domingo, 21 de junho de 2020

Lima Barreto e o cipó mortífero da burocracia - Arnaldo Godoy

EMBARGOS CULTURAIS

Lima Barreto, M. J. Gonzaga de Sá e o cipó mortífero da burocracia


Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá é um romance de crítica à inutilidade de boa parte das intervenções burocráticas. Há nesse interessante livro de Lima Barreto alguns outros assuntos que se sobrepõem, a exemplo de uma discussão sobre a natureza e o destino das biografias, da imprestabilidade dos emblemas públicos, do papel da imprensa e dos jornais nas cidades do interior (Gazeta de UberabaA Pesquisa de Cascadura), do socialismo, da crítica literária e da filosofia, nesse último caso com alusões a Nietzsche.
O leitor pode ter a impressão de que os temas se entrelaçam como uma extensa crônica. A cidade do Rio de Janeiro, como recorrente nos textos de Lima Barreto, é personagem com vida própria. Tem fisionomia, que expressa muitos lugares, também com vida própria, ainda que antípodas: Méier e Copacabana, Rio Comprido e Laranjeiras, São Cristóvão e Botafogo, Saúde, Gamboa, Prainha, Campo de Santana, Catete, Gávea e Jardim Botânico. Monteiro Lobato, que comentou o livro, observou que o Rio estava inteiro naquela prosa, “nas paisagens naturais, na paisagem urbana, na população caleidoscópica”.
Lima Barreto sobressai-se, ainda na impressão de Monteiro Lobato, como “um revoltado, mas um revoltado em período manso de revolta”. Em Gonzaga de Sá não há cólera, há ironia. Essa última – ironia – é para sensíveis e inteligentes o que força física e intimidação são para néscios e limítrofes. Lima Barreto era irônico, no sentido mesmo socrático da expressão. Contemplava um mundo, segundo Lobato, “sentado num café e amolentado por um dia de calor”. Em carta dirigida a Godofredo Rangel, e datada de 1º de outubro de 1916, Lobato elogiava Lima Barreto, que reputava como “facílimo na língua, engenhoso, fino, dá [dava] impressão de escrever sem torturamento – ao modo das torneiras que fluem uniformemente a sua corda d´água”. Conta-nos Francisco de Assis Barbosa que Lima Barreto possuía dois livros de Lobato em sua biblioteca: Urupês e Negrinha.
O narrador inicia Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá afirmando que publicava pensamentos e apontamentos de um tal Augusto Machado, que conhecera Gonzaga de Sá, disciplinado funcionário de imaginária Secretaria dos Cultos. É Lima que usa Machado para falar do Gonzaga. Manuel Joaquim Gonzaga de Sá (esse o nome completo) era bacharel em letras pelo imponente Colégio Imperial D. Pedro II. O narrador nos conta que Gonzaga tinha boas luzes e sólidos princípios de educação e de instrução. Era um “empregado assíduo e razoável trabalhador”. No dia da proclamação da República estava sozinho em sua sala, redigindo um decreto. Lia Fustel de Coulanges, o historiador francês que se ocupou das instituições religiosas do mundo greco-romano.
Gonzaga era “um velho alto, já não de todo grisalho, mas avançado em idade, todo seco, com um longo pescoço de ave, um grande ‘gogó’, certa macieza na voz grave, tendo uns longes de doçura e sofrimento no olhar enérgico”. Usava um “pince-nez”, contemplando o mundo “do fundo do abismo de sua banca burocrática”. Era cético, regalista, voltairiano, antimonástico, mas o narrador diz que não era maçom. Machado e Sá se conheceram quando aquele procurou esse último, a propósito de um gravíssimo problema de interpretação que se enfrentava. Um problema muito sério. Vejamos.
O Bispo de Tocantins chegou no porto de Belém e, ao ser recebido, da fortaleza ouviu apenas 17 tiros de canhão. A eminência religiosa não se conformou, justamente porque a ele se deviam 18 tiros, e não 17. A falta de um tiro era negligência imperdoável. Deveria ser castigada com rigor. A reclamação do bispo chegou formalmente ao também imaginário Ministro dos Cultos. Ouviu-se o Ministério do Exterior, que estudou o direito comparado, ilustrando seus argumentos inconclusos com os entendimentos que China e Montenegro tinham a respeito do assunto. Discutiu-se intensamente.
O Barão de Ingá, secretário-geral dos Cultos, também atuou na questão. O barão passava os dias e as horas na repartição apontando um lápis, e depois outro, o tempo todo. Segundo o narrador, “era um gasto de lápis que nunca mais se acabava; mas o Brasil é rico e aprecia o serviço de seus filhos”. Pode haver alguma semelhança com o Barão de Itaipu, que lhe aplicou exames, e que ostentava o título de nobreza, mesmo quando os títulos nobiliárquicos foram abolidos, na impressão de Lília Moritz Schwarz, autora de biografia definitiva de Lima Barreto.
Gonzaga de Sá é personagem importante no deslinde da complicada e importante questão. É o exemplo acabado de como a burocracia mata talentos. Era subordinado a um chefe da seção de “Alfaias e Paramentos”, que leu vagarosamente o processo, considerou bem o caso e sugeriu que ouvissem a Secretaria da Propaganda, em Roma. Boa decisão.
Há também um Dr. Xisto Beldroegas, o burocrata mais típico do romance. Bacharel em Direito, colega de Gonzaga na secretaria. Xisto “caminha devagar e preocupado, sombriamente preocupado”. Era o “depositário das tradições contenciosas da Secretaria dos Cultos”. De acordo com o narrador, Xisto era “apaixonado pela legislação cultual do Brasil, vivia obcecado com os avisos, portarias, leis, decretos e acórdãos”. Conta-se que passou por uma crise de nervos porque não encontrou no arquivo a legislação que fixava o número de setas que atravessavam a imagem de São Sebastião. Duas, três, uma? O problema era sério. Andava atormentado porque não havia lei que fixava o número de dias de chuva que havia ao longo do ano. O Congresso e os ministros, segundo Xisto, de fato, não prestavam, ao deixarem de regular esse fato importante (chuva) na vida das pessoas.
A solução salomônica para o complicado caso das salvas de canhão para o Bispo (17 ou 18) veio do Ministro da Guerra: 17 tiros e meio. Como? O último tiro seria dado por uma arma menor, o que significaria exatamente a metade do tiro disputado. Uma grave questão recebia uma pá de cal. A máquina do Estado funcionava, para alegria do contribuinte.
A tônica do livro é a crítica irônica à burocracia. Era um mundo no qual dava-se importância à presença em congresso mundial sobre a vadiagem de cães, que se realizaria na Itália. Assunto grave. Jovens talentosos eram cooptados pela carreira funcional, encalacravam-se na “depressão mental do ambiente”. Com os anos, prossegue, “esfriam, não leem mais, embotam-se e desandam a conversar”. O narrador conta a história de um escriturário que conhecia línguas (entre elas o hebraico). O pai, que fora rico, o mandou para a Europa, onde estudou crítica religiosa e antigas línguas sagradas. Sem a fortuna da família, perdida, retornou para o Rio, sábio, sem saber o que fazer da sabedoria. Fez concurso. Tornou-se amanuense. “Ficou como um escolar que sabe geometria, a viver numa aldeia de gafanhotos”. Morreu 15 anos depois. Os colegas lembravam que “tinha uma boa letra”. E nada mais. Amou o carimbo.
Lobato, em carta a Lima Barreto, datada de 23 de novembro de 1919, afirmava que o livro não vendia por causa do título, que não era psicologicamente comercial: as pessoas pensavam que era a biografia de um ilustre desconhecido. Remendo que era um ilustre incógnito que habita um pouco em todos aqueles que de algum modo se deixam enlear no “cipó mortífero da burocracia”, expressão do Lobato, que dividiu com Lima Barreto aversão mineral e orgânica para com as instituições de fachada.
Topo da página

