porém, acredito que dogmas religiosos não devem ser impostos ao conjunto da sociedade, entendo que o assunto deva ser exaustivamente debatido no local apropriado; ou seja: o Parlamento.
Os presidentes simplesmente não podem ter a sua opinião transformada em lei.
O "debate" atual, portanto, é totalmente inoportuno e indesejado.
Eu mesmo não tenho opinião formada sobre o que autorizar, em que etapa, sob quais condições. Eu seria pela continuidade do sistema atual, com assistência às grávidas para conduzir o processo já com adoção garantida do nascituro, ou seja, desde que uma mulher se inscrevesse num programa de "gravidez indesejada", ela não seria dirigida a uma clínica de aborto, e sim a um serviço de assistência à gravidez, já com o compromisso jurídico de perda do "pátrio poder" (neste caso poder materno) e a entrega imediata do bebê nascido a um casal inscrito para receber criança adotiva.
Eu seria por um programa desse tipo. Mas creio que o melhor é um debate ponderado a respeito, sem as vozes vociferantes dos que são contra ou a favor dogmaticamente.
Paulo Roberto de Almeida

Crença religiosa e manipulação política
Sergio Fausto
O Estado de São Paulo, 10 outubro 2010

Já na etapa final do primeiro turno e mais ainda neste início de segundo turno, há uma corrida para tranquilizar os eleitores evangélicos e católicos que temem a descriminalização do aborto. Fala-se em defesa dos “valores da vida”, expressão enigmática que visa a estigmatizar quem ouse pôr em dúvida um dogma religioso segundo o qual a vida tem início no ato da fecundação do óvulo por um espermatozoide.

Em nome desse dogma, produziu-se uma chantagem eleitoral: quem não rezar o credo da criminalização do aborto será punido com a perda de uma fatia de eleitores que pode ser decisiva para a vitória ou a derrota. Em cena patética, candidatos desdizem o que disseram ou se esmeram em reforçar supostas credenciais conservadoras na matéria. Um dos partidos, segundo a imprensa, se dispõe a rasgar parte do programa de sua candidata. Todos amedrontados pela ameaça do voto religioso, mais temível do que as próprias labaredas do inferno. Covardia cívica de quem anonimamente alimenta as baterias do dogmatismo e de quem se dobra e se desdobra para se ajustar ao figurino conservador, mesmo que lhe caia mal.

A manipulação de crenças religiosas para fins político-eleitorais é um veneno para a democracia e uma ameaça ao Estado laico. Crenças religiosas fundam-se em dogmas e sustentam valores absolutos. A liberdade humana, nessa esfera, restringe-se a aderir, pela fé, aos valores professados ou rejeitá-los. Se a religião é uma esfera de verdades absolutas, a democracia é um espaço de verdades parciais, sujeitas ao contraditório e ao compromisso entre valores e interesses distintos. O debate público democrático é permeado pela emoção, mas não se fecha à análise racional dos dilemas que surgem quando valores absolutos abstratos se chocam contra o chão duro da realidade. No caso em pauta, se, de um lado, não há evidência de que a descriminalização aumente o número de abortos realizados, de outro, sobram evidências de que os abortos feitos em clínicas clandestinas ou por conta própria são causa importante de morte, doença e esterilidade entre as mulheres mais pobres. De que lado estão os “valores da vida”?

A relativa separação entre a esfera da religião e a da política é uma conquista da civilização ocidental. Acreditava-se que estivesse consolidada na maioria dos países do Ocidente, mas a História recente mostrou que não, em especial nos Estados Unidos. Lá, a partir dos anos 80 do século passado, cresceram e organizaram-se politicamente as denominações evangélicas não tradicionais. Multiplicaram-se os “pastores eletrônicos” e seus programas nos meios de comunicação de massa. Os novos evangélicos passaram a representar cerca de 30% da população, com um peso ainda maior no eleitorado, dado o seu maior comparecimento às urnas. Conquistaram o Partido Republicano e elegeram um dos seus, George W. Bush, para a presidência da República. Na Casa Branca, ele congelou as verbas federais para pesquisas com células-tronco embrionárias, defendeu a reza na escola pública, atacou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, lançou o país a uma aventura no Iraque como se fosse um cruzado liderando a civilização cristã. Vinte anos antes, as denominações evangélicas fundamentalistas pareciam ser um fenômeno politicamente inofensivo…

No Brasil, é crescente a proporção de pessoas que se declaram evangélicas. Além de conforto espiritual, elas encontram na igreja uma comunidade religiosa que lhes oferece proteção contra as adversidades e as ajuda a progredir materialmente na vida, pela rede de relações que estabelecem. E isso é muito bom. Tenha-se ou não crença religiosa, nenhum de nós pode dispensar algum tipo de espiritualidade e inserção comunitária. Marx dizia que “a religião é o ópio do povo”, mas completava: “O suspiro da criatura oprimida, o calor de um mundo sem coração.”

Esse é o lado bom da história. O lado menos bom é o fato de que, ao contrário do catolicismo brando e sincrético da tradição brasileira, há maior fervor e dogmatismo religioso entre os evangélicos, em alguns casos com intolerância em relação às religiões afro-brasileiras, vistas como demoníacas. Pior ainda é o fato de que parte das igrejas evangélicas se tornou um obscuro e lucrativo empreendimento comercial, em que se misturam religião, política e negócio, em especial no setor dos meios de comunicação de massa.

Nos muitos programas evangélicos de televisão e rádio se ensina que o mundo se divide entre Deus, representado por Jesus, e o demônio, tão onipresente quanto aquele. Num mundo divido entre o Bem e o Mal, não há liberdade de escolha possível para as pessoas de bom caráter. Afinal, quem será pelo demônio? Só os maus.

Em matéria de liberdade de escolha, a Igreja Católica não fica atrás. Basta pensar na longa lista de interditos: preservativos, sexo antes do casamento, para não falar em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Tudo isso em nome dos “valores da vida e da família”, como se vida e família não fossem construções humanas que admitem grande variação na forma como são vistas e vividas. O Estado laico e democrático existe para assegurar essa pluralidade e para permitir a convivência entre crenças e preferências diferentes.