 é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.

sábado, 20 de junho de 2020

Multilateralismo: resposta necessária para enfrentar a pandemia - Renato Zerbini Ribeiro Leão (Nexo)

Multilateralismo: resposta necessária para enfrentar a pandemia

Nas relações internacionais, o termo multilateralismo é utilizado para se referir ao trabalho conjunto de vários países sobre um determinado tema. Refere-se, portanto, a um sistema coordenado de interações entre três ou mais países de acordo a certos princípios de conduta. Como política, trata-se de uma ação deliberada por um país, em coordenação com outros, em prol da realização de objetivos em áreas de interesses comuns. Na filosofia política, o inverso de multilateralismo é o unilateralismo.
O mundo emergido da Segunda Guerra Mundial é reconstruído sobre seis pilares consagrados como os princípios gerais das relações internacionais contemporâneas e do direito internacional vigente. Estes estão inclusive elencados no artigo segundo da Carta de São Francisco, tratado internacional que cria a Organização das Nações Unidas, a instituição que poderia ser designada como o símbolo maior do multilateralismo. São eles: a igualdade soberana entre os países; a não interferência nos assuntos internos dos países; a proibição do uso da força entre países (salvo exceções como legítima defesa e sua autorização pelo Conselho de Segurança da ONU, possibilidades estas previstas no capítulo 6 da Carta da ONU intitulado “Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão”); a solução pacífica de controvérsias entre países; a cooperação internacional; e a afirmação dos direitos humanos. Esses princípios se consagram para preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra e reafirmar a fé nos direitos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, objetivando a promoção do progresso social e melhores condições de vida numa liberdade planetária mais ampla.
Desde 24 de outubro de 1945, data de criação da ONU, várias ações foram tomadas consagrando e sacramentando esses seis princípios gerais. Mais recentemente, especialmente a partir desta segunda década do século 21, reiterou-se a necessidade de acelerar a ação sobre a construção de um mundo mais equitativo e sustentável, com fulcro especialmente em duas estratégias-chave: a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Ora, não se necessita ser alguém especialmente dotado de profundo espírito humanitário ou elevado conhecimento científico para entender os benefícios múltiplos para a humanidade em seu conjunto e para o planeta em sua ampla dimensão, incluindo fauna e flora, caso a meta ambiciosa de alcance desses objetivos seja atingida. Pois é notável que os desafios globais de hoje, tais como a mudança climática, a pobreza, a desigualdade ou a migração, afetam a tudo e a todos, incluindo países pobres e ricos, sem nenhum tipo de discriminação. Ademais, os desastres naturais, o terrorismo, a guerra cibernética e as pandemias de saúde estão aumentando aceleradamente.
Prova disso está no atual desafio de combate e contenção à pandemia da covid-19. A cooperação internacional entre países, organizações internacionais e indivíduos é essencial para o logro eficaz e rápido da vitória da humanidade sobre o vírus. Tal esforço requer uma ação imediata e coletiva, cujo êxito somente será palpável se todos esses três atores isoladamente e em seu conjunto puserem seus grãos de areia. Finalmente, o futuro de todos estes está inexoravelmente conectado. Dias melhores para as pessoas e o planeta passam pela defesa dos direitos humanos, manutenção da paz e promoção do desenvolvimento sustentável. Para tanto, o multilateralismo é o vetor ideal.
No contexto da cooperação internacional em prol de uma solução duradoura, eficaz e sustentável à pandemia que carcome a humanidade, muitos países dos distintos continentes somam-se em esforços para enfrentar tal realidade. Recentemente, dois chamam a atenção: um trabalho coordenado conjunto para a descoberta de uma vacina cabal e uma coalizão mundial para planejar e levar adiante uma reconstrução orquestrada da economia mundial. Em um cenário global multilateral e à luz da cooperação internacional, tais esforços serão mais facilmente alcançados. Assim como todos e quaisquer desafios que se proponha o ser humano alcançar.
Contrariando a lógica da sobrevivência planetária e humana, o multilateralismo enfrenta uma profunda crise. Há uma notável diminuição do apoio concertado da sociedade internacional ao mesmo tempo em que se nota um aumento de opinião exacerbada, tendenciosa ou agressiva em seu desfavor. Assim mesmo, o nacionalismo fútil e o protecionismo tosco desafiam a virtude da cooperação internacional, obrando na direção oposta ao multilateralismo.
Observa-se suntuosamente que fundamentalismos ideológicos, políticos e religiosos têm impactos centrais sobre o mundo que nos cerca: vários de nossos amigos, colegas de profissão, familiares, nossas culturas e sociedades já estão por eles afetados, seja por simples interesse vulgar ou diferentes psicopatias. 
O fundamentalismo não é um fenômeno que se aproxima, pois é algo que já está entre nós. Fred Halliday nos alertou que os fundamentalistas têm uma visão bastante clara e determinada do que são. Estes combinam, sem necessária relação estreita entre eles, dois elementos: a invocação de um retorno aos textos sagrados lidos literalmente e a aplicação dessas doutrinas na vida social e política. Por isso, estes têm no multilateralismo um foco de combate. Trata-se de uma oposição certeira e vigorosa à visão doentia e insana de todo o tipo de fundamentalismo.
O multilateralismo é um ambiente propício à convivência harmônica, pacífica e sustentável entre diversas culturas, países e povos.

Renato Zerbini Ribeiro Leão é PhD em direito internacional e relações internacionais. Presidente do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.

Será que vai ter golpe? - Fernão Lara Mesquita

Será que vai ter golpe?

Fernão Lara Mesquita 
16 de junho de 2020 § 32 Comentários
É sempre aquela encruzilhada chave do catolicismo: “Pequei por pensamentos, palavras … e obras”. É nessa reticência que se instala a inversão fatal. O pecado em pensamento conduz diretamente à tortura: “Pensou ou não pensou”? Como prová-lo? Já o pecado em palavras está aí para produzir “a prova” do pecado em pensamento. Mas e os atos? Ora, os atos perdoa-se com meia dúzia de ave-marias. Não ha que perder muito tempo com eles.
Todo mundo tem o direito de desejar o fechamento do Congresso, do Supremo e do que mais quiser e de expressar esse desejo. Só é proibido agir para isso com o uso de força, o que está totalmente fora do alcance do portador de cartazes em manifestações ou de quem bate palmas para eles. O STF agir contra essas pessoas, isto sim está expressamente proibido por lei. Quando é o STF que viola a lei tem-se, de saída, uma afronta institucionalizada contra o estado de direito. Mas quando ele passa a agir sem provocação o estado de direito é literalmente aniquilado. Quando passa por cima das condições dentro das quais é lícito acionar contra alguém a arma mais forte do sistema nenhum outro direito do cidadão permanece em pé. 
Ha 15 meses o sr. Dias Toffoli, monocraticamente, instalou o vale tudo ao censurar uma revista por expor seus podres. Subverteu, com isto, todas as condições dentro das quais a arma do STF pode ser acionada. E fez jurisprudência. Desde então cada ministro “ofendido” por um “pecador em palavras” está autorizado a agir para fazer justiça com as próprias mãos sucessivamente como polícia, como promotor e como juiz da própria causa. Não é preciso lei nem figura do Código Penal que defina a ofensa. Nem denuncia pelo Ministério Público, nem endereçamento ao tribunal definido pela lei, nem sorteio de juiz, nem indiciamento, nem defesa para os acusados.
De que outra ditadura têm medo, então, os nossos alarmados defensores do “estado democrático de direito”? 
O divisor de águas é muito simples e claro: ha democracia quando o povo manda no governo e este só tem os poderes que o povo explicitamente lhe conceder. Mas nas seções de mutuo endosso entre representantes das corporações beneficiadas por ela que a imprensa enviesada exibe à exaustão não há verdade nem democracia fora da Constituição de 1988. 
Mentira! 
O caráter democrático de uma constituição não se define por quais privilégios determinados grupos de poder inscrevem nela e sim por quais meios ela é pactuada com quem vai acata-la. Sem o referendo formal e explícito dado pelo povo, única fonte de legitimação do poder numa democracia, que nos Estados Unidos levou 13 anos de debates para ser alcançado e no Brasil nunca chegou sequer a ser proposto, uma constituição não passa da “verdade revelada”, ou seja, da mentira da vez a que sempre se recorreu para justificar sistemas de opressão.
Agora anda em voga a questão das listas tríplices. “Sem lista tríplice não ha independência, nem democracia, nem transparência”, dizem nossos “democratas”. Certíssimo! Mas independência do que em relação a quem? Do Estado em relação ao povo, única fonte de legitimação do poder que, nas democracias, elege diretamente os seus promotores e demais encarregados de fiscalizar o governo assim como os conselhos gestores de suas escolas públicas. 
Não é de um óbvio ululante que a cadeia de lealdades que as listas tríplices macunaímicas estabelecem – primeiro do servidor em detrimento do servido com a corporação que seleciona os três nomes passiveis de serem transformados em deuses e depois de todos com o suposto fiscalizado a quem cabe a escolha final – são a própria descrição da tragédia do Brasil?
Não seria a cegueira da imprensa para essa obviedade decorrência do fato de haver gente demais nas redações desfrutando pessoalmente ou pela interseção de “cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau” dos privilégios do emprego estatal que por isso contempla a justiça desses privilégios com a mesma boa vontade com que os ministros do STF contemplam os seus? 
De que outro modo é possível explicar que com a ajuda de R$ 600 reais reduzida a 200 ou 300 e por apenas mais dois ou três meses por falta de dinheiro e metade da população desempregada ou subempregada não ocorra a nenhuma grande redação brasileira por em pauta os salários, a indemissibilidade, as aposentadorias, as lagostas e os vinhos tetra-campeões que nem as pandemias derrubam? Ou as reportagens que expliquem como conseguem as excelências que tantas loas cantam ao “estado de direito”, mesmo com o gordo salário que consta dos seus holleriths, manter suas dachas internacionais em euros ou em dólares? 
A única invocação da constituição brasileira interessada no Brasil é a que vier para reivindicar a reforma que ponha o País Oficial na dependência estrita da sua constante re-confirmação pelo País Real. E essa reforma começa por extirpar dela tudo que não diga respeito a todos os brasileiros sem nenhuma exceção. Vender privilégios medievais como democracia e uma privilegiatura segura o bastante para arrotar desenfreadamente sua arrogância como “estado de direito” não engana ninguém.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Política externa e diplomacia brasileira no desenvolvimento nacional: perspectiva global e comparada - Paulo Roberto de Almeida