O tema do aborto não foi trazido ao debate político para ser esclarecido e debatido a sério. Ninguém o propôs abertamente. Surgiu sub-repticiamente, por oportunismo eleitoral. E tem merecido uma resposta não menos oportunista. Pode ser que renda os frutos eleitorais pretendidos, pode ser que não. Substantivamente, trata-se de muito barulho por nada, já que nenhum presidente ou presidenta da República, não importa quão grande seja sua maioria no Congresso, terá condições de impor a sua opinião em matéria tão sensível.

Não quer dizer que ela não deva ser discutida. Mas não agora, não desse jeito.

China e Brasil: candidatos a bolhas financeiras...

ENTREVISTA: MICHAEL PETTIS VÊ RISCO DE BOLHA NA CHINA E NO BRASIL
Agencia Estado, 25.10.2010;

Nova York, 22 - O economista Michael Pettis, professor de Finanças da Universidade Pequim, alertou que a China decidiu tarde demais aumentar os juros e que já pode estar experimentando uma bolha em sua economia. "Infelizmente, uma bolha chinesa se torna uma bolha brasileira também", disse. Pettis se mostrou especialmente preocupado com a dependência do País em exportar commodities para a China. "Há quem argumente que essa mudança de manufaturados para commodities representa um movimento favorável ao Brasil no longo prazo. Eu argumento que as evidências históricas sugerem que não", avalia, em entrevista esta manhã, por telefone, de Pequim, à correspondente da Agência Estado em Nova York, Luciana Xavier.

Ele está pouco esperançoso de que os líderes do G-20 consigam chegar a um acordo cambial, na reunião de novembro em Seul, e não vê um fim próximo para a guerra das moedas. "Será um período difícil. Meu palpite é de que até que tenhamos uma contração muito grande no comércio internacional, os países não se juntarão para resolver o problema", disse.

A seguir, leia a íntegra da entrevista:

Agência Estado - O senhor teme uma bolha nos emergentes?

Pettis - Acabei de ler hoje um artigo interessante no "South China Morning Post" sobre um tipo especial de jade que agora está sendo negociada a US$ 3 mil a onça, duas vezes mais do que o ouro. Isso é muito interessante porque o preço da jade está no pico, os preços da arte chinesa estão no pico, assim como os preços do chá tipo premium. Tudo isso costuma acontecer quando há uma bolha. Arte, colecionáveis, pedras preciosas, tudo está em patamares muito elevados na China, o que me leva a crer que definitivamente estamos experimentando algum tipo de bolha.

AE - Só na China?

Pettis - Infelizmente, uma bolha chinesa se torna uma bolha brasileira também.

AE - Falando em Brasil, o governo aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para capital estrangeiro duas vezes em cerca de 15 dias, de 2% para 4% e depois para 6%. Esse segundo aumento em tão pouco tempo deve surtir algum efeito?

Pettis - Isso é uma das coisas com as quais devemos ficar bem preocupados. Basicamente o que acontece em circunstâncias é que todo mundo está usando algo para desvalorização cambial, seja impostos sobre capital ou para importações, tudo com o mesmo objetivo: proteger ou aumentar a participação na demanda global declinante. Isso será muito difícil. Com os EUA embarcando em mais afrouxamento quantitativo, países que estão intervindo em suas moedas vão sofrer o impacto do aumento rápido da liquidez. Esses países estão reclamando, dizendo que os EUA deveriam parar de fazer isso, mas os EUA dizem que não, que estão agindo assim por razões domésticas e que eles é que devem parar de intervir. Ambos estão certos. As perspectivas são mesmo muito pessimistas.

AE - Podemos dizer que uma bolha também está se formando no Brasil?

Pettis - O que mais me preocupa é que, se você se lembrar, no ano passado a China ultrapassou os Estados Unidos como o maior mercado exportador do Brasil. As pessoas viram isso como indicação da ascensão da China. Minha interpretação foi um pouco diferente. O Brasil exporta mais bens manufaturados para os EUA e mais commodities para a China. Para mim, o que realmente aconteceu foi a ascensão das commodities em relação aos manufaturados no Brasil. E isso é algo que os brasileiros devem começar a questionar. Há quem argumente que essa mudança de manufaturados para commodities representa um movimento favorável ao Brasil no longo prazo. Eu argumento que as evidências históricas sugerem que não. Precisamos pensar muito nisso dentro do contexto do Brasil. Os preços das commodities estão altos basicamente por causa do rápido crescimento da China baseado nos investimentos, que muitos acreditam que não irá se sustentar, e estoque de commodities na China, como parte da estratégia de diversificação deles além do dólar. Se essas duas coisas pararem, então haverá maior pressão para baixo nos preços das commodities.

AE - Há algum modo de o Brasil evitar uma bolha?

Pettis - Há sempre modos de proteger uma economia de bolhas, mas não sem um custo. Elas são dolorosas e é muito difícil convencer os políticos a assumir alguma dor hoje para evitar uma dor ainda maior amanhã.

AE - Podemos esperar então por uma longa guerra cambial?

Pettis - Será um período difícil. Meu palpite é de que até que tenhamos uma contração muito grande no comércio internacional, os países não se juntarão para resolver o problema.

AE - Qual sua avaliação sobre essa guerra cambial?

Michael Pettis - Nos últimos dois anos vinha alertando de que isso seria inevitável. O problema é que por muitos anos, a demanda global cresceu muito rapidamente, alimentada primeiramente por um consumo muito forte nos Estados Unidos e nos países da Europa com déficit comercial - Espanha, Itália, Grécia e alguns outros. Desde a crise tivemos dois problemas. Primeiro, é que a Europa não pode mais continuar com esses déficits porque enfrenta uma crise financeira. Segundo, os EUA estão em processo de desalavancagem, com isso a demanda e o crescimento global desaceleraram significativamente. Quando ambos estavam altos, demanda e crescimento, era possível manter mais ou menos a participação de cada um na demanda global. Mas agora a desaceleração é tanta que o único modo de crescer rapidamente é aumentar sua fatia na demanda global. Todo mundo quer aumentar sua participação e é claro que isso é impossível. Logo, o modo para se tentar conseguir isso é por meio de uma guerra comercial. Toda a discussão em torno das moedas, como nos anos 30, é simplesmente um aspecto dessa disputa comercial.