Um dos meus trabalhos que combina história econômica, sociologia do desenvolvimento, política externa e diplomacia brasileira, como sempre em apoio a palestra online para estudantes e professores: 

3699. “Política externa e diplomacia brasileira no desenvolvimento nacional: perspectiva global e comparada”, Brasília, 19 junho 2020, 26 p. Síntese histórica sobre o processo brasileiro de desenvolvimento econômico desde o final do Império, com referências à política externa em três fases desse longo período, para servir como texto de apoio a palestra, com base no trabalho n. 3662 (“Desenvolvimento brasileiro, do século XIX à atualidade: economia, pobreza, trabalho e educação em perspectiva histórica”). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43388249/Politica_externa_e_diplomacia_brasileira_no_desenvolvimento_nacional_perspectiva_global_e_comparada_2020_).

Política externa e diplomacia brasileira no desenvolvimento nacional: perspectiva global e comparada

Paulo Roberto de Almeida


Sumário: 
1. Introdução: a natureza do exercício
2. Do Império à velha República: o lento desenvolvimento social
3. A modernização conservadora sob tutela militar: 1930-1985
4. As insuficiências sociais da democracia política: 1985-2020
5. Dúvidas e questionamentos sobre o futuro: o que falta ao Brasil?
5.1. Estabilidade macroeconômica (políticas macro e setoriais);
5.2. Competição microeconômica (fim de monopólios e carteis);
5.3. Boa governança (reforma das instituições nos três poderes);
5.4. Alta qualidade do capital humano (revolução educacional);
5.5. Abertura ampla a comércio e investimentos internacionais.
6. Conclusões: o que falta ao Brasil?


1. Introdução: a natureza profunda de uma transição nunca acabada
Não sou historiador, nem sou economista, apenas sociólogo, mas sempre gostei de refletir historicamente sobre as frustrações de nosso desenvolvimento econômico e social. Estas são muitas e evidentes, pois do contrário já seríamos uma nação materialmente mais avançada, com menor grau de iniquidades sociais do que o cenário que pode ser constatado por uma análise perfunctória de nossos indicadores sociais e econômicos per capita. Como modesto aprendiz de sociologia histórica, sempre fui propenso a analisar essas insuficiências no contexto mais vasto do processo mundial de desenvolvimento econômico dos povos e nações desde o final do século XIX, ou seja, desde quando se confirmou aquela tendência que os historiadores econômicos chamam de Grande Divergência, no bojo da primeira revolução industrial. Este é o contexto básico, historicamente enquadrado, no qual se situa a emergência do Brasil, enquanto Estado independente, na conjuntura global do sistema internacional, ou seja, aquele da primeira revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha de meados do século XVIII e já plenamente configurada como a nação mais avançada do planeta por ocasião das guerras napoleônicas.
Ora, o mundo já se encontra na quarta ou na quinta revolução industrial e caminha para um período de relativa convergência entre os diferentes grupos de países, mesmo algumas antigas colônias dos impérios europeus da era moderna. A convergência é mais evidente no caso da Ásia Pacífico do que em outros países da periferia... (...)
(...)