AE - Podemos dizer que a China e seu fraco yuan é o vilão da história? Ou seriam os Estados Unidos e sua política monetária frouxa?

Pettis - Acho que uma das razões pela qual a guerra cambial é praticamente inevitável é porque todo país está procurando o vilão e o vilão tem que ser um estrangeiro. Nessas circunstâncias, é muito difícil chegar a uma resolução. O fato é que se você quer achar um culpado, você vai achar muitos culpados ao redor do mundo. Há poucos países que não colaboraram para os desequilíbrios vistos até 2007. Todos os países devem reconhecer isso e trabalhar para resolver esses desequilíbrios. Mas sinto que isso é pouco provável, especialmente porque em todo país que você for é muito claro a percepção de que "a culpa não é nossa, é dos estrangeiros".

AE - O senhor não acredita que um acordo possa ser alcançado na reunião de líderes do G-20 em Seul?

Pettis - Ficarei chocado se houver algum acordo nesse sentido. O fato é que o mundo hoje quer exportar. China, Japão e Alemanhadependem muito de aumentar os superávits comerciais para gerar crescimento, enquanto Estados Unidos e alguns países da Europa são os grandes deficitários comerciais. Você não pode ter as nações com superávit comercial aumentando esse superávit, enquanto você tem uma ou duas nações com déficit comercial em colapso. Vamos ouvir boas coisas vindas da cúpula do G-20, espero, mas sem se dirigir a essas questões eu não vejo realmente uma solução.

AE - A proposta de metas para superávits e déficits em conta corrente que deve ser discutida no G-20 pode ajudar a resolver ou minimizar os problemas entre EUA e China?

Pettis - Talvez. Mas acho que um dos problemas é que isso tem sido visto como uma questão principalmente entre EUA e China. Mas é claro que não é. O ministro da Fazenda do Brasil (Guido Mantega) chocou o mundo quando ele disse que havia uma guerra cambial, ainda que todo mundo soubesse que havia. Temos visto ações sendo tomadas na Indonésia, Tailândia, Coreia, Japão e outros países. Todos intervindo agressivamente no câmbio, adotando impostos para capital estrangeiro, importações, etc. A suposição de que isso seja uma questão EUA-China é errada. O problema é que o crescimento global está desacelerando e vai continuar desacelerando por muitos anos e a maioria dos países, especialmente aqueles com crescimento acelerado do superávit comercial, não possui mecanismos que permitam que desacelerem de modo saudável sua expansão doméstica. É muito difícil imaginar qual será a solução. Por exemplo, vamos dizer que os EUA e China cheguem a um acordo. O que seria esse acordo? Um declínio rápido no déficit comercial americano e no superávit comercial chinês? Seria muito doloroso para a China. Por outro lado, os EUA têm alta taxa de desemprego e parte da razão para tanto desemprego é o elevado déficit comercial. Então, os EUA iriam concordar esperar cinco, sete anos para resolver esse problema? Quase certo que não.

AE - Um acordo nos moldes do Plaza Accord também estaria então fora de cogitação?

Pettis - Não. O problema do Plaza Accord é que ele também ocorreu tarde demais. Naquela época, a economia japonesa estava seriamente desequilibrada e a resposta do Japão para valorizar o iene foi expandir o crédito e reduzir os juros, o que só fez a situação piorar. [O Plaza Accord foi um acordo fechado no Plaza Hotel, em Nova York, em 1985, entre França, Alemanha Ocidental, Japão, EUA e Reino Unido para depreciar o dólar em relação ao iene e ao marco alemão]

AE - O Japão adotou a política do juro zero. Sobrou alguma bala na agulha a ser usada para desvalorizar o iene?

Pettis - Bem que eles gostariam. Mas desvalorizar contra quem? Todos estão tentando desvalorizar suas moedas. O problema no Japão é que eles também precisam subir os juros para reequilibrar a economia, mas os níveis da dívida estão tão elevados, que se eles subirem os juros, quase certamente teremos o risco de default do governo japonês. O Japão está emperrado. Eles não podem subir o juro. Eles até devem, mas não podem.

AE - O senhor avalia que a China está fazendo o suficiente para fortalecer o yuan?

Pettis - Eles estão numa situação muito difícil. Do ponto de vista externo, claramente eles não estão. Eles esperaram muito tempo e fizeram muito pouco. Mas do ponto de vista interno, se eles elevassem o renminbi muito rápido, haveria uma desaceleração muito veloz da economia. Por isso, sou tão pessimista. Pois é muito fácil para os americanos e europeus dizerem "a culpa é da China", por estar sendo lenta demais. E eles estão certos. Mas também é muito fácil para a China dizer "nós não tínhamos realmente muita escolha".

AE - O aumento de juros pela China pela primeira vez em três anos também veio tarde demais?

Pettis - Sim. Os juros não mudaram ao longo de todo ano e a inflação foi para cima. Então, os juros foram elevados em 0,25 ponto porcentual, mas a inflação talvez já tenha subido 1 ou 2 pontos porcentuais.

AE - Esse aumento tem tudo a ver com inflação e preços de imóveis?

Pettis - Bem, grande parte tem a ver com a inflação. Mas a razão pela qual os juros reais devem subir na China é porque a alta dos juros reduz a má alocação de capital, que é um problema grande na China, e aumenta a renda das famílias, que é também um grande problema no país. Ou seja, resolve de uma vez dois problemas. Mas se você faz isso muito rapidamente, pode aumentar o número de falências de bancos, pois a maioria dos que tomam emprestado na China consegue sobreviver apenas por causa dos juros muito baixos.

AE - O senhor acha que esse deveria e será apenas o início de um ciclo de aperto monetário chinês?

Pettis - Acho que deveria, mas não que será.

AE - Se houvesse mais aumento, quanto mais os juros deveriam subir, por exemplo, nos próximos 12 meses?