6. Conclusões: o que falta ao Brasil? 
Os elementos sistêmicos, ou estruturais, alinhados nesta última seção são os que faltam ao Brasil para que ele se converta em país desenvolvido, com uma diminuição sensível dos elevados níveis, altamente iníquos, de desigualdade social e de pobreza não justificadas por falta de recursos ou de um Estado funcional. Ou seja, como já disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil não é um país pobre, mas sim um país com muitos pobres. Isto é evidente tendo em conta seu nível relativamente satisfatório de industrialização, o avanço de sua agricultura, que se tornou altamente competitiva no plano mundial, e igualmente no plano de sua organização estatal, bastante moderna no contexto dos países emergentes, o que justificaria, uma etapa de prosperidade social e patamares de renda e de desenvolvimento humano relativamente satisfatórios, o que, no entanto, não se confirma na prática. Não se poderá lograr as reformas apontadas simultaneamente, sobretudo em meio à pandemia que afeta o mundo inteiro atualmente. Mas não cabe perder de vista o que é relevante para o futuro do país. Meu foco continua dando ênfase a esses objetivos estratégicos para o futuro da nação. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19/06/2020

Ler a íntegra neste link: 

O Brasil no mundo: o que virá depois? - Debate com Alberto Aggio, Paulo Ferracioli e Paulo Roberto de Almeida

Mais um debate sobre o mundo pós-pandemia. Ainda há algo a ser dito?


Em todo caso, relaciono aqui todos os meus trabalhos recentes que tratam exclusivamente do mundo pandêmico e pós-pandêmico...
Paulo Roberto de Almeida 


3599. “Consequências geopolíticas da pandemia Covid-19”, Brasília, 19 março 2020, 7 p. Comentários sobre mudanças no cenário global em consequência do surto pandêmico de Covid-19, principalmente quanto aos papeis globais dos EUA e da China. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/03/consequencias-geopoliticas-da-pandemia.html), no Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/3093811697348926) e Twitter (link: https://twitter.com/PauloAlmeida53/status/1240748591343448065). Disponível em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42263528/Consequencias_geopoliticas_da_pandemia_Covid-19); em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/340063063_Consequencias_geopoliticas_da_pandemia_Covid-19; DOI:10.13140/RG.2.2.11129.62563).

3611. “Cenários para o Brasil até 2022 decorrentes da pandemia Covid-19”, Brasília, 31 março 2020, 10 p. Adaptação do trabalho 3610 para fins de divulgação pública. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/03/cenarios-para-o-brasil-ate-2022.html) e no Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/3121576847905744?__cft__[0]=AZWUeZ5Tc8TcK4tTvCATfg2w-va0K5_U43EWZpdjVYYoHgl6LPTMwKL9iARAMIxtl5FGksRjfRhBYTlToD7bERp-zD9KY59WnYlQETWqhDhWydwDEPBFyDxjqQ5j4V9vkk8&__tn__=%2CO%2CP-R); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42456422/Cenarios_para_o_Brasil_ate_2022_decorrentes_da_pandemia_Covid-19_2020_).

3646. “Pandemia global e pandemia nacional: um futuro pior que o passado”, Brasília, 23 abril 2020, 10 p. Notas para palestra online para alunos do NERI, curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Salvador (BA), em 23/04/2020, 20:00hs, via Instagram, a pedido do Prof. Felippe Silva Ramos. Disponível no blog Diplomatizzando(link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/uma-palestra-sobre-duas-pandemias.html) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42836086/Pandemia_global_e_pandemia_nacional_um_futuro_pior_que_o_passado_2020_).

3659. “A descida para a indignidade como forma de governo”, Brasília, 30 abril 2020, 1 p. Comentário rápido sobre o quadro deplorável da governança no Brasil, no contexto da pandemia. Divulgado no blog Diplomatizzando(01/05/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-descida-para-indignidade-como-forma.html) e no Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/3194958330567595?__cft__[0]=AZUN2S90ENKUt0_TEjISLwjG2HspPRyUdYG_CO11ICwPvntMeU9niVoVs5esxnzWtZZMG60qqnMNqK8LzKCfVCRxtRpzvT_HdD2jaD8_iMn_peWEbucI9LRwbA0RfD30YMg&__tn__=%2CO%2CP-R).

3670. “O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais”, Brasília, 15 maio 2020, 13 p. Ensaio sobre os desenvolvimentos econômicos e políticos do mundo atual, para apoiar participação em debate online para o Livres, na companhia do embaixador Rubens Ricupero e da economista Sandra Rios, previsto para o dia 25/05, às 19hs. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43123473/O_mundo_pos-pandemia_contextos_politicos_e_tendencias_internacionais_2020_); anunciado no blog Diplomatizzando (2/05/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/o-mundo-pos-pandemia-contextos.html); Apresentação inserida na plataforma do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/publicacoes/mundo-pos-pandemia-contexto-politico-e-tendencias-internacionais/). Debate transmitido pelo canal do Livres no YouTube (link: https://www.youtube.com/watch?v=wLGFUPWDAoY).