Pettis - Há três coisas que a China precisa aumentar: os juros, a moeda e os salários. Todos têm o mesmo impacto, de reduzir os investimentos e aumentar a renda das famílias. Não se pode só falar de um desses três componentes, porque se a moeda valoriza rapidamente e os juros caem, é como se nada tivesse acontecido. Eles têm realmente que subir os três juntos. Os juros são os mais importantes, mas a moeda e os salários também têm sua importância. Se você fizer apenas dois deles muito rápido, claro que o desemprego irá subir e é isso que todos querem evitar. (Luciana Xavier)

domingo, 24 de outubro de 2010

Na morte do socialismo, faltou tinta para confirmar por escrito

Terminei de ler, no trem de Tóquio a Osaka, o livro de John Lewis Gaddis, The Cold War: A New History (New York: Penguin, 2005), que eu já conhecia de folhear em livrarias, mas que nunca tinha lido por completo (o que agora fiz, inclusive notas e referências bibliográficas).
Pois bem, o que me chamou a atenção, mais para perto do final, foi um detalhe prosaico, que eu não conhecia (e aposto que nenhum dos meus leitores tampouco), mas que é imensamente revelador do imenso castelo de areia que constituía, finalmente, o socialismo de tipo soviético.
Transcrevo:

And so on December 25, 1991 -- two years to the day after the Ceausescus execution, twelve years to the day after the invasion of Afghanistan, and just over seventy-four years after the Bolshevik Revolution -- the leader of the Soviet Union [Mikhail Gorbachev] called the president of the United States to wish him a Merry Christmas, transferred to [Boris] Yelstsin the codes needed to lauch a nuclear attack, and reached for the pen with which he would sign the decree that officially terminated the existence of the U.S.S.R. It contained no ink, and so he had to borrow one from the Cable News Network television crew that was covering the event.
[Reference: Don Oberdorfer, From the Cold War to a New Era: The United States and the Soviet Union, 1983-1991 (updated edition; Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998), p. 471-472]; citado por Gaddis, p. 257 e 297.

Vejam vocês o patético da coisa: o socialismo, que sempre se caracterizou pela penúria generalizada de bens, não conseguiu sequer assegurar uma caneta que funcionasse para que o presidente formal do grande império que constituia a URSS pudesse assinar a dissolução formal desse Estado que durou 70 anos. Se não fosse o pessoal da CNN, o socialismo teria durado mais um pouco...
Claro, para ser totalmente preciso com a história, o que estava acabando em dezembro de 1991 era a União Soviética, não exatamente o socialismo, mas aquela pode ser tomada como a representante legítima deste último, inclusive porque os chineses comunistas estavam brincando de capitalismo há mais de dez anos, então.

Torrando o seu dinheiro, caro leitor...

Caros leitores, passantes, frequentadores habituais, simples curiosos e perdidos eventuais que acabaram neste blog.
Não é novidade o que vou contar, pois há muito tempo, desde o século passado, que passamos a viver numa república sindical, um mandarinato pouco republicano que aos poucos vai se apropriando de uma parte crescente da renda nacional.
Se vocês quiserem saber onde está indo o seu rico dinheirinho, basta ler o editorial abaixo do Estadão, que mostra como um categoria marajanesca de mandarins mete a mão despudoradamente no seu, no meu, no nosso dinheiro.
Não tenho nenhum problema em atacar os funcionários públicos, pois eu também sou um, e plenamente consciente dos privilégios inaceitáveis que rondam a categoria em qualquer país do mundo, em qualquer época: ganhar o dobro do que se ganha na iniciativa privada, não é só um acinte, mas um roubo declarado. E quando falamos dos mandarins do Congresso, então, não se trata mais do dobro, e sim do triplo, e talvez mais.
Por isso mesmo, tampouco tenho qualquer restrição em dizer que sou contra, absoluta, relativamente, e insistentemente, contra a estabilidade no serviço público, em qualquer área e categoria. Para mim, nenhum funcionário público, repito NENHUM, deveria ter estabilidade, nem juiz. Juízes podem gozar de estabilidade temporária em suas funções, mas sujeita a exames periódicos de capacidade e aferição de produtividade por parte de um conselho externo à categoria.
Esse tal Conselho Nacional da Magistratura -- que aliás está construindo mais um palácio em Brasília -- é um exercício altamente suspeito entre pares, interessados em não remexer muito no vespeiro.
Os tiranetes togados são os mais arrogantes de todos os mandarins. Depois deles, vem os funcionários do Congresso, objeto deste editorial.
Pois bem, caros leitores, se vocês querem saber para onde está indo o fruto do trabalho de vocês, agora já sabem.
E tenham coragem de protestar...
Paulo Roberto de Almeida

'Bancada' de servidores é a mais vitoriosa da Casa
Editorial - O Estado de S.Paulo
24 de outubro de 2010

Projetos de interesse de funcionários públicos são votados com rapidez ou barrados quando ameaçam seus privilégios

Disseminada em todos os partidos, uma bancada sem mandato se destaca como a mais vitoriosa nas votações no Congresso. Com forte atuação e com a pressão corpo a corpo rotineira sobre os parlamentares, os servidores públicos conseguem fazer andar os projetos de seu interesse e barrar os que oferecem alguma ameaça a seus privilégios. A lista é longa e inclui aumentos salariais, fim de contribuição previdenciária e recontratação de funcionários que deixaram o serviço público por opção própria e querem o cargo de volta sem se submeter a concurso.

"Estamos aumentando o peso do Estado para a sociedade carregar", resumiu o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), conhecido na Câmara por suas posições em defesa do equilíbrio das contas públicas. Nos últimos meses, avançaram no Congresso dois projetos propondo a reintegração de 55 mil servidores públicos e funcionários de estatais 14 anos depois de se desligarem mediante adesão a programas de demissão voluntária.

Quando deixaram o serviço público, em 1996, no chamado PDV, os funcionários receberam vantagens e foram indenizados com a multiplicação da remuneração que recebia na época. Um servidor com 30 anos de trabalho, por exemplo, teve direito a R$ 47.875 por cada R$ 1 mil de salário. O peso desse pacote nos cofres públicos não foi calculado oficialmente, mas, considerando um salário médio de R$ 7.500 por servidor resultaria em um gasto de R$ 1,4 bilhão ao ano.

"Peso da corporação"
A busca de um emprego público foi incentivado nos 7 anos e 10 meses de governo Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse período, por iniciativa do presidente e de chefes do Legislativo e do Judiciário e com a aprovação do Congresso, foram criados 229.679 cargos e 50.237 funções gratificadas de livre nomeação para os três Poderes. E ainda há mais pelo caminho.