3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio opinativo sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online para alunos dos cursos de Direito e de Relações Internacionais da IES de Anápolis, em 3/06, a convite da Prof. Mariana Maranhão (marianarmaranhao@gmail.com). Encaminhado aos membros da Confraria PAZ, para palestra no dia 27/05/2020, via Zoom. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-politica-externa-e-diplomacia.html). Feita nova nota de apresentação com base no trabalho n. 3321/2018. Palestra online gravada e disponível no YouTube (link: https://www.youtube.com/watch?v=g-Jr7xxIphQ&feature=youtu.be).

3680. “O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres”, Brasília, 25 maio 2020, 6 p. Nota de resumo do trabalho n. 3670 (“O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais”), para apresentação no programa. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43153874/O_mundo_pos-pandemia_resumo_para_o_programa_do_Livres_2020_); anunciado no blog Diplomatizzando (2/05/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/o-mundo-pos-pandemia-resumo-para-o.html); debate transmitido pelo canal do Livres no YouTube (link: https://www.youtube.com/watch?v=wLGFUPWDAoY), reproduzido no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/o-mundo-pos-pandemia-debate-no-livres.html).

O patrimonialismo estatal e os novos bárbaros - Paulo Roberto de Almeida

Meu artigo sobre o novo patrimonialismo estatal no Brasil, desta vez sob o comando dos novos bárbaros, visando inclusive o Itamaraty, que precisa ser preservado de sua sanha destruidora; no Estado da Arte, O Estado de S. Paulo (19/06/2020; link: https://t.co/0pf41nF0sr).


O patrimonialismo estatal e os novos bárbaros

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: discussão de um fenômeno permanente; finalidade: debate público]
O Estado da Arte, O Estado de S. Paulo (19/06/2020; link: https://t.co/0pf41nF0sr?amp=1).