A Câmara já aprovou outros projetos criando mais 880 cargos e funções que ainda tramitam pelo Legislativo e, na lista de espera de votação, há propostas que somam mais 13.101 cargos e funções. Os dados fazem parte de levantamento feito por Madeira. "O peso das corporações do funcionalismo no processo decisório nacional é desproporcional ao significado que têm na sociedade. Os servidores públicos têm peso maior do que o conjunto da sociedade", afirmou.

Ele lembra que, uma vez criados, os cargos são eternos e não são cortados. Madeira avalia que os servidores, o PT e o governo fazem uma parceria que impede que se mexa em projetos que freiam gastos públicos, mas atingem interesses dos servidores.

Embalados pela disposição do governo de reajustar os salários dos funcionários públicos acima da inflação, os parlamentares aprovaram aumentos generosos. Dados do Ministério do Planejamento mostram aumentos de até 374% e salários em início de carreira de R$ 14.753, 69, como no caso de auditores. Em 2002, o salário inicial dessa categoria de servidor era de R$ 4.544,53.

A tabela mostra que o salário final é de R$ 18.260, o mesmo do procurador do Banco Central e de funcionários da área jurídica do serviço público federal, e pouco abaixo dos R$ 19.699, pagos aos delegados da Polícia Federal.

Na mesma linha do favorecimento, foi aprovada em comissão especial proposta de emenda constitucional que acaba com a contribuição previdenciária dos servidores inativos a partir dos 65 anos. O próximo passo é a votação pelo plenário da Câmara. O projeto ainda prevê um redutor de 20% ao ano a partir dos 61 anos, beneficiando mais essa faixa de servidor aposentado.

Atualmente, essa contribuição corresponde a 11% sobre a parte do benefício acima do teto da Previdência. Cálculos apontam para uma queda de R$ 2,3 bilhões na arrecadação do governo, com o fim da contribuição, podendo chegar a R$ 4 bilhões se forem consideradas as parcelas nos Estados e nos municípios.

Tartaruga. O resultado vantajoso para os servidores pode ser medido também pelas propostas que ficam paradas ou são examinadas em ritmo de tartaruga. A tentativa de limitar os gastos de pessoal para os próximos dez anos, por exemplo, já foi derrubada por unanimidade durante votação em comissão, enfraquecendo o projeto que irá ao plenário.

A regra, que deveria começar a valer neste ano até 2019, estabelece que a despesa com funcionários e encargos sociais de cada um dos Poderes não poderá exceder, em valores absolutos, o que foi gasto no ano anterior mais 2,5% ou a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o que for menor, além da correção da inflação medida pelo IPCA. Um projeto no mesmo sentido com regras um pouco mais rígidas, enviado pelo presidente Lula em 2007, está parado.

Não sai do lugar há mais de um ano proposta do Executivo que cria a fundação estatal de direito privado, uma forma de contratação por concurso público, mas em regime de empresa privada. Esse modelo permite a demissão do funcionário que não tiver bom desempenho. Na área da saúde, as fundações seriam criadas para administrar grande parte dos hospitais federais.

Ao mesmo tempo, os servidores públicos vêm barrando a tramitação do projeto que cria o regime de previdência complementar para a categoria. Esse sistema acabaria com a aposentadoria integral automática do funcionário, estabelecendo o limite aplicado para o trabalhador do regime geral da Previdência.

"O corporativismo estatal é muito forte quando se trata de Previdência do setor público", diz o deputado José Genoino (PT-SP). "Os servidores são organizados, estão dentro dos Poderes e formam a cúpula, com alto poder aquisitivo."

sábado, 23 de outubro de 2010

A economia do ocio - Ubiratan Iorio

Parece que algumas pessoas acreditam que o Brasil poderá ficar rico sem precisar trabalhar...
O texto é antigo, mas sua atualidade se mantém plenamente.
Paulo Roberto de Almeida

O encômio do ócio
Ubiratan Iorio
Jornal do Brasil, 14/01/2008

Os brasileiros conscientes, que não se deixam levar pelo bombardeio esquerdista desencadeado pela mídia, estão entregues às baratas. É de impressionar, até para um alienado crônico, a quantidade de pessoas sem qualificação ocupando cargos públicos importantes no governo do PT. Onde isso vai parar não sabemos, mas é fácil percebermos que mais três anos com essa turma no Planalto decretarão a deterioração total de nosso setor público - que, aliás, nunca foi eficiente em termos de servir ao público. Se o próximo presidente tiver consciência da gravidade do problema levará, pelo menos, um mandato inteiro para consertar os estragos.

O louvor à indolência veio de um campeão de sandices, Márcio Pochmann, presidente do Ipea, que, depois de declarar em sua posse que o Estado brasileiro seria "raquítico" e de ter iniciado um expurgo - petetização - no órgão, saiu-se, antes do Natal, com uma bobagem digna de figurar entre as maiores já pronunciadas por uma figura pública: "Não há, do ponto de vista técnico, motivo para alguém trabalhar mais do que quatro horas por dia durante três dias por semana"...

Ponto de vista "técnico"? Tamanha jericada teria de suscitar, naturalmente, reações indignadas por parte dos que, por bons princípios ou por experiência, sabem que o trabalho é essencial para o homem e sua prosperidade. Assim, por exemplo, reagiu o jornalista Reinaldo Azevedo à parvoíce do ex-secretário da ex-prefeita Marta Suplicy: "Pochmann é um daqueles casos em que o trabalho conta como massa negativa. Se ele trabalhar a metade, renderá sempre o dobro. O ideal, de fato, é que não faça nada para que atinja a produtividade 100%".

Azevedo, a meu ver, foi generoso com o economista que compôs, da maneira mais multidisciplinar e errada possível, um hino à vagabundagem, demonstrando desprezar a ética do trabalho, entender tanto de economia quanto uma preguiça sonolenta de teoria dos jogos e conhecer tanto de história quanto uma pulga saltitante da arte do contraponto e fuga.

Sob o ponto de vista ético, sabemos, desde os escritos de São Paulo, que aquele que não gosta de trabalhar não merece comer o pão. Além disso, toda a tradição moral da civilização nos ensina que o trabalho dignifica e que as tarefas profissionais bem feitas, realizadas com perfeição humana, além de renderem benefícios pecuniários, elevam o espírito. Nota zero em ética!

Quanto à história, olhemos apenas o exemplo da França, que já tentou a fórmula do ócio, deu-se conta da imensidão do erro e está voltando atrás, mesmo possuindo um nível de capital humano inquestionavelmente maior do que o do Brasil - o que, teoricamente, daria aos franceses, em média, a possibilidade de terem de trabalhar menos horas do que os brasileiros. Zero em história!

E, quanto à economia, é degradante que alguém do ramo desconheça que o crescimento - da pessoa humana e do país - só se consegue com esforço, criatividade, busca pessoal, hábitos de poupança e trabalho duro, sob leis justas, concisas e estáveis. Nos países desenvolvidos - que atingiram esse grau exatamente por não terem seguido suas idéias - trabalha-se ainda, e muito. Nota zero em economia para o economista! Que vergonha!

Sabe acaso o senhor Pochmann o que seria, por exemplo, ficar atrás do balcão de uma padaria ou botequim e fechar o estabelecimento quatro dias por semana e, nos outros três, atender apenas das 8h até o meio-dia, ou das 14h até as 18h? Ou ser um dentista, médico, agricultor, dono de uma academia, ou representante de vendas e proceder da mesma forma? O que deseja? Que todos corram para gastar nos shoppings, sem terem produzido? O que espera? Que a redução de 70% nas horas semanais de trabalho, de 40 para 12, fará crescer o número de empregados? Será que conhece algo sobre custos? Que nunca leu, em qualquer livro introdutório de economia, sobre o conceito de produtividade? E que ignora as relações, fortes e inescapáveis, entre produtividade, salários, custos de produção, oferta e nível de emprego? Quem sustentaria a vagabundagem coletiva? Os contribuintes? E até quando? Até que todos - inclusive o país - quebrassem?

O encômio do ócio... Aviltante! Por essas e outras, Roberto Campos definia o PT como "o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam".

Brasil eleitoral: uma pequena reflexao sobre o dia seguinte

Brasil: the day after
Paulo Roberto de Almeida

Brasil, 1ro. de Novembro de 2010: o país amanhece irremediavelmente dividido, qualquer que seja o resultado das eleições. Quem quer que seja o vencedor, sua herança será um clima pesado de divisão, uma fratura que cinde a nação praticamente ao meio de suas preferências eleitorais, com terríveis consequências para os quatro anos seguintes.
Num caso, podemos antecipar quatro anos de greves, manifestações, invasões, a favor ou contra o governo, não importa, em busca de vantagens políticas, de chantagens econômicas, em torno de simples alinhamentos corporativos.
No outro caso, teremos quatro anos de greves, manifestações, invasões, a favor ou contra o governo, não importa, em busca de vantagens políticas, de chantagens econômicas, em torno de velhos alinhamentos grupais.
Esta é a lógica da divisão do país. Estarei sendo muito pessimista?
Não creio. Infelizmente, eu vejo o Brasil aproximando-se do modelo de alguns vizinhos, países nos quais o processo político também conduziu à fragmentação social, à divisão política, à fratura institucional e a uma predisposição mental de conceber a arena do jogo político, não como uma sadia competição entre propostas alternativas de políticas públicas, mas como um enfrentamento entre inimigos irreconciliáveis, como uma batalha de vida ou morte em torno de escolhas excludentes.
Este é, lamentavelmente, o legado desses anos de simplificação do debate eleitoral como sendo uma oposição entre o passado e o futuro, entre o antes e o agora, entre “nós” e “eles”, entre o povo e as "elites", entre o bom e o mau. Este é o legado da visão confrontacionista do mundo, aquela que pretende que todos os vícios estão de um lado, e que todas as virtudes estão do outro.
Gostaria, pessoalmente, que não fosse assim. Como analista político constato, porém, que é assim! É assim que se comportam certos personagens, que deveriam atuar como magistrados, encarregados de presidir uma simples disputa eleitoral. Ao contrário: eles vêem na contenda uma luta terrível entre um projeto de poder, o “seu” projeto, e todas as demais propostas que não se submetem à sua visão do mundo.
Este parece ser o destino para o Brasil nos próximos anos, infelizmente: descoordenado, dividido, com quase metade da população sentido um gosto amargo de derrota e desiludida de que a política possa representar uma oportunidade para melhorar o Brasil, de forma gradual e consensualmente. Para nossa tristeza, temos apenas de aceitar que uma única solução é exclusivamente aceitável, sem qualquer outra possibilidade. Esta é a lógica dos que nos levaram a essa divisão insana e improdutiva entre brasileiros que simplesmente ostentam opiniões opostas sobre como melhor encaminhar os problemas da nação.

Não quero, contudo, deixar a impressão de que, seja num caso, seja no outro, tudo vai resultar inevitavelmente no mesmo clima de brigas e impasses em torno da governança. Nem tudo são “parecenças” e semelhanças entre um e outro projeto. Existem diferenças, por certo, e eu não me privo de apontá-las. Com minha habitual franqueza e total abertura de linguagem.
Nutro pela classe política as mais fundadas desconfianças, como é público e notório. Mas não posso deixar de reconhecer diferenças entre os personagens. Isto porque não se pode confundir as partes com o todo. Cada um tem responsabilidades individuais e diferenciadas, e não se pode amalgamar o comportamento de todos num mesmo conjunto indivisível. No assunto da corrupção, porém, ocorre algo curioso, justamente. Sempre tivemos a corrupção “normal” do sistema político: políticos se apropriando individualmente de bens públicos, desviando o orçamento para suas pequenas causas (algumas grandes), interferindo no processo decisório em torno de investimentos públicos, etc. Isso é conhecido e até mesmo esperado e sei situa num nível, digamos assim, artesanal, ou manufatureiro, da corrupção.
O que não tínhamos conhecido, porém, era a corrupção sistêmica, estrutural, de natureza “fabril”, em escala industrial, ou seja, organizada e mantida, até estimulada e “agregada” por um grupo que se movimenta em torno do poder com o único objetivo de mantê-lo indefinidamente. Nem se trata de construir um sistema alternativo, pois ninguém mais acredita nesse tipo de bobagem; se trata apenas de explorar as vantagens do sistema para o seu grupo, exclusivamente, fazendo sua “acumulação primitiva”, inclusive no plano individual.
Isto é novo no Brasil, e propriamente aterrador.
Creio, infelizmente, que é este o legado que teremos destas eleições, um legado que nos acompanhará pelos próximos anos.