O patrimonialismo, nosso velho conhecido, tem, evidentemente, um longo passado na história do Brasil. Provavelmente, ele terá também um brilhante futuro pelos anos à frente. É o que se constata, em todo caso, por meio das medidas governamentais do “novo Brasil” dos bolsolavistas, que desde já estão identificados à segunda parte do título deste artigo. Eles são os novos bárbaros, pois estão deliberadamente empenhados na destruição de muito do que existe atualmente no Brasil, no plano institucional, segundo se pode julgar pelas palavras e ações do próprio presidente, que é quem comanda, de fato, esses novos bárbaros.
Como devidamente estudado nas obras magistrais do maior sociólogo do século XX, Max Weber, o patrimonialismo é inerente às sociedades tradicionais, e esteve representado em todas as épocas e em quaisquer circunstâncias nas formações políticas que não puderam ainda passar a formas mais elaboradas de organização social e estatal, aquelas compreendidas no universo institucional do que ele chamou de administração racional-legal. Aliás, se por acaso Weber, falecido há exatos cem anos, desembarcasse no Brasil do século XXI – mas isso sempre foi válido para qualquer outra época – teria de refazer sua tipologia das formas de dominação política, embaralhando os seus tipos-ideais, uma vez que conseguimos, por aqui, misturar formas tradicionais, carismáticas e racionais-legais de administração política, todas elas coexistindo ao mesmo tempo e justapostas, como numa colcha de retalhos.
O patrimonialismo, que desembarcou aqui junto com Tomé de Souza, em 1549, mas que já existia no Portugal medieval – como ensinou Raymundo Faoro –, atravessou todas as épocas e todos os regimes políticos, superpondo-se desde os tempos dos “homens de bem”, dominando as administrações locais, passando pelos donatários, governadores-gerais, pelos vice-reis, coexistindo com a corte transplantada, o Reino Unido e sob os dois reinados do Império. A República trouxe poucas mudanças a esse patrimonialismo oligárquico, típico dos regimes tradicionais, mas alguma mudança ocorreu, não se sabe bem se para melhor. 
Mário de Andrade, poeta modernista que se frustrou com o pequeno impacto que teve sobre a sociedade a Semana de Arte Moderna, quase cem anos atrás, traduziu um pouco desse espírito pessimista no seu Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter”, cujas páginas já trazem diversos exemplos de patrimonialismo – ou seja, a mistura do público e do privado – nas ações de alguns personagens. Entre 1922 (a Semana) e 1928 (Macunaíma) ele perpetrou um poema – “O poeta come amendoim” – no qual algumas estrofes revelam como o Brasil avançava, mas preservando traços de continuidade, em meio a poucos avanços; disse ele: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”. O fato é que a fatalidade da dominação artificialmente carismática da “era Vargas” introduziu algumas mudanças cosméticas no mandonismo local – uma vez que não se fez nenhuma reforma agrária, a despeito da “revolução burguesa” –, preservando o patrimonialismo no famoso tripé do “coronelismo, enxada e voto” de que falava Vitor Nunes Leal, dez anos antes que Raymundo Faoro dissecasse a continuidade do fenômeno no seu clássico “Os Donos do Poder”. Ele sempre recusou o caráter weberiano de sua obra, mas o fato é que o chamado “estamento burocrático”, base do patrimonialismo brasileiro moderno, continuou sendo preservado mesmo na nova modernização conduzida pelo regime militar poucos anos depois.
Pouco antes que Vitor Nunes Leal consagrasse seu estudo às formas tradicionais de patrimonialismo, de base essencialmente rural, um episódio ao final do Estado Novo revelou uma das novas faces da modernização desse fenômeno: seu caráter “estatal”, ou pelo menos abrigado nos interstícios do Estado burocrático construído na era Vargas e simbolizado, em grande medida, pelo DASP, o Departamento Administrativo do Serviço Público, suposto terminar com o pistolão e o apadrinhamento e disciplinar o ingresso no serviço público. Pois foi entre outubro de 1945, quando ditador foi derrubado pelas Forças Armadas, e janeiro de 1946, quando tomou posse o presidente eleito em dezembro, no primeiro escrutínio desde 1930, que o chefe interino do Estado, José Linhares, presidente da Suprema Corte, facilitou o ingresso em cargos públicos, sem qualquer concurso, de membros de sua extensa família e de inúmeros outros oportunistas, ensejando então o famoso slogan, “os Linhares são milhares”, ou seja, um exemplo típico do novo patrimonialismo de feição estatal. 
A modernização então operada sob a ditadura dos generais foi de fato impressionante, praticamente completando o processo de industrialização substitutiva e, finalmente, levando a cabo a transformação da agricultura, que tinha continuado atrasada mesmo depois que Monteiro Lobato alertava para o perigo das saúvas nos tempos de Mario de Andrade. A Embrapa e a própria capitalização do campo contornaram a necessidade de uma “reforma agrária”, nos moldes pregados por militantes da esquerda e intelectuais como Caio Prado Jr. Mas o patrimonialismo continuou impávido, embora tenha mudado de mecanismos e de ferramentas de atuação, deixando as formas tradicionais de dominação típicas do “Brasil essencialmente agrícola” para assumir as novas vestes do coronelismo eletrônico das redes de rádio e televisão do Brasil moderno: essas mudanças podem ser seguidas nos mapas eleitorais e no deslocamento dos apoios em função das novas políticas de assistencialismo estatal. 