(Tóquio, 24 outubro 2010)

Retrocessos no combate a corrupcao: Brasil e Argentina

Dois artigos sobre retrocessos lamentáveis no combate à corrupção, Brasil e Argentina:

Ação Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro: o retrocesso na situação brasileira
Artur Andrade da Silva, Mestrando em RI na UnB
Mundorama, 08 Outubro 2010

Após árduo trabalho concertado entre diversas burocracias nacionais no combate à lavagem de dinheiro, o Brasil está de volta à “lista negra” da autoridade internacional na matéria. O resultado da visita das autoridades internacionais ao Brasil ainda em 2009 foi publicado há cerca de dois meses (GAFI, 2010), levantando grande debate na sociedade interna. Há mister a incorporação da discussão pela comunidade acadêmica de Relações Internacionais.

O Grupo de Ação Financeira (GAFI/FATF) foi criado em Cúpula do G-7 em Paris em 1989. Trata-se de um organismo internacional de caráter informal, sem personalidade jurídica internacional, com critérios restritivos de associação, mas com enorme poder político. Seu principal objetivo é promover políticas nacionais e internacionais para o combate à lavagem de dinheiro

O GAFI trabalha com rol de 40+9 recomendações. Quarenta lançadas em 1990, correlatas à lavagem de dinheiro. Nove lançadas após 11 de setembro de 2001, que dizem respeito ao financiamento de práticas terroristas. As recomendações podem ser de duas naturezas distintas: de natureza legal, impondo diretrizes para tipificação e definição de crimes antecedentes à transferência de dinheiro; ou preventiva, prevendo a criação de mecanismos de investigação e gerenciamento de informação qualificada.

Há quatro convenções internacionais principais balizando o regime multilateral de combate à lavagem de dinheiro auspiciado pela ONU – ponto de partida para as recomendações do GAFI. A Convenção de Viena, de 1988; a Convenção para Supressão do Financiamento ao Terrorismo, adotada em 1999; a Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional, de 2000; e a Convenção de Mérida contra a Corrupção, de dezembro de 2003. A Convenção de Viena foi o primeiro grande marco para tipificação da lavagem de dinheiro como crime internacional. A Convenção de Palermo lista técnicas de investigação a serem adotadas pelos países-partes. A Convenção de Mérida visa transformar corrupção em crime antecedente para a lavagem de dinheiro.

A legislação brasileira é bastante avançada no que tange ao combate à lavagem de dinheiro (COAF & FEBRABAN, 2005). Como recomendado pelo GAFI, a Lei 9.613 criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) ao mesmo tempo em que tipificou o crime de lavagem de dinheiro. No combate à lavagem de dinheiro, atuam ainda o Ministério da Justiça, responsável pela definição da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) e outras burocracias, como a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) – a autoridade central.

Caso um país não atenda a 10 das recomendações do GAFI, ele é colocado em uma espécie de lista negra. Hoje, a denominação de lista negra é evitada, preferindo-se o título, em inglês, de High-risk jurisdictions and non-cooperative jurisdictions. Como resultado, qualquer transferência monetária internacional do país estará sujeito a escrutínio dos demais; e, persistindo a avaliação negativa, o GAFI pode determinar contramedidas a serem aplicadas contra o país listado.

Apesar de ser membro ativo no GAFI (e também no GAFISUD), desde agosto foi tornado público o documento de avaliação conjunta (GAFI, 2010) que condena o Brasil como jurisdição de alto risco ou não cooperativa.

A morosidade do Legislativo para tipificar o crime de financiamento de terrorismo é um dos pontos que fizeram retroceder a situação brasileira ante o regime internacional. Após os atentados, o combate ao terrorismo assumiu o topo de prioridade na agenda internacional, o que ficou patente já na clássica Resolução 1373 do Conselho de Segurança da ONU, que impõe aos países membros o imperativo de adotar legislação nacional específica. Não à toa a preocupação com o terrorismo se infiltrou na política internacional de combate à lavagem de dinheiro. Até então, a criminalização da lavagem de dinheiro ocorria pela transferência de montante monetário adquirido mediante ato ilícito (crime antecedente), como a corrupção. Com as 9 recomendações adicionais, cada país deve se preocupar com destino do dinheiro, além de sua origem.

Entretanto, apesar de o relatório acusar falhas em diversas instâncias operacionais da política nacional de combate à lavagem de dinheiro (como falhas em alguns dos componentes do sistema de informação de combate à lavagem de dinheiro, sobretudo após o encerramento da CPMF), a principal crítica recaiu sobre o poder judiciário. Entre 2004-08 foram 6.071 investigações abertas pela Polícia Federal e 4.760 inquéritos do Ministério Público Federal. No entanto, de 2006 a 2008, somente 91 sentenças condenatórias foram prolatadas nas varas estaduais.

É eficiente o imperativo de vinculação entre terrorismo e lavagem de dinheiro, para o enfrentamento dos problemas nacionais? É justa a recomendação de contramedidas por órgão internacional de natureza informal? Como deve ser a atuação do Brasil junto ao poderoso GAFI? Como melhorar a efetividade da política nacional de combate à lavagem de dinheiro? A lavagem de dinheiro deve ser alvo de maiores questionamentos pela comunidade acadêmica de Relações Internacionais. Trata-se de mais um tema que congrega segurança pública e segurança internacional; ação internacional e políticas domésticas.

Referências:
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN). Lavagem de dinheiro: legislação brasileira. Brasília:COAF; São Paulo: FEBRABAN, 2005. Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/publicacoes/downloads/LivroCoaf2005.pdf
GAFI. Relatório Conjunto de Avaliação do Brasil. 2010. Disponível em: http://www.fatf-gafi.org/document/53/0,3343,en_32250379_32236963_45538741_1_1_1_1,00.html
Sítio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF): https://www.coaf.fazenda.gov.br/
Sítio Virtual do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI): http://portal.mj.gov.br/drci/data/Pages/MJDD198628PTBRIE.htm
Sítio do Grupo de Ação Financeira (GAFI-FATF): http://www.fatf-gafi.org/

Artur Andrade da Silva Machado é mestrando em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (andradesmachado@gmail.com).