A própria transposição da capital federal para o interior criou ou reforçou essas novas formas, desta vez com a ampliação desmesurada do Estado dirigista e intervencionista, com suas múltiplas corporações públicas, confirmando a “ditadura” do estamento burocrático de que falava Faoro ainda na República de 1946. Tanto a tecnocracia do regime militar quanto a Nova República, consolidada sob a Constituição de 1988 representaram, antes de mais nada, a ascensão irresistível do funcionalismo público, o novo patrimonialismo estatal, com seus novos “senhores feudais” e seus novos “mandarins da República”. A nata da magistratura, por exemplo, é o mais próximo que temos da aristocracia do Antigo Regime, criando para si mesma, aliás, privilégios, prebendas e penduricalhos salariais de que nunca gozou a antiga aristocracia da espada e menos ainda a nobreza de títulos. 
Durante algum tempo, por sinal, a “República Sindical” criada pelos companheiros que ocuparam o poder entre 2003 e 2016, aperfeiçoou ainda mais o velho patrimonialismo dos antigos donos do poder, mas o fizeram à sua maneira, como revelado pelas investigações sobre a gigantesca máquina de corrupção criada e alimentada pelos novos donos do poder, o que permitiria falar de um “patrimonialismo gangsterista”, dadas as técnicas criminosas desvendadas por ocasião do processo do Mensalão; elas foram, depois, expostas amplamente no bojo da Operação Lava Jato, que se ocupou basicamente do chamado Petrolão, mas ainda há muito a ser revelado, pois as operações de “compra e venda” se estenderam a vários outros âmbitos políticos e do funcionalismo público. Aparentemente, o patrimonialismo voltou a formas mais “tradicionais” depois do impeachment e da substituição dos donos do poder.
Independentemente das diferentes formas de patrimonialismo que o Brasil conheceu ao longo da história, sempre se pode dizer que ele permanece impérvio à modernização das instituições, como já constatado por diversos especialistas, entre eles mestre Antônio Paim, um dos grandes analistas do patrimonialismo. Este parece extrair novas forças da extrema fragmentação partidária experimentada no sistema político-eleitoral brasileiro nas últimas décadas, o que multiplica, justamente, as operações de apropriação privada dos bens públicos (o que constitui, como se sabe, o cerne do patrimonialismo de todas as épocas). Tal dispersão da representação cidadã – com muitos partidos criados unicamente para fruir, de forma bem patrimonialista, dos recursos públicos, num processo quase similar ao da multiplicação de igrejas evangélicas, aqui recolhendo dízimos privados – favoreceu inclusive a rejeição da política tradicional, o que abriu espaço à ascensão de novos tipos de populismo, como o que se assiste atualmente no Brasil, apenas com o sinal aparentemente contrário ao populismo de esquerda que vicejou durante três lustros neste século. 
A despeito dos anúncios grandiosos de rejeição da “velha política” e de correção das velhas distorções do sistema político anterior, não existe nenhuma indicação de que as velhas práticas do patrimonialismo – tradicional, ou novo, inclusive gangsterista, não importa – tenham sido aposentadas. Ele se insinua, inclusive, na organização mais weberiana, mais racional-legal, que se poderia conceber no Estado brasileiro desde praticamente dois séculos: o ministério das Relações Exteriores, no qual o recrutamento por concurso e a reserva de mercado para os próprios profissionais da carreira são proverbiais (embora nem sempre tenha sido assim: antes de 1946, muitos diplomatas podiam entrar “pela janela”). Foi anunciado, há pouco, que o governo da “nova política” pensa abrir o Itamaraty a colaboradores recrutados de fora, ou seja, “assessores” que não seriam servidores concursados, mas escolhidos a dedo. Isto nada mais é do que patrimonialismo puro, ou seja, apropriação da coisa pública pelos donos (supõe-se que temporários) do poder, o que nos remete, finalmente, à caracterização dos “novos bárbaros” feita na segunda parte do título deste artigo. 
Na análise weberiana das antigas formas de dominação política, ele destacou o papel da República romana, e da figura do cidadão, protegido por leis, como uma das bases da evolução política na Europa medieval e moderna, que desembocaria finalmente no Estado pós-absolutista. Ora, o Império romano foi submergido por tribos bárbaras, cujos membros tinham no patrimonialismo uma das características do usufruto dos bens públicos e sua transmissão hereditária, sem qualquer controle por algum corpo representativo de “cidadãos”, uma entidade desconhecida nessas formações. O Estado brasileiro atual parece ter sido posto sob o controle dos “novos bárbaros” que emergiram na política sem qualquer estrutura partidária ou institucional, baseados apenas nos instintos primitivos daquele que pretende apresentar-se como “líder carismático”, mas que nada mais representa do que uma espécie de contrafação do conceito weberiano original. 
O Itamaraty, que se orgulhava de ser a mais “weberiana” das corporações de Estado, parece estar prestes a ser submergido por esses “novos bárbaros”, que podem deformar o caráter “racional-legal” de seus métodos burocráticos de trabalho. Se Weber estivesse vivo, talvez usasse o conceito de Entzauberung – isto é, desencanto – para sinalizar o sentimento dos diplomatas do corpo profissional do Itamaraty em face do estupro que parece estar sendo preparado pelos bolsolavistas contra a outrora respeitada instituição formuladora da essência da política externa nacional, uma realidade agora praticamente desfigurada. A História não os absolverá desse novo crime institucional.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de junho de 2020