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Duro informe del GAFI
Lavado: ultimátum para la Argentina

Hugo Alconada Mon
La Nación, Viernes 22 de octubre de 2010

Deberá reformar "con urgencia" el control

Con alusiones explícitas a la impunidad de la corrupción local y al asilo de un terrorista chileno, el Grupo de Acción Financiera Internacional (GAFI) decidió ayer reclamar a la Argentina que demuestre "con urgencia" su compromiso con la lucha antilavado en un plazo perentorio de poco más de 100 días.

De no hacerlo, ingresará en un proceso que podría llevarla a la lista "gris" de países bajo la lupa, con graves consecuencias financieras y bancarias.

La decisión del plenario del GAFI, confirmada por tres fuentes, terminó de darle forma al documento más crítico sobre un Estado miembro del grupo desde su creación, en 1989, ya que otros países que figuran dentro de su peor lista, la "negra" (es el caso de Irán), no lo integran.

El ministro de Justicia, Julio Alak, admitió en un comunicado que la Argentina "ha ingresado en un procedimiento de revisión y ha recibido recomendaciones para fortalecer el sistema de control y sanción de lavado".

El informe resultó mucho más duro de lo previsto por los funcionarios argentinos, que habían viajado a París -donde el plenario debatirá hasta hoy- con la esperanza de morigerar algunos de sus contenidos más negativos. Pero lejos de mejorar algunas calificaciones, el GAFI ratificó todas las notas de la misión de expertos internacionales que vino al país entre 2009 y principios de 2010, y que LA NACION anticipó en abril pasado. Incluso empeoró una de las evaluaciones.

Como adelantó LA NACION el domingo, el reclamo "involucra a los poderes Ejecutivo, Legislativo y Judicial, a los gobiernos provinciales, los entes reguladores y al sistema financiero público y privado", según reconoció Alak.

Durante el debate en París del "caso argentino", la discusión abordó incluso ejes inesperados para la Casa Rosada. Entre otros, se aludió al reciente asilo político otorgado al guerrillero Galvarino Apablaza como prueba de la discutible cooperación de la Argentina en la lucha contra el terrorismo internacional, otro eje bajo la órbita del GAFI.

"Los argentinos se hundieron solos", graficó una fuente. "La decisión del asilo fue muy criticada porque resultó poco inteligente. Al menos podrían haber esperado dos o tres semanas más y comunicarla después del plenario del GAFI", argumentó.

En el informe final sobre la Argentina, que podría difundirse hoy, se alude a otro frente abierto de la clase política y empresaria local: la corrupción. Apoyado en informes de organismos internacionales, como la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económicos (OCDE), la evaluación remarca la impunidad existente en este tipo de delitos.

Tras la aprobación del reporte, el debate en París pasó a centrarse sobre qué medidas adoptar con la Argentina, con dos vertientes. La primera, someter sin más demoras al país al Grupo de Revisión de Cooperación Internacional ("ICRG", en inglés) que podía desembocar en breve en su ingreso en la "lista gris".

La segunda opción -la que terminó por aprobarse-, consistió en darle plazo hasta febrero próximo para que el Estado argentino demuestre su voluntad de cambio y, si no, someterlo entonces a ese proceso más intenso y duro de revisión del ICRG.
"Con urgencia"

A cambio de adoptar el camino más largo, sin embargo, el coordinador nacional de la Argentina ante el GAFI, Alejandro Strega, aceptó que se envíe una carta a Buenos Aires -en rigor, un emplazamiento formal para ese proceso de revisión-, para que el Gobierno ajuste "con urgencia" el sistema local a las 49 recomendaciones del Grupo.

Ese acoplamiento de la Argentina a las exigencias del GAFI, sin embargo, representará un desafío mayúsculo para el país. Entre otros motivos, porque deberían negociarse y aprobarse en el Congreso varios proyectos de ley, por ejemplo, de reorganización de la polémica Unidad de Información Financiera (UIF).

Tanto Strega como el actual titular de la UIF, José Sbattella, sólo obtuvieron un pequeño logro: al analizar el cumplimiento de la "recomendación 29", la misión estimó que la UIF carece de facultades legales para llevar adelante inspecciones. Ante el planteo de que eso podría sustentar las impugnaciones de bancos u otros sujetos bajo revisión, el plenario aceptó cambiarla por una expresión más ambigua, sin concluir si la Unidad cuenta con esa facultad.

El saldo final, sin embargo, resultó peor, para la delegación argentina. Al llegar a París, el borrador sobre el país registraba dos recomendaciones como "cumplidas", dos "mayormente cumplidas", 22 "parcialmente cumplidas" y las 20 restantes "no cumplidas", según consta en el informe que obtuvo LA NACION. Pero tras el debate, el plenario bajó la calificación en la "recomendación N° 10", que aborda la "guarda de documentación". Pasó de "mayormente cumplida" a sólo "parcialmente cumplida".

"La Argentina quedó ahora como el país con peores calificaciones entre todos los miembros del GAFI", destacó el ex coordinador nacional, Juan Félix Marteau. "Esta es otra oportunidad perdida porque durante la gestión de Néstor Kirchner se había fijado una «agenda nacional» que ahora le reclaman al país. Se tiraron por la borda dos años", lamentó.

CONSECUENCIAS
* Revisión . El Grupo de Acción Financiera Internacional (GAFI) le dio un ultimátum a la Argentina para que en 100 días demuestre su voluntad en la lucha contra el lavado de dinero.

* Proceso . El Gobierno tendrá hasta febrero para encuadrarse en las recomendaciones del organismo internacional. En caso de no cumplir, podría ser considerado un país de riesgo.

* Qué es GAFI . Es un organismo intergubernamental establecido en 1989 por el G-7 (las naciones más poderosas en términos económicos). Su propósito es el desarrollo y la promoción de políticas, en los niveles nacional e internacional, para combatir el lavado de dinero y el financiamiento del terrorismo. La sede del organismo está en París, donde se conoció ayer la advertencia sobre la Argentina.

EN NUMEROS:
49: Recomendaciones deben cumplir los países del GAFI.
42: Son las que incumplió, total o parcialmente, la Argentina.

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