quinta-feira, 18 de junho de 2020

EUA rompem um compromisso firmado desde 1960 – apoiado unicamente pelo Brasil – de não assumir a presidência do BID

Os EUA se comprometeram solenemente, no momento da criação do BID, em 1960, a não apresentar candidatos do país para a presidência do BID, que teve unicamente presidentes latino-americanos durante esses 60 anos. 
Agora resolveram apresentar um candidato, com o imediato apoio do Brasil, que provavelmente não será seguido pelos outros países latino-americanos. Dependendo dos demais países, sobretudo pequenos, essa candidatura pode não se materializar, e o Brasil ficará isolado no hemisfério.
Paulo Roberto de Almeida

DECLARACIÓN DE EXPRESIDENTES LATINOAMERICANOS ANTE ANUNCIO DE ESTADOS UNIDOS SOBRE FUTURA PRESIDENCIA DEL BANCO INTERAMERICANO DE DESARROLLO.
Ante el anuncio hecho por el gobierno de Estados Unidos de nominar para la presidencia del Banco Interamericano de Desarrollo (BID) a Mauricio Claver-Carone, ciudadano norteamericano, actual alto asesor del presidente Donald Trump para Latinoamérica y director para asuntos de América Latina en el Consejo de Seguridad Nacional de la Casa Blanca, deseamos manifestar nuestra profunda preocupación y desacuerdo con tal propuesta. Ella implica una ruptura de la norma no escrita, pero respetada desde el origen, por la cual el BID, por razones, entre otras, de eficiencia financiera, tendría su sede en Washington, pero cambio siempre estaría conducido por un latinoamericano.
Esta no es sólo una cuestión de alteración protocolar. Es un quiebre, con obvias derivaciones políticas, en el quehacer de uno de los instrumentos más eficaces para la convivencia hemisférica. El BID llevó adelante su tarea desde 1960 con diligencia y alta comprensión de las condiciones de la región y las diversidades en su desarrollo. Así lo han hecho sus distintos presidentes: el chileno Felipe Herrera (1960-1970), el mexicano Antonio Ortiz Mena (1970-1988), el uruguayo Enrique Iglesias (1988-2005), y el colombiano Luis Alberto Moreno, del 2005 a la fecha. A su vez, siempre la vicepresidencia ha estado en manos de un ciudadano de Estados Unidos.
El nombramiento propuesto del señor Claver-Carone en el BID no anuncia buenos tiempos para el futuro de la entidad, lo que nos lleva a expresar nuestra consternación por esta nueva agresión del gobierno de los Estados Unidos al sistema multilateral basado en reglas convenidas por los países miembros. Respetuosamente exhortamos a los otros socios del BID a oponerse a la acción emprendida por el gobierno de los Estados Unidos, recordando que tanto de Argentina como de Brasil se han planteado alternativas en una decisión que reclama hacerse con ponderación y realismo.
No es hora de complicar aún más el dificil episodio que América Latina y el Caribe enfrentan debido a la pandemia y sus gravísimas consecuencias económicas y sociales. Con esta propuesta, el presidente Donald Trump levanta un muro más en su forma de entender la relación de Estados Unidos con el resto del continente. Aún es tiempo de hacer ver, con argumentos y determinación, la alta inconveniencia de aceptar la imposición pretendida por el gobierno de los Estados Unidos.
Ricardo Lagos
Julio María Sanguinetti
Juan Manuel Santos
Ernesto Zedillo
18 de junio de 2020. 

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